terça-feira, 4 de dezembro de 2012

José Roberto Torero e Eduardo Bueno falam sobre:Felipão, Futebol-arte e um pouco de história


Folha de São Paulo

JOSÉ ROBERTO TORERO
TENDÊNCIAS/DEBATES
O ASSUNTO DE HOJE: FELIPÃO, FUTEBOL-ARTE E UM POUCO DE HISTÓRIA
Guardiola e a Semana de 22
Perdemos Guardiola, um Steve Jobs dos gramados. O futebol do Brasil precisa de uma Semana de 22, antropofágica. Nós temos de aprender com os alienígenas
A CBF chutou a bola para fora. Teve a chance de fazer um gol de placa, mas mandou a gorduchinha para fora do estádio.
Guardiola até já havia dito extraoficialmente que aceitava o cargo. Mas a CBF desprezou o melhor técnico do mundo.
Neste século não houve time mais impressionante que o seu Barcelona. Foram muitos títulos, largas goleadas e estatísticas impressionantes. O time venceu mais de 70% de seus jogos e não raras vezes teve mais de 70% de posse de bola, mesmo enfrentado equipes razoáveis como Chelsea e Real Madrid.
Em seus quatro anos à frente do clube catalão, o técnico venceu três campeonatos espanhóis, duas Copas da Espanha, três Supercopas, duas Ligas dos Campeões e dois Mundiais de Clubes.
Mas esqueçamos os números e os títulos. Era só olhar o Barça em campo que você sabia que aquele era o melhor time do mundo. Desde a Laranja Mecânica não havia um time tão inovador. Os catalães reinventaram o futebol. E de uma maneira tão humilhante que as outras equipes sequer conseguem imitá-lo.
Claro que Felipão é um bom técnico (e não vou usar o argumento do rebaixamento do Palmeiras para a Série B, isso foi apenas um tropeço), mas Guardiola é melhor. E não um pouco melhor, mas muito. É um Steve Jobs do futebol.
Se ele é o melhor técnico e temos os melhores jogadores, nada mais natural do que unir ao outro. Só que nada é natural no mundo do futebol.
Os argumentos contra Guardiola são: ele é estrangeiro, ele nunca dirigiu uma seleção e ele não conhece os jogadores brasileiros.
O terceiro argumento não é verdade. Temos mais jogadores selecionáveis na Europa do que aqui. E seria apenas uma questão de tempo para conhecer os que jogam no Brasil.
Quanto a nunca ter dirigido uma seleção, argumento usado por José Maria Marin, é uma bobagem. Felipão também nunca havia dirigido uma seleção antes de vencer a Copa do Mundo de 2002.
Por fim, contra o argumento patriótico, uso a célebre frase do escritor Samuel Johnson: "O nacionalismo é o último refúgio dos canalhas".
O que o Brasil precisa é de uma Semana de 22 no futebol. Precisa de uma antropofagia futebolística. Nas últimas décadas temos sido apenas exportadores. Mas chega de arrogância. É a hora de aprender com os alienígenas. Por que não trazer técnicos de fora? Nos outros esportes já estamos fazendo isso. E tem dado muito certo.
Com o argentino Rubén Magnano, a seleção brasileira de basquete voltará a disputar uma Olimpíada depois de 16 anos. Com o técnico norte-americano Barry Larkin, o Brasil classificou-se pela primeira vez para o Mundial de beisebol. E com o ucraniano Oleg Ostapenko, as meninas da ginástica olímpica chegaram onde apenas haviam sonhado.
O argumento nacionalista é de uma hipocrisia imensa. Afinal, a empresa que controla a seleção até 2022 é a saudita ISE -a seleção, nos últimos três anos, jogou 42 partidas, mas apenas cinco no Brasil.
Ou seja, os torcedores podem ser estrangeiros, a empresa controladora pode ser estrangeira, mas o técnico não? Hipocrisia.
Era o momento da revolução -não como a que Marin apoiou em 1964, é claro. Mas perdemos o bonde da história. Ou o trem-bala, para atualizar a frase.
Com Guardiola teríamos mais chance de voltar ao alto do pódio do futebol mundial. A seleção poderia transformar os adversários em bobinhos, e eles ficariam apenas correndo atrás da bola no meio da roda.
Mas preferimos o passado.
A troca de Mano por Felipão foi mais ou menos como a troca de Ricardo Teixeira por José Maria Marin. Trocou-se alguma coisa para que tudo continue como está.

