segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

A inclusão social pela cultura - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico 10/02/2014

A cultura é a educação fora de ordem e, por isso mesmo, vitaminada pelo prazer. Ela emancipa



Comentei nas últimas colunas a inserção social realmente realizada, convertida pelo PT em política de Estado, e que integrou dezenas de milhões de ex-miseráveis no mercado; e a inclusão social que é necessária e se dará pela educação. Alertei para os problemas que o consumismo traz, numa sociedade fortemente hedonista. Agora, pode a inclusão social necessária - que, repito, deve passar pela renda e consumo e ampliar-se graças à educação - ser reforçada, upgraded, pela cultura?

Há muitas definições de cultura. Proponho uma: ela é a educação fora de ordem. A educação normalmente se dá numa sequência ordenada. Aprende-se a ler, a fazer as operações matemáticas, depois vai-se conhecendo cada vez mais, até o curso superior, o doutorado... Mudar essa ordem pelo avesso - ou simplesmente fazer as coisas fora de ordem - não é impossível, mas é difícil. Contudo, em tudo o que já escrevi sobre educação, sempre defendi maior desordem na educação. Ela, em ordem unida, corre dois riscos: pode tornar-se muito chata, pode inibir a criatividade. Mesmo assim, uma certa ordem é necessária na educação. Já na cultura, não.

Comparemos uma aula sobre a escravidão e um filme sobre o mesmo tema. A aula precisa ter ordem: as navegações portuguesas, a colonização das Américas, o apresamento dos africanos, sua mortalidade maciça nas plantações, quilombos, a abolição, o racismo que persiste. O filme não precisa. Ele pode começar com um episódio, digamos, o apresamento do navio negreiro "Amistad", na costa dos Estados Unidos, em 1839 (estou falando do filme de mesmo nome, de Spielberg, mas poderia falar de seu "Resgate do soldado Ryan" ou de "Lincoln", os três tratam de acontecimentos históricos significativos). Daí, vamos aprendendo uma quantidade de coisas sobre a escravidão, que não incluirão seus começos, suas causas históricas, o número de mortos, mas mostrarão o racismo, a perseguição, a luta pela liberdade. Não aprendemos a mesma coisa, mas aprendemos.
Vivenciamos. Um único filme não substitui uma aula de História. Mas se, ao longo de um tempo, virmos vários filmes sobre a escravatura - um deles, o "Lincoln" que mencionei - havemos de adquirir um conhecimento de boa qualidade. Dados mais objetivos, posso complementar até mesmo pela Internet. Que, por sinal, é incrível para conhecer fora de ordem, tanto assim que, quando apareceu no Brasil, o que hoje chamamos de "navegar" se dizia "surfar", como se fosse algo físico, divertido, radical.

A cultura é a educação fora de ordem

Isso que descrevi é educação ou é cultura? Quanto mais fora de ordem e descompromissado, mais será cultura. Posso ir a todas as exposições de arte e com elas aprender muito sobre pintura. Ficarão brechas, essa é a diferença no confronto com a educação, que procura evitar vazios e completar a formação da pessoa. Mas no tempo de hoje, dá para "completar" uma formação? Em nossa sociedade, a mais complexa da história, necessariamente seremos incompletos. Dizer que, ao terminar um curso, completamos a formação é um erro. Um estabelecimento de ensino bom, seja do nível que for, infantil ou doutorado, não deve acenar com a promessa de completude. A educação tem muito uso a fazer da cultura.

Em outras palavras: para a educação, há matrícula e às vezes até vestibular, termo que vem de "vestíbulo", o local certo de entrada. Na cultura se entra por onde se quiser, quando se quiser, sem inscrição, sem nada. Essa liberdade de entrar - e sair - aumenta seu prazer, justamente porque não é da ordem da obrigação. E por isso mesmo eu poderia dizer que a cultura é a educação vitaminada pelo prazer. Educação e cultura expressam o que o ser humano é capaz de criar. São o que mais dá poder ao indivíduo, ao ser humano, à pessoa. A cultura emancipa. Por isso é tão importante não ficarmos na posição passiva do consumidor. Consumir se opõe a produzir. Ambos são necessários, é claro, mas a produção é mais ativa, o consumo mais passivo. Agora, se a perspectiva da produção é essencial, não é pelas coisas - ou mercadorias - que fabricamos. É porque, produzindo, criamos a nós mesmos. A principal obra do ser humano é o próprio ser humano. Educação e cultura são duas ferramentas essenciais para chegar lá.

A questão que se coloca é: estamos formando nossos jovens para serem inquietos culturais? Porque a cultura tem ainda um traço importante, ela modifica. Ela abre perspectivas. Uma pessoa sem acesso a ela só conhece o que está em seu imediato entorno. Uma criança que nasce num fim de mundo pode, descobrindo a música, a arte, a ciência, encontrar uma vocação que vá muito além de seu bairro. A cultura é mais preciosa quando é descoberta, revelação. Lembro um filme polonês que fez sucesso, "Madre Joana dos Anjos", sobre um padre que é chamado para exorcizar um convento em que as freiras estão possuídas pelo diabo. O próprio padre acaba cometendo um crime horrível - diz - "para que eu chame a mim os demônios e Madre Joana possa ser santa". O diretor, Jerzy Kawalerowicz, explicava: os dois se apaixonaram mas, como não tinham linguagem para chamar seu sentimento de "amor", achavam que era possessão demoníaca. A incultura pode levar à infelicidade.

Poderemos ampliar a liberdade das pessoas pelo acesso à cultura? Certamente. Mas não podemos esquecer essa sua natureza fora de ordem. Para lembrar uma série de sucesso, pode haver "1001" filmes, livros ou lugares a conhecer "antes de morrer", mas esse número - como nas "1001 Noites" - é apenas um sinal de que a aventura do conhecimento é inesgotável.


Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. 
E-mail: rjanine@usp.br


Eduardo Almeida Reis-Propinquidade‏

Propinquidade
Eduardo Almeida Reis - eduardo.reis@uai.com.br
Estado de Minas: 10/02/2014





Ninguém precisa de um ph.D. em psicologia para perceber que a atração pelo risco tem fundo sexual. Os exemplos estão aí em todos os países, todos os dias, nos esportes e nas atividades em que o praticante, mesmo equipado, sente o gostinho da morte próxima. Escrevi “próxima” para evitar iminente, que a rapaziada confunde com eminente.
Eminente deveria ser a figura do presidente do Senado; iminente é a nova besteira que o senador Renan Calheiros vai fazer com os jatos da FAB. Mas há pior. Admitamos que o leitor more no apartamento 304. Pergunto: você gosta do propínquo do 303?. Pois é: propínquo é vizinho, é puro latim e entrou em nosso idioma no ano de 1265.

A propinquidade, que só entrou em 1589, existiu desde sempre: significa proximidade. Nossa espécie, que se diz sapiens, conviveu com os neandertais durante 30 mil anos, não raras vezes transando no maior entusiasmo, di-lo a ciência, em baladas pré-históricas que envolviam até os denisovanos e uma outra espécie ainda não identificada.

Este suelto resulta do acidente com Schumacher. Na tevê falaram de “paixão pela adrenalina”. Ora, o apaixonado não precisa correr tantos riscos: basta tomar uma ampola de adrenalina. Vi no Google que existe adrenalina injetável. Deve ser barata e muito menos perigosa do que esquiar em pistas não demarcadas, saltar de paraquedas em desafios complicados, meter-se em corridas de motocicletas – e tudo isso Schumacher fez depois que saiu da Fórmula 1 com sete títulos mundiais. Pouco antes do acidente na neve francesa, fez 18 saltos de paraquedas de alta performance, num só dia, em Dubai. Salto de alta performance é muito mais performático do que um salto comum, que já é um salto de paraquedas. Daí minha conclusão indiscutível: a propinquidade com o risco tem conotação sexual.

Tendências
Jornal de sábado, segundo caderno, fotos coloridas e resenhas. Entre os melhores filmes se destaca Um estranho no lago e sou informado de que “pouco conhecido, o francês Alain Guiraudie filma o desejo entre homens numa praia de nudistas”. Mais adiante, em Azul é a cor mais quente, aprendo que “Abdellatif Kechiche filma o desejo entre mulheres para retomar com Léa Seydoux e Adèle Axerchopoulos seus grandes temas – o voyeurismo e a linguagem”. Na seção de tevê me dizem que Letícia Persiles, acostumada a papéis de destaque, volta à telinha no papel de uma prostituta que manterá um romance lésbico com a personagem de Monique Alfradique.

Pronto: a partir das três informações, passo a desconfiar de todas as fotos de duas moças, ou dois rapazes, publicadas no tal caderno. Destaco o fato de que os jornalistas, se têm ouvidos, não podem escrever “pouco conhecido” e “lésbico com”, porque em matéria de cocô já nos basta a história contada por Vargas Llosa sobre a exibição “artística” – parece que o nome é performance – de um cavalheiro colombiano. Diante da plateia interessada na “arte” que vem sendo feita por aí, o artista defecou e, com pompa e circunstância, comeu suas fezes.

Da leitura do jornal de sábado restou-me a convicção de que em dois anos, no máximo três, notícia escandalosa vai ser a de um filme ou de uma novela em que homem goste de mulher e vice-versa.

O mundo é uma bola

10 de fevereiro de 1763: Inglaterra e França assinam o Tratado de Paris, que põe fim à Guerra dos Sete Anos, conflito internacional que ocorreu de 1756 a 1763, durante o reinado de Luís XV, entre a França, a Áustria e seus aliados (Saxônia, Rússia, Suécia e Espanha) contra a Inglaterra, Portugal, a Prússia e Hanover. Potências europeias ficaram preocupadas com o prestígio e o poderio de Frederico II, o Grande, rei da Prússia – e a situação pegou fogo.

Em 1840, casamento da rainha Vitória, do Reino Unido, com Alberto de Saxe-Coburg-Gotha, de 20 anos, seu primo e pai de seus nove filhos. Alberto morreu aos 42 anos e deixou a rainha de luto pelo resto dos seus dias, pois amava o primo e marido, naquele tempo em que as mulheres gostavam dos seus maridos. O nome completo do primo era Francisco Alberto Augusto Carlos Emanuel. Parece que morreu da doença de Crohn, mais frequente na Inglaterra, nos EUA e nos países escandinavos.

Em 1931, Nova Délhi torna-se capital da Índia. Em 1965, fechamento da Panair do Brasil, num episódio até hoje pouco explicado. Em 1980, fundação do Partido dos Trabalhadores, o PT, de relevantes serviços prestados a inúmeros petistas e um sem conto de desserviços a um país grande e bobo.

Em 1890, nasceu Boris Pasternak, poeta e romancista russo, Nobel de Literatura em 1958. Em 1893, veio ao mundo Jimmy Durante, músico norte-americano, e em 1893, Mãe Menininha de Gantois, a mais famosa iyalorixá brasileira. Em 1931, foi a vez de Cauby Peixoto e em 1950 nasceu Mark Spitz, nadador americano, campeão olímpico.

Hoje é o Dia do Atleta Profissional.

Ruminanças
“Tudo é relativo: o tempo que dura um minuto depende de que lado da porta do banheiro você está” (Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, o Barão de Itararé, 1895-1971).