sábado, 7 de dezembro de 2013

Rara chance de desvendar o Rio - WALTER SALLES

O Globo 07/12/2013


Filme dirigido por
Maria Augusta
Ramos atesta a
vitalidade do
documentário
brasileiro

Se existe uma crise
no cinema brasileiro,
ela não se encontra
no documentário.
Do mestre Eduardo
Coutinho aos primeiros filmes
de jovens realizadores,
diretores de diversas gerações
oferecem hoje um dos
retratos mais férteis e plurais
de uma sociedade. Não
é por acaso que documentários
brasileiros têm tido papel
predominante nos festivais
mais relevantes do gênero,
o que tem acontecido
mais raramente na ficção.

Dentro desse universo,
Maria Augusta Ramos vem
desenvolvendo um trabalho
de rara pertinência e acuidade.
Os ótimos “Justiça”
(2004) e “Juízo” (2007) levaram
a câmera para lugares
que a grande maioria dos
brasileiros desconhece: os
tribunais de Justiça do país.
“Morro dos Prazeres”, o novo
documentário de Maria Augusta
que estreou na semana
passada, aprofunda o desejo
de investigar aquilo que está
frequentemente na capa de
jornais, mas permanece parcialmente
desconhecido.
Exatamente um ano
após a instalação de uma
UPP (Unidade de Polícia
Pacificadora) no Morro
dos Prazeres, Maria Augusta
filmou o cotidiano
dessa comunidade de seis
mil habitantes por quatro
meses. É o retrato de uma
realidade em constante
mutação que o espectador
é convidado a mirar.


O filme acompanha personagens
fascinantes dos dois lados
da barreira durante esse
tempo dilatado. Magalhães,
vendedor de livros, que se torna
cada vez mais crítico da
ação da polícia no morro à medida
que os meses passam. Orlando,
carteiro e treinador do
time de futebol feminino, que
oscila entre a crítica
e a percepção
de que as
UPPs são uma
etapa de transição
necessária.
Capitão Odilon,
comandante da
UPP, que parece
estar frente a um
mundo de tarefas que, de tão
agudas, o ultrapassam. Policiais
femininas completam esse
quadro onde tudo desafia o
senso comum.

É desses dramas humanos e
não de teses preconcebidas
que é feita a matéria do filme.
Maria Augusta não mastiga o
que vê ou simplifica o universo
que focaliza. Desde o início
do filme, quando crianças ficcionalizam
um confronto entre
policiais e habitantes do
morro, entende-se que nada
aqui é o que aparenta ser à
primeira vista. Um personagem
é especialmente expressivo
dessa realidade: Brulaine,
uma adolescente que, em
um primeiro
momento, poderia
ser confundida
com
um rapaz. É só
quando Brulaine
confronta
uma juíza, num
momento em
que “Justiça” e
“Morro dos Prazeres” parecem
se fundir, que entendemos
a sua real identidade.


Essa capacidade de sugerir e
não de impor é uma das linhas
de força do cinema de Maria
Augusta Ramos. Ela não nos
convida a olhar pela janela, e
sim a fazer parte de uma paisagem
que é, para muitos, estrangeira.
Se “Morro dos
Prazeres” é tão revelador, é
também porque não pretende
exaurir o tema que
aborda. Cabe ao espectador
completar o filme. Nesse
sentido, Maria Augusta segue
a tradição de seus mestres
no cinema documental,
Johan van der Keuken e
Raymond Depardon.


Convidado a participar de
uma intervenção de artistas
na Favela da Maré (onde
não há UPP), o artista plástico
Marcos Chaves pendurou
uma frase numa passarela
da Avenida Brasil que
dizia: “amarécomplexo”. Para
quem quiser ir além das
matérias sensacionalistas e
entender um pouco mais da
cidade onde vive, “Morro
dos Prazeres” é uma rara
oportunidade. 


Walter Salles é diretor de
“Central do Brasil”, “Diários
de motoci

A invenção de Belo Horizonte Aos 116 anos

A invenção de Belo Horizonte 
 
Aos 116 anos, a capital de Minas Gerais abriga o sonho de progresso dos construtores pioneiros, em permanente diálogo com a dinâmica da história e a necessidade de preservação da memória

Leônidas Oliveira
Estado de Minas: 07/12/2013


Museu Abílio Barreto ocupa hoje a única construção que permanece dos primeiros anos de BH, em foto de 1946 (Fotos: Acervo MHAB)
Museu Abílio Barreto ocupa hoje a única construção que permanece dos primeiros anos de BH, em foto de 1946


Em fins do século 19, decidiu-se pela construção de nova sede para o Governo do Estado de Minas Gerais que representasse as ideias de progresso e modernidade, consolidadas com a instauração do regime republicano no Brasil. Uma cidade planejada, racional, controlada, organizada. Entretanto, a consolidação desse projeto exigia a destruição do Arraial de Bello Horisonte, antigo Curral del Rey, fundado no início do século 18, acomodado no leito do Córrego do Leitão e do Ribeirão dos Arrudas. Ao longo das décadas, segundo Luana Maia, a lembrança desse arraial representou a origem que se quis esquecer, o símbolo de uma identidade que permaneceu subliminar em discursos que buscavam, repetidamente, apagá-la. E a cidade então nasce, com forma regular, influenciada pelo positivismo europeu.

Contudo, tal regularidade não constituiu novidade. Na escrita hieroglífica egípcia, a cidade se representa como uma cruz inscrita num círculo, duas figuras recorrentes na história da criação das urbes, com sua correspondente leitura: linhas geométricas elementares, como instrumento capaz de conseguir uma ordem diferente e positiva em relação à natureza exterior, que não conhece nenhum sistema alheio a ela mesma. O círculo hieroglífico insinua a ideia de recinto do terreno da casa e do território da cidade, enquanto a cruz representa a disposição das ruas que conformam as quadras das casas.

Assim posto, conclui-se que Hipodamos de Mileto não foi, portanto, o primeiro a criar cidades quadriculadas, ainda que seja o único nome de urbanista da Antiguidade do qual nos chegam notícias, algumas vezes imprecisas, mas fiéis, como vemos em Aristóteles, em sua Política. O ideário de linha reta e de eixos visuais nos acompanha, então, desde cronologias muito antigas, como expressão magna da racionalidade da vida civilizada. No Egito, como na Grécia, o traçado se reflete, palidamente, como tentativa de ordenamento do caos, preceito que o homem busca impor sobre a paisagem natural, sobre o território e sobre si mesmo.