    EDUARDO BUENO
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    O ASSUNTO DE HOJE: FELIPÃO, FUTEBOL-ARTE E UM POUCO DE HISTÓRIA
    De Getúlio a Felipão
    Volta o bom sargento, a ignorar o nariz torto dos fãs do futebol-bailarino. A Copa é mata-mata, feita para Felipão. E há bônus: a galhofa com os bancos estatais
    Então, Felipão bateu o barro das esporas, encilhou a cavalgadura e enveredou pela velha rota dos tropeiros, disposto a amarrar outra vez sua bela besta baia no velho obelisco.
    Saiu de Passo Fundo, trotou pela Vacaria, e, entre aplausos e mugidos, chegou a Itararé -o velho sítio da "batalha que não houve". Ali, de novo, não encontrou resistência alguma. Passou pela avenida 23 de Maio sem alcançar o significado da data e, entre altivo e autista, cruzou o Tietê como se fosse o Rubicão.
    Depois de galopar entre as carretas da Via Dutra, atingiu enfim o coração da antiga capital federal. Teve um déjà-vu ao prender as rédeas do rocinante na esguia coluna de pedra erguida ao final da Avenida Rio Branco. Alguns paisanos o saudaram. Outros, certos de que estavam diante de uma "alma semibárbara egressa do regime pastoril", torceram, quando não empinaram, seus narizes. Como bom sargento, Felipão ignorou-os todos.
    São jocosas, mas não gratuitas, as comparações entre o retorno de Felipão ao comando da seleção brasileira e a marcha de Vargas rumo ao Catete em 1930.
    E se há algum anacronismo aqui, ele reside no fato de que, embora não tenha voltado ao poder "nos braços do povo", nem sido precedido pelo "movimento queremista", a verdade é que, tal qual Getúlio em 1954, estamos diante da segunda vinda Luiz Felipe Scolari. O que já quase o alça ao posto de Messias...
    Metáforas e piadas abundam, franqueando o emprego dos clichês -pena que os mais utilizáveis não se prestem aos detratores de Felipão. Afinal, se o velho chavão "povo que não conhece sua história está condenado a repeti-la" for verdadeiro, então o hexa já está no papo.
    Mais amargo ainda para a falange anti-felipônica é o dito: "A história sempre se repete, ora como farsa, ora como tragédia".
    Felipão pode ter seus defeitos, mas nem seus inimigos mais empedernidos acham que ele seja uma farsa. E sua primeira passagem pela seleção só foi trágica para os amantes do dito "futebol-arte".
    De qualquer forma, não deixa de ser uma ironia divertida e reveladora ver antigos barões do café de cepa quatrocentona, e velhos cortesões da finada Belle Époque carioca tendo, outra vez mais, que fazer um pacto federativo e recorrer à essa espécie de caudilhismo positivista de cunho artiguista tão exemplarmente representado pelo jeito gaúcho-platino de jogar futebol, sempre posto em prática pelos times de Felipão.
    Engraçado assistir esse pessoal de fatiota abrindo mão de seus supostos ideais em nome do pragmatismo e do "bem maior": ganhar a Copa em casa -sem sucumbir num novo Maracanaço.... Se não para próprio Uruguai ou -Deus nos livre!- para a Argentina, desta vez para a ex-metrópole de nossos vizinhos, a poderosa Espanha.
    Tudo isso seria só hilário, ou curioso, não fosse patético e tão exemplar do atraso. Não o suposto "atraso" de Felipão, é claro, mas o da esclerosada e ditatorial CBF, bem como o do eterno país do futuro do pretérito, que a mantém e a explica.
    De todo modo, se o Brasil ainda crê nos "pais do povo", porque não recorrer ao sujeito que, se não é o pai da pátria (de chuteiras), com certeza é o pai da família Scolari?
    Sem falar no bônus das galhofas. Felipão já disse como julga ser o dia a dia dos barnabés de bancos estatais. Periga, daqui a alguns dias, falar dos R$ 31 milhões anuais que a agremiação de Rosemary Noronha (que já ganhou estádio de presente) receberá de outra instituição financeira do governo.
    Dentro do campo, também pode funcionar. Afinal, a Copa não passa de um torneio mata-mata. Até porque, como futebol-bailarino, pontos corridos é coisa de fresco. Ala pucha, tchê!

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