Carolina Cotta
Estado de Minas: 08/03/2013
Ocupamos o sonhado espaço no mercado de trabalho. Estamos no comando de algumas das principais economias. Conseguimos uma visibilidade quase utópica anos atrás. Mas na cama, 46% de nós, mulheres, ainda relatam experiências de disfunção sexual, considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a incapacidade de ter relações sexuais com satisfação. Cansaço, estresse, pouca sintonia com o parceiro, influência de medicamentos constantemente são citados para justificar a ausência de prazer. De fato, esses e outros tantos podem interferir no sucesso de uma relação. Mas uma pesquisa inédita do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG) veio somar causas e buscar novas abordagens para o problema.
A pesquisa “Avaliação da frequência de alterações hormonais em mulheres no menacme com disfunção sexual”, tema da dissertação de mestrado da ginecologista e sexóloga Fabiene Vale, revelou a relação dos baixos níveis de testosterona com desordens, que podem afetar o desejo, a excitação, o orgasmo e causar dor durante ou depois do sexo. Segundo a pesquisadora do HC, para uma função sexual adequada toda mulher precisa de androgênio – sendo a testosterona o mais importante. Os níveis do hormônio começam a diminuir a partir dos 20 anos, de forma lenta, até chegar à menopausa, quando há uma queda abrupta. “A novidade é a descoberta de mulheres em período reprodutivo, com 44 anos no máximo, com níveis de testosterona muito abaixo da normalidade e quadro de disfunção”, explica Fabiane.
Das 60 mulheres estudadas, entre 18 e 44 anos e com queixa de disfunção sexual, 75% apresentaram baixos níveis de testosterona, ou a síndrome de insuficiência androgênica feminina. Só foram incluídas na amostra pacientes sem problemas psicológicos, sociais ou no relacionamento, com o objetivo de permitir a observação isolada da influência das alterações hormonais. Nenhuma delas tomava medicamentos, que também poderiam influenciar. Todas as mulheres envolvidas na pesquisa são pacientes do Ambulatório de Sexologia Ginecológica do Hospital das Clinicas, que desde 2011 atende queixas sexuais como ausência do desejo sexual espontâneo ou mesmo após algum estímulo, falta de excitação e/ou dificuldade de lubrificação vaginal, dificuldade ou ausência de orgasmo e dor na relação sexual ou dificuldade de permitir a penetração, o chamado vaginismo.
Para o coordenador do ambulatório e orientador da pesquisa, o professor do Departamento de Ginecologia Selmo Geber, trata-se da primeira pesquisa desenvolvida no ambulatório. “As mulheres com queixas sexuais geralmente estão infelizes e não tinham onde procurar ajuda no Sistema Único de Saúde (SUS). Hoje, a mulher que não sente desejo e não tem orgasmos encontra esse atendimento à disposição. E como estamos em um hospital universitário, temos dados para pesquisas. O próximo passo é um estudo que busque alternativas de tratamentos”, adianta o ginecologista. Os mecanismos responsáveis pela resposta sexual feminina ainda não estão totalmente esclarecidos. Sabe-se que alterações anatômicas, desequilíbrios neuroendócrinos ou a diminuição dos hormônios sexuais podem levar à disfunção. Os fatores biológicos são apenas parte do problema, que envolve fatores psicológicos e sociais.
E.B.S., de 32 anos, vivenciou essa realidade. Casada há oito anos, foi diagnosticada com “Distúrbio do desejo sexual hipoativo, um dos tipos de disfunção sexual” (Veja quadro). “Durante um ano observei diminuição do desejo sexual e nos últimos meses perdi completamente a vontade de fazer sexo. Não tinha vontade nenhuma de começar uma relação e no último mês, antes de procurar ajuda, tive apenas uma relação, muito ruim. Tenho um ótimo relacionamento com o meu marido, ele é bom pai e ótimo companheiro, mas isso estava me deixando triste e ele insatisfeito”, relata. Depois de exames com dosagem de testosterona, foi confirmada a baixa nos índices do hormônio. A paciente passou por seis semanas de tratamento com medicação e terapia sexual. “Resgatei meu desejo sexual, estamos tendo quatro relações satisfatórias por semana. Melhorei a convivência com o meu marido também em outros aspectos.”