Projeto de igreja feito para integrar o conjunto da nova capital
Projeto de igreja feito para integrar o conjunto da nova capital

Em Belo Horizonte, cidade da Minas barroca, há uma redescoberta da linha reta no projeto da nova capital, em contraposição à irregularidade colonial do traçado anterior, ou seja, temos o regular como norma e o irregular como sistema. No entanto, a cidade se expande rapidamente e os contrapontos de cidade planejada, imaginada e vivenciada tornam-se elementos importantes para compreender a paisagem cambiante que se reinaugura a cada momento. Nessa dinâmica, os grupos sociais que aqui chegaram continuaram o trabalho ao refazer a cidade: formaram novos núcleos fora do ordenamento, contrapondo-se ao plano regular, como imposição do artifício sobre a paisagem. Assim, leva implícita a gênesis de uma cidade ideal, que cumpre, em parte, suas pretensões segundo as previsões – um pequeno e absoluto traçado geométrico. No entanto, abre e amplia suas possibilidades, submetida ao crescimento genérico, materializado no desenvolvimento de traçado irregular, nascido pelas mãos das diversas gentes, uma vez que nessas mesmas culturas se mantiveram vivas as memórias de outros sistemas, com atitudes éticas e estéticas diversas.

O modelo de plano regular de Aarão Reis, assim como o dameiro hipodâmico, se desenvolve segundo a mais antiga das propostas conhecidas: a criação de uma superfície de cidade que ainda não existe, uma cruz circunscrita sobre um círculo, reservando para ela o solo necessário, como se fosse possível medir e controlar o próprio tempo de sua jornada como urbe. Portanto, o plano como documento equivale a um projeto de futuro em contraposição ao passado. Eis o espírito higienista do fim do século 19, que levou à invenção de Belo Horizonte e ao apagamento ilusório da ideia do arraial colonial e, consequentemente, das paisagens reinventadas pelo novo modelo urbanístico.

Em tal itinerário, é notório que o projeto de Aarão Reis, como é próprio de qualquer tentativa de instaurar nova ordem, busca mudar os desígnios culturais de seu povo. Mas, em algum ponto ou em muitos, faz renascer – considerando que estamos em Minas – os arraiais. Lugares impregnados na alma mineira, distribuídos e formados irregularmente, instalam-se nos contornos do ideário da mineiridade: em volta das nossas cozinhas, de nossas montanhas e vales, no barroco das nossas igrejas, no desenho irregular, quase medieval, das nossas cidades e vielas.

Capela Nossa Senhora do Rosário, década de 1910
Capela Nossa Senhora do Rosário, década de 1910


Calcular e embelezar


A Comissão de Estudos das Localidades Indicadas para a Nova Capital (Celinc) foi assim formada, sob a chefia de Aarão Reis. O clima ameno, a abundância de recursos hídricos e a beleza da paisagem natural, entre outros atributos, concorreram para que Belo Horizonte e Várzea do Marçal fossem as indicadas pela Celinc para o cobiçado destino. Após hesitações e manobras políticas, em 1893, a região do antigo Curral del Rei foi finalmente escolhida para ser a nova capital. Os habitantes do pacato vilarejo receberam com entusiasmo a notícia e vislumbraram na novidade oportunidades de enriquecimento, bons negócios, modernização e mudanças.

A Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC) foi oficialmente constituída em fevereiro de 1894, com o objetivo de aprofundar os estudos sobre o Arraial de Bello Horisonte, elaborar projetos do traçado urbano e de edificações, orçar os gastos e, finalmente, executar todas as obras necessárias à construção da nova cidade. O coordenador dos trabalhos formou uma equipe de “arquitetos-projetistas,” engenheiros e artistas, responsáveis por projetar, calcular e embelezar os edifícios e as vias públicas. Em maio de 1895, Aarão Reis deixa a CCNC, sendo substituído por Francisco Bicalho, que se manteve na chefia até o fim dos trabalhos, seguindo rigorosamente os projetos e ideais concebidos por seu antecessor.

O cenário do então sossegado arraial foi profundamente transformado com a chegada dos engenheiros e demais trabalhadores. Material de construção, entulhos e ora a poeira dos dias ensolarados, ora a lama dos dias chuvosos definiam a paisagem belo-horizontina.

O projeto dividia o espaço urbano em zonas de ocupação, indicava percursos predefinidos e segregava alguns grupos sociais, proporcionando dinâmica urbana estratificada e hierarquizada. Apesar da atenta supervisão e do controle da CCNC, conferindo o andamento dos trabalhos, percorrendo diariamente os canteiros de obras, examinando e aprovando os projetos de todas as edificações a serem construídas, nem tudo saiu como o previsto, no entanto, em 12 de dezembro de 1897, a cidade foi inaugurada com vários trechos inacabados.

Quando a dinâmica da construção de Belo Horizonte já estava em curso, os antigos moradores do arraial perceberam que seu modo de viver, então obsoleto, não teria mais espaço naquela nova realidade planificada e ordenada. Primeiramente, muitos horizontinos foram convidados a ceder suas casas aos membros mais importantes da CCNC, que demandavam os melhores alojamentos, acostumados com o que consideravam ser o conforto do progresso. Para o restante dos trabalhadores, eram oferecidas vagas em hotéis, pensões ou casas para alugar.

Progresso e memória


Cento e dezesseis anos depois, o que vemos é um espaço urbano de múltiplas interpretações. Fragmentado, articulado, simbólico, ou seja, produto social resultante de ações acumuladas, a partir de temporalidades engendradas por agentes que produzem e consomem espaço na urbe chamada Belo Horizonte cujo desígnio do nome leva intrínseca a paisagem, como elemento primordial do nascimento da cidade e de seu desenvolvimento.

A despeito das intenções disciplinadoras da ideologia positivista, a paisagem, profundamente manipulada, mostra-se plural e paradoxal. Os espaços planificados dividem o horizonte com incômodos resquícios do arraial, com o fortuito, com o improviso. Nesse contexto moldado pelo antagonismo entre o acaso e o planejado, a dinâmica própria do local e os conflitos oriundos das profundas transformações no espaço são, por vezes, esquecidos ou subestimados.

A preservação da memória e da identidade do povoado não interessava aos anseios progressistas do poder público. Às tradições locais, consideradas retrógradas, foram sobrepostos novos modos de pensar e de viver, concorrendo para que uma nova cidade, com aspirações a metrópole cosmopolita, se formasse, sobre os escombros dos símbolos culturais do Arraial de Bello Horisonte.

Contudo, as identidades de Belo Horizonte ressurgem cotidianamente e são, por natureza, múltiplas, fragmentadas, multifacetadas e dinâmicas. Em eterna mutação, criação, destruição e reestruturação, as referências possuem característica peculiar e basilar: a negação de seu passado. A memória do arraial surge em alguns momentos como herança que se tenta esquecer, que envergonha a pretensa cidade cosmopolita, na qual o vilarejo pretendia se transformar. Assim, segue o embate, de suas gentes, entre a metrópole e esse passado de arraial simbólico que sempre volta, produzindo discurso que enaltece o desenvolvimento e busca apagar a memória, caracterizando Belo Horizonte como a cidade do eterno porvir.

