sábado, 16 de agosto de 2014

Getúlio e as eleições - João Paulo

Estado de Minas: 16/08/2014 


O presidente Getúlio Vargas e seu guarda-costas, Gregório Fortunato: dois brasis em uma imagem (Arquivo EM)
O presidente Getúlio Vargas e seu guarda-costas, Gregório Fortunato: dois brasis em uma imagem


A publicação do terceiro e último volume de Getúlio (Companhia das Letras), do jornalista Lira Neto, merece atenção por vários motivos. O primeiro deles é o fato de completar, em alto nível, com direito a informações até então inéditas, a biografia do mais importante político brasileiro de todos os tempos. O biógrafo, no período que vai de 1945 a 1954 abarcado pelo terceiro tomo, traça um retrato vivo dos melhores e mais dramáticos momentos do homem e do estadista Getúlio Vargas.

O suicídio de Vargas, em 24 de agosto de 1954, ganha a perspectiva histórica de um político que várias vezes, como se acompanha no livro, teve em mente a ideia de sacrifício pessoal. Muito já se disse do suicídio do presidente, fato que há 60 anos é um marco na história brasileira. Teria adiado o golpe de 64 em 10 anos, rearticulado as forças populares e a oposição em momento de crise, além de estabelecer um padrão político, para alguns ainda vigente na vida nacional.

Ao sair da vida para entrar na história, Getúlio, de certa maneira, reescreveu sua trajetória, permanecendo como um mito. O grande esforço da biografia de Lira Neto foi exatamente dar dimensão histórica e humana ao personagem criado pelo imaginário nacional. O encerramento da trilogia deixa para o leitor elementos para debates que se mantêm na realidade brasileira. Não é um acaso que, quando foi lançado o segundo volume de Getúlio, a edição trouxesse na contracapa depoimentos de Fernando Henrique Cardoso e Lula. O primeiro se jactou de superar o varguismo, o segundo é visto como um de seus herdeiros. De uma forma ou de outra, Getúlio é uma presença.

O que o livro de Lira Neto em seus três volumes nos ensina é que, sob a capa do mito Getúlio Vargas existia um estadista seduzido pelo poder, mas com sentimento público, que soube responder às provocações de seu tempo, que foi capaz de idealizar um projeto para o país. Mas que não foi homem isento de contradições, chegando ao poder por meio de uma revolução, sendo eleito pelo voto, que apelou para a força de um golpe e de uma projeto autoritário para, novamente, ser eleito alguns anos depois. Por isso não há apenas uma herança varguista, que passaria de mão em mão, mas um patrimônio político dinâmico.

O suicídio, de alguma maneira, funcionou como uma atitude que por sua coragem moral destacou os avanços para relevar os momentos de atraso. A história de Getúlio, no período tratado pela extensa reportagem biográfica de Lira Neto, de 1882 a 1954, representa a trajetória pública do Brasil naquele longo e decisivo período de nossa formação, por meio da inflexão na vida de seu mais importante personagem. É o que garante o grande interesse nos momentos que põem fim à trajetória de Vargas e que ainda ecoam no presente.

Ontem e hoje O segundo aspecto de grande significado do terceiro volume da biografia de Vargas é exatamente esse: sua atualidade. O cenário de crise, os traços de conturbação social, a divisão da sociedade, os interesses em disputa, o presença do Estado, as acusações de corrupção, a emergência do moralismo, a inspiração partidária da imprensa, a discordância acerca do aumento do salário mínimo, a contestação dos direitos trabalhistas – tudo que de certa forma se liga aos momentos finais de Getúlio – são fatos que se repetem com matizes distintos no atual momento político-eleitoral brasileiro.

São problemas semelhantes, mas vividos em outro momento. E que trazem à tona o mesmo cenário de divisão que marca a história política brasileira. O que nos faz, com todas as distinções, herdeiros de questões que parecem insuperadas em nossa tradição política. São várias semelhanças em jogo: a questão do petróleo (que vai da defesa do monopólio aos novos modelos de atuação da iniciativa privada); a remessa de lucros (hoje traduzida no cenário de financeirização que privilegia os rentistas); as acusações de corrupção com acento nitidamente eleitoral; a recrudescência de certa imprensa fincada em propostas moralistas e ideológicas.

Um dos grandes pilares da crise que levou Getúlio Vargas ao suicídio foi o aumento do salário mínimo em 100%. Os empresários chiaram, acusaram o governo de contribuir para quebrar a indústria e, como reação, se aliaram aos setores militares descontentes. Com outro viés, mas bastante simbólico e rico em homologia, foi a declaração de Armínio Fraga, mentor econômico do PSDB, de que o salário mínimo cresceu muito e precisa ser contido. O mesmo argumento é sacado quando entra em cena qualquer negociação salarial, com os empresários jogando contra os direitos em nome de uma suposta “modernidade”. Não há nada na história da humanidade mais moderno que a ampliação de direitos. Mais ainda: que a criação de direitos.

Os debates em torno da eleição deste ano vão trazer de volta vários temas que têm âncora no período getulista. Não se trata de segui-lo ou romper com seu legado. Getúlio Vargas deixou uma herança em termos de projetos (nacionalismo, industrialização e proteção do trabalho), que respondia às demandas de sua época. Mas consagrou um estilo, centralizador, populista e autoritário, que não é viável com a democracia moderna. Há o conteúdo e a forma. Não é mais possível aceitar um em troca do outro. O varguismo está findo. Os problemas do país permanecem. Ler Getúlio é uma boa forma de lidar com os dois lados de nossos dilemas políticos.

Orelha

Estado de Minas: 16/08/2014 



O romancista Carlos Heitor Cony será homenageado na Felit
 (Ana Paula Migliari/Divulgação)
O romancista Carlos Heitor Cony será homenageado na Felit


Encontro de gerações

O escritor Carlos Heitor Cony é o homenageado na oitava edição do Festival de Literatura de São João del-Rei e Tiradentes (Felit), que será realizado entre os dias 3 e 6 de setembro, no Teatro Municipal de São João del-Rei e no Centro Cultural Yves Alves, em Tiradentes. Além de Cony, o Felit terá entre as atrações o escritor angolano José Eduardo Agualusa. Em sua oitava edição, o festival realiza um pré-evento, dia 2 de setembro, no câmpus Dom Bosco da Universidade Federal de São João del-Rei. O escritor Zuenir Ventura será sabatinado por estudantes dos cursos de jornalismo e de letras sobre a arte da escrita. Participam ainda da programação os autores Raphael Dracon, Carolina Munhóz, Cristovão Tezza e Leila Ferreira.

Inédito de Dupas

Desafios da sociedade contemporânea, de Gilberto Dupas, chega em breve às livrarias pela Editora Unesp. O livro reúne 35 artigos publicados na imprensa paulista, entre 1985 e 2009. Intelectual público, Gilberto Dupas (1943-2009) tem seus textos divididos em duas seções, “O ontem, o hoje” e “O amanhã”, com artigos que tratam da crítica do capitalismo, das relações internacionais, da globalização e dos impasses da sociedade contemporânea.

Novos talentos

A Editora Record está lançando livros com os vencedores do Prêmio Sesc de Literatura de 2014. Parafilias, de Alexandre Marques Rodrigues traz as histórias vencedoras da categoria contos. O autor nasceu em Santos, em 1979, e todas as suas narrativas têm forte componente erótico. Entre os romances, o premiado foi Enquanto Deus não está olhando, que marca a estreia de Débora Ferraz no gênero. A narrativa, de acordo com Eneida Maria de Souza, “convida a repensar sobre a solidão e o desamparo” e acerca da ausência de saída para os dramas humanos.

Sempre atual
 (AP Photo/Sothebys)


Oscar Wilde (foto) está de volta em dose dupla. Pela Tordesilhas, acaba de ser lançada nova edição de De profundis, com tradução de Cássio Arantes e posfácio de Munira H. Mutran, professora da USP e fundadora da Associação Brasileira de Estudos Irlandeses. Publicado originalmente cinco anos depois da morte do autor, De profundis é uma extensa carta escrita por Wilde durante sua estadia na prisão, endereçada a Bosie – apelido do amante –, que faz um relato da conturbada relação de amor e ódio entre os dois e apresenta uma profundo autoanálise de consciência, revelando uma faceta completamente diferente do Wilde extravagante conhecido pelo grande público. Pela Editora Landmark, em edição bilíngue, chega às livrarias a primeira versão da obra-prima do escritor, o romance O retrato de Dorian Gray. A tradução é de Doris Goettems.

O Brasil e a guerra

O mundo recorda os 100 anos da Primeira Guerra Mundial e um livro, que está sendo lançado pela Rocco, ajuda a entender o impacto do conflito na América Latina e, especialmente, no Brasil. Trata-se de Adeus à Europa – A América Latina e a Grande Guerra, de Olivier Compagnon, professor da Universidade de Sorbonne-Nouvelle. O autor mostra, por meio de fontes surpreendentes como canções, romances e manifestos, que a guerra mexeu como imaginário nacional e impactou a vida política do Brasil e Argentina, que deixaram a posição de neutralidade para apoiar os aliados. Além disso, há uma mudança de paradigma, com o fortalecimento do nacionalismo político na região, criando novo polo de identificação com os Estados Unidos.

Vida e morte

 (Jackson Romanelli/Divulgação)


Freio Betto (foto) está com dois novos títulos nas livrarias, a coletânea de textos Reinventar a vida (Vozes), que trata de temas como a amizade, o consumismo e o meio ambiente; e o infantil Começo, meio e fim (Rocco), que leva às crianças uma reflexão sobre a morte. Frei Betto, que está perto de completar 70 anos, está ainda com dois títulos no prelo, Oito vias para ser feliz e Um Deus muito humano. Com os novos volumes, ele chega à marca dos 60 livros publicados.

Lançamentos

Paula Pimenta lança versão em quadrinhos da série teen Fazendo meu filme. Hoje, às 15h, na Leitura Pátio Savassi (Av. do Contorno, 6.061, Funcionários).

Marcia Tiburi participa de debate e lança o livro Filosofia prática – Ética, vida cotidiana, vida virtual. Segunda-feira, às 19h30, na Sala Juvenal Dias do Palácio das Artes. Promoção do Sempre um Papo.

O fotógrafo Gustavo Lacerda lança o fotolivro Albinos, terça-feira, às 19h30, no Multiespaço Oi Futuro, Av. Afonso Pena, 4.001, dentro do projeto Foto em Pauta.

Mulheres no poder - Valf

Mulheres no poder - Valf 

  Último aviso, álbum da artista alemã Franziska Becker, inaugura o selo Barricada, que terá linha editorial voltada para quadrinhos críticos e com pegada política




Estado de Minas: 16/08/2014 04:00

 (Boitempo/Reprodução)


Jardim do Éden. Em meio a uma vasta vegetação e animais de todos os tipos, o Criador, em tom grave, dá um ultimato. Caso os dois moradores do paraíso não passassem a se comportar direito, sofreriam as consequências de seus atos e seriam punidos. Mas nada de maçã e anjos com espadas flamejantes expulsando-os do paraíso. Como penalidade, um desses moradores seria transformado em homem. Sim. Duas mulheres, Ada e Eva, recebem a reprimenda de uma figura divina, também do sexo feminino.

