domingo, 10 de maio de 2015

EM DIA COM A PSICANáLISE » Nepal

Regina Teixeira da Costa
reginacosta@uai.com.b
Estado de Minas: 10/05/2015 



Hoje choramos pelo Nepal. Há muito tempo pelo Haiti e pelas crianças e milhares de seres humanos subnutridos em muitas regiões na África. Choramos pelas mulheres submetidas a regimes radicais de intolerância, pelas estudantes sequestradas por terroristas porque queriam estudar, pelos nossos próximos, que diante de nossos olhos não recebem atenção e educação para se tornar pessoas dignas e acabam trilhando caminhos tortuosos da marginalidade.

Por tudo isso choramos. E também por nós. Pelo nosso egoísmo, intolerância, permissividade e pequenez. Somos grão de areia no universo, mas nos pensamos grandes. Este ato de contrição e consciência em nada nos absolve. Somos pequenos narcisos presos no reflexo das águas paradas de um lago e lá morreremos ignorando o resto do mundo.

Ignorando que somente nossos atos defenderão o planeta da má administração dos ansiosos pelo poder, dos donos da verdade, que só apontam para erros alheios e não podem ver os seus porque são apaixonados por si mesmos. Esses dominarão o mundo? E nós, que nos consideramos melhores, ficaremos assistindo ao espetáculo da mediocridade?

Onde estão nossos artistas, nossos intelectuais, nossa gente boa (não os que fazem manifestações pelas pequenas perdas de status) que durante a ditadura se posicionaram e opuseram (também aqui não me refiro aos que apelaram contra a lei, assim como os militares, requerendo para si regime de exceção).

Estarão no Facebook ou curtindo as condições oferecidas pela alta modernidade capitalista e pela sociedade do espetáculo, mergulhados no prazer das viagens fáceis, dos voos em promoção, nas lojas de departamento ou grandes marcas, talvez se enfeitando com retoques para adiar as marcas do tempo?

Estariam chorando em frente à televisão pelos soterrados no Nepal? Mas à noite sairão para se divertir, ver um belo filme ou talvez num festim gourmet regado a bom vinho. Felizes e sorridentes, já capazes de esquecer tudo, até o próximo jornal. Como disse Maria Antonieta, entre brioches e panelaços. Assim é. Assim somos. Volúveis, às vezes egoístas e egocêntricos e também o oposto. Temos capacidade de ser grandes e melhores.

De chorarmos juntos porque carregamos em nós um medo e um mal-estar de muitas origens. Temos medos porque somos desamparados e indefesos diante de fatos internos e externos que nos atingem e dos quais nem sempre podemos escapar. Medo das doenças. Do mosquito da dengue. Dos desastres ecológicos, das intempéries e catástrofes da natureza.

E, acima de tudo, sofremos por causa do outro, que como dizia Sartre, é o nosso inferno. Mas acima de tudo por nós, que internamente somos tão divididos e culpados sem nem sequer saber de quê. Nos impingimos castigos frequentes, com autoacusações, depressões pela covardia moral de abandonar o desejo, ansiedades, pecados nem sempre cometidos.

Igualmente, fomos capazes de juntos construir civilizações incríveis, como o Nepal, por exemplo, com tantos templos considerados patrimônio histórico da humanidade, hoje quase destruídos, e formar uma comunidade na qual tentamos nos ajudar e nos defender mutuamente de tantas ameaças. Fomos capazes de fazer pactos por meio da lei para proteger os mais fracos contra os abusos dos mais fortes.

Adquirimos força e poder com nossas invenções e poderíamos nos matar uns aos outros até o último homem. Mas esperamos que as forças da vida superem toda a nossa covardia e nos tornem pessoas melhores que possam se unir e dar as mãos, para chorar juntos e nos mobilizar sempre que pudermos por um mundo melhor.

E se não podemos ser plenamente felizes, então que sejamos o menos possível infelizes, o que já é melhor do que nada.

Eu deveria hoje falar das mães. Só que não falei. Mas deixo aqui registrado meu abraço a todas elas.