quinta-feira, 9 de maio de 2013

Governo vai alterar regra de demarcação de área indígena

folha de são paulo

Anúncio foi feito pela ministra da Casa Civil, que criticou atuação da Funai
Mudança, que esvazia papel da fundação e agrada ruralistas, prevê participação de outros órgãos no processo
DE BRASÍLIAA ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, criticou ontem a Funai por falhas no processo de demarcação de terras indígenas e afirmou que o governo prepara um novo modelo de delimitação das áreas, em que outros órgãos do governo serão ouvidos.
A ministra compareceu a uma sessão tensa da Comissão de Agricultura da Câmara, convocada pela bancada ruralista, que acusa a Funai (Fundação Nacional do Índio) de fraudar laudos e inflar conflitos entre índios e produtores. Já os indígenas reclamam da demora na demarcação.
A reformulação do sistema, que na prática esvazia os poderes da Funai, foi um compromisso da ministra com a bancada ruralista.
"A Funai não está preparada, não tem critérios claros para fazer gestão de conflito, não tem capacidade para mediação", disse Gleisi que, porém, ressaltou ser "errado dizer que a Funai é criminosa".
Atualmente, o processo de demarcação é realizado pela fundação, antes da palavra final do Planalto.
A ideia é que sejam consultados órgãos como os ministérios da Agricultura (e a Embrapa, órgão vinculado), Cidades e Desenvolvimento Agrário. "Delegamos única e exclusivamente à Funai a responsabilidade por estudos e demarcação de terras. Nem sempre estabelecemos procedimentos claros e objetivos."
Anteontem, a própria Casa Civil pediu ao Ministério da Justiça para suspender os processos de demarcação no Paraná, reduto político da ministra. Pré-candidata do PT ao governo paranaense, Gleisi negou ontem que a decisão tenha motivação eleitoral.
Ela disse que o governo espera estudos sobre a situação em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul.
Em mais de seis horas de debates, a ministra foi pressionada por ruralistas, que querem a suspensão de todos os processos de demarcação.
A ministra afirmou haver 90 áreas em estudos pela Funai. Segundo a fundação, terras indígenas com limites já definidos representam 12,9% do território nacional.
Na sessão, a ministra se irritou com o deputado Luis Carlos Heize (PP-RS), que perguntou qual é a importância da agricultura para o governo Dilma Rousseff. "Não admito que o senhor questione a seriedade do governo", disse, sendo vaiada por produtores rurais.
Apesar das críticas da ministra, seu colega Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) negou que a presidente Dilma pense em demitir a presidente Funai, Marta Maria Azevedo. Interlocutores do Planalto, porém, reconhecem que existe um desgaste da cúpula da Funai, especialmente depois que Dilma enfrentou protestos de ruralistas em sua viagem a Mato Grosso do Sul. A Funai não comentou o assunto ontem.
Gleisi cobrou também celeridade do Supremo Tribunal Federal na análise de recursos que questionam a demarcação da Raposa Serra do Sol (RR). Para que o caso avance no STF, porém, Dilma tem que indicar um novo integrante ao tribunal, que vai herdar a relatoria do caso.
Gleisi ainda atacou os críticos à construção da usina de Belo Monte. "Há grupos que usam os nomes dos índios (...) [para] impedir obras essenciais ao desenvolvimento."

    ANÁLISE
    Legislação indigenista é citada como exemplo, mas falta respaldo político
    PAULO SANTILLIESPECIAL PARA A FOLHA
    A legislação indigenista brasileira é reconhecida internacionalmente como das mais avançadas. Os direitos indígenas inscritos na Constituição tornaram-se modelo para diversos países.
    Em 1996, o então ministro da Justiça, Nelson Jobim, formulou e instituiu o decreto 1775 normatizando os procedimentos administrativos para reconhecimento dos direitos territoriais indígenas.
    Esse decreto dispõe, entre outras normas, sobre o princípio do contraditório, abrindo espaço no rito administrativo para identificação, delimitação e demarcação das terras indígenas à manifestação de todos os interessados e eventualmente afetados.
    Complementando este decreto, o mesmo ministro instituiu a portaria 14, que define e detalha os critérios a serem observados pelo órgão indigenista oficial na elaboração dos relatórios circunstanciados de identificação e delimitação de terras indígenas.
    Cabe também notar ainda que estes dispositivos mantiveram a participação de Estados e municípios em todos os procedimentos.
    Ademais, os processos de regularização das terras indígenas, assim como de quilombo, já supõem a articulação dos órgãos fundiários, lotados nos diferentes ministérios, para a condução e conclusão de cada caso específico.
    O quadro geral das terras indígenas oficialmente reconhecidas demonstra que nas regiões onde houve apoio institucional e financeiro --como a Amazônia, onde se concentra mais de 98% em extensão das áreas demarcadas e homologadas-- alcançou-se resultados bem significativos.
    Temos hoje um imenso atraso no reconhecimento dos direitos territoriais indígenas em outras regiões, notadamente de maior concentração demográfica e exploração econômica. São os locais onde os procedimentos de regularização são mais custosos, tanto financeira quanto politicamente.
    Já foi possível avançar e fazer o reconhecimento de direitos territoriais indígenas onde a estrutura fundiária esteve menos consolidada.
    Com ampliação dos quadros da Funai, maior dotação orçamentária, respaldo político e instrumentos para a indenização de títulos de propriedade expedidos indevidamente sobre terras indígenas, muitos dos problemas sobejamente conhecidos nos mecanismos demarcatórios seriam superados. E daria ainda para avançar nas regiões onde o cumprimento dos direitos indígenas mais tarda.

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