Gatilho do sexo As disfunções sexuais são os transtornos mais comuns da sexualidade, que incluem ainda os transtornos de preferência sexual e os transtornos de identidade sexual. Segundo a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, o ato sexual se divide em desejo, excitação e orgasmo. Em todos eles a mulher pode sofrer bloqueios e/ou dor. Entretanto, é necessário que exista sofrimento para se fazer uma intervenção. Geralmente seis meses de evolução do quadro são necessários para fechar o diagnóstico de disfunção sexual. “Não se intervém na primeira semana. Em geral, é preciso avaliar o contexto e tratar também o contexto.”
O sexo, segundo a especialista, começa com um desejo. Esse é o gatilho que acelera a frequência cardíaca e respiratória, alterando também a pressão e a temperatura corporal. Tudo isso leva, no caso do homem, à ereção, e, no caso da mulher, à lubrificação da vagina. Essa fase é a excitação. Se tudo corre bem os parceiros chegam ao clímax de prazer, o orgasmo. A partir daí se entra na resolução do ato, ou saciedade, em que respiração e frequência cardíaca voltam aos níveis anteriores. Mas homens e mulheres passam de forma diferente por essas fases. O homem entra na relação com muito desejo e logo entra na fase de excitação, afinal seu estímulo é visual. O da mulher é auditivo, tátil, seu desejo vem com a proximidade. Daí a necessidade das preliminares. A resolução do homem é rápida, a da mulher paulatina.
Só 10% das mulheres têm desejo sexual espontâneo, a maioria precisa de um desejo responsivo para se excitar. A partir daí, a excitação é maior e ela chega a uma satisfação emocional e física. “A mulher não precisa iniciar o ato com desejo e se isso não ocorrer não significa que é uma disfunção. Não ter organsmo também não é, necessariamente, uma disfunção sexual. Ficar neutra durante o ato é possível sem que seja caracterizada a disfunção. A mulher precisa estar saudável física, emocional, cultural e socioeconomicamente, além de ter um parceiro. É isso que garante integridade e integração. E mulher precisa de estímulo. Ela tem outro perfil hormonal, neuropsicológico e psicossocial.”
Segundo Fabiene Vale, para quem deseja uma vida sexual saudável, carinho e companheirismo podem ajudar. Atualmente, o modelo mais aceito para explicar a resposta sexual nas mulheres reforça a importância da intimidade emocional com o parceiro e a satisfação da própria percepção de desejo e necessidade sexual. A ginecologista alerta não ser possível pelo estudo afirmar qual seria a prevalência desse problema na população em geral. Porém, é certo que seja alto o índice de mulheres afetadas por essa síndrome. “Por isso, é preciso tratar esse assunto como um problema de saúde pública”, defende a pesquisadora, que já prevê que o próximo passo será quantificar essas mudanças. “Com mais esse dado em mãos será possível propor uma melhor abordagem no tratamento”, comemora.
Tipos de
disfunção
Distúrbio do desejo sexual hipoativo – Caracterizado pela falta de libido, a falta de vontade de fazer sexo mesmo diante de motivação. A paciente simplesmente não consegue ter desejo sexual. Essa é a disfunção mais comum.
Distúrbio da excitação – A mulher não consegue manifestações do corpo diante de um estímulo sexual. Pode ficar com a vagina seca, não ter ereção dos pelos e dos mamilos, nem taquicardia e aumento da frequência respiratória. O corpo não responde ao estímulo.
Distúrbio do orgasmo – Caracteriza-se pela não capacidade de atingir o orgasmo, o relaxamento completo da tensão sexual que dá satisfação e leva ao bem-estar e sensação prazerosa.
Disfunção da dor sexual – Pode ser por dispareunia, que é a dor durante o ato sexual, ou vaginismo, quando a mulher tem a impossibilidade da penetração devido a uma contração involuntária da musculatura pélvica. É comum em jovens que têm desej, mas não conseguem ser penetradas. O vaginismo não tem causa psicológica e é o mais fácil de tratar.
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