Completando 116 anos em 12 de dezembro, essa reflexão torna-se importante para todos nós, que aqui vivemos, bem como a de conhecer o outro lado: a necessidade de pensarmos a cidade, no entanto, considerando sua complexidade e, sobretudo, sua memória e a necessidade vital de pertencimento, tão essenciais para o pleno desenvolvimento da vida. Nós todos somos arraial, terra, edifício, praça e mundo. Buscar o equilíbrio entre essas forças e compreender seu alcance torna-se elemento primordial para a felicidade na cidade que escolhemos para viver.

. Leônidas Oliveira é presidente da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte.

Uma mulher de verdade [Inezita Barroso] - Ângela Faria

A cantora paulista Inezita Barroso tem sua vida corajosa retratada por Arley Pereira. Biografia revela uma artista com dom para a pesquisa e a defesa da cultura brasileira


Ângela Faria
Estado de Minas: 07/12/2013



A jovem morena deixava o público seduzido. Nem o galã italiano Vittorio Gassman escapou de seus encantos (O Cruzeiro/Arquivo EM/D.A Press)
A jovem morena deixava o público seduzido. Nem o galã italiano Vittorio Gassman escapou de seus encantos

Mário de Andrade de saias”, Inezita Barroso é a estrela rainha da música sertaneja brasileira. Perto dela, Paula Fernandes, Maria Cecília e Roberta Miranda são satélites. A conta bancária pode até ser maior, mas nenhuma dessas “majestades sabiás” é páreo para Ignez Magdalena Aranha de Lima, de 88 anos – apresentadora do programa Viola, minha viola (TV Cultura) há 33. Essa “caipira” filha de quatrocentões paulistas é uma das mulheres mais valentes do Brasil.

No livro Inezita Barroso – A história de uma brasileira (Editora 34), o jornalista Arley Pereira (1935-2007) revela uma desbravadora, que lutou por suas convicções muito antes de o feminismo virar moda. Conta ele que já nos anos 1920 a menininha bem-nascida preferia comandar a turma de garotos ao mundo cor-de-rosa dos laços de fita. Na fazenda, a jovem sinhazinha preferia a companhia da caipirada aos saraus de piano. Só passava as férias no meio dos peões.

Aos 7 anos, Ignezinha – ainda com g – ganhou o primeiro violão. Mas ela gostava mesmo era de viola – coisa proibida para mulheres. Nas suas festas de aniversário, o presente era ouvir o compositor Raul Torres. Amigo de seu pai, Bico Doce vinha tocar para ela. Bom ouvido, a aniversariante aprendia com o mestre as sutilezas da arte caipira.

Bela morena, a adolescente tomava chá das cinco no elegante Mappin, dedicava-se à natação (era aluna de Paul, pai da campeã Maria Lenk). No tradicional Clube Paulistano, conheceu o marido, Adolfo Cabral Barroso. Graças a ele, enturmou-se com estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Ficou amiga dos atores Paulo Autran e Renato Consorte. Cunhada de locutor da Rádio Tupi, a universitária Inezita, estudante de biblioteconomia, juntou-se para sempre às rodas boêmias e artísticas.

A senhora Adolfo Barroso participava de recitais e peças do Teatro Brasileiro de Comédia, o famoso TBC, cantou para o astro Vittorio Gassman (ele quis levá-la para a Europa), tornou-se amiga da fadista Amália Rodrigues. A estreia no rádio veio em 1950. A moça sorridente fez shows na famosa boate carioca Vogue, mas se tornou artista profissional apenas em 1951, em recital em Pernambuco, para onde viajou com o marido. O convite veio do maestro Capiba, o famoso autor de frevos.

A partir da temporada na Rádio Clube do Recife, a bela morena não parou de deslumbrar plateias. Apresentava-se nos microfones da Record e da Tupi, foi estrela da nascente TV, virou estrela de cinema e levou o Troféu Saci por seu papel no filme Mulher de verdade. Era artista, profissão malfalada, mas jamais lhe botaram cabresto.

De lá para cá, foram mais de 80 discos. Um deles completou seis décadas este ano e dá a medida do quilate de Inezita. De um lado, ela gravou Moda da pinga, aquele clássico do “co’a marvada pinga é que eu me atrapaio”; do outro estava a estreante Ronda, ícone da dor de cotovelo composto por Paulo Vanzolini. Nos anos 1950, a moça fina cantava na noite, criava a filha e se sustentava sem ligar para quem olhava torto para “a desquitada”. Inezita não limitava seu repertório à música de raiz. Aracy de Almeida não gostou de ver a “grã-fininha mascarada”, de quem se tornaria amiga, exibindo a bela voz em clássicos de Noel Rosa.

Microfones e estúdios eram pouco para Inezita: em 1957, ela se entusiasmou pelo jipe Willys. A bordo de um deles, com dois “copilotos” que não sabiam guiar, a estrela dirigiu por mais de seis mil quilômetros entre São Paulo e o Nordeste. Tal qual Mário de Andrade, recolheu melodias, letras, versos, instrumentos musicais e tesouros da cultura popular. Folclorista diplomada na estrada, nunca mais abandonou a lida. Pesquisou a cultura rural, apurou ainda mais o ouvido para o Brasil profundo.

Nos anos 1960, Inezita sentiu o golpe, mas não se deixou abater quando os meios de comunicação se tornaram templo do pop e da cultura jovem. A viola foi desbancada sem dó pela guitarra elétrica. Contratos à míngua, ela chegou a queimar seu querido violão amarelo na churrasqueira de casa. Começou a dar aulas de música – viu-se obrigada a ensinar iê-iê-iês de Roberto –, abriu um restaurante no Brooklin, chamado Casa de Inezita, onde servia comida caseira e cantava para a freguesia. Foi à luta, mas nunca abandonou a sua música.

Em 1980, a cantora passou a comandar uma trincheira da cultura popular brasileira: o programa Viola, minha viola, transmitido pela TV Cultura. Ali, sertanejo universitário e dupla famosa e moderninha não tinham vez. Astros são gente do quilate de Pena Branca e Xavantinho (então desconhecidos, ganharam de Inezita estímulo para prosseguir – e estourar) e da genial Helena Meirelles. A violeira chegou à televisão graças a Inezita – e muito antes de se tornar famosa nas páginas da americana Guitar player, bíblia dos instrumentistas.

No rádio, a apresentadora comandou vários programas dedicados à cultura popular. Almir Sater, Sérgio Reis, Renato Teixeira, Roberto Correia (com quem ela gravou dois discos) e Tonico e Tinoco são alguns de seus companheiros de microfone. Patativa do Assaré deu a Inezita sua última entrevista.

Bibliotecária, ela guarda um verdadeiro museu de folclore em dois imóveis. Aos 55 anos, virou professora do Conservatório de Pouso Alegre, no Sul de Minas, ensinando coisas do Brasil à garotada. Em vez de provas caretas, desafiou: vamos fazer desfile de carro de boi? A moçada teve de se virar, mas aqueles carrões de madeira ressurgiram desfilando pelas ruas e arrancando lágrimas dos antigos. Em Mogi das Cruzes (SP), onde ela ensinou na faculdade, estudantes se desdobraram para reproduzir uma festa de São João como as de antigamente. Com mastro, cartomante e até cigano...

Aos 88 anos, a mestra continua na lida. Dê uma espiada em www.inezitabarroso.com.br: lá está o contato para shows – são quatro números de telefone! Entretanto, quem quiser assistir in loco à gravação de Viola, minha viola vai ter de esperar. A função deste ano já se encerrou, mas em fevereiro começa a temporada 2014. Inezita – a nossa Hebe caipira – estará lá, firme e forte. Com aquele sorrisão do tamanho do Brasil.

INEZITA BARROSO – A história de uma brasileira
. De Arley Pereira
. Editora 34
. 207 páginas, R$ 44

Inquietação e prazer - Caio Junqueira Maciel

Inquietação e prazer - Caio Junqueira Maciel


Novo livro de contos de Luiz Vilela sugere contraponto entre natureza e cultura, com a presença discreta, mas significativa, de animais em todas as histórias 
 
Estado de Minas: 07/12/2013


Romancista e contista, Luiz Vilela mira nos eventos banais para mergulhar no sentido da existência  (Rodrigo Clemente/EM/D.A Press)
Romancista e contista, Luiz Vilela mira nos eventos banais para mergulhar no sentido da existência

 “Andava pelo quinteiro, muito asno, muito parvo, como se mesmo a dois passos não estivesse a acontecer aquela grande desgraça. É certo que também ele, Nero, vira morrer o gato, um sem-número de frangos e galinhas, e cada ano seu porco, sem o menor estremecimento. A verdade, acima de tudo. Mas desta vez, o caso mudara de figura: finava-se um cão...”


Miguel Torga, “Nero”, Bichos


Para tratar da recente coletânea de contos de Luiz Vilela, Você verá, lanço mão de um texto do português Miguel Torga, autor de um belo e estranho volume de contos intitulado Bichos, publicado em 1940.

 Sabe-se que o escritor mineiro, com certa obsessão, sempre valorizou os animais irracionais em sua obra, muitas vezes até relativizando a noção de racionalidade no confronto entre bicho e homem. E, ao pôr em cena um cão, um gato, uma lagartixa, um pássaro, um gambá, um tatu, o que se vê, em verdade, é o drama humano, é a situação limite que ronda todos os seres perecíveis. Se Miguel Torga centrava toda a ação narrativa em personagens-bichos com nomes humanos, Luiz Vilela nem sempre situa o bicho como protagonista, mas frequentemente como discreto coadjuvante, e, com isso, sutilmente estabelece um contraponto entre natureza e cultura, premiando o leitor com alta voltagem de inquietação e também de prazer.

São 11 os contos de Você verá e, a rigor, apenas o primeiro, “Zoiuda”, apresenta uma lagartixa como personagem marcante, cuja participação é a de fazer companhia a um solitário e desiludido professor de português. A aparição e sumiço desse animalzinho pontuam uma vida de tédio do protagonista, mas que chega a pressentir um “minúsculo coração” que poderia estar “batendo um pouquinho mais forte” (p.7). Não seria a literatura exatamente uma das artes que provocam esse tipo de emoção?

No conto “Era aqui”, o homem mostra à namorada o lugar onde outrora havia o campinho de futebol de sua infância. Em meio à crítica sobre as promessas mentirosas dos políticos (prefeitos que iriam fazer a praça), o que impera é o poder da nostalgia, mediada por um sabiá que, “escondido na folhagem de uma árvore, emitia, a intervalos, o seu canto, sempre igual e sempre belo” (p.14). E é ouvindo o canto dessa ave que o homem, mergulhado em suas recordações, dali emerge e faz uma declaração de amor à companheira.

Em “O que cada um disse” temos uma narrativa polifônica, em vários blocos, criando uma dramática expectativa sobre o que teria feito um certo sujeito. Num determinado ponto, aparecem os bichos como eloquentes metáforas dos mistérios entranhados nas criaturas racionais: “O ser humano é como uma floresta: você olha de fora, e a floresta é aquela maravilha; mas você entra, e lá dentro você dá com onças, cobras, escorpiões” (p.21). Nessa mesma narrativa há o comportamento irracional de um Tidião que pegara uma espingarda e deu tiro em tudo que era bicho: “Vaca, porco, o cavalo, o cachorro. Nem o gato escapou. Nem o galo. Ele deu tiro até em passarinho na árvore”(p.24).

Uma das melhores histórias do livro é “Céu estrelado”: o homem regressa de carro para sua cidade, numa noite de passagem de ano, e cruza na estrada com um tatu, e o trata respeitosamente em seus pensamentos. (Em Tremor de terra, um dos personagens acaba se transformando em tatu.) Essa cordialidade com o bicho contrasta com o ambiente de sua casa, repleta de gente e dominada por uma mulher estúpida com quem ele conversa pelo celular. O desfecho desse conto, com direito ao aroma dos eucaliptos, é digno das grandes narrativas de Luiz Vilela sobre as angústias do bicho homem.

Em “Todos os anjos”, o mais lúdico dos textos, o pai conversa com seu filho que vem de uma aula de catecismo. A história gira sobre a existência dos anjos, que se assemelham a pássaros e a cobras voadoras. E a certa altura do diálogo o pai fala que “a minhoca só falava na língua delas: o minhoquês” (p.42). Como o menino estava com a cabeça cheia das informações da freira que lhe dava aulas, é irresistível a associação entre esse anelídeo e as ideias que botavam na cabeça das crianças...

Crueldade
No mais longo dos contos, “Bem”, em que o narrador ocupa dois planos da narração (o momento da enunciação e o tempo em que fizera amizade com um limpador de privadas, o “Bem” do título), temos uma espécie de ensaio sobre a crueldade humana: o narrador acaba tendo prazer de ouvir pelo telefone todas as desgraças que abatem sobre o pobre diabo que só atraía males, pois afinal os males vêm para o bem. Muitos trocadilhos perpassam pela narrativa em que o autor explora mais uma vez a catarse através da conversa telefônica, como já fizera em “Tarde da noite”. Num determinado momento, o gato que quebra o vaso da esposa de Bem e o cachorro que adoece e morre marcam e prenunciam mais desgraças que cercam o personagem.

O passado retorna no conto “Quando fiz sete anos”, em que o narrador recorda-se da bússola estragada que ganhara do avô. Num instante de intensa alegria, surge o bicho expresso em metáfora: “Eu agradeci e, doido para abrir o embrulho, fui para casa, a três quarteirões dali, voando como um alegre pássaro da manhã” (p.80).

Na mais mórbida das narrativas, “Corpos”, o autor expõe traços negativos da curiosidade humana: duas pessoas vasculham um site procurando detalhes dos corpos estraçalhados num desastre aéreo. Os bichos aparecem em dois planos: num dito popular: “abra um corpo e verás teu corpo, dizia minha avó” (p.85); e nos bichos da floresta em que o avião caíra: um passarinho que estava “todo tranquilo” (p.87) num galho, indiferente à tragédia, e nos supostos bichos que poderiam ter arrastado corpos das vítimas (p.89).

O caráter trágico e irônico retorna em “Noite feliz”, um dos contos mais pungentes, sobre uma mulher solitária numa noite de Natal. O autor é extremamente econômico em suas informações, deixando ao leitor a construção mais completa do quadro que se verá. Mas um gato aparece nas lembranças da protagonista, o macio e quentinho felino que se chamava Pretinho, nome que, metonimicamente, remete ao desfecho inesperado.

Em “Mataram o rapaz do posto” há o mal-entendido sobre a morte do homem citado no título. O bicho que aparece na história é um gambá. Mas o grande fedor está implícito (novamente) na crueldade humana.

No conto “Você verá”, que fecha o livro, você, leitor, não verá bicho algum. O protagonista encontra-se, de madrugada, num bar da rodoviária de Brasília, nos primeiros tempos da nova capital. O dono do barzinho é esperançoso em relação à cidade construída pelo “maior dos mineiros” (p.109). Crê o homem que este é “um país onde todos terão oportunidade, onde ninguém mais passará fome, ninguém mais precisará pedir esmola nas ruas” (p.108). O narrador se encontrava empoleirado num banquinho (p.105). Empoleirado, como uma ave, talvez como um bem-te-vi. E é a sensação que temos ao fechar o livro, bem-te-vi, com todos bens e males do bicho humano neste mundo tão pequeno...

Caio Junqueira Maciel é escritor.


 (editora record/reprodução)

Você verá
• De Luiz Vilela
• Editora Record
• 128 páginas, R$ 30

Um coração desmedido - André di Bernardi Batista Mendes

Um coração desmedido 

 
Arquivinho Vinicius de Moraes comemora o centenário de um dos maiores e mais queridos poetas brasileiros com direito a caderno com 13 poemas inéditos escritos na adolescência 

André di Bernardi Batista Mendes

Estado de Minas: 07/12/2013


Vinicius de Moraes, óleo sobre tela de Candido Portinari, 1938 (Fotos: Bem-Te-Vi/Reprodução)
Vinicius de Moraes, óleo sobre tela de Candido Portinari, 1938

O dia 19 de outubro foi especial. Aconteceram fatos estranhos. Muitos casais que pouco se amavam amaram-se, outros tantos namorados namoraram, num conluio promissor. Tudo isso porque neste dia nascia, no Rio de Janeiro, há 100 anos, Vinicius de Moraes, o Poetinha. E para bem comemorar a data a Bem-Te-Vi Produções Literárias relança (a primeira edição é de 2002) o Arquivinho Vinicius de Moraes, uma edição comemorativa de encher e fazer brilhar os olhos. A pasta traz novos itens, como um caderno manuscrito com 14 poemas, sendo 13 inéditos – uma preciosidade guardada por mais de 80 anos –, e um CD, Miúcha canta Vinicius & Vinicius, lançado em 2003 pela Biscoito Fino, além de um álbum de fotografias com imagens do poeta cantando com Pixinguinha, numa queda de braços com Tom Jobim, bebendo com Oscar Niemeyer, biografia, cronologia e bibliografia atualizada, e curiosidades, como bilhetes em fac-símile de Charles Chaplin, Orson Welles e Pablo Neruda. Trata-se de um pequeno tesouro.

Bilhete do cinesta Orson Welles dirigido ao poeta
Bilhete do cinesta Orson Welles dirigido ao poeta

Vinicius de Moraes foi, talvez, o único poeta que viveu como um poeta, como disse certa vez outro poeta, outro amigo, Carlos Drummond de Andrade. Vinicius provou que é possível conjugar, plena e profundamente, os verbos, os vários sentidos que a paixão – esta palavra feita de flor e fogo – sugere e cobra. Dono de uma diplomacia peculiar, pouco recomendável para caretas, o poeta soube escrever como poucos sobre os percalços de uma vida, esta palavra borrada de risos e muitas lágrimas. Que arco-íris estendido, o que só viram as mulheres de Vinicius de Moraes?

De Ouro Preto a Oxford, da Lapa à Lagoinha, do muito até a excelência do muito pouco. A vida de Vinicius não foi fácil. Mas suas palavras, os seus versos, carregados de tanta delicadeza, são feitos de asas, são como levezas. A luz dos olhos deste nosso poeta serviu para desconcertos, com um brilho único e intenso, sua poesia deixou impresso nos suas coisas uma espécie de digital estranha, indelével. Não sei se Vinicius tinha inimigos. É muito pouco provável. Como deveria ser interessante conversar com o poetinha. Devem saber os seus muitos parceiros de canto e bebedeira. Bastava alguns acordes, e a noite acordava. Vinicius era pop e era culto, era Leminski e Shakespeare. Vinicius era um incansável procurador de si mesmo. Vinicius nunca sai de cena.

Tudo era matéria para sua poesia, o bar, a praia, a ressaca, as idas e vindas, as circunstâncias, os amigos distantes. Vinicius soube, como um perito, como um romântico, dizer o que soube das mulheres. As mulheres eram o seu território, o seu país conquistado com maestria e canções, com a força de sua prosa, com a fragilidade absurda e comovente de seus versos. Sujeito de bons e muitos companheiros, Vinicius deleitava-se, contínuo de porres homéricos. Vinicius preferia um nada de castigos e castidades. Tanto fascínio deve sobrevir da alma feminina, sobre um turbilhão invejável, diante de um desejo de paz e liberdade. Vinicius plantou e colheu, para o bem de todos, uma rosa de Hiroshima. Vinicius, corajoso, colocou em prática sua utopia viva. Vinicius pagou todos os preços.


Primeiras páginas do caderno de poesias de Vinicius de Moraes, de 1931
Primeiras páginas do caderno de poesias de Vinicius de Moraes, de 1931


Da macumba ao blues, passando como um rio, como um rio benfazejo pela MPB, Vinicius ensinou muito aos machos de sua espécie. A mulher, por tudo, merece mais, os homens merecem menos. Vinicius encontrou grandes mulheres pela vida afora. Vinicius, assim, foi e ainda será responsável por uma série de casos e paixões. Mas é preciso memória. Este belo lançamento fez sua parte.

A vida, para Vinicius, muitas vezes foi feita de espinhos, era uma vida sujeita a chuvas e trovoadas. Mas paixão é combustível, é o álcool mais puro, é o uísque mais caro. A poesia de Vinicius é sinônimo de catarse e requinte, com o mais alto apuro técnico. É uma poesia que muito serve para encantos, que serve também para reconciliar os gêneros. O masculino, e a alma feminina como foco de urgências e demandas que só captam as antenas e o coração do poeta mais levado. Vinícius decifrou posturas e poses femininas.

Partitura do foxtrote Loura ou morena, primeira composição de Vinicius de Moraes
Partitura do foxtrote Loura ou morena, primeira composição de Vinicius de Moraes
Como sempre acontece nos processos de sedução e rendimentos, a poesia de Vinicius tem o frescor das melhores virgens, tem o frescor de um primeiro pedido de namoro. Vinicius, como lembrou Chico Buarque, não serviria, não caberia neste nosso tempo de pedras e percalços. Vinicius amava suas flores, os seus amigos, a sua generosidade ultrapassava o sentido do desprendimento. Trata-se de um poeta fundamental, simples para os jovens, acessível para todos.

Nem o amor, nem as paixões. Só as nuvens são eternas, diria Mário Quintana. Imoral, dono de quase nada, farto de sonho e gandaia, Vinicius soube ser amigo e soube ser amante. Trata-se de um poeta que merece lembranças e tanto carinho. Trata-se de um grande poeta que merece loas e respeitos. O nome Vinicius de Moraes agrega uma soma de sustos. Sociável, inteligente, solto de amarras bestas, Vinícius era dono de uma personalidade única. Vinicius tinha suas nuvens, que o transformaram em algo parecido.

ARQUIVIHO VINICIUS DE MORAES

Bem-Te-Vi Produções Literárias, R$ 225

Um gol de letra - Renan Damasceno

Um gol de letra

Renan Damasceno
Estado de Minas: 07/12/2013 



Autor do clássico Menino de engenho, José Lins do Rego foi cronista esportivo e apaixonado pelo rubro-negro (Keffel Filho/O Cruzeiro/Arquivo EM)
Autor do clássico Menino de engenho, José Lins do Rego foi cronista esportivo e apaixonado pelo rubro-negro


Embora tenha chegado ao Brasil no fim do século 19 e se organizado a partir de 1916, com a criação da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), hoje CBF, o futebol só abandonou a cartola e o fraque no início da década de 1930, quando os principais jornais, sobretudo os cariocas, sob influência de jornalistas como Mário Filho, trocaram a pompa e a sisudez – “será levado a efeito amanhã, no aprazível field, o esperado match...” – por expressões que o aproximassem do público, dando tratamento lírico, dramático e, por que não?, épico à disputa e a seus protagonistas.

Flamengo é puro amor, do paraibano José Lins do Rego (Editora José Olympio), é mais uma importante coleção de textos de um dos períodos mais férteis do futebol brasileiro. São 111 crônicas pinçadas entre as 1.517 publicadas pelo autor de Menino de engenho no Jornal dos Sports, de março de 1945 a julho de 1957 – ano de sua morte. Titular da coluna Esporte e vida, José Lins se dedicou bravamente a defender o rubro-negro, a quem ele definia como “o clube do povo”.

Mais do que uma ode ao rubro-negro, o espaço concedido ao autor serviu para enriquecer a crônica esportiva, que, assim como o próprio futebol, engatinhava no profissionalismo. Embora outros literatos já tivessem dedicado textos ao futebol – João do Rio, outro rubro-negro notável, já tratava de seu amor clubístico na década de 1910 –, José Lins foi o primeiro grande escritor brasileiro a escrever sistematicamente sobre o esporte. Quando estreou a coluna, já se passava quase uma década da conclusão dos já consagrados livros que compõem o ciclo da cana, de Menino de engenho (1932) a Usina (1936).

Um dos mais importantes romancistas regionalistas do país, José Lins aceitou o convite de Mário Filho – dono do Jornal dos Sports e responsável por abdicar do formalismo em favor de um registro mais coloquial, próximo do linguajar do torcedor. Foi Mário, que dá nome ao Maracanã, quem popularizou termos como o Fla-Flu, ajudando a tornar o futebol o esporte das multidões e influenciando todos os grandes cronistas esportivos posteriores, de seu irmão mais novo, Nelson Rodrigues, a Sandro Moreyra, João Saldanha e Armando Nogueira.

Nas 111 crônicas selecionadas pelo jornalista Marcos de Castro, José Lins se notabiliza muito mais pela leveza de seus textos do que pela profundidade social e psicológica, que caracterizam as crônicas dos irmãos Rodrigues. São textos curtos, que muitas vezes fogem ao futebol para fazer um retrato dos costumes do Rio dos anos 1940 e 1950, e desprovidos de detalhes – na maioria dos textos nem sequer cita o resultado ou times envolvidos nas partidas que comenta, tornando essenciais as detalhadas notas do autor, que ocupam quase um terço do livro. São crônicas sobre o Flamengo de Domingos, Biguá, Perácio ou Zizinho, mas que também trata sobre os ídolos do América, Botafogo, Fluminense e Vasco.

Provocações Para aflorar a rivalidade entre os clubes, Zé Lins (como era chamado pelos próximos) utiliza amigos e personagens do seu cotidiano, com provocações ao livreiro Bertrand, da Rua do Ouvidor, torcedor do Fluminense, ou ao garçom Antero, da Confeitaria Colombo, vascaíno, assim como a amiga Rachel de Queiroz, a quem trata como uma vascaína por engano, por ter alma amadora, típica de rubro-negra. Por fim, ainda no campo das relações pessoais, o autor demonstra predileção pelos dirigentes – atitude que causaria estranheza nos tempos atuais, já que a crônica, ao longo das décadas, deu passos importantes no sentido de transformar os craques em protagonistas, e não os cartolas.

Flamengo é puro amor, mais do que um livro restrito aos valores e paixão rubro-negros, é um rico instrumento para analisar a crônica esportiva às luzes da literatura. Foi na experiência de 12 anos no Jornal dos Sports que o autor verificou “que a crônica esportiva era maior agente de paixão que polêmica literária ou o jornalismo político” (7/3/1945) e que “a informação esportiva, mais do que qualquer outra, deve se impor pela sua cordialidade e lisura de trato (carregando) a responsabilidade de educar o povo” (22/6/1945).

 (José Olympio/Reprodução)

FLAMENGO É PURO AMOR: 111 CRÔNICAS ESCOLHIDAS
• De José Lins do Rego (org. Marcos de Castro)
• Editora José Olympio

A cabeça abaixo das nuvens Paulo Bentancur‏

A cabeça abaixo das nuvens 
 
Paulo Bentancur
Estado de Minas: 07/12/2013


 (Escrituras/Reprodução  )


Com umas duas exceções, os poemas do paulista João Augusto são breves. E, no entanto, essa extrema síntese – que poderia levá-los à condição de leves comentários líricos – faz o contrário: adensa-os. E a poesia de João Augusto mostra-se surpreendente em mais de um aspecto. É o que constatamos nos cerca de 70 poemas que, reunidos, revela Poesia de telhado como um dos livros mais originais lançados no gênero recentemente.

Se virou até mesmo lugar-comum a imagem de o poeta ser alguém que vive com a “cabeça nas nuvens”, João Augusto situa seus versos a partir do telhado para dali, num ângulo mais elevado, poder flagrar as imagens que lá embaixo, dentro da casa, se confundem com os objetos e cenas cotidianas e, desta forma, perdem um tanto de expressão.

Tanto a ótica diferenciada que João Augusto escolheu quanto sua linguagem leve e ao mesmo tempo liberta de um rigor que mais endurece o resultado da versificação que o deixa solto, essa soma de procedimentos resulta numa poesia dotada de enorme carga lírica.

O amor, recorrente, não o perturba como tema. Antes, deixa-o livre exatamente para amar – pessoas, entidades, fatos, objetos, cenários. É, indubitavelmente, um amor de libertação. E só mesmo a partir dela e seu espaço mais amplo é que esse ser amoroso pode dizer-se, ou melhor, cantar-se.

Outro elemento recorrente é o imagético, fator que nos causa funda impressão. O poeta não abre mão da metáfora sem, nem por isso, forçá-la. Essa carga de imagens inusitadas e simultaneamente sugestivas, doces (trata-se de um poeta para quem o afeto é uma marca que nos toma), traz para dentro de seu livro o irrecusável convite para um convívio no qual o leitor se vê com o espírito enfim não mais refém de uma angústia que é muito comum nos poetas. Pelo menos na maioria deles.

Ocorre-nos a palavra “beleza”, que parece dizer o previsível, mas que na verdade não faz mais que justiça ao resultado final do conjunto de Poesia de telhado. Essa beleza brota diretamente desse imagético citado antes, no qual tanto elementos do mundo natural, retratados sob um ponto de vista novo, isto é, captados em sua face mais prometedora, quanto uma linguagem que busca desenhar com um certo traço de surrealismo pode desta forma ser alcançada.

Para se ter um exemplo bem concreto do prazer que emana do volume, cito um dos trechos mais contundentes: “Chegou a fraudar o amor/ A paternidade/ O local de nascimento// Mas nunca pôde se inocentar/ Da autoria dos próprios sonhos”.

Finalizando, Poesia de telhado é exatamente o que o título anuncia. Sobre o telhado se pode ver o sol, a lua, a cidade, o mar (se mar houver), e tudo aquilo que é mais íntimo – sempre destaque para o amor – pode dali voar longe.

Paulo Bentancur é escritor e crítico.

Poesia de telhado

. De João Augusto
. Editora Escrituras
. 80 páginas, R$ 22

Djalmão - Arnaldo Viana‏

Djalmão - Arnaldo Viana - arnaldoviana.mg@diariosassociados.com.br
Estado de Minas: 07/12/2013




Um conta como piada. Outro garante ser verdadeiro. O caso, que algumas pessoas já conhecem, teria se passado no alto do morro de um dos aglomerados de BH. É lá, no barraco de madeira, zinco e amianto, que mora o negão, pelo menos dois metros de altura, macacão jeans, cabelo black power, chinelos com solado de borracha de pneu. Djalmão está lá, disponível para serviços que exijam apenas músculos. Ah, tem no facão um companheiro inseparável. É a ferramenta para limpar as unhas sempre imundas.

Tarde dessas, o negão sentado diante do barraco, dando um trato nas unhas dos pés, chegam dois homens. Traziam um rapaz pelos braços.

– Boa-tarde, seu Djalmão.

– Tarde!

– A gente trouxe este rapazinho aqui a pedido do chefe. É para o senhor pegar este facão e cortar os dedinhos das mãos dele, bem cortadinhos, para ele nunca mais dedurar ninguém aqui no morro.

– Deixem o cara amarrado aí no fundo do barraco. Depois cuido dele.

Assim fizeram os dois indivíduos. E saíram apressados. O rapaz engoliu os soluços e falou:

– Seu Djalmão, com licença. Não faça isso comigo. Não corte meus dedos. Não entreguei ninguém. Isso é fuxico. Se me deixar ir, desapareço. Ninguém vai saber se o senhor deixou de cumprir a ordem do chefe. Por favor, por amor a Deus!

– Fica quieto aí, senão corto o braço também.

Meia hora depois, os dois homens estão de volta. Trazem outro prisioneiro.

– Seu Djalmão, é para o senhor cegar este aqui. Bota o facão no fogo e quando ele ficar vermelho, passe a lâmina nos olhos dele. Isso é para ele nunca mais, mas nunca mais mesmo, botar o olho gordo no dinheiro do chefe. O cara só fica nas bocas vendo o pessoal contar o dinheiro da venda da mercadoria.

– Amarrado, lá no fundo do barraco, junto com o outro. Depois cuido dos dois.

Djalmão raspava as grossas unhas dos pés com a afiada lâmina do facão, como se nada estivesse acontecendo. Não demonstrava raiva, prazer, piedade ou qualquer outro sentimento a cada pedido do chefe. Parecia acostumado às tarefas que o manda-chuva do morro considerava de segunda classe. “Há certos tipos de serviço que só o negão pode fazer”, dizia quando precisava dar uma lição violenta em alguém.

Os dois rapazes, no fundo do barraco, estavam banhados de suor. Se fazia calor lá do lado de fora, pior era ficar sob zinco e amianto, e ameaçados. Djalmão dava um trato na última unha, a do dedão do pé esquerdo, quando os dois emissários dos chefe chegaram com mais um condenado.

– Seu Djalmão, este aqui é para ser capado. É para o senhor pegar o facão e cortar rente, bem rente, e jogar a tralha para cachorro comer. É para ele nunca mais, mas nunca mais mesmo, se engraçar com a mulher do chefe aqui no morro. É para capar bem capado.

Mal os capangas do chefão saíram, o primeiro condenado levado ao barracão falou novamente:

– Seu Djalmão, com licença. É com todo respeito que me dirijo ao senhor só para lembrar: o cara dos dedinhos que senhor deve cortar sou eu, tá?

Tv Paga

Estado de Minas: 07/12/2013 



 (HBO/Divulgação)

Trapalhadas na tela


Comédia é a pedida da programação de cinema neste sábado. HBO e Telecine Premium investem no gênero, abrindo o pacotão de filmes com duas produções inéditas. Na HBO, a atração é Apagar histórico, com Jon Hamm e Larry David (foto). No TCP, Billy Crystal e Bette Midler estrelam Uma família em apuros. O assinante que decida, já que os dois filmes serão exibidos, simultaneamente, às 22h.

Hulk faz hora extra  na tela do Megapix


O Megapix pega pesado com o herói esverdeado, emendando Hulk, às 19h25, e O incrível Hulk, às 22h. Já o Telecine Cult continua com a seleção de filmes do início da carreira de grandes diretores de cinema, reservando para hoje, às 20h30, o drama Os delinquentes, que Robert Altman rodou em 1957. Na faixa das 22h, o assinante tem mais oito boas opções: 2 perdidos numa noite suja, no Canal Brasil; O vingador do futuro, na HBO HD; O espetacular Homem-Aranha, na HBO 2; Beijo da borboleta, no Max; Guerra ao terror, na MGM; RocknRolla – A grande roubada, na Warner; O pior trabalho do mundo, no Universal Channel; e Um sonho de liberdade, no TCM. Outros destaques de hoje: Corpo, às 21h, no AXN; e Estorvo, às 23h , na Cultura.

Maria Paula comanda nova atração do GNT

A apresentadora Maria Paula estreia hoje, às 22h, no canal GNT, o programa Saúde por aí. Em seis episódios, diretamente da Califórnia, ela vai mostrar centros de pesquisa e tratamento dos Estados Unidos para experimentar terapias alternativas e, juntando tudo isso, tentar entender alguns dos chamados “males contemporâneos”.

Multishow transmite  ao vivo o Circuito BB


Na programação musical, um dos destaques é o show do grupo Sururu na Roda, formado por Nilze Carvalho, Fabiano Salek, Sílvio Carvalho e Juliana Zanardi, e que o Canal Brasil mostra a partir das 17h. No Multishow, às 18h30, o Circuito Banco do Brasil cumpre mais uma etapa, agora em Brasília, com Jason Mraz, Ivete Sangalo e Capital Inicial. Na Cultura, duas dicas: Henrick Fuentes no Manos e minas, às 17h, e a cantora e compositora Blubell, às 18h, no Cultura livre.

History quer a prova  da existência de Deus


No concorrido segmento dos documentários, uma das novidades é o episódio da série Universo, às 19h, no canal History, tentando responder a uma das perguntas mais recorrentes da humanidade: Deus existe?. No Nat Geo, às 19h, Temporada de pesca apresenta o episódio “Todos ao convés”, que mostra a aventura de dois barcos em busca do atum-rabilho em alto-mar.

Bem Simples dá dicas  para a festa de Natal


O canal Bem Simples abre hoje, às 18h45, a série de maratonas de Natal, emendando dois programas que ajudam os assinantes a montar uma decoração caprichada para as festas de fim de ano. Em Tudo simples e Faça em casa, os artesãos mostram passo a passo como fazer bolas natalinas, guirlandas, cartões, louças e até uma árvore de Natal reciclada, entre outros objetos. 

Joia rara (Globo) ganhou ritmo e dinamismo nas cenas, além de desfechos mais rápidos

CARAS & BOCAS » Mensagem de otimismo 
 
Simone Castro

Estado de Minas: 07/12/2013


 ( SBT/Divulgação)

Raul Gil e Eliana participam de clipe de fim de ano do SBT ( SBT/Divulgação)
Raul Gil e Eliana participam de clipe de fim de ano do SBT


Elenco do SBT entra em peso no ar a partir de amanhã, em lançamento, ao vivo, no Domingo legal, da vinheta de fim de ano da emissora. Todos dos núcleos de teledramaturgia e jornalismo se juntam e compartilham mensagens de otimismo e esperança para 2014, com muita dança, canto e alegria no ritmo de festa e ao som da música SBT, tema fim de ano 2013. A letra e a música são de Arnaldo Saccomani, na voz da atriz Lívia Andrade, e fala de expectativas para o novo ano: “Muita paz, felicidade, o seu sonho realidade aqui no SBT, fique em nossa companhia, vem que a nossa alegria espera por você”.

BOLA NA ÁREA FARÁ UM
BALANÇO DO BRASILEIRÃO


O Bola na área deste sábado, às 12h30, na Alterosa, faz uma análise do Campeonato Brasileiro de 2013, com participação dos comentaristas da Alterosa, rádio Itatiaia e jornal Estado de Minas. O torcedor também dá sua opinião, ao vivo, no quadro "Seu nome, seu bairro", de Thiago Reis. E, ainda, as brincadeiras com a galera do 98 Futebol Clube.

SOLIDARIEDADE É TEMA DE
HOJE DO MINAS MOVIMENTA


Histórias emocionantes de instituições que trabalham o ano todo para ajudar o próximo são o destaque do Minas movimenta, hoje, às 9h30, na Alterosa. Exemplos não faltam, como a Cabeça Apape. A Associação de Pais e Amigos de Pessoas Especiais ampara autistas e se mantém com a colaboração de voluntários e doações. Mais: a Associação Brasileira de Esclerose Tuberosa, criada por Márcia para ajudar a filha e outras pessoas com a mesma doença, além da Jornada Solidária Estado de Minas, que ajuda milhares de crianças em creches e abrigos durante todo o ano.

LEÃO REÚNE OS ARTISTAS NA
SUA TRADICIONAL FEIJOADA


A dupla sertaneja Rionegro & Solimões, o cantor Amado Batista, o grupo de pagode Pixote e o funkeiro MC Sapão mostram a sua música no Sábado total, hoje, às 14h, na RedeTV!. Eles são os convidados da tradicional feijoada de Gilberto Barros, o Leão, e também disputam os mais divertidos games. Ainda na atração, acompanhe o bate-papo com José Carlos Ferreira, um estