domingo, 23 de março de 2014

Poeta da canção Paulo César Pinheiro, autor de mais de 2 mil canções, vai ser tema de documentário

Poeta da canção Paulo César Pinheiro, autor de mais de 2 mil canções, vai ser tema de documentário.

Compositor teve 120 parceiros, entre eles Pixinguinha, Tom Jobim e Baden Powell

Ana Clara Brant
Estado de Minas: 23/03/2014



Paulo César Pinheiro cantou todas as regiões do país, com destaque para Minas, terra de seu parceiro mais constante, Sérgio Santos (Silvana Marques/Divulgação)
Paulo César Pinheiro cantou todas as regiões do país, com destaque para Minas, terra de seu parceiro mais constante, Sérgio Santos

Um século separa o parceiro mais antigo, Pixinguinha – que se estivesse vivo teria 117 anos – e o mais novo, Joaquim Carrilho, de 17, do compositor, poeta e romancista carioca Paulo César Pinheiro. Um “arco do tempo”, como ele próprio define. A trajetória de quem atravessou cinco gerações e tem mais de 2 mil músicas compostas ao lado de Tom Jobim, Baden Powell, João Nogueira, Francis Hime, Edu Lobo, Joyce, Lenine, Toquinho e Maurício Tapajós, vai virar filme. Com o nome provisório de Paulo César Pinheiro – De letra e alma, da produtora Terra Firme, o documentário está em fase de captação de recursos.

“Até hoje ninguém se atreveu a fazer um filme ou algo do gênero comigo, porque quando se deparam com a quantidade de coisas que já fiz na vida se assustam e acabam desistindo. É muita coisa para falar em pouco espaço de tempo”, brinca o artista, de 64 anos, nascido no Bairro de Ramos, no Rio de Janeiro. Entretanto, Paulo César se mostrou bastante aberto à proposta dos documentaristas Cleisson Vidal e Andrea Prates. A ideia é focar no compositor e o colocar contando suas próprias histórias. “Vamos mostrar a visão de mundo dele, entrar no universo do Paulo César como compositor, dramaturgo, poeta e escritor. É todo focado nele, tanto que não teremos outras entrevistas. Queremos apresentar suas impressões do mundo e do Brasil e vamos filmar em diversas regiões do país que têm a ver com sua obra, como o Rio, o interior do Nordeste, a região Amazônica, a Bahia e Minas. Queremos fazer um filme lindo que faça não só uma homenagem ao Paulo, mas à própria música e à cultura brasileira”, ressalta Cleisson.

Andrea, que deu a sugestão para o documentário, destaca que mesmo que todo mundo já tenha ouvido falar no nome do compositor ou saiba alguma de suas músicas, seu rosto e sua pessoa são muito pouco divulgados para o grande público. “A maioria conhece as canções, o intérprete, mas não quem está por trás. Brinco que o Paulo César Pinheiro se parece com Deus. Ele está em todo lugar, é onipresente, abrangente, mas ninguém o vê. Ele está presente no cancioneiro do país inteiro, recorrente em toda parte e é esse outro lado que queremos mostrar. Até porque o Paulo é uma figura muito introspectiva, discreta.”

Lapinha O começo de tudo se deu há 50 anos, quando Paulo tinha 14 e compôs com João de Aquino a primeira obra, Viagem. Mas o início oficial foi aos 18, com o samba Lapinha, parceria com Baden Powell e gravado por Elis Regina. “De lá pra cá não parei mais. Se bobear, devo ser a pessoa com mais obras na música mundial. Estou sempre produzindo”, reforça. E o que mais impressiona, segundo o cantor e compositor mineiro Sérgio Santos, seu parceiro há duas décadas, é o fato de Paulo César ter atravessado cinco gerações e ter conseguido manter uma linha e a mesma qualidade. “Ele cortou a música brasileira desde Pixinguinha e hoje já está compondo com os filhos dos parceiros. Isso é muito bacana. Se você quiser falar da poética da música brasileira, tem que considerar Paulo César Pinheiro”, frisa.

Em suas mais de 2 mil canções, Paulo exaltou o Brasil como poucos. De Norte a Sul. O samba, o carnaval, a cultura afro, os terreiros de candomblé, as festas populares, os congados, as marujadas, o boi-bumbá, os reizados, o maracatu, a capoeira e as romarias. “Falo da cultura brasileira. Sou apaixonado pelo meu país e me especializei em Brasil. A minha música é absolutamente brasileira e foi isso que me conduziu durante todo esse tempo. Esses meninos que tocam o Brasil é que me procuram. Gente de todos os cantos. Tenho parceiros em quase todos os estados. E é isso que me mantém vivo e me estimula”, reconhece.

Paulo César, que também é escritor e poeta, está preparando o lançamento de um livro de sonetos para violões e orquestra ainda para o primeiro semestre, e diz que literatura, poesia e música sempre conviveram em harmonia. “Nunca parei de escrever letras, livros e poemas. São muitos os caminhos literários. Quando um começa a se esgotar, passo para outro. Isso funciona naturalmente. Quando estou escrevendo um romance e me acho repetitivo, parto para a música; se me canso, vou para o teatro. As coisas vão se substituindo com naturalidade”, diz.



Mapa musical do Brasil



Dos cerca de 120 parceiros musicais, foi com o mineiro Sérgio Santos que Paulo César Pinheiro criou o maior número de canções, aproximadamente 200. “Ele empata comigo, porque é obsessivo como eu”, brinca. Sérgio fica lisonjeado com o título, mas de cara justifica. “Maior parceiro numérico, viu. Imagina concorrer com nomes como Radamés Gnattali, Pixinguinha, Tom Jobim, Edu Lobo. É covardia”, diverte-se.

Para o compositor mineiro, um dos aspectos que mais impressionam na obra do colega carioca é a capacidade de falar e entender tão bem as Gerais, como se fosse um legítimo conterrâneo. “Essa ligação com o nosso estado surpreende. Mas Paulinho consegue falar muito bem do Nordeste, do Amazonas, do Pará, do Rio Grande do Sul. Isso é maravilhoso. Ele tem essa coisa camaleônica, vai se transformando à medida em que a música pede”, diz.

Além de Sérgio Santos, outro parceiro garimpado por aqui foi Sirlan. É de impressionar como o carioca – que inclusive foi casado com uma mineira, a cantora Clara Nunes – descreve o universo do estado em canções como As catedrais, Cantador das Gerais, Desafio de violas, As festas populares, Mineiro-pau e Galanga Chico-Rei. Sem falar nas belíssimas Desenredo, com Dori Caymmi, e Sagarana, inspirada na obra do grande ídolo de Paulo César, o escritor Guimarães Rosa. Paulo conta que descobriu Rosa quando começou a ler literatura brasileira e desde então se apaixonou. “Foi uma paixão imediata. Antes mesmo de conhecer Minas, conheci o Rosa. Ele foi o escritor que mais me encantou na vida e passei a entender tão bem sua linguagem que, num determinado momento, passei a escrever de um jeito similar. Fazia letra de música com o jeito característico do Guimarães Rosa. Tenho várias composições com esse estilo rosiano. Até hoje é assim. O encanto por sua obra continua”, revela o compositor.

Desenredo (“Ê Minas, ê Minas, é hora de partir”) deu a Paulo César a Medalha da Inconfidência e obteve o segundo lugar em concurso popular que escolheu as músicas que melhor representavam o estado. “O povo elegeu Peixe vivo e aí não dava mesmo para concorrer (risos). Mas fiquei extremamente lisonjeado. Querendo ou não, é obra que tem a cara de Minas. Fiquei muito feliz”, recorda.

Dori Caymmi, que compôs ao lado de Paulo César aproximadamente 70 canções, também exalta o trabalho do artista e amigo. Aliás, o filho de Dorival está lançando Setenta anos, segundo disco com a parceria dos dois. “Paulinho começou tão cedo, aos 14 anos. Depois vieram os afrossambas com o Baden Powell e, a partir de então, ninguém segurou mais. Trata-se de um trabalho extraordinário e fascinante, tanto em termos de música quanto de letra. Agora ele faz letras para todos. Costumo dizer que se Dilma (Rousseff) pedir, ele faz uma letra para ela. Para mim, Paulinho é essencial. Descobri isso no disco anterior (Poesia musicada) que fizemos. A poesia dele me alimenta. Com ela eu faço a minha música”, resume Dori Caymmi. (Colaborou Ailton Magioli) 

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