sábado, 26 de outubro de 2013

Prevenção se dá na curva - Juliana Ferreira

Estudo desenvolvido no Hospital São Geraldo da UFMG indica que esse exame específico da pressão intraocular se mostrou o mais eficaz para monitorar o glaucoma, doença silenciosa



Juliana Ferreira


Estado de Minas: 26/10/2013



A visão é comprometida quando há danos no nervo óptico, que leva todas as imagens capturadas pelo olho até o cérebro.Embora possa aparecer no nascimento, o glaucoma geralmente surge depois dos 40 anos (Marcos Vieira/EM/D.A Press)
A visão é comprometida quando há danos no nervo óptico, que leva todas as imagens capturadas pelo olho até o cérebro.Embora possa aparecer no nascimento, o glaucoma geralmente surge depois dos 40 anos



Passar o dia em uma clínica medindo a pressão do olho pode parecer cansativo, mas é o melhor caminho para um diagnóstico precoce do glaucoma, segundo pesquisa desenvolvida pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O estudo revelou que o exame da curva diária de pressão intraocular é o método mais eficaz de prevenção da doença, conhecida por ser silenciosa e que pode levar à cegueira irreversível. "Esse mapeamento vê como a pressão se comporta. A da manhã é a mais importante, porque um percentual muito alto dos doentes tem o pico nesse horário", conta o professor titular de oftalmologia da UFMG, Sebastião Cronemberger, que conduziu o estudo.


Foram três anos de pesquisas no Hospital São Geraldo, em Belo Horizonte, unidade pertencente ao Hospital das Clínicas da universidade, onde cinco métodos de diagnóstico foram feitos em 45 pacientes com suspeita de glaucoma e em um grupo de controle de 30 pessoas. Foram realizados os exames de perimetria, campo visual de dupla frequência e campo visual azul/amarelo, além de outros dois testes chamados de provocativos: a sobrecarga hídrica, que mede a pressão ocular de 15 em 15 minutos depois da ingestão de um litro de água; e a ibopamina, que consiste na medição depois da aplicação de um colírio. A análise dos resultados mostrou que enquanto a curva foi positiva em 70% dos casos suspeitos, o segundo mais eficiente não chegou nem à metade disso. "Não existia um trabalho assim, e hoje cada médico faz o exame que quer", conta Cronemberger.


O médico defende ainda uma curva mais detalhada, como a que é realizada há 50 anos no Hospital São Geraldo, em que o paciente é internado e, no dia seguinte, às 6h, faz uma última aferição, deitado e no escuro. O pesquisador percebeu que como isso é muito trabalhoso, muitos oftalmologistas fazem o controle por meio de outros métodos. "Não sei se esse comportamento vai mudar. Já aboli os outros exames da minha clínica. Acho que os colegas deviam fazer o mesmo", sugere.

Diferentes indicadores Apesar dos resultados da nova pesquisa, especialistas alertam para a importância de um diagnóstico a partir da realização de diversos exames. O médico Frederico Bicalho, com curso de doutorado em oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG, diz que não há um consenso sobre o teste mais adequado. Segundo ele, a curva realizada no Hospital São Geraldo, onde também trabalha, é importante, mas inviável na maioria das clínicas, que não dispõem de leitos para internação. Dessa forma, vários exames, juntos, podem ajudar a chegar a um diagnóstico mais consistente. "Todos são importantes. Existem centenas de trabalhos comparando os exames, considerando um ou outro o melhor", explica.


A curva é apenas uma das análises, segundo Bicalho. Em geral, se a pressão do olho está acima de 22mmHg, o risco de glaucoma é alto. O médico deve também analisar o fundo de olho, no qual consegue ver se há uma escavação no nervo ótico, o que é um forte sinal da doença. Já o campo visual dá indícios se a pessoa começou a perder a visão periférica. "Se o médico quiser, também pode fazer outros exames mais específicos, como o teste da sobrecarga hídrica e a medida pormenorizada do nervo ótico", diz. Há também a tonometria do contorno dinâmico, que ajuda a identificar com maior precisão a pressão ocular em casos difíceis, e a paquimetria corneana, que avalia a confiabilidade da medida da pressão. A gonioscopia, por sua vez, classifica o tipo de glaucoma em que a pessoa se enquadra. 


O glaucoma crônico aparece devagar e demora décadas para levar à cegueira. Como é intimamente ligado ao histórico familiar, exames periódicos podem salvar as pessoas desse risco. O recomendável é uma consulta anual com o oftalmologista. O tratamento é feito com colírio ou cirurgias a laser que baixam a pressão. A visão é comprometida quando há danos no nervo óptico, que leva todas as imagens capturadas pelo olho até o cérebro. Embora possa aparecer no nascimento, o glaucoma geralmente surge depois dos 40 anos. Depois dos 70, sua predominância triplica. Sem cura, no início, ele é assintomático. Somente em estágios mais avançados a visão periférica é afetada. "As pessoas somente perceberão que algo está errado anos mais tarde, quando começarem a esbarrar nos objetos. Nessa fase avançada não há muito o que fazer", conta Bicalho. Segundo o médico, pessoas que têm alta miopia, diabetes e são da raça negra devem ficar mais atentas, pois estão dentro do grupo de maior risco de desenvolver o problema.

Um milhão tem a visão reduzida

Levantamento inédito feito pela Sociedade Brasileira de Glaucoma revelou que 80% dos doentes só buscam ajuda de um profissional após perceber algum tipo de problema, como vista borrada, perda da visão, olhos vermelhos ou desconforto. Há pelo menos um milhão de brasileiros com a visão reduzida, o que motivou a entidade a lançar campanha de conscientização. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a prevalência da doença no mundo é de 1% a 2%. Somente em Minas Gerais, onde a população é de aproximadamente 20 milhões, mais de 400 mil são portadores. 


A pesquisa foi realizada com 100 doentes de três hospitais-escolas referências no país – Santa Casa de São Paulo, Universidade Federal de São Paulo e Universidade Estadual de Campinas –, a fim de avaliar a jornada dos pacientes depois do diagnóstico. A maioria dos entrevistados disse ter apresentado limitações nas atividades do cotidiano, e 69% deles confirmaram dificuldades na leitura. Eles também relataram problemas em caminhar e na adaptação a ambientes claro-escuro.


O estudo mostrou também que a maioria dos doentes é mulher, com média de 63 anos, portadoras de outras doenças crônicas, como diabetes e hipertensão. Apesar de a metade dos entrevistados confirmar que o tratamento pesa no orçamento familiar, 87% não interrompem o uso da medicação. 


A campanha Cuidado com o glaucoma pretende dar à população informações sobre a doença com apoio do Ministério da Saúde. O alerta faz esclarecimentos sobre a saúde ocular, exames, testes e dúvidas. O presidente da sociedade, Francisco Eduardo Lopes Lima, ressalta que com o aumento da expectativa de vida, a perda da visão pode ter um impacto significativo, o que pode ser evitado com a prevenção.

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