domingo, 17 de fevereiro de 2013

Morador de favela está 'superligado' à internet, diz pesquisa

folha de são paulo


Daniel Marenco/Folhapress
Vinícius de Lima, 19, usa o laptop da irmã na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro
Vinícius de Lima, 19, usa o laptop da irmã na favela da Rocinha, no Rio; usuários priorizam as redes sociais
No Rio, 90% dos jovens de cinco áreas de baixa renda acessam a rede
Usuários priorizam redes sociais como o Facebook, mostra levantamento feito com 2.000 entrevistas
FABIO BRISOLLADO RIONove entre dez moradores de favelas cariocas, com menos de 30 anos, acessam a internet. A maioria utiliza o computador de sua própria casa. Quando conectados, os usuários priorizam redes sociais, como o Facebook.
As constatações citadas integram uma pesquisa com residentes, entre 15 a 29 anos, de cinco áreas de baixa renda: Rocinha (zona sul), Cidade de Deus (zona oeste), Manguinhos e os complexos do Alemão e da Penha (zona norte).
O levantamento, baseado em 2.000 entrevistas, foi produzido entre os dias 17 e 22 de dezembro de 2012 para o projeto Solos Culturais, uma parceria da Secretaria Estadual de Cultura com a ONG Observatório das Favelas.
Segundo os pesquisadores, a adesão à internet dessa parcela da população sinaliza mudanças.
"O cidadão invisível na rua aos olhos da sociedade consegue ser reconhecido em redes sociais como o Facebook. O excluído está alçando virtualmente sua visibilidade. Isso é uma revolução no imaginário da cidade", avalia Jorge Luiz Barbosa, professor do Departamento de Geografia da UFF (Universidade Federal Fluminense) e diretor do Observatório das Favelas.
Ele acredita que a internet pode estabelecer laços até então pouco explorados.
"O garoto da favela posta um vídeo com passos de funk no YouTube que acaba sendo visto pelo menino do condomínio de luxo. Esses cruzamentos culturais permitem a esperança em uma sociedade mais generosa com suas diferenças", diz Barbosa.
MEMÓRIA ARMAZENADA
Além de marcar presença em redes sociais, os internautas entrevistados afirmam que costumam armazenar sons, fotos e vídeos.
Essa coleção pessoal criada por cada usuário é citada também como algo inédito.
"Antes, uma pessoa de classe baixa não tinha condições de comprar uma máquina fotográfica. Hoje, qualquer celular tira foto, o que possibilita a construção de uma memória que por muitas gerações não existiu", avalia o diretor do Observatório das Favelas.
O levantamento mostrou ainda que o complexo do Alemão registrou o maior número de usuários habituados a baixar músicas: 85,2% dos internautas da região.
"Essas pessoas passaram a ter acesso a bens culturais simbólicos, como é o caso da música. Por isso, elas começam a construir seu próprio acervo de informação", diz Gilberto Vieira, produtor executivo do projeto.
O conjunto de favelas da Penha atingiu o índice mais alto de usuários do Facebook, com a participação de 93,42% do total de entrevistados com acesso à rede.
O uso da internet como ferramenta para os estudos também chamou a atenção.
No complexo da Penha, em cada grupo de dez internautas, sete afirmaram recorrer às ferramentas de buscas virtuais para realizar trabalhos escolares.
A pesquisa realizada nas favelas cariocas vai resultar no livro "Solos Culturais", que deve ser lançado até o final deste mês.


    Acessos em casa disparam, e LAN houses 'naufragam'
    Morador vende pacote 'paralelo' de internet
    DO RIOSegundo a pesquisa do projeto Solos Culturais, o uso de computadores em residências nas favelas já supera os acessos feitos em LAN houses -tradicional ponto de encontro dos internautas em áreas de baixa renda.
    O comerciante Alexandre Ferreira, 43, já havia percebido a mudança na prática.
    "Eu fundei uma das primeiras LAN houses da Rocinha, mas acabei fechando porque o movimento caiu muito", diz Ferreira, que encerrou as atividades em 2010.
    Com a crise, ele vislumbrou um novo negócio.
    "Percebi que todo mundo estava comprando computador e comecei a vender o acesso à internet. No início, de uma maneira talvez até ilegal", reconhece o comerciante, que procurou formalizar sua empresa após a ocupação da favela pelas forças policiais, em novembro de 2011.
    "Agora, eu compro o link de uma operadora e distribuo pela Rocinha. Tudo legalizado", afirma ele.
    A empresa de Ferreira alcançou mais de 1.500 clientes em pouco mais de um ano de funcionamento. Até ele se surpreende: "Tem casa que não tem geladeira, mas tem computador", conta.
    Vinícius Santiago de Lima, 19, mora em uma casa de dois pavimentos em um dos becos próximos ao valão, canal existente na parte baixa da favela da Rocinha que propaga mau cheiro ao longo de seu percurso.
    O rapaz tem 863 amigos no Facebook. Sua página reúne 373 fotos pessoais.
    Ele cita uma das imagens postadas (onde aparece de terno), que motivou 55 comentários e 18 curtidas (saudação popular entre usuários do Facebook). Uma repercussão recorde de seu perfil virtual, segundo o jovem.
    Lima usa o laptop da irmã mais velha, que comprou o equipamento no ano passado. "Já cheguei a passar o dia inteiro, mais de 12 horas seguidas, no Facebook. Fico conversando com as pessoas durante a maior parte do tempo", explica ele, que também costuma baixar músicas.
    Já armazenou em um pen drive "uns 500 pagodes e uns 300 raps", empolga-se.

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