quinta-feira, 7 de março de 2013

Sinal vermelho-Lilian Monteiro‏

Especialistas alertam pais sobre o ronco infantil, mais comum do que imaginam. E avisam: há algo errado que deve ser investigado 


Lilian Monteiro

Estado de Minas: 07/03/2013 


O ronco, aquela sinfonia nada afinada que incomoda quem está em volta, é sempre relacionado ao adulto. Mas esse não é um mal que perturba somente gente grande. As crianças também são vítimas, e a diferença está nas causas. E o barulho, o principal alerta, é o menor dos problemas. Antes de mais nada, é preciso saber que ronco é sinal de obstrução respiratória ou resistência aumentada da passagem do ar. E será sempre um aviso de que existe algo errado com sua saúde. A ordem é investigar.

Com as crianças, o ronco pode acompanhá-las desde o nascimento. Na primeira fase, até 28 dias de vida, o bebê vai roncar por infecção, inclusive sinusite, ou rinite do lactente. Isso pode atrapalhar a amamentação e acarretar perda de peso. Situação grave, frequente e que pode vir a prejudicar de maneira definitiva o aleitamento materno, chama a atenção Ricardo Neves Godinho, otorrinolaringologista, especializado em otorrinopediatria. O tratamento é com soro fisiológico, em spray ou jato contínuo, e se não resolver a saída é medicação orientada por um médico. O umidificador no quarto é uma medida ambiental.

Numa segunda fase, até os 2 anos, o neném pode sofrer com rinites do lactente (nada a ver com alérgica), relacionada com as mudanças de temperatura e umidade. Com dias quentes e noites frias, o nariz entope e eles roncam muito. Essas crianças são até chamadas de "nariz de porquinho". Passada essa etapa, quando elas vão para a escola, creche, berçário (a criança institucionalizada), o resfriado é frequente e a obstrução nasal prolongada é acompanhada do ronco noturno.
Ricardo Godinho explica que depois dos 2 anos as amígdalas e adenoides começam a crescer e os estímulos desses ambientes aumentam os processos alérgicos. Se essas estruturas crescem demais, a ponto de obstrução significativa, o ronco vai acompanhá-la a noite inteira. Resultado: dormem mal e podem até ter apneia (o extremo do ronco) do sono. Essas são candidatas à cirurgia. "Acordam mal-humoradas, irritabilidade aflorada, desatenção na escola, são alarmes importantes para que as mães pensem num problema mais sério."
Ricardo Godinho diz que, quando a congestão nasal é crônica, a criança muda a postura da cabeça para respirar melhor. A protusão da cabeça gera uma discreta alteração da postura do tronco (semelhante a corcunda). É o que se chama de síndrome do respirador oral. Ela se curva para a amígdala se projetar para a frente juntamente com a língua. "Se não tratar ou tiver uma assistência inadequada, ela passa a ter uma deformação na face, com o rosto comprido e os dentes projetados para fora." Todo esse quadro é acompanhado do ronco.
Por isso, o médico explica que, dependendo da gravidade do caso, a criança vai precisar de uma equipe multidisciplinar para ajudá-la a conseguir parar com o ronco. O pediatra identifica, o otorrinolaringologista faz o diagnóstico da causa do ronco, trata ou opera e pode encaminhar para o fonoaudiólogo, que organiza o hábito respiratório (treinamento para automatizar a respiração, fechar a boca e respirar pelo nariz) para fortalecer os músculos da face, lábio e língua. Ainda pode ser acionada a participação de outro profissional, o dentista, que vai avaliar a necessidade de aparelhos ortopédicos (muda a estrutura do osso) ou ortodôntico (posição dos dentes).

PROBLEMA ESTÉTICO
Ricardo lembra que o ronco é um sintoma para contornar um problema que pode provocar um comprometimento estético significativo. "A face longa, a posição dos dentes alterada, a musculatura frouxa e inexpressiva são consequências que podem interferir no desenvolvimento saudável." A apneia, obstrução completa do fluxo de ar para os pulmões, também precisa ser levada em conta. O otorrino enfatiza que há crianças que podem apresentar "pausas respiratórias de cinco a 10 segundos ou até mais. Muitas mães no consultório explicam a reação dos filhos como se eles tivessem engasgado durante o sono". Com a queda do oxigênio, o cérebro dá estímulo à criança para despertar e mudar de posição. As consequências são que "ela passa a ter o sono agitado, dorme de ponta-cabeça, ronca a noite inteira, mexe demais na cama e não descansa".

O distúrbio nutricional também surge por causa do ronco. Ricardo explica que crianças obesas tendem a roncar mais porque comem rápido para conseguir respirar. Dessa forma, não têm saciedade pelo paladar. Ou podem ser bem magrinhas, no outro extremo, porque não têm prazer de comer, já que não sentem o cheiro e o gosto do alimento pela obstrução das vias aéreas.

ESPECIAIS Consultor da Interamerican Association of Pediatric Otorhinolaryngology (Iapo), a maior associação da otorrinopediatria, uma subespecialidade da medicina, Ricardo destaca o caso do ronco em crianças portadoras de necessidades especiais. Síndrome de Down, fissura labiopalatina, paralisia cerebral, enfim, crianças sindrômicas que roncam são casos mais complicados e exigem um grupo multiprofissional – geneticista, cirurgião plástico, neurologista pediátrico, dentista –, que pode acompanhá-las a vida inteira. "O ronco é característico da síndrome por uma associação de motivos. Na Down, língua grande e nariz estreito. Na fissura labiopalatina, o nariz é torto e, no caso da paralisia cerebral, a criança não consegue segurar a língua na posição correta."

Enfim, o tratamento certo

Há mais de uma década, o pai acompanha o sofrimento do filho em busca da respiração ideal e da chance de pôr um ponto final no transtorno que é o ronco. O comerciante Paulo Aquiles de Abreu está vencendo uma saga ao lado do estudante Marcelo de Souza Abreu, de 14 anos, que desde pequeno convive com a obstrução nasal. Depois de peregrinar por alguns médicos e especialistas, encontraram a direção correta e Marcelo está na reta final do tratamento.

Paulo Aquiles conta que Marcelo tem rinite alérgica e, para complicar, desvio de septo. Sem respirar pelo nariz, o filho, aos 7 anos, encarou a primeira cirurgia de amígdala e adenoide. "Não resolveu muito." Para complicar, é louco por esportes e, sem poder desfrutar plenamente das atividades de que gosta, deixava o pai triste e incomodado. "Corri atrás, ouvi várias opiniões, mas nada era definitivo. Até que o pediatra Luiz Sérgio, de Pedro Leopoldo, me indicou o otorrino Ricardo Godinho, "que solucionou o problema, com uma segunda cirurgia que foi sucesso". Agora, Paulo assegura que a respiração de Marcelo passou de 5% para 90% e está a caminho dos 100%. "É uma alegria." O pai não esconde o alívio. "Ele tinha muita dificuldade para respirar, quando gripava era uma agonia, um desespero. Sem falar do ronco, era como se ficasse 'raspando' a garganta."

Ainda se recuperando da segunda cirurgia de desvio de septo e redução do volume das conchas nasais, Marcelo também conta com a ajuda de uma dentista. "Ele vai usar aparelho porque tem o céu da boca fechado e vai beneficiá-lo ao alargar a narina. Hoje, já virou outro menino", explica o pai eufórico. 

Marcelo está animado, mas espera resultado ainda melhor. "Estou recém-operado, com pontos e o nariz dolorido, então ainda não vi tanta mudança. Mas sei que ela virá. "Jogo futebol, nado, ando de bicicleta e meu sonho é respirar normal. Antes, qualquer pique ou trote de cinco metros ficava cansado e só com a boca aberta. Era difícil dormir, acordava cansado e na escola, enquanto todos chegavam animados, eu estava sonolento. Era complicado prestar atenção e incomodava bastante. Agora, estou na reta final para ficar 100%." (LM)

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