Último aviso, título do recém-lançado álbum de cartuns e histórias em quadrinhos da alemã Franziska Becker, curiosamente também é o nome desse cartum que serve como capa da edição. É um irônico cartão de visitas da artista, que em suas mais de 120 páginas, percorre com seu olhar feminino/feminista as mais variadas facetas da sociedade e extrai delas uma visão ácida, crítica e bem-humorada.

Nascida na cidade alemã de Mannheim, em 1949, ela foi criada em uma família liberal. Começou seus estudos em um curso de egiptologia. Porém, a pressão familiar a fez optar por uma carreira mais estável e totalmente diferente, tendo concluído o curso de formação técnica em assistência médica. Por fim, acabou entrando para a academia de artes. Politizada, uniu-se a movimentos feministas no começo dos anos 1970.

Em uma das reuniões dos grupos de que participava, conheceu a editora Alice Schwarzer, que viria a fundar algum tempo depois a revista Emma, onde começaria a colaborar desde o lançamento da primeira edição. O nome da revista é uma espécie de redução da palavra emancipation, ou, em tradução livre, liberação. A busca desta emancipação ocupa grande parte do seu trabalho. Seus cartuns, sátiras a convenções sociais e situações do cotidiano ganham força no humor e na crítica quando confrontam o limite e o choque entre os universos masculino e feminino.

Critica a vaidade e a descabida busca do corpo perfeito em uma estória em quadrinhos, numa sequência em que a protagonista, começando ainda adolescente e indo até a idade adulta, ano após ano, continuamente inconformada com a aparência, tenta sempre uma mudança, buscando a grande novidade cosmética e estética revolucionária disponível na época. Cada quadrinho desta procura por aceitação vem sempre pontuado pelo valor da operação ou tratamento envolvido. E, no final, uma busca que acaba se mostrando em vão.

Em outra estória, uma gama variada de ex-namorados problemáticos aparece em uma crônica sobre as desilusões amorosas de uma amiga e traz uma discussão sobre a tentativa do encontro do par perfeito (ou quem sabe, menos imperfeito) e os limites da amizade. Se, por um lado, como já falado, a busca da perfeição física se torna um tormento e é alvo de crítica, por outro o desleixo masculino com a forma é igualmente ironizado.

Em um cartum, duas mulheres conversam sobre uma onda de calor e como ficariam felizes se ela acabasse. Não pela temperatura. Na rua, vários homens fora de forma andam de bermuda, camiseta ou mesmo sem camisa. Despreocupados. Até mesmo com a aparência. Mercado de trabalho, religião, consumismo, tecnologia, criação dos filhos e seus pais de primeira viagem. Todos esses temas são debatidos, passam pelo olhar atento e pelo crivo da artista e ganham o merecido comentário de sua pena.

Está, entretanto, na inversão de papéis, sua melhor crítica. Com maestria, Franziska confronta nossa percepção, deixando uma espécie de riso nervoso no final. Recoloca mulheres em circunstâncias que, normalmente sendo protagonizadas por homens, seriam questões densas, sem a menor abertura para o humor. E assim, em uma espécie de espelho invertido, não só expõe como amplifica o que é engraçado, absurdo ou mesmo patético nas situações.

Em uma estória em quadrinhos, dois enfermeiros conversam. Um deles alerta o outro para tomar cuidado com as possíveis investidas de uma médica e não aceitar carona em seu Porsche, correndo assim o risco de se tornar mais uma de suas inúmeras conquistas. Depois de assediar pacientes e enfermeiros, a médica pede para que um outro médico mais novo a encontre durante o turno da noite em seu escritório, com o pretexto de discutirem questões que poderiam alavancar sua carreira dentro do hospital. Ao fundo, um enfermeiro, aos prantos, desabafa com outro companheiro, contando a ele que a médica havia prometido divorciar-se. E quando um paciente enfurecido ataca a médica culpando-a por um erro de procedimento em uma operação, o comentário de um colega de profissão é que aquele rompante de fúria se devia a algum possível problema hormonal.

A premiada autora alemã (recebeu em 1988 o prêmio Max und Moritz de melhor cartunista da Alemanha e em 2012, pelo conjunto de sua obra, o Prêmio Göttinger), depois de mais de 20 álbuns, faz sua estreia no mercado nacional, sendo lançada pelo recém-criado selo de quadrinhos Barricada, da Editora Boitempo. Uma excelente oportunidade para conhecer o trabalho da artista e sua peculiar visão, tanto sobre a sociedade quanto a fragilidade de ambos os lados da guerra dos sexos.

ÚLTIMO AVISO
. De Franziska Becker
. Editora Barricada, 126 páginas

Alice e os átomos - João Paulo

O jornalista Bernardo Kucinski estreou maduro na ficção com trama política e agora enfrenta o desafio do romance policial ambientado na universidade


João Paulo
Estado de Minas: 16/08/2014


Para B. Kucinski, a narrativa de suspense não deixa de ser um instrumento de crítica social (Carolina Ribeiro/Divulgação)

Para B. Kucinski, a narrativa de suspense não deixa de ser um instrumento de crítica social

Bernardo Kucinski sempre teve o poder de incomodar, no bom sentido, exigindo dos outros que fossem mais sérios com seus propósitos. No jornalismo, foi autor de livros importantes sobre jornalismo revolucionário, alternativo e econômico e assessor do presidente Lula no primeiro mandato. Formado em física, trabalhou na imprensa brasileira e internacional.

Levou suas exigências para a universidade, território onde percorreu pacientemente todas as vias. Um belo dia, já na casa dos 70, percebeu que a literatura poderia trazer a liberdade sem abrir mão dos compromissos com o mundo real. Estreou com o romance K, que teve acolhida surpreendente do público e da crítica para uma estreia, e, em seguida, publicou o volume de contos Você vai voltar para mim.

Os dois livros tratam do período da ditadura militar, sendo que o romance leva para a ficção a experiência pessoal do autor, que teve uma irmã, Ana Rosa Kucinski, sequestrada e morta pela ditadura. Professora da USP, seu corpo nunca foi encontrado. Bernardo aponta o dedo para a covardia da instituição, que não a defendeu. Acadêmicos e academia não saem bem de sua avaliação. Ele esperava a hora de voltar à carga.

Os primeiros livros – a coletânea de contos e o romance – têm ainda em comum o sentido fragmentário da narrativa. Em K, o foco muda a cada capítulo, gerando um discurso plural. Como se várias narrativas confluíssem para tentar aclarar um mistério anunciado. A força da circunstância e o teor dos acontecimentos, afinal de contas, são mais importantes que uma possível busca de coesão. Em primeiro lugar, há algo a ser dito.

Bernardo Kucinski volta agora com um romance policial, Alice, que sai pela Rocco. Estão de volta algumas características das primeiras ficções, sobretudo o senso crítico em relação às instituições sociais, da universidade à polícia. No entanto, pelas características próprias da literatura policial, a estrutura é mais firme, a narrativa precisa ao mesmo tempo avançar e deixar mistérios, os personagens devem ser desenhados com mais cuidado.

Alice é um típico livro policial clássico. O leitor fica sabendo do crime logo no começo e é desafiado a acompanhar um investigador na busca do motivo e do modo como o assassinato foi cometido. Além disso, o meio no qual o crime se deu, um laboratório de física da USP, ganha uma importância decisiva. O autor usa toda a sua experiência com a academia para explicar tanto a vaidade humana como as diatribes burocráticas que cercam a vida dos cientistas e professores.

Mas trata-se de um livro de crime. B. Kucinski conhece bem a tradição em que se meteu: a todo momento cita clássicos da literatura policial e seus autores canônicos, às vezes para esclarecer o leitor sobre os rumos da investigação, outras vezes para confundi-lo. São nomeados, entre outros, Georges Simenon, Agatha Christie, Nero Wolfe e Conan Doyle. Um recurso de metalinguagem que poderia ser dispensado sem afetar a narrativa. Afinal, a grande ambição de um romancista policial deve ser criar uma voz própria, e não emular o cânone.

Física Alice é um romance com muitos méritos. A história do assassinato de uma jovem cientista, de origem japonesa, bonita e solitária, que é objeto de inveja de colegas menos talentosos, tem elementos de interesse. Além do mistério do assassinato, que vai se tornando cada vez mais complexo com a entrada de informações científicas – tratadas com clareza –, a crônica da vida universitária é bem conduzida.

O leitor aprende, de forma quase didática, como são construídas carreiras, como se dá a disputa de poder, como as publicações se tornam um caminho artificial para alavancar recursos para laboratórios e pesquisas, de que forma os servidores se aproveitam das regras para dirigir licitações, como o assédio moral e sexual dá as cartas nas relações. A comparação entre a universidade e as conhecidas fragilidades da polícia é pedagógica. Por vezes, o autor se torna didático demais, o que tira interesse da trama para dar mais peso à circunstância.

Mas Kucinski lida bem com todas as variáveis, sobretudo com os personagens, dos centrais aos secundários, que são bem descritos e ajudam a dar veracidade ao quebra-cabeça que vai sendo montado. São eles: o delegado Magno, um policial humanista com seus dramas de consciência; o professor Zimmerwald, um cientista banido pelos militares, que mescla senso ético e estético (inspirado em Mario Schenberg); o orientando Rogério, com sua devoção ingênua. E ainda o professor Akira, com arraigados valores morais nipônicos; o administrador carreirista Bruno Figueiroa; e, finalmente, a protagonista, a infeliz Alice Nakamura, que é a sombra de uma vida promissora que conquista o leitor mesmo começando a narrativa morta em seu laboratório, com o sangue escorrendo até formar uma poça no chão.

O autor fez bem a passagem do jornalismo para a literatura. Agora, parece preocupado em expandir seus instrumentos expressivos, enfrentando um gênero difícil (as citações dos clássicos mostram que ele tem ambições altas) e feito para profissionais. Mesmo com algumas escorregadas e explicações em excesso, Alice segura o interesse até o fim e dá ao leitor a sensação de que aprendeu algo. O que não deixa de ser uma reação comum em narrativas policiais.

O melhor fica mesmo para a fusão equilibrada de diversão e crítica social, tendo mais uma vez a universidade como alvo. O livro é uma sociologia selvagem (como há psicanálise selvagem) da academia. Nisso, K e Alice se aproximam: o pior do homem não escolhe lugar para se manifestar. Talvez apenas os átomos e as entidades matemáticas, como conceitos e idealidades, sejam isentos do comezinho interesse humano e suas derivações. Mas os que os manipulam, ficamos sabendo com Alice, são gente como a gente.

ALICE

• De B. Kucinski
• Editora Rocco
• 192 páginas, R$ 27,50

Lá, nas Caxinas - Mozahir Salomão Bruck

Os pescadores do Norte de Portugal têm um sentimento ambíguo de vida e de morte perante o mar


Mozahir Salomão Bruck
Estado de MInas: 16/08/2014



Caxinas, no distrito de Vila do Conde, no Norte do Porto: destino sempre ligado ao mar e à pesca (Fotos: Mozahir Salomão Bruck/Divulgação)
Caxinas, no distrito de Vila do Conde, no Norte do Porto: destino sempre ligado ao mar e à pesca


Diz-se sobre o mar: traiçoeiro. Sempre foi assim. E num mundo em desequilíbrio crescente, ele se faz cada vez mais atormentado. Nas Caxinas, a sedução pela força com que o mar se impõe sobre tudo está em toda a gente. No pequeno distrito de Vila do Conde, no Norte do Porto, bem no alto de Portugal, nascer caxineiro é nascer pescador. Há sempre um parente próximo que tem o mar como meio de vida. Como também não há quem não tenha um familiar próximo que não tenha morrido por causa dele. São dezenas de pescadores desaparecidos ou que morreram nas últimas três décadas. Choram-se os mortos, muitos deles perdidos nas ondas e cujos corpos o mar nunca devolverá, mas revolta não há. É entrar, no dia seguinte, nas traineiras e outros pequenos barcos ainda de madrugada e ir atrás do sustento, pois é o mar que dá a vida. É assim nas Caxinas já há quase 200 anos, quando teve início ali uma pequena vila de pescadores, que viviam em pequenas casas de madeira.   

“Tem de ser”, diz o pescador aposentado José Marafona, hoje com 61 anos. Conta que, em 44 anos de trabalho, passou a vida mais embarcado do que em terra. “E eu nem quis ir para o bacalhau. Na pesca do bacalhau, ficam-se seis meses no barco e seis meses em terra.” Nascido nas Caxinas, Marafona lembra como começou na pesca ainda garoto, aliás, como a maioria dos meninos de sua idade. “Era uma coisa natural ir ter com o peixe”, explica. “Estudávamos os primeiros anos na escola e depois íamos aprender a pesca.” Diz que começou como ajudante no barco assim que terminou o ensino básico. Frequentou a escola profissional de pesca, e ainda bem rapaz começou a trabalhar em barcos pequenos e, depois, nas traineiras de sardinha. A vida na pesca começa com o aprendiz consertando as redes, cuidando das cordas, lavando os recipientes e limpando os barcos. Mas essa fase é muito curta e logo estará na pesca. O pescador aposentado conta ainda que outro atrativo forte para os jovens quererem a pesca do bacalhau era a possibilidade de ficarem livres do serviço militar – o que dá uma dimensão da importância econômica da pesca àquela época. Ficavam livres do serviço militar com a condição de continuarem no bacalhau, pelo menos, por mais alguns anos.

O sonho de todo pescador é, claro, chegar a armador, o dono do barco de pesca. “De geração para geração, famílias inteiras nas Caxinas se criaram na pesca”, destaca Marafona. “Isso é bom, por um lado, pois mantém a família bem junta, mas, por outro, em alguns acidentes, perdem-se pai, filhos e genros”. Marafona aponta para uma senhora que passa do outro lado da rua do café onde conversamos. “É a dona Maria Célia, acho”, diz reticente. Toda vestida de preto – sapato, vestido e xale escuros, pois em Portugal ainda permanece para muitos o hábito do luto definitivo, ela cruza a rua devagar, em direção à Igreja do Senhor dos Navegantes, que foi construída na forma de um barco pesqueiro. “Ela perdeu de uma vez o marido, que era o mestre do barco, um filho e um sobrinho.” E nas Caxinas as viúvas não são poucas. É uma comunidade de forte presença feminina. As mulheres é que parecem movimentar a vida social. Os homens, quando não estão embarcados, passam o dia ali, na beira da praia, jogando cartas (o passatempo preferido dos pescadores da ativa ou reformados) ou bebendo e falando sobre o mar. E assunto não falta. Prevalece entre pescadores e ex-pescadores, não sem motivo, um discurso de vocação épica. Entre as mulheres, especialmente as viúvas e mães que perderam os filhos, um discurso de vocação trágica. Também não sem motivo.

As mulheres da vila fazem a economia circular e a vida acontecer em todas as suas dimensões
As mulheres da vila fazem a economia circular e a vida acontecer em todas as suas dimensões


Peixeiras

Na vida das Caxinas, a história das mulheres é um capítulo à parte. Assumem, em terra, praticamente o restante das tarefas familiares, pois não se restringem aos trabalhos domésticos. Além de cuidar da casa, dos filhos e tocar tudo que diz respeito à casa, cabe a elas, também, limpar e vender os peixes que os maridos e filhos recebem no barco – o quinhão. Praticamente a cada esquina nas ruas das Caxinas há uma delas vendendo carapaus, sardinhas e peixe-agulha. Vez ou outra, até aparece um peixe mais nobre como robalo ou dourada, mas não é comum. No dia a dia, o quinhão, geralmente, reúne peixes mais vulgares, como elas costumam dizer. Dona Bonança vende seus peixes na avenida principal que liga as Caxinas à Vila do Conde. Diz que nas ruas adentro, pelas Caxinas, a concorrência é maior e ali, próximo à rotunda antes da praia, ela já tem freguesia certa. Mas pode ficar por lá uma manhã inteira – pois à tarde já não se vende peixe, que tem que ser sempre fresco – para conseguir 15, 20 euros. Um quarteirão de sardinhas – 25 peixes – custa cinco euros. Nos baldes do quinhão, que os maridos lhes entregam, cabem, geralmente, de 150 a 200 peixes. E vendê-los não é tão fácil assim. Muitas ainda acabam levando peixes para casa.

Sandra Damata é uma peixeira conhecida na comunidade. O que se diz é que os preços que cobra são justos e que o peixe que vende está sempre novo. Ela bem sabe que teve melhor sorte que outras caxineiras que vendem o quinhão em baldes à rua. Membro de uma família antiga de pescadores e armadores, vende a pesca dos familiares em uma banca no mercado municipal das Caxinas. Diz que gosta do que faz, apesar de que o trabalho de limpar os peixes, manter a banca sempre limpa e lidar com o público, por vezes, se torna muito cansativo. E ainda o terrível horário: a vida na pesca começa à noite, com a saída nos barcos, e avança muito cedo, pois há que se receber os pescados e prepará-los para a venda.

Um dos orgulhos dos moradores das Caxinas é que a região se transformou em um centro exportador de mão de obra da pesca. É que além da escola profissionalizante, a própria comunidade caxineira forma, quase que “naturalmente”, novos pescadores. A cultura da pesca e do peixe faz parte e parece modalizar o cotidiano dos moradores. Faz-se presente mesmo no modo de conversar, nas metáforas e simbolismos que usam para falar sobre as coisas da vida. Onde há pesca profissional, é sempre grande a hipótese de lá estar um caxineiro. Daí que, nos últimos anos, a maioria das mortes de caxineiros se deu bem longe de casa, em navios que afundaram nas Astúrias, na Escócia, na Espanha ou no Canadá. “Mesmo no Brasil há muitos caxineiros trabalhando na pesca em Recife, em Natal e em todo o litoral do Nordeste”, diz Marafona que, orgulhoso, diz conhecer o Brasil. “Aquilo ali é um espetáculo. É, sim, senhor”, sentencia Marafona com o melhor sotaque lusitano.

É já entardecer nas Caxinas. Das cinco mesas de plástico da calçada em frente ao bar da praia, apenas duas estão ocupadas. Entre tremoços e azeitonas, o verde branco anima o violonista e o coro desafinado de três homens que exageram no estribilho: “Mar, que és traiçoeiro/ Mar, que nunca tens fim/ Deixa-me viver/ Tens pena de mim”. Pergunto-lhes se sairão no dia seguinte de madrugada para pescar. Eles se riem. Nenhum deles trabalha com a pesca. Mas parecem, assim mesmo, mergulhados nesse sentimento tão ambíguo que se percebe nas Caxinas de vida e de morte no oceano. O mar está dentro de cada caxineiro.

. Mozahir Salomão Bruck é professor da PUC Minas.

De Camões a Saramago - Márcio Almeida

De Camões a Saramago Livro de ensaios de Edgard Pereira analisa autores portugueses clássicos e contemporâneos e ajuda a divulgar uma literatura instigante e ainda pouco conhecida do leitor brasileiro


Márcio Almeida
Estado de Minas: 16/08/2014



O professor da UFMG Edgard Pereira estuda em um dos ensaios do seu livro a escrita errante de Maria Gabriela Llansol

 (Álvaro Rosendo/Divulgação)
O professor da UFMG Edgard Pereira estuda em um dos ensaios do seu livro a escrita errante de Maria Gabriela Llansol


Arquivo e rota das sombras, título consentâneo ao conteúdo revisitado dos ícones que deixaram marcas e são referências para o exercício crítico, lançado na Casa da América Latina, em Lisboa, coloca seu autor, Edgard Pereira, professor mineiro especializado nos cânones lusitanos, definitivamente como um dos melhores analistas brasileiros da literatura portuguesa.

Sem favor algum, mas com base exclusiva no mérito de sua profunda acuidade em analisar com isenção e conhecimento a obra literária proveniente de Portugal. Ajunte-se a essa condição diferenciada e perfeitamente comprovável em todos os ensaios e recensões do livro a consistente erudição com a qual transita o autor opiniões bem-urdidas e interessantes sobre o legado literário português, que é amplo, heterogêneo e específico no contexto europeu de projeção universal.

Assim, tem-se uma leitura abrangente, escrita “com rigor técnico e objetivos hermenêuticos variados”, que inclui Camões e Fernando Pessoa, Eça de Queiroz, Eduardo Pitta, João de Melo, Agustina Bessa-Luís, Vergílio Ferreira, Frederico Lourenço, além de muitos outros autores lusos distinguidos em comentários e resenhas que identificam com seus exemplos a rica e emblemática produção portuguesa.

Há que se distinguir no corpus selecionado para abranger as reflexões críticas a elegância estilística deste autor vivenciado em linguagem também como ficcionista reconhecido. Somente com amplo conhecimento da cultura lusitana, aliado a uma vivência in loco realizada quando estudou para seu doutorado em Lisboa, além de dedicação in totum à causa literária portuguesa, poderia fazer lograr um livro imprescindível em significação e importância tal como resultou nesse Arquivo e rota das sombras.

Esse conhecimento, por sua vez, é demonstrado pelo autor no que tem de especificidade a obra portuguesa em prosa e verso, exigindo amiúde incursões na história, linguística, política e leituras múltiplas que sedimentam as pesquisas. Por isso, os textos têm fluidez inteligível, leveza com profundidade, contextos muito bem caracterizados em função de análises que privilegiam a contundência crítica e o ostinato rigore de sua elaboração profissional, enriquecendo muito a visão leiga ou especializada dos leitores mais exigentes.

O tratamento perspicaz e competente de Edgard Pereira conferido em Arquivo e rota das sombras traz, inicialmente, no ensaio “Camões & Pessoa: dois noturnos”, o conhecimento de que o poeta estreou literariamente com um texto crítico sobre a cultura portuguesa, isto em 1912. O ensaio contudo trata especificamente da criação pessoana do heterônimo Ricardo Reis, "de feição helenizante", em condição dialógica com Camões.

Em “Viagens na minha terra: ciladas da representação”, mostra o autor que Almeida Garrett "promove uma surpreendente desarrumação dos princípios norteadores do romance tradicional", enfatizando que o português participou efetivamente dos conflitos entre liberais e absolutistas na primeira metade do século 19, como integrante das tropas de D. Pedro, seu aprendizado para a "memória histórica vivenciada", conforme referida por Homi Bhabha, fato que Edgard Pereira associa à independência do Brasil, em 1822.

A sombra de Fradique Mendes projeta-se numa "tentativa malsucedida de heterônimo" de Eça de Queiroz, em obra situada entre a biografia e a ficção, ensejando um grande romance (A correspondência de Fradique Mendes), que rompe com o naturalismo e vai de encontro à modernidade. O ensaísta desdobra o assunto noutro ensaio em que põe em evidência, também naquele romance, as conexões entre o discurso literário e o discurso cultural, pelas analogias existentes entre "a forma romanesca e a estrutura social", (...) tendo-se em conta "a estruturação homóloga das relações humanas e sua representação ficcional." É destacado, nesse tempo, o interesse de Eça de Queiroz pelas culturas periféricas e o caráter universalista da intelectualidade do autor também de Os Maias e A cidade e as serras, entre outras grandes obras.
A poesia de Camilo Pessanha é analisada no ensaio “O conflito existencial em Clepsidra”, por apresentar síntese das ideias fundamentais e das principais coordenadas formais das poéticas finisseculares, pondo em foco, nessa poesia, as pulsões estéticas do Decadentismo, Impressionismo e do Simbolismo. A importância do poeta está em ter elaborado "um texto à deriva, em movimento incessante, sem rumo, solto, incapturável, por maiores sejam as pretensões da crítica", ressalta o ensaísta. O espelhamento narrativo das personagens, "numa escrita excessivamente decorada de apelos sensoriais, (...) que leva o leitor a tentar decifrar uma construção sofisticada de linguagem, permeada de detalhes preciosos e enigmáticos", justifica para o leitor a análise da novela A confissão de Lúcio, de Mário de Sá-Carneiro.

Labirinto

José Saramago tem analisado o romance O ano da morte de Ricardo Reis, no qual o Nobel reelabora a ficção dos heterônimos pessoanos. Saramago, conforme pontua o ensaísta, faz uma leitura da instauração da gênese da múltipla alteridade poética e do fingimento ao distinguir a "sedução do labirinto" que é a produção dos heterônimos de Fernando Pessoa (ele mesmo, Ricardo Reis, Alberto Caieiro, Álvaro de Campos) e sua influência na cultura portuguesa. Tudo para levar o leitor a observar que em se tratando de Pessoa é dada a "ênfase na ideia de arte como jogo, diferença, corte, vertigem, arte como labirinto". Já para o "estudioso de símbolos", a obra de Saramago conduz ao discernimento de analogias, como a do distanciamento da vida e a condição de desgarrado da pátria de Ricardo Reis, "numa clara insinuação à dúbia relação de F. Pessoa com o Estado Novo português".

A expressão homoerótica está presente também na literatura portugaysa e a obra de Eugênio de Andrade é analisada, destacando-se por a sexualidade possibilitar "o contato com o limite e a transgressão, sua estreita relação com a poesia, linguagem complexa ancorada no simbólico e na subjetividade", tendendo por isso "a direcionar-se quase sempre numa vertente libertária".

Sob a afirmação de que "por mais que se posicione como não-saber, a literatura não deixa de se constituir em uma intensa e fulgurante forma de saber", os Contos do mal errante, de Maria Gabriela Llansol, são analisados no foco do diálogo entre a revolução coperniana e o discurso da autora, ou seja, nas dobras do saber, em conformidade à teoria de Foucault. Numa reflexão ensaística em que é aprofundado o conhecimento sobre as relações humanas, Llansol põe em cena de novo a questão do desvio sexual na literatura portuguesa.

O jovem poeta Antonio Franco Alexandre visitou o Nordeste brasileiro, e fascinado pelo paradisíaco tropical escreveu Visitação, obra analisada por Edgard Pereira "numa atmosfera cultural fortemente permeada pelo pós-colonialismo e pós-modernidade" e pelo arrebatamento no "registro e invenção de uma região marcada pela exuberância, primitivismo e mistura de sensações".

Ao admitir que a relação entre poesia e desconstrução da subjetividade é um dos parâmetros da literatura moderna, o ensaísta informa também que provém da ideia rimbaudiana de que o eu é um outro, donde a arte de Camões, mas também de Helder Moura Pereira "minar a soberania do eu, destruir os pressupostos da personalidade poética (fidelidade, sinceridade, coerência), jogar suspeição sobre o espaço subjetivo", assim como hoje a ideia de subjetividade possibilita abertura "para a alteridade, a pluralidade e a diferença", cuja flexibilidade do pensamento e das pulsões leva, literariamente, "à diversidade sexual, étnica e cultural", transformada em "mútuo consentimento", como é feita a análise do livro lançado por Helder em Lisboa, em 2005. "Cantor do vazio", a reflexão do poeta, segundo o ensaísta, faz com que o sujeito poético assuma "uma postura niilista como forma de resistência", além de Helder dar ênfase à metalinguagem.

São ainda analisados o romancista Vergílio Ferreira, que projeta "o fascínio do silêncio e da escrita"; o poeta Gastão Cruz, que "fez parte de projeto polêmico de valorização da fragmentação sintática e de distanciamento do sujeito na poesia"; Joaquim Manuel Magalhães, "um dos nomes tutelares da poesia portuguesa" através sobretudo de duas recorrências: a consciência da escrita e do sujeito, e da sexualidade vivida mais como prática do que como paixão"; João de Melo, "pela desesperada busca da identidade nacional", autor açoriano reconhecido desde 1988 pelo romance Gente feliz com lágrimas; o escritor moçambicano Eduardo Pitta, que dá um "mergulho na repressão colonial e na demanda da sexualidade como autor de trabalho pioneiro no âmbito dos gay studies em Portugal".

E ainda Miguel Serras Pereira, "uma voz poética original", com o contexto homoerótico libertário sem escamotear a ambiguidade latente entre amor e morte; Luís Filipe de Castro Mendes, "por suas pesquisas de linguagem, ritmo e musicalidade incentivadas por Verlaine" e com interlocução com os poetas do fim do século 20; Fernando Luís, pela revitalização da poesia nos anos de 1970, mormente com o grupo Cartucho, que recusa parâmetros estéticos e questiona: "Contra o quê se tem de fazer a poesia?"; Fernando Pinto do Amaral, que analisa a atual produção poética portuguesa e dá sua contribuição diferenciada também como poeta; Frederico Lourenço, autor de "um relato lucidamente ridículo e austeramente assético em relação às cenas de sexo".

Dos clássicos aos pós-modernos portugueses, Arquivo e rota das sombras amplia com competência a visibilidade leitoral para a literatura de Portugal e consagra Edgard Pereira como um dos mais lúcidos intérpretes críticos dessa literatura.


. Márcio Almeida é escritor e crítico.  E-mail: marcioalmeidas@hotmail.com


ARQUIVO E ROTA DAS SOMBRAS – ENSAIOS E RECENSÕES DE LITERATURA PORTUGUESA
. De Edgard Pereira
. Editora Aldeiabook, 146 páginas

Desafios da estética - João Paulo

Desafios da estética

 
Rodrigo Duarte lança hoje em Belo Horizonte o livro Varia aesthetica, conjunto de reflexões sobre o novo cenário da arte e da cultura na sociedade contemporânea

João Paulo
Estado de Minas: 16/08/2014


 (Arquivo Pessoal)

Arte e sociedade. Essa dupla, nada pacífica, ocupa a reflexão de Rodrigo Duarte há muitos anos. Um dos mais importantes pensadores da estética filosófica no Brasil, especialista no pensamento de Theodor Adorno e Max Horkheimer, Duarte é professor de filosofia na UFMG e autor de obra técnica especializada, sem deixar de participar como intelectual público de debates sobre o tema em vários fóruns, além de contribuir com publicações para o público não especializado.

Ele lança hoje, em Belo Horizonte, a coletânea de ensaios Varia aesthetica, que reúne artigos publicados em revistas especializadas nos últimos anos. O tema, mais uma vez, é a complexa relação entre arte e sociedade. Se durante muitos anos bastava sacar conceitos como indústria cultural ou apontar a força dissolvente do mercado para sedimentar a crítica no campo das artes e da cultura, hoje a situação é ao mesmo tempo mais profunda e exigente em termos de reflexão.

O livro de Rodrigo Duarte é um esforço nessa direção. Mesmo tendo sido construído ao longo dos últimos anos, para responder a demandas específicas, são textos que procuram trazer novas luzes a questões relacionadas à estética e à arte contemporânea, no novo contexto da pós-globalização. Fenômenos complexos exigem respostas igualmente profundas. Sem perder o interesse em dialogar com o leitor, Rodrigo Duarte traz para a cena novos argumentos e elementos hauridos no estudo da obra de novos pensadores da estética filosófica, como Vilém Flusser e Arthur Danto

Em entrevista ao Pensar, Duarte recupera a reflexão em torno da indústria cultural, analisa o potencial crítico da arte num tempo de esmaecimento dos propósitos ético-políticos, avalia as características da cultura de massas no Brasil, lança reflexões sobre o cenário digital e propõe um novo conceito, o de “construto estético-social”, para se aproximar de ricas e promissoras manifestações culturais urbanas, como o hip-hop.


Como foi seu caminho na filosofia e o que o levou a se dedicar à questão estética?
O meu percurso na filosofia foi tortuoso, pois, quando finalmente entrei nesse curso de graduação, eu já tinha cumprido mais da metade de um curso de engenharia eletrônica, mas me convenci, na época, de que com a filosofia eu me realizaria mais e talvez pudesse dar uma contribuição maior do que com a engenharia. Como eu sempre me interessei por música, esse interesse me aproximou da filosofia de Theodor Adorno – autor da mais influente filosofia da música produzida até hoje. Da filosofia adorniana da musica para a estética em geral, foi só mais um passo.

Seu novo livro traz ensaios sobre arte e sociedade. Como se dá essa relação no mundo atual?
Desde que terminei o meu doutorado em filosofia na Alemanha, em 1990, me pareceu que a investigação da relação entre arte e sociedade é cada vez mais relevante, dado o predomínio de elementos estéticos nos projetos de dominação atualmente em curso, em todo o mundo. Sendo assim, tornou-se cada vez mais claro para mim que a tarefa desmistificadora da filosofia deve obrigatoriamente passar pela familiaridade com a estética.

A ideia de indústria cultural há muito tempo deixou de ser crítica para se traduzir para as pessoas como algo natural. A indústria cultural ainda pode ser entendida como algo ligado a projetos de dominação ideológica?
Concordo que a expressão “indústria cultural” já não provoca o verdadeiro escândalo que ela causou ao surgir, no início da década de 1940, já que, implicitamente, esse empreendimento se tornou, de lá para cá, uma espécie de “segunda natureza”, ou seja, algo tão sedimentado que não se questiona mais de onde vem e para onde vai. Por outro lado, a expressão é tão forte que conserva, por si só, algum conteúdo crítico. Tanto é assim que aqueles que não querem se comprometer com qualquer ponto de vista contrário ao status quo preferem usar outras expressões para designar esse fenômeno, tais como “cultura de massas” ou coisa que o valha.

Num tempo de enfraquecimento da política tradicional, a arte pode ser o local de exercício do contrapoder e da crítica social?
Sem dúvida alguma, qualquer projeto político verdadeiramente transformador da sociedade deve passar pela proximidade a uma linguagem de caráter estético e, embora atualmente o âmbito estético seja considerado muito mais amplo do que o da arte, esta continua sendo um balizamento importante para identificar propostas verdadeiras, distinguindo-as de ofertas meramente estratégicas (em termos econômicos e ético-políticos), como o são, por exemplo, as da indústria cultural. A pessoa que adquire a capacidade de avaliar por si própria aquilo que os sentidos recebem do exterior é alguém muito mais dificilmente manipulável; essa é uma das razões pelas quais um ponto de vista verdadeiramente estético é necessariamente político e, por extensão, crítico ao status quo.

Como avaliar o potencial mobilizador da arte num cenário em que o mercado dá as cartas de forma tão dominadora?
A influência do mercado é um fator inegável, mas, mesmo onde ela é dissimulada (apesar de sempre muito forte), podem-se distinguir construtos autênticos – obras de arte ou algo semelhante – de construtos estéticos essencialmente inautênticos, como as mercadorias culturais. A supramencionada relevância da estética e da filosofia da arte num posicionamento político fica patente nesse processo de avaliação.

A tendência à simplificação e aos modelos de fruição quase automática nos vários campos da arte são sinal do que vem por aí ou mensagem que transmite um diagnóstico sombrio?
É evidente que a influência dessa banalização dos construtos e do automatismo nos processos receptivos é muito grande, mas o fato de, no mundo todo, surgirem continuamente construtos estéticos que denotam grande criatividade dos seus autores sempre renova a certeza de que nem tudo está perdido. Tais criadores realizam uma espécie de guerrilha contra a dominação da indústria cultural e o potencial libertador dessas ações é muito grande.

Qual a atualidade da reflexão de Theodor Adorno sobre arte e política?
Avalio que o pensamento de Adorno é atual porque, mesmo depois de muitas transformações pelas quais o mundo passou de meados do século 20 para cá, é difícil fazer uma reflexão radicalmente crítica sobre a cultura que não passe por alguns de seus pressupostos teóricos mais elementares, como o da arte como depositária de valores humanos que podem implicar numa transformação completa do mundo tal como ele é, em contraste com a indústria cultural como ponta de lança da dominação pelo capitalismo monopolista e globalizado.

Como você avalia o impacto das tecnologias digitais no campo da arte e da estética?
Esse impacto foi e é muito grande, já que – para além de sua pura e simples apropriação pela indústria cultural – tais tecnologias podem trazer certa democratização do acesso de criadores radicais a meios que em muito apoiem suas produções. Isso não se confunde, naturalmente, com o supramencionado uso convencional e conservador que a indústria cultural faz dessas tecnologias, que, infelizmente, é o que predomina.




Cultura de massa no Brasil


Publicação: 16/08/2014


Em entrevista ao Pensar, o professor e ensaísta Rodrigo Duarte analisa a presença da indústria cultural no Brasil e defende o conceito de “construto estético-social”, proposto por ele para atualizar a reflexão adorniana e dar conta das obras que vão além da mera reprodução ideológica, e que aliam ao mesmo tempo criatividade e propósitos de natureza ética e política. Para o autor de Varia aesthetica, o hip-hop seria um bom exemplo desse modelo. Duarte avalia ainda a presença de novos pensadores no campo da estética, destacando as obras de Vilém Flusser e Arthur Danto.

Qual é a característica mais marcante do debate sobre indústria cultural no Brasil, tanto na academia como em outros espaços de saber?

Há muito tempo procuro mostrar que a discussão sobre indústria cultural não é mais uma moda intelectual europeia e norte-americana, importada para o Brasil. Nosso país tem uma história de cultura de massas ocorrida no máximo duas décadas depois que essa surgiu nos países ditos desenvolvidos, pois, desde 1930, tivemos rádio comercial e indústria cinematográfica, sendo que o início das transmissões de televisão em 1950 foi pioneiro em relação a muitos países mais industrializados do que o Brasil. O que ocorre é que esse desenvolvimento paralelo gerou um modelo de indústria cultural muito específico e que está longe de ser conhecido em todos os seus aspectos. Isso por si só já justifica a existência da discussão sobre indústria cultural no Brasil, sendo que há, naturalmente, outras justificativas importantes. De qualquer modo, esse debate existe no Brasil desde meados da década de 1990, ainda que mais circunscrito aos meios acadêmicos, principalmente nas áreas da filosofia, da educação e das artes.

A cultura de massa no Brasil é um campo de grande força social e até mesmo criativa. Como você avalia setores como a teledramaturgia e a música popular, inspirados ao mesmo tempo pela arte e pelas estratégias de mercado?

Alguns fenômenos da cultura de massa no Brasil constituem a mencionada peculiaridade desse setor em nosso país. Mas é preciso fazer certas distinções: enquanto na música popular sempre houve exemplos de grande qualidade criativa, com raízes genuinamente populares, enriquecidas com a vivência dos centros urbanos e com a necessidade de expressão de inconformidade com o status quo, a telenovela, que ganhou o mundo como um produto de exportação da indústria cultural brasileira, no meu entender, nunca atingiu uma qualidade verdadeiramente artística, apresentando construtos estereotipados, com sérios defeitos do ponto de vista da narrativa, ocasionados principalmente pela flutuação na audiência, e não num desenrolar-se tendo em vista a totalidade da obra, como no caso da narrativa literária.

A recuperação do pensamento de Vilém Flusser tem renovado os estudos sobre linguagem e a estética no Brasil. Como Flusser pode nos situar melhor nesse cenário?

De fato, a meu ver, Vilém Flusser pode ter um papel importante nesse processo de compreensão critica da cultura de massas no Brasil, já que, pelo menos em algumas de suas obras, ele se mostra um crítico ferrenho desse tipo de cultura. Por outro lado, tendo residido em nosso país por mais de 30 anos, ele se familiarizou tanto com as mazelas quanto com o enorme potencial criativo da cultura brasileira. Além disso, o seu jeito idiossincrásico de discutir as questões não raro provoca debates acalorados, o que é sempre positivo.

A que interesses atendem aqueles que, a cada estação, alardeiam o fim da arte (da história, das ideologias, da política)?


É necessário distinguir, também nesses temas “crepusculares”, as propostas sérias que têm conteúdo filosófico daquelas oriundas de pessoas que simplesmente querem aparecer. Por exemplo, Hegel estava correto ao, partindo de pressupostos implícitos do seu sistema filosófico, anunciar o fim da arte, ressalvando que esse não significava o fim da produção de obras de arte, mas da relevância histórica desse âmbito da cultura. Quando vemos que, no domínio da indústria cultural, a arte é tratada, habitualmente, como algo já passado e desprovido de significado, podemos pensar que, pelo menos sob certo ponto de vista, Hegel não estava totalmente errado. É interessante ainda observar que esse filosofema de Hegel influenciou as mais diferentes tendências da estética contemporânea, como a ontologia fundamental de Heidegger, a estética crítica de Adorno, ou mesmo uma filosofia da arte de origem analítica como a de Arthur Danto.

Algumas expressões de cultura popular, de certa forma, exigem uma atualização dos conceitos de Adorno. Como você avaliaria, por exemplo, manifestações de grande carga estética e política, como o hip-hop, por exemplo? 


A existência de fenômenos na cultura popular urbana como o hip-hop, que não se encaixa em qualquer das três figuras com as quais Adorno qualificou as modalidades de cultura – cultura genuinamente popular, mercadoria cultural e arte erudita –, tendo características de todas elas, remete à necessidade de repensar alguns parâmetros da critica “clássica” à indústria cultural. Mas, longe de invalidar essa crítica como um todo, a presença desses fenômenos deve levar à criação de novos conceitos, como, por exemplo, o que propus, intitulado “construto estético-social”, no qual o elemento radicalmente crítico à sociedade é menos integrado à linguagem estética propriamente dita, mas não deixa de existir. Essa postura, aliada à opção pela linguagem estética no posicionamento ético-político, torna esses fenômenos muito relevantes em termos de uma perspectiva transformadora da realidade. O hip-hop é um exemplo privilegiado desses “construtos estético-sociais”.

TeVê

TV paga

Publicação: 16/08/2014



 (MGM/Divulgação)


Adrenalina pura
A programação de filmes hoje reserva fortes emoções para o assinante. Especialmente para aquele que curte suspense e terror. Na HBO, às 22h, estreia Chamada de emergência, com Halle Berry e Abigail Breslin. No mesmo horário, o Telecine Premium exibe o remake do clássico Carrie, a estranha, com Chloë Grace Moretz (foto) no papel que foi de Sissy Spacek no original de 1976, dirigido por Brian de Palma.

São muitas as opções  no pacote de cinema
O Telecine Action apresenta hoje uma seleção de filmes policiais batizada de Criminosos do passado, com os longas Os fugitivos (17h50), Os infratores (19h50), Inimigos públicos (22h) e O assassino em mim (0h30). Outro destaque é Lola, de R. W. Fassbinder, às 22h, no Futura. Na mesma faixa das 22h, o assinante tem mais oito alternativas: Ned Kelly, no Film&Arts; Soul surfer – Coragem de viver, no Megapix; O homem que não estava lá, no Telecine Cult; As aventuras de Pi, no Telecine Pipoca; Secretária, no TCM; Sem vestígios, no MGM; Sombras da noite, na HBO 2; e Major, no Max Prime. Outras atrações da programação: Como perder um homem em 10 dias, às 20h, no Comedy Central; Chico Xavier, às 21h, no AXN; Chocolate, às 21h30, no Sony; O suspeito, às 22h30, no FX; A origem, também às 22h30, na Warner; e London Boulevard – Crime e redenção, às 22h55, na TNT.

Missão pet emplaca a terceira temporada
Alexandre Rossi está de volta ao NatGeo. O zootecnista vai tentar resolver novos e complexos casos de comportamento animal na terceira temporada de Missão pet, que reestreia hoje, às 22h30. E começa com o cãozinho Nick, um fox terrier extremamente agressivo, além de tratar um peru em crise de identidade e um galo que vive brigando com o caseiro de uma fazenda.

Hotel Hell volta em maratona na Fox Life
O canal Fox Life reservou para hoje uma maratona da série Hotel Hell, com o polêmico chef Gordon Ramsay, emendando quatro episódios a partir das 21h30: “Meson De Mesilla”, “The Cambridge”, “The keating” e “River rock”.

History lança um guia para conhecer a máfia
O SescTV exibe hoje, às 22h, o documentário A mochila do mascate, sobre a vida e obra de Gianni Ratto, um dos mais prestigiados cenógrafos e diretores de teatro do Brasil. No canal History, o destaque é o especial O guia completo da máfia, que pretende responder a questões que todos sempre quiseram saber sobre o mundo da cosa nostra. No ar às 20h.

Bis vai festejar com a popstar Madonna
Para fechar, música. Na Cultura, a banda O Terno participa do Cultura livre, às 18h. e às 23h vai ao ar o documentário Nana Caymmi em Rio sonata. No Bis, às 21h30, a série Arquivo musical exibe o especial Goddess of pop, para comemorar os 56 anos da cantora Madonna.


CARAS & BOCAS » ENCONTRO SABOROSO
Simone Castro

O chef Claude Troisgros vai mostrar no Esquenta a arte de sua culinária (Jardim Móvel/Divulgação)
O chef Claude Troisgros vai mostrar no Esquenta a arte de sua culinária

Amanhã, o Esquenta (Globo) faz homenagem ao cômodo mais amado dos lares brasileiros: a cozinha. O palco ganhará o aconchego do ambiente, point dos melhores encontros, papos saborosos e comida apetitosa, local que, tradicionalmente, reúne todo mundo nos momentos mais importantes. Um dos convidados é o chef francês Claude Troisgros, que já adotou o Brasil faz tempo e incorporou à sua culinária sabores típicos do nosso país. Um tempero a mais no programa, apresentado por Regina Casé, é o lançamento do desafio para os cantores da roda de samba. Em duplas, Arlindo Cruz, Péricles e companhia se enfrentarão em disputa que promete dar água na boca. E o casal de atores Caio Blat e Maria Ribeiro, também marido e mulher em Império (Globo), revela que a cozinha é a alma da casa. De acordo com Maria, é Caio quem adora cozinhar e arrasa no preparo de verdadeiros banquetes para a família. Como a cozinha é lugar de festa, não faltará boa música. A banda mineira Onze: 20 embala o público com muito reggae ao som de Para você.

REABILITADOR AJUDA NA  CONVIVÊNCIA COM CÃES
Na edição do Reabilitador de cães deste sábado, às 13h10, na TV Alterosa, Jean Cloude continua auxiliando donos a cuidar bem de seus animais, orientando-os sobre problemas de relacionamento e convivência, com o objetivo de torná-los mesmo os melhores amigos.

NOVO QUADRO OFERECE  NORTE SOBRE PROFISSÕES
“Qual vai ser?” é o nome do quadro que estreia hoje no programa Como será? (Globo), que vai ao ar bem cedo, a partir de 6h. Toda semana, um estudante prestes a escolher sua carreira poderá experimentar três profissões: a de seus sonhos, a que seus pais gostariam que ele seguisse e a indicada por uma orientadora profissional. Na primeira edição, Vítor, de 16 anos, vai conhecer na prática três ofícios bem diferentes: engenharia civil, desenho industrial e pilotagem de aviões.

ATRIZES LIDERAM RANKING  DE CELEBRIDADES NA MÍDIA
Bruna Marquezine foi a celebridade mais comentada pela mídia em julho, de acordo com ranking elaborado pela PR Newswire. Em seguida, vem Sophie Charlotte, atualmente em O rebu. Dira Paes, na mesma trama, ficou em terceiro lugar. Já Tatá Werneck ocupa a quarta posição. O bendito fruto na lista é o ator Chay Suede, galã do momento depois de protagonizar a primeira fase de Império. 

 (Raphaela Campos/Divulgação )

SOLTA O SOM
O Faixa musical de amanhã, às 17h, no Canal Brasil (TV paga), exibe pela primeira vez o show Esse meu olhar..., da cantora Verônica Sabino, que tem direção da atriz Stella Miranda. Filha do escritor Fernando Sabino, Verônica recebe o carinho de Stella e do ícone da Bossa Nova, Roberto Menescal (foto), que participou como convidado do show da artista.

VIVA
Dani Barros interpreta, com competência, a chantagista Lorraine, em Império, e faz boa parceria com Jonas Torres, o Ismael.

VAIA
Rômulo Neto, que repete outros personagens agora como o candidato a garoto de programa Robertão, da trama de Império. 

Bossa nossa

Bossa nossa Luiz Melodia lança disco depois de longa pausa. Zerima homenageia a irmã do cantor e compositor e tem forte presença da família. Versátil, CD mistura samba, funk e reggae


Ana Clara Brant
Estado de MInas: 16/08/2014



"A música é o lado A e a família é o lado B. É bacana essa presença deles, mas isso foi ocorrendo naturalmente" - Luiz Melodia, músico

Há 13 anos, Luiz Melodia não lançava um disco. Mas todo esse tempo de espera valeu a pena porque o CD que acaba de chegar às lojas é um dos grandes lançamentos do mercado fonográfico de 2014. Zerima, palavra que batiza o disco, é uma expressão tão forte que praticamente foi incorporada ao nome do cantor e compositor carioca na arte que estampa a capa desse belo trabalho. Zerima é anagrama de Marize, irmã do artista que faleceu há dois anos. “Quis homenageá-la, fiz uma música pra ela e acabou dando nome ao disco”, conta.
O álbum traz repertório com 14 faixas inéditas de canções próprias e apenas três regravações de canções conhecidas do público. “À medida em que a gente vai fazendo shows, os fãs vão cobrando novidades. Já vinha compondo há um tempo e, quando percebi que tinha material para um CD, resolvi fazê-lo . O processo até que foi rápido. Fizemos as bases, mostrei para o arranjador e aí está”, conta.

Zerima é uma das músicas mais bonitas. Destaque também para Caindo de bêbado e Dor de carnaval, com participação da cantora e compositora Céu, e Nova era, samba que exalta a felicidade composto por Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho. A faixa que abre o CD, Cheia de graça, é, já fazendo o trocadilho, uma graça. Moça bonita, composição da esposa de Melodia, Jane Reis; a delicada e instrumental Amusicadonicholas, feita especialmente para o neto de 5 anos, além da participação do filho Mahal, na nova versão de Maracangalha, que se transformou em um funk samba, mostram que o clima familiar está muito presente nesse projeto. “A música é o lado A e a família é o lado B. É bacana essa presença deles, mas isso foi ocorrendo naturalmente”, ele diz.

Luiz Melodia comenta sobre como surgiu a ideia de regravar Maracangalha. O cantor estava em Salvador, na época das comemorações do centenário de Dorival Caymmi, em abril, e teve um insigth. “Já gravei muita coisa dele, mas quis Maracangalha e dei a minha versão com um pouco de funk e rap. Pena ele não estar mais vivo para ouvir”, lamenta.

O artista nascido no Morro de São Carlos, no Rio de Janeiro, nunca gravou um disco atrás do outro. Desta vez, não seria diferente. Em todos os trabalhos, Luiz Melodia sempre procurou fazer o seu melhor e Zerima tem recebido ótimas críticas. “Quis mais uma vez fazer um CD legal em que as pessoas pudessem curtir. Trouxe uma diversidade de sons com samba, funk, reggae. Essa mistura toda a gente está chamando carinhosamente de bossa nossa. O resultado ficou muito interessante”, analisa.

Em nome do amor

José Augusto comemora seus 40 anos de carreira com o disco Quantas luas. Luan Santana e a dupla Victor e Leo gravaram canções do veterano, que elogia os colegas da nova geração


Ana Clara Brant
Estado de Minas: 16/08/2014

"Queria algomovimentado,com mais ritmo,sobretudo com elementos do country" - José Augusto Cantor e compositor
Desde que se entende como gente, como gosta de dizer, José Augusto se considera um cantor e compositor romântico. Aos 5 anos, ele ouvia a mãe tocando boleros e tangos ao piano, além de outras canções que exaltavam o amor. Tudo isso o influenciou. Logo depois, ele foi estudar no Conservatório de Música do Rio de Janeiro.

“A maioria das composições que tocava eram românticas. Depois, passei a me interessar pelo violão e a ouvir Beatles e Jovem Guarda, que não deixam de ser canções de amor também”, recorda.

Por isso, nada mais apropriado para celebrar os 40 anos de carreira do que um disco que fala de amor. José Augusto – Quantas luas acaba de ser lançado pela Som Livre e traz repertório inédito – quase todas as faixas são assinadas pelo carioca de Santa Tereza.

Essência “São 11 músicas novas, sendo uma regravação, Chuvas de verão. Estava preocupado em fazer algo diferente, mas sem fugir do que já fazia, da minha essência. Queria algo mais movimentado, com mais ritmo, sobretudo com elementos do country. Sempre estou atento ao que está ocorrendo em termos de música não só no Brasil mas no exterior”, assegura.

TRAJETÓRIA
40 anos de carreira
29 discos


O hitmaker da TV


Estória de nós dois foi tema de Monalisa (Heloisa Perissé), em Avenida Brasil (João Cotta/Rede Globo/divulgação)
Estória de nós dois foi tema de Monalisa (Heloisa Perissé), em Avenida Brasil

José Augusto está entre os cantores que mais gravaram temas para novelas. Ao todo são 22. A mais famosa é Aguenta coração, abertura de Barriga de aluguel, de Gloria Perez, em 1990. Devido ao sucesso da trama também no exterior, ele lançou a canção em espanhol e em italiano.

 Outro hit foi a abertura de Sonho meu, ao lado de Xuxa. A mais recente canção de José Augusto na TV é Estória de nós dois, tema dos personagens Tufão e Monalisa, em Avenida Brasil, em 2012.

“Fiquei muito marcado por Aguenta coração, mas tive grandes sucessos, como Sonho por sonho e Chuvas de verão, que nunca foram parar em novela. Só uma vez me fizeram uma encomenda: O sole mio, para Terra nostra. É sempre bacana emplacar nessas produções, porque isso dá uma visibilidade muito grande”, conclui.
A nova versão de Chuvas de verão traz uma participação especial: Luan Santana, um dos fenômenos da música sertaneja. A dupla mineira Victor e Leo também marca presença, cantando Eu vou lembrar. “Não foi um convite à toa. Admiro muito esses artistas e acompanho há muito tempo o que eles vêm produzindo. Todos criaram uma nova maneira de compor e de cantar, trouxeram inovação para o sertanejo”, analisa José Augusto.

A faixa que abre o álbum é mais do que especial para o cantor. Quantas luas é homenagem à sua esposa e tem a ver com o que ele enfrentou ao longo da sua vida: “Quantas luas eu vi passar/ Quantos dias eu vi nascer/ Quanto tempo pra te encontrar, pra te conhecer/ Você que eu sempre sonhei, que toda vida eu esperei”, diz a canção.

LUTA  O carioca começou sua trajetória profissional nos anos 1960. Com uma fita debaixo do braço, bateu de gravadora em gravadora. Certo dia, o produtor Renato Corrêa, integrante do grupo Golden Boys, percebeu o talento de José Augusto e imediatamente recomendou sua contratação. Em 1972, ele teve sua primeira composição gravada por ninguém menos que Cauby Peixoto.

“Essa música se chamava Meu filho e tinha a ver com a relação com o meu pai. Isso acabou abrindo um leque de opções e me deu a oportunidade para fazer teste como cantor. No ano seguinte, gravei meu primeiro disco”, lembra.

Rainha da PRIMAVERA

Em setembro, Vanusa lança disco produzido por Zeca Baleiro com canções de Zé Ramalho, Vander Lee e Guilherme Arantes. Aos 67 anos, a cantora está feliz em voltar aos estúdios


Ana Clara Brant
Estado de Minas: 16/08/2014



Vanusa e Zeca Baleiro já testaram as faixas do novo álbum em pocket show realizado em SP  (Marcos Pacheco/divulgação)
Vanusa e Zeca Baleiro já testaram as faixas do novo álbum em pocket show realizado em SP

Durante quase meio século de carreira, ela era simplesmente Vanusa. E foi assim que batizou praticamente todos os seus 24 discos. “Nunca gostei de botar título, porque quase sempre é o nome de uma das músicas. Se a canção não estoura, como é que faz? Era o LP da Vanusa. Sempre foi dessa forma”, diz a cantora e compositora nascida em Cruzeiro, no interior paulista.

Setembro vai coroar a nova fase da vida da artista. Além de celebrar – literalmente – mais uma primavera, pois completa 67 anos, ela lança CD quase só de inéditas, produzido por Zeca Baleiro. Aliás, foi o cantor e compositor maranhense quem sugeriu o nome do álbum: Vanusa Santos Flores.

“A ideia do Zeca é que o projeto tenha a minha cara, a minha identidade. Nasci Vanusa Santos Flores e sempre serei Vanusa Santos Flores. A Vanusa que as pessoas vão ouvir é como este disco. Foi um trabalho feito com calma, classe e muito carinho”, resume.
A cantora passou quase 20 anos sem entrar em estúdio. Enfrentou tempos difíceis: chegou a ficar internada numa clínica de reabilitação e se viu obrigada a superar o constrangedor episódio ocorrido na Assembleia Legislativa de São Paulo, em março de 2009. Depois de errar a letra e desafinar ao cantar o Hino Nacional, virou piada na internet. Em meio a tudo isso, foi procurada por Zeca Baleiro.

“Fiz um show com ele há uns três anos, em São Paulo, e gostei demais. Quando fiquei internada, Zeca me ligava e sempre dizia: quando tivesse vontade de gravar de novo, era só procurá-lo. Ele é uma dádiva na minha vida”, agradece Vanusa. A admiração é recíproca. O cantor e compositor maranhense havia produzido o disco de Odair José, outro ícone meio esquecido da música popular. “Não o tornei rock; ele já era. O que fiz, como produtor, foi deixá-lo soltar o Johnny Cash que havia dentro dele”, conta Zeca, que também tem boas expectativas em relação ao álbum da amiga.

Vanusa e Zeca se conheceram durante o projeto Salve o compositor popular, no Sesc Pompeia, em São Paulo. “Fui convidado a fazer a direção musical dos shows. Além dela, lá estavam Benito di Paula, Marcio Greyck, Agnaldo Timóteo, Luiz Ayrão, Odair e outros bambas. Ficamos amigos e conversamos sobre a possibilidade de gravarmos um disco. Ele está ficando pop e lindo. Vanusa canta autores que nunca havia interpretado, como Angela Rô Rô e Guilherme Arantes. Sou um grande fã, e, como tal, suspeito”, elogia Zeca.

Uma prévia do álbum foi apresentada em pocket show para convidados, no mês passado. Foi gravado um EP com quatro faixas em formato digital e físico, além do videoclipe de O silêncio dos inocentes, feita por Zé Ramalho especialmente para Vanusa. A cantora não poderia estar mais feliz. Diz que todo o processo de gravação respeitou seus limites, seu tempo e seu ritmo.

“Quando saí da clínica, não tinha nenhuma expectativa sobre o que aconteceria. Zeca é muito calmo e tranquilo, faz as coisas com muita sabedoria, sem pressa. Ele sempre disse para não me sentir pressionada ou ansiosa, o que é natural depois de tanto tempo sem gravar. Nós nos identificamos muito. Nossa parceria deu certo por isso”, acredita ela.
Com capa produzida por Elifas Andreato, o trabalho é lançamento da Saravá Discos. Vai contar com composições de Angela Rô Rô, Guilherme Arantes, Vander Lee, Zé Geraldo e Zé Ramalho, além de parcerias de Vanusa com Antônio Luiz/Luiz Vagner (Tapete da sala) e com o próprio Zeca (Tudo aurora).

UAI
A artista começou sua carreira como crooner em Frutal, no Triângulo Mineiro, onde morava com a família. Ela confessa: ainda preserva alguns traços de mineirice – de vez em quando, solta o uai. Vanusa é filha de Luisinho Flores, que foi goleiro do Uberaba. “Ele acabou encerrando a carreira no Triângulo, onde comecei a minha”, recorda. Na década de 1960, ela foi um dos destaques da Jovem Guarda, participando de programas das TVs Excelsior e Record. Nos anos 1970, fez sucesso ao gravar Paralelas, de Belchior.

Contando os dias para lançar Vanusa Santos Flores, a mãe de Rafael Vanucci, Aretha e Amanda espera que os fãs se identifiquem com o novo repertório. “O Zeca sempre me falou: você tem uma carreira consolidada, de sucesso, e está há muitos anos sem gravar. Vai continuar sempre aí e não tem que provar mais nada a ninguém. Quero que faça algo que te agrade e te dê prazer”, conta Vanusa. “Se foi agradável e bom pra mim, tenho certeza de que será para o público também”, conclui.

Três perguntas para
VANUSA - Cantora e compositora


O novo trabalho traz duas músicas suas. Como é a Vanusa compositora?
O Antônio Marcos (seu primeiro marido) sempre foi o compositor, mas escrevo muito bem. Certo dia, resolvi arrumar uma parceria. Minha primeira música foi Manhãs de setembro, ao lado do Mario Campanha Sierra. O LP estourou com essa faixa e tomei gosto pela coisa. Sou uma compositora atemporal. Sento-me de vez em quando ao piano ou pego o violão, mas não toco bem nenhum dos dois (risos). Sempre escrevi bem, tenho muitos textos guardados e estou até pensando em compilá-los. Mas nunca foi assim: ah, agora vou sentar e fazer uma canção. As músicas que componho acontecem.

Você ainda tem contato com o pessoal da Jovem Guarda?
Tenho mais relação com o Ronnie Von. De vez em quando, vou ao programa dele na TV. Assim que lançar o disco, o primeiro lugar em que quero mostrá-lo é lá. Ficamos muito amigos na época em que fizemos uma novela juntos, Cinderela 77 (exibida na extinta TV Tupi, em 1977). Eu era a Cinderela e ele o príncipe.

Há alguns anos, foi lançada a sua biografia. Você tem vontade de escrever outra retratando a nova fase de sua vida?

Tenho vontade, mas no momento estou priorizando o disco. Gosto de fazer outras coisas, como escrever e pintar. Já expus meus quadros na França, mas não pinto há seis anos. Quando começo a mexer com tintas, não quero saber de mais nada, não canto, não atendo o telefone. Você se transporta para a tela e aí o resto é o resto…

 O MAGO E EU
 (Tiziana Fabi/AFP)

Na discografia de Vanusa, há uma passagem curiosa. O 10º álbum da cantora foi produzido por Paulo Coelho, ainda longe de se tornar o escritor mundialmente famoso. O “mago” (foto) é o autor da versão em português de I will survive, regravada por Vanusa e hit na voz da norte-americana Gloria Gaynor. “Foi um disco maravilhoso, uma grande parceria. Foi o Paulo quem teve a ideia de fazer aquela versão”, relembra. 

Eduardo Almeida Reis - Repeteco‏

Entre dezenas de significados, dom é aptidão inata para fazer algo especialmente difícil ou raro; inclinação, talento


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 16/08/2014




Ouviram do Maracanã as arquibancadas plácidas, de um povo heróico o brado, apupada, assobiada, assuada, babaré, babaréu, corrimaça, fiau, lequéssia, motejo, pateada, pateadura, reprovação, surriada, vaia a zombaria retumbante – quando surgiu nos telões a figura de certa senhora cujo nome não merece figurar nesta coluna.

Ainda que modesta, a situação dos meus pais me permitiu a honra vantajosa de ser bacharel. Em que pese ao tiquinho de sangue angolano descoberto num teste de DNA, tenho jeito de elite branca e cara de rico, que me poupou durante anos de fazer compras em imensa loja juiz-forana, que vendia tudo e nada tinha preço. Explico: os donos da loja cobravam de acordo com a cara do freguês. Uma daquelas bolas de torrar café na fazenda, que valia 40 no dinheiro da época, vendida para mim custava 400. Como havia produtos só existentes na loja, a exemplo da estrovenga, foice de dois gumes e de pequena proporção usada na agricultura, precisei pedir a um amigo, sem cara de rico, que me comprasse meia dúzia delas.

Junto com a cara de rico da elite branca, acho que tive boa educação. Pelo menos cumprimento conhecidos e desconhecidos com bons dias, boas tardes, boas noites, peço desculpas se o meu carrinho de supermercado atrapalha a circulação de alguém e nunca me esqueço de agradecer aos que me prestam favores ou algum tipo de serviço. Isto posto, devo confessar que não sei como reagiria no Maracanã ao aparecimento no telão de certas pessoas, Joseph Sepp Blatter & cia.


Dom
Entre dezenas de significados, dom é aptidão inata para fazer algo especialmente difícil ou raro; inclinação, talento. Vem do latim dónum,i “dom, dádiva, doação”. Pode ser burilado, estudado, aperfeiçoado, como fazem os cantores líricos, e também pode ser aprimorado no dia a dia dos negócios, caso dos grandes comerciantes. Posso imaginar o que tenha sido o começo da vida comercial de um Samuel Klein construindo o império das Casas Bahia. Temos agora este menino Ricardo Nunes, nascido em Divinópolis, MG, repetindo o feito com a sua Ricardo Eletro. Dom para o canto lírico tem desde rapazola José Plácido Domingo Embil, tessitura de barítono e tenor dramático, casado desde 1962 com a notável soprano Marta Ornelas, que abandonou os palcos para cuidar da carreira do marido.

Com o renascimento do comércio de discos de vinil, é possível que o leitor encontre um à venda com a seguinte dedicatória: “Para o lindo Eduardo, com beijinhos da Amália”. Pois é: fotógrafo de Rolleiflex, fui fazer matéria no Copacabana Palace com a fadista Amália da Piedade Rodrigues (1920-1999). Antes de entrar no hotel, comprei um LP da linda portuguesa, que andaria pelos seus 35 aninhos e, aparentemente, se encantou com o jovem fotógrafo. Divórcios repetidos, sucessivas mudanças de casa, fizeram que o ex-fotógrafo perdesse o LP. Comecei este belo suelto pensando falar no dom para o comércio de um Klein, um Nunes, e acabei perdendo o rumo ao pensar na Amália que conheci.


Perigo
Na cidade de São Paulo, um cabo de alta tensão caiu sobre um automóvel eletrocutando o casal que nele viajava. Caiu por cair, sem que houvesse trombada num poste próximo. Funcionário da Eletropaulo disse à imprensa que o cabeamento da região havia sido revisto quatro meses antes da estranha ruptura. Numa dessas, nem o anjo da guarda da Cemig dá jeito.

Diante da notícia e da filmagem do carro pegando fogo, lembrei-me de uma tarde em que voltei para a fazenda fluminense depois de um temporal. Encontrei um poste caído, poste novo, linha de alta, e alguns brasileiros pulando sobre o cabo que soltava faíscas. Geralmente, quando cai um poste a linha desarma no dispositivo chamado faca, mas não desarmou e a turma se divertia pulando sobre as faíscas que produziam estalidos.

Consegui que dois sujeitos ficassem de guarda impedindo os pulinhos, voltei a mil para a fazenda mais próxima, telefonei para a Cerj e o pessoal cortou a energia no ato. Três horas mais tarde o sistema estava normalizado. Energia elétrica é uma bênção, sem deixar de ser um perigo. O episódio paulistano ocorreu num bairro de bom aspecto, movimentado, sinal de que se pode repetir em qualquer lugar.


O mundo é uma bola

16 de agosto de 1097: casamento de Pedro I de Aragão com Berta de Itália, isto é, o tipo da notícia que não interessa a ninguém. Novecentos anos mais tarde, em 1997, Pedro e Berta seriam celebridades, o mundo ficaria sabendo quem fez o vestido usado pela noiva filha do marquês Pedro de Itália e de Agnes de Potio. Antes, Pedro I de Aragão fora casado com Inês, filha de Guilherme VIII de Aquitânia, da qual teve dois filhos mortos antes do pai, que reinou de 1094 a 1104 e foi a óbito, coitado, com 36 aninhos.

Em 1570, início da Inquisição nas colônias espanholas da América, estabelecida por carta assinada nesse dia em Madrid. Em 1950, Frederico Chávez assume a presidência do Paraguai, cargo para o qual seria eleito três anos depois.


Ruminanças
“Não há profissão mais bela, mais interessante que a de jornalista; nenhuma exige mais talento, tato e vivacidade” (León Daudet, 1867-1942).

Arnaldo Viana - De facas e couros‏

De facas e couros
Arnaldo Viana - arnaldoviana.mg@diariosassociados.com.br
Estado de Minas: 16/08/2014




Comemoração como sempre gostou. Poucos amigos, parentes e a namorada. Assim foi a chegada dos 40 anos de Terê. Menino criado na simplicidade da roça, não gostava de ostentação nem de exageros. Os presentes seguiam essa linha. Um par de meias, um chinelo de dedos, cuecas, canetas, um bom livro. Naquele ano, a namorada trouxe-lhe uma faca. Pequena, lâmina estreita, cabo de madeira bem trabalhado. Estavam os dois sozinhos. Os demais convidados já haviam se retirado. A garota, uma lourinha magra, foi ao banheiro retocar a maquiagem. Quando voltou, encontrou-o sentado, com a faca nas mãos, admirando-a e viajando nos pensamentos.

– Gostaria de advinhar onde está agora, amor.

– Estou na infância. Uma faquinha como esta atiça recordações...

– Pode me contar uma delas?

– Claro, claro. Foi com uma faquinha assim que o meu pai tirou o couro da mesma onça durante 10 anos seguidos.

– O quê? O couro da mesma onça, durante 10 anos?

– Verdade amor, verdade. Precisava ver. Sabe que nasci na mata, lá pelos lados da divisa com a Bahia, e naquele tempo não havia todo esse cuidado, essa preocupação com o bem-estar dos animais.

– Sei. Mas vamos lá, fale dessa façanha do seu pai.

– Façanha um tanto perigosa para mim e meus seis irmãos.

– Perigosa?

– Demasiadamente perigosa. Já contei que meu pai tinha um pedaço de terra ao lado de uma faixa de mata atlântica e descobriu que lá habitava uma onça-pintada, bonita de dar gosto. Sou o mais velho dos irmãos e um dia o vi afiando uma faquinha, parecida com esta, mas não muito bem trabalhada. Passava a lâmina preguiçosamente na pedra de amolar e depois experimentava o fio.

– Devia ser um homem paciente.

– E era. Certa manhã, ele me chamou para acompanhá-lo à mata. Disse que iríamos caçar a onça. Em uma parada no caminho, explicou o que eu deveria fazer. Meu papel era atiçar o animal e fazê-lo correr atrás de mim. Eu tinha uns 10 anos, por aí.

– Louco, hein? E você?

– Sim. A gente não se atrevia a desobedecê-lo. Enquanto atiçava a onça, ele ficava uns 50 metros à frente, escondido atrás do tronco de uma árvore.

– Pera aí! Você diante da fera e seu pai escondido? Folgado, não?

– Fazia parte do método dele. Na verdade, não matava a onça. Só tirava o couro.

– Como assim, tirava o couro sem matar?

– E bem! Eu atiçava o animal e ele avançava, louco, em mim. Dava tudo na corrida pela trilha da mata e a onça enfezada atrás. Ao chegar à árvore, seguindo as orientações do meu pai, pulava de lado. Quando a onça passava pelo tronco, ele, com a mão esquerda, dava um talho vertical na testa do bicho, e, com a mão direita, agarrava o rabo e puxava. O couro saía inteiro nas mãos dele.

– Não acredito! E a onça? Morria?

– Não. Ela saía correndo, urrando de dor, e sumia mato adentro. Os animais têm recursos para curar suas feridas, sabe?.

– Não! Imaginei que a onça morria de infecção...

– Não. Você já viu um cavalo rolando no chão? É para curar infecção. A terra protege a pele. A onça fazia o mesmo, creio, e um ano depois, lá estava ela, de pele nova e brilhante. E lá íamos de novo, eu e meu pai.

– Louco, cara!

– Quando completei 14 anos, meu pai me trocou por meu irmão, dois anos mais novo. E assim o fez, de filho em filho, durante 10 anos.

– E a onça aguentou? Você e seus irmãos nunca se machucaram?

– Aguentou e ninguém se feriu! E essa faquinha me leva de volta a aquelas aventuras loucas.

– Amor, hora de ir. Esta foi a história mais maluca que você já contou. Difícil de acreditar.

– Sei disso, amor, sei disso. Por isso só conto para você. 

Sensibilidade climática

Mudanças mínimas na temperatura ou na concentração de água alteram o processo de troca de calor da superfície do oceano com a atmosfera e esses fenômenos podem afetar o mar e a vida na terra


Bruno Freitas
Estado de Minas: 16/08/2014



Parte do segundo maior oceano do mundo, com enorme biodiversidade, reservas naturais de carbono, gás, petróleo e 8 mil quilômetros de costa, o Atlântico Sul – espelho d’água que banha toda a costa brasileira – aos poucos tem a sua evolução elucidada por meio do Instituto Oceanográfico (IO) da USP. Depois da aquisição do navio norte-americano Alpha Crucis, o que retomou e ampliou a capacidade da compreensão de processos climáticos, oceanográficos e de fluxo de carbono, pesquisa divulgada pela universidade paulista se debruçou no período entre os últimos 20 mil a 25 milhões de anos para entender como as mudanças de temperatura podem afetar o mar e, consequentemente, a vida na Terra.

A iniciativa, do Laboratório de Paleoceanografia do Atlântico Sul (LaPas), se vale de microfósseis marinhos coletados do mar, especialmente nanofósseis calcários de algas microscópicas e foraminíferos – organismos protozoários (unicelulares) que podem ser bentônicos, do fundo dos mares; ou planctônicos, extraídos da coluna de água –, capazes de expelir amostras de carbono.

A retirada das amostras com equipamentos de cano variável revela o registro das condições do ambiente marinho de milhares a milhões de anos. Os testemunhos – como são chamados no meio científico – permitem analisar os fósseis da fauna marinha, que, ao morrer, se precipitam e sedimentam, sendo sobrepostos com o passar do tempo a outros fósseis de organismos mais recentes. Uma curiosidade é que, apesar do tamanho diminuto, as algas calcárias podem ser visualizadas do espaço, quando desenvolvem grandes florações.

A partir dos microfósseis, se obtém a classificação, quantificação, além de parâmetros químicos e geoquímicos – como isótopos de oxigênio e de carbono, e o teor de carbono – que foram um indicativo das características químicas da água no período. Mesmo com todas as alterações no ambiente, os elementos mantêm a mesma proporção, como reforça a coordenadora do LaPas e uma das responsáveis pela pesquisa, Karen Badaraco Costa. “O testemunho é um retrato de como era a água naquele momento. E, assim, se consegue tirar disso a paleotemperatura da água, a paleossalinidade da água, os compostos orgânicos e a quantidade de nutrientes”, explicou.

Regiões como a Antártida e a Groenlândia, segundo Karen, servem de referência e, por isso, são bem conhecidas pelos testemunhos, por carregarem importantes registros climáticos globais. Como o Atlântico Sul está localizado entre os dois hemisférios do planeta, registros de sedimentos desta região acrescentam maior número de dados, indicando qual dos polos influencia de forma mais determinante o clima.

VULCÃO Para sustentar a tese, Karen e Felipe Antônio de Lima Toledo, outro coordenador do LaPas envolvido no estudo, apontam a interferência dos vulcões no desenvolvimento da vida terrena. Um estudo anterior do laboratório, apresentado à comunidade cientifica em Salamanca (Espanha), em 2013, identificou sinais do vulcão Toba. A erupção entre 70 mil e 75 mil anos atrás na região do lago Toba, em Sumatra, foi determinante na evolução humana, por ele estar localizado numa baixa latitude, permitindo a distribuição das cinzas na atmosfera dos dois hemisférios, resultando num inverno de cerca de mil anos. Teoria proposta em 1998 aponta que o impacto do vulcão reduziu a população humana de 10 mil pessoas a cerca de mil, retardando a evolução.

Milhares de anos depois, o vulcão Tambora – que explodiu em 1815, na ilha de Sumbawa, também na Indonésia – representou impacto semelhante, porém de menores proporções, na Europa. O continente, sustenta Toledo, ficou encoberto de cinzas na atmosfera, o que impediu a entrada de raios solares e resultou num inverno de dois anos na Terra. “Da paleoceanografia, chegamos ao vulcanismo, e, do vulcanismo, à história. Os livros sobre Drácula e Frankenstein foram escritos sob influência desse período frio. A Europa ficou sob cinzas, sem sol, as pessoas começaram a morrer de fome, a praticar canibalismo. Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, foi fundada por suíços, autorizados a vir para cá pelo Infante Dom João”, disse Toledo.

A equiparação dos microfósseis aos efeitos do Toba pôde ser obtida na pesquisa por meio dos isótopos 16 e 18 do oxigênio presente nos organismos. Em dada proporção na água, os isótopos são incorporados pelos organismos na mesma razão. A incidência deles varia segundo a temperatura, registrada nas amostras de carbono retiradas pelos pesquisadores.

As análises do LaPas apontaram grande diversidade entre os microfósseis planctônicos e bentônicos, com maior alteração nos planctônicos. A grande diversidade de espécies de clima frio chamou a atenção dos pesquisadores, que, ao comparar os resultados com o modelo de idade, constataram a coincidência de datas. A pesquisa, contudo, ainda deixa incógnitas, principalmente sobre como um vulcão distante pôde impactar de forma tão próxima o Atlântico Sul. As associações brasileiras de Biologia Marinha (ABBM) e de Oceanografia não foram encontradas para comentar o teor dos resultados.

VOLUME DE ÁGUA Estudo observacional realizado por um grupo internacional de pesquisadores e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) apontou que o Atlântico Sul está recebendo maior volume de água do Oceano Índico – com águas mais quentes e com maior concentração de sal. O repasse pode provocar mudanças na composição da água do Atlântico Sul e, consequentemente, do Atlântico Norte, afetando a temperatura da superfície do oceano e da atmosfera das regiões subárticas.

A pesquisa foi a primeira baseada em dados coletados no Alpha Crucis – navio oceanográfico fabricado em 1973 para a Universidade do Havaí e adquirido pela Fapesp em 2012, para o Instituto Oceanográfico (IO), quatro anos após um incêndio aposentar o navio de pesquisas Professor W. Besnard. Para o professor do IO e coordenador do projeto internacional de análise da circulação de calor no Atlântico Sul South Atlantic Meridional Overtuning Circulation (Samoc), Edmo Campos, mudanças mínimas na temperatura ou na concentração de água alteram o processo de troca de calor da superfície do oceano com a atmosfera “e a resposta no clima pode ser até mesmo catastrófica”.

O esforço internacional de pesquisa reúne pesquisadores e instituições da África do Sul, Alemanha, Argentina, Brasil, Estados Unidos, França e Rússia. O Atlântico Sul realiza transporte de calor para o Atlântico Norte a uma taxa da ordem de 1,3 petawatt, o que representa uma quantidade de energia comparável à produzida por mais de 200 mil usinas de Itaipu.

O que é o LaPas

O Laboratório de Paleoceanografia do Atlântico Sul tem sede no Instituto Oceanográfico (IO) da Universidade de São Paulo (USP) e é coordenado pelos professores Felipe e Karen. Fundado em 2005, seu objetivo é contribuir com o desenvolvimento da paleoceanografia no Brasil, realizando pesquisas que visam a melhor compreensão dos efeitos das alterações climático-oceanográficas globais ao longo do tempo geológico a partir do estudo de microfósseis marinhos em testemunhos de mar profundo, provenientes da margem continental brasileira.