ZERO HORA - 06/03/2013
Sempre
que chega essa época do ano, prometo a mim mesma: minhas próximas
férias serão tiradas em março. Vou alugar uma choupana em Ushuaia e só
volto quando pararem de falar no Dia da Mulher. Apenas para evitar a
pergunta que tantos pedem que a gente responda: “O que é ser mulher?”.
Basicamente,
ser mulher é ter nascido com os cromossomos XX. Será que isso responde à
questão? Responde, só que de modo desaforado. Espera-se que
colaboremos: “Ser mulher é ser mãe, esposa, profissional... ”. Alguém
ainda aguenta essa churumela?
Se é para refletir sobre o
assunto, então sejamos francos: ninguém mais sabe direito o que é ser
mulher. Sofremos uma descaracterização. Necessária, porém aflitiva.
Entramos no mercado de trabalho, passamos a ter liberdade sexual e
deixamos para ter filhos mais tarde, se calhar. Somos presidentes,
diretoras, empresárias, ministras. Sustentamos a casa. Escolhemos nossos
carros. Viajamos a serviço. Saímos à noite com as amigas. Praticamos
boxe. O que é ser mulher, nos perguntam. Pois, hoje, ser mulher é
praticamente ser um homem.
Nossa masculinização é um fato. Ok,
nenhuma mulher desistirá de tudo o que conquistou. A independência é um
ganho real para nós, para nossa família e para a sociedade. Saímos da
sombra e passamos a existir de forma plena. E o mundo se tornou mais
heterogêneo e democrático, mais dinâmico e produtivo, em suma: muito
mais interessante. Mas não nos deram nada de mão beijada, ganhamos
posições no grito, falando grosso. E agora está difícil reconhecer nossa
própria voz.
“Sou mais macho que muito homem” não é apenas o
verso de uma música de Rita Lee, é pensamento recorrente de cérebros
femininos. Alguém ainda conhece uma mulher reprimida, omissa, sem
opinião, sem pulso? Foram extintas e deram lugar às eloquentes.
Nada
de errado, repito. Acumulamos uma energia bivolt e isso tem nos trazido
inúmeros benefícios – deixamos de ser um simples acessório, nos
integralizamos. Mas essa nova mulher ainda se permitirá um segundinho de
“cuida de mim”? Se os homens estão se permitindo ser frágeis, por que
não nos permitimos também, nós que temos os royalties dessa condição?
É
no amor que a mulher recupera sua feminilidade. É na relação a dois. Na
autorização que dá a si mesma de se sentir cansada e de permitir que o
outro tome decisões e a surpreenda. É através do amor que voltamos a
confiar cegamente, a baixar a guarda e a deixar que nos seduzam – sem
considerar isso ofensivo. Muitas mulheres estão desistindo de investir
num relacionamento por se julgarem incapazes de jogar o jogo ancestral:
eu, provedor; você, minha fêmea.
Os homens sabem que já não
iremos nos contentar em receber mesada e ficar em casa guardando a
ninhada, mas, na intimidade, que tal deixarmos a testosterona e o
estrogênio interpretarem seus papéis convencionais?
Um amor sem
tanta racionalidade, sem demarcação de território, sem guerra pelo
poder. Amolecer de vez em quando, com entrega, com gosto. É onde ainda
podemos ressuscitar a mulher que fomos, sem prejuízo à mulher que somos.
Martha Medeiros decepcionando...
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