sexta-feira, 11 de abril de 2014

Avanço contra a diarreia‏

Avanço contra a diarreia 
 
Compreensão do ataque de parasita pode levar a remédios contra o mal, segunda causa de morte de crianças até 5 anos no mundo 
 
Isabela de Oliveira
Estado de Minas: 11/04/2014


A diarreia mata 2.195 crianças diariamente e faz mais vítimas do que a Aids, a malária e o sarampo juntos. Essa é a segunda causa de morte entre meninos e meninas entre 1 mês e 5 anos no mundo inteiro, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Pouco se ouve falar do problema nos países e nas regiões onde as condições de saneamento básico são razoáveis ou boas, mas, para populações pobres – inclusive brasileiras – , o quadro é de uma realidade ameaçadora. Diante da incidência preocupante, pesquisadores têm dispensado esforços contínuos para compreender os mecanismos da infecção que causa a diarreia.

O resultado mais recente dessa busca foi apresentado ontem na revista Nature. Uma equipe liderada por Katherine Ralston, da Universidade da Virgínia (EUA), traz informações inéditas sobre como um dos patógenos causadores do mal, a Entamoeba histolytica, ataca o organismo. Segundo os pesquisadores, a infestação é muito mais violenta do que parecia ser.

O nome histolytica se deve à capacidade da ameba de destruir tecidos do hospedeiro para alimentar-se deles. Até agora, acreditava-se que a morte das células ocorria antes da ingestão, como resultado da ação de substâncias tóxicas produzidas pela invasora. O novo estudo, contudo, derruba essa informação, mostrando que, na realidade, as amebas devoram as células ainda vivas (veja infografia). A compreensão desse mecanismo deve levar a tratamentos mais eficazes de combate ao parasita.

Mordida A conclusão é resultado de pesquisas em laboratório feitas nos últimos cinco anos para o trabalho de pós-doutorado de Katherine. Ela foi supervisionada pelo pesquisador-sênior William Petri Junior, que estuda o micro-organismo há mais de duas décadas. “A infecção por E. histolytica, conhecida como amebíase, é muito comum em ambientes de baixa renda. As doenças diarreicas são uma das principais causas de morte entre os pequenos. Gostaríamos de obter uma melhor compreensão de como esse organismo causa a doença para podermos preveni-la”, diz a pesquisadora.

Um dado surpreendente do estudo de Katherine Ralston é que a agressão da ameba eleva a quantidade de cálcio na célula, levando-a à morte. Esse processo, chamado trogocitose, parecia ser restrito ao sistema imune (quando os anticorpos extraem fragmentos do citoplasma ou da membrana celular de um invasor) e a pouquíssimos outros micro-organismos. Agora, a cientista mostrou que a E. histolytica usa a mesma arma para destruir o tecido intestinal.

“Essa é a primeira demonstração de que a trogocitose também serve para matar células (inatas do corpo humano). Isso muda a nossa compreensão da amebíase e sugere que esses parasitas invadem e danificam o intestino anfitrião mordiscando as células vivas que revestem o órgão. Curiosamente, outros estudos publicados indicam que a ameba Naegleria fowleri também mordisca. Portanto, esse processo poderia ocorrer em mais micro-organismos”, contextualiza Katherine.

Mais violentas Em 2010, estudo publicado na revista Nature Immunology sugeriu que a trogocitose evoluiu como uma forma de as células adquirirem alimento a partir de outras. Isso também serviria como um meio de comunicação entre elas. A nova pesquisa sustenta a hipótese de uma origem primitiva para o comportamento, que parece aumentar a virulência do parasita. No entanto, ainda não se sabe o que faz com que algumas amebas optem pela fagocitose e outras pela trogocitose.

Mais um dado inesperado é de que os parasitas que atacaram as células anteriormente parecem “sentir mais fome”, mordiscando mais células e, consequentemente, matando mais. Os pesquisadores levantaram a hipótese de que a trogocitose altera o comportamento da E. histolytica. Para Douglas Albernaz, biomédico parasitologista da Universidade Católica de Brasília (UCB), esses resultados são inesperados e explicam a virulência do micro-organismo. Albernaz destaca que as mordidas são uma forma de a ameba criar fissuras nas paredes intestinais que possibilitam a penetração no tecido conjuntivo. Essa invasão gera úlceras no órgão e aumenta as chances de o parasita chegar à corrente sanguínea.

Tamanha agressividade, diz o especialista, não é vista em outras amebas. “Se ela cair no sistema sanguíneo, alcança outras partes do corpo, principalmente o fígado, gerando lesões nele também”, diz o professor, que não participou do estudo. Para ele, os resultados alertam para a necessidade de mais pesquisas sobre formas de frear a trogocitose parasitária.


Tratamentos Esse caminho já está sendo trilhado pela equipe de Katherine Ralston, que busca formas de bloquear os mecanismos que ajudam o micro-organismo invasor a reconhecer e se ligar às células humanas. A cientista tem dois alvos de análise: as proteínas lectina e EhC2PK. “A primeira é encontrada fora da ameba e permite que o parasita se prenda à célula hospedeira ao ligar-se a açúcares na superfície delas. A lectina também proporciona o impulso inicial para que as amebas ataquem”, descreve. Ela diz que essas características fazem da lectina uma candidata para o desenvolvimento de vacinas que induzirão o indivíduo a produzir anticorpos que se ligarão à ameba para bloquear o ataque.

A outra esperança é a EhC2PK, que se encontra no interior do patógeno e desempenha papel nos sinais de reprodução do micro-organismo durante a ingestão. “Descobrimos que, se construirmos amebas mutantes que expressam uma versão alterada dessa proteína, a capacidade de trogocitose diminui. O fato de essa proteína ser encontrada apenas em amebas e não em humanos pode viabilizar o desenvolvimento de drogas”, defende a autora.

Internações

Dados da ONG Instituto Trata Brasil mostram que, em 2011, 396.048 pessoas foram internadas por diarreia no país. Dessas, 138.447 (35%) eram crianças menores de 5 anos. E em 45% dos 100 municípios analisados, mais de 50% das internações foram de pacientes nessa faixa etária. As regiões Norte e Nordeste apareceram entre 2009 e 2011 como as áreas com as taxas mais elevadas de internações por diarreias: sete das 10 cidades com pior desempenho eram dessas regiões. Em 2011, os gastos do Sistema Único de Saúde com internações devido ao problema foi de R$ 140 milhões. Nas 100 maiores cidades, o gasto foi de R$ 23 milhões, ou seja, 16,4% do total investido em atenção básica. 

Palavra de especialista
Lívia Vanessa Ribeiro Gomes, chefe do Núcleo de Infectologia do Hospital de Base do DF
Problema de muitas origens

“Existem várias causas para a diarreia. A mais comum é a gastroenterite (infecção intestinal) por intoxicação alimentar (vírus, bactérias e toxinas bacterianas), mas o problema pode ser um sinal de outras enfermidades, como intolerâncias alimentares e doenças inflamatórias intestinais ou até mesmo imunodeficiências. Ao contrário da disenteria, que é uma doença inflamatória dos cólons (intestino grosso) de origem infecciosa, a diarreia, em geral, é autolimitada. Ou seja, a própria atividade inflamatória e o aumento da motilidade do intestino podem eliminar os possíveis agentes infecciosos causadores, não sendo necessário, na maioria dos casos, o uso de antibióticos ou agentes antiparasitários específicos. A desidratação grave é a maior causa de morte relacionada, principalmente em crianças. No entanto, dependendo do agente infeccioso e da falta de assistência, o paciente pode morrer de infecção generalizada.” 

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