Anúncio foi feito pela ministra da Casa Civil, que criticou atuação da Funai
Mudança, que esvazia papel da fundação e agrada ruralistas, prevê participação de outros órgãos no processo
A ministra compareceu a uma sessão tensa da Comissão de Agricultura da Câmara, convocada pela bancada ruralista, que acusa a Funai (Fundação Nacional do Índio) de fraudar laudos e inflar conflitos entre índios e produtores. Já os indígenas reclamam da demora na demarcação.
A reformulação do sistema, que na prática esvazia os poderes da Funai, foi um compromisso da ministra com a bancada ruralista.
"A Funai não está preparada, não tem critérios claros para fazer gestão de conflito, não tem capacidade para mediação", disse Gleisi que, porém, ressaltou ser "errado dizer que a Funai é criminosa".
Atualmente, o processo de demarcação é realizado pela fundação, antes da palavra final do Planalto.
A ideia é que sejam consultados órgãos como os ministérios da Agricultura (e a Embrapa, órgão vinculado), Cidades e Desenvolvimento Agrário. "Delegamos única e exclusivamente à Funai a responsabilidade por estudos e demarcação de terras. Nem sempre estabelecemos procedimentos claros e objetivos."
Anteontem, a própria Casa Civil pediu ao Ministério da Justiça para suspender os processos de demarcação no Paraná, reduto político da ministra. Pré-candidata do PT ao governo paranaense, Gleisi negou ontem que a decisão tenha motivação eleitoral.
Ela disse que o governo espera estudos sobre a situação em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul.
Em mais de seis horas de debates, a ministra foi pressionada por ruralistas, que querem a suspensão de todos os processos de demarcação.
A ministra afirmou haver 90 áreas em estudos pela Funai. Segundo a fundação, terras indígenas com limites já definidos representam 12,9% do território nacional.
Na sessão, a ministra se irritou com o deputado Luis Carlos Heize (PP-RS), que perguntou qual é a importância da agricultura para o governo Dilma Rousseff. "Não admito que o senhor questione a seriedade do governo", disse, sendo vaiada por produtores rurais.
Apesar das críticas da ministra, seu colega Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) negou que a presidente Dilma pense em demitir a presidente Funai, Marta Maria Azevedo. Interlocutores do Planalto, porém, reconhecem que existe um desgaste da cúpula da Funai, especialmente depois que Dilma enfrentou protestos de ruralistas em sua viagem a Mato Grosso do Sul. A Funai não comentou o assunto ontem.
Gleisi cobrou também celeridade do Supremo Tribunal Federal na análise de recursos que questionam a demarcação da Raposa Serra do Sol (RR). Para que o caso avance no STF, porém, Dilma tem que indicar um novo integrante ao tribunal, que vai herdar a relatoria do caso.
Gleisi ainda atacou os críticos à construção da usina de Belo Monte. "Há grupos que usam os nomes dos índios (...) [para] impedir obras essenciais ao desenvolvimento."
ANÁLISE
Legislação indigenista é citada como exemplo, mas falta respaldo político
PAULO SANTILLIESPECIAL PARA A FOLHA
A legislação indigenista brasileira é reconhecida internacionalmente como das mais avançadas. Os direitos indígenas inscritos na Constituição tornaram-se modelo para diversos países.
Em 1996, o então ministro da Justiça, Nelson Jobim, formulou e instituiu o decreto 1775 normatizando os procedimentos administrativos para reconhecimento dos direitos territoriais indígenas.
Esse decreto dispõe, entre outras normas, sobre o princípio do contraditório, abrindo espaço no rito administrativo para identificação, delimitação e demarcação das terras indígenas à manifestação de todos os interessados e eventualmente afetados.
Complementando este decreto, o mesmo ministro instituiu a portaria 14, que define e detalha os critérios a serem observados pelo órgão indigenista oficial na elaboração dos relatórios circunstanciados de identificação e delimitação de terras indígenas.
Cabe também notar ainda que estes dispositivos mantiveram a participação de Estados e municípios em todos os procedimentos.
Ademais, os processos de regularização das terras indígenas, assim como de quilombo, já supõem a articulação dos órgãos fundiários, lotados nos diferentes ministérios, para a condução e conclusão de cada caso específico.
O quadro geral das terras indígenas oficialmente reconhecidas demonstra que nas regiões onde houve apoio institucional e financeiro --como a Amazônia, onde se concentra mais de 98% em extensão das áreas demarcadas e homologadas-- alcançou-se resultados bem significativos.
Temos hoje um imenso atraso no reconhecimento dos direitos territoriais indígenas em outras regiões, notadamente de maior concentração demográfica e exploração econômica. São os locais onde os procedimentos de regularização são mais custosos, tanto financeira quanto politicamente.
Já foi possível avançar e fazer o reconhecimento de direitos territoriais indígenas onde a estrutura fundiária esteve menos consolidada.
Com ampliação dos quadros da Funai, maior dotação orçamentária, respaldo político e instrumentos para a indenização de títulos de propriedade expedidos indevidamente sobre terras indígenas, muitos dos problemas sobejamente conhecidos nos mecanismos demarcatórios seriam superados. E daria ainda para avançar nas regiões onde o cumprimento dos direitos indígenas mais tarda.
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