Em compasso de espera
Novo filme da diretora Ana Carolina, A primeira missa ou tristes tropeços, enganos e urucum, coprodução luso-brasileira, já lançado em Lisboa, só deve estrear no Brasil em março ou abril
Ailton Magioli
Estado de Minas: 26/01/2014
A primeira missa ou tristes tropeços, enganos e urucum foi rodado em estúdio que reproduz a mata atlântica, obra do artista Valdy Lopes JN |
Coprodução luso-brasileira com a participação de artistas portugueses (Beto Coville, Rui Unas, Marcantonio Del Carlo e Pedro Barreiro) e brasileiros (Fernanda Montenegro, Rita Lee, Alessandra Maestrini, Oscar Magrini), o filme da paulistana radicada no Rio é classificado por ela mesmo como “tragicomédia ácida”.
Inspirado no célebre quadro de Victor Meirelles (1832-1903), que retrata a primeira celebração religiosa em terras tupiniquins, o longa se desenvolve a partir de duas ações simultâneas, em que a diretora retrata o aspecto histórico da imagem romântica, do século 19, paralelamente à análise do cinema, hoje, no país.
Desde que viu o quadro do pintor catarinense pela primeira vez, Ana Carolina diz ter sentido uma “vontade romântica de começar o Brasil de novo”. “Está muito esquisito”, analisa a realidade, admitindo que os brasileiros nos conhecemos muito pouco historicamente. “Escamoteamos tudo”, avalia a diretora, salientando que o longa, na verdade, é uma digressão, reflexão sobre o tema.
Ana Carolina sempre tenta fazer filmes sobre questões que a mobilizam. “Como é o país em que vivo? Não dá para postergar mais, essa é a questão que me mobiliza desde sempre”, garante. Há mais de uma década tentando filmar A primeira missa..., a diretora atribui a demora à complexidade do setor, que virou um “caminho de rato”.
“Mas isso se reflete em todas as áreas: navegação, ferrovia, tráfego, fronteira, desmatamento, contaminação das águas”, lista alguns dos problemas brasileiros, incluindo na relação o Porto de Paranaguá (PR), no qual estaria estacionado o tal caminhãozinho dela. Na opinião de Ana Carolina, no caso específico do cinema há até uma legislação própria, com engenharia e jurisprudência. “Mas o Brasil é deformado. Sempre fomos servidores de dois amos: servimos ao mercado e ao poder”, contesta.
CINEMA DE CICLOS Getúlio Vargas (1974), Mar de rosas (1978), Das tripas coração (1983), Sonho de valsa (1988), Amélia (1999) e Gregório de Mattos (2003) são os principais títulos da filmografia da diretora, que, durante um período, chegou a se dedicar à direção de óperas (Ariadne auf naxos, de 1988, e Salomé, de 2003), além de teatro (Fraldas da providência, de 1992).
“O cinema brasileiro vive de ciclos, que morrem claramente. Há sempre o recuar e o observar. Agora, por exemplo, é o ciclo do mercado. Ele é mutantis, o mesmo da pornochanchada dos anos 1970”, critica, acrescentando que o que dá dinheiro, atualmente, fica na vitrine. Nas poucas vezes em que teria ido ao cinema, nos últimos anos, Ana Carolina diz ter visto filmes interessantes como Central do Brasil, de Walter Salles; Durval Discos, de Ana Muylaert; Estômago, de Marcos Jorge; A música segundo Tom Jobim, de Nelson Pereira dos Santos, e, mais recentemente, Tatuagem, de Hilton Lacerda.
“Mas as coisas de que gosto não estão visíveis no momento”, desconversa, manifestando desejo de voltar a fazer ópera ou teatro, “que tenha comentário musical bom”. Cria da escola alemã, a diretora lembra ter tido boa formação musical desde a infância. Mas, como em sua opinião toda criação está obstruída no Brasil, “fica difícil reagir”. “Se você parar para pensar que Eleazar de Carvalho (1912-1996) foi mestre dos grandes maestros contemporâneos – Claudio Abbado (1933-2014), Zubin Meta e Seiji Ozawa – e morreu anônimo em São Paulo, lutando para ensaiar sua orquestra, fica difícil”, conclui, decepcionada.
DIGITAL Se já no roteiro do longa-metragem havia uma equipe tentando filmar a primeira missa no Brasil, por que não transportar a ação do longa para um estúdio, diante da crise econômica? Primeiro filme digital de Ana Carolina, A primeira missa no Brasil ou tristes tropeços, enganos e urucum reproduziu a exuberância da mata atlântica em pleno estúdio, como se fosse a costa da Bahia, graças ao trabalho do artista Valdy Lopes JN. “Ele entendeu muito bem o que queríamos e o resultado é lindo. Parece mata atlântica”, diz a diretora, que filmou o longa em apenas três semanas, em São Paulo.
TRÊS PERGUNTAS PARA...
. Ana Carolina
. cineasta
Que público você espera atingir com A primeira missa no Brasil ou tristes tropeços, enganos e urucum?
Tenho um público cativo ao longo de todos esses anos. A fatia acadêmica, dos 18 anos aos 30 anos, e a turma dos coroas, dos 40 aos 60.
Além do aspecto histórico, na trama você tece crítica ferrenha ao fazer cinematográfico brasileiro. Afinal, por que continuar fazendo cinema no Brasil?
Crítica é para viabilizar, não para destruir. Cinema é a coisa mais importante das nossas vidas.
Até que ponto a tecnologia digital, que você utiliza pela primeira vez, contribui para o desenvolvimento da sétima arte?
A sétima arte se alimenta também de tecnologia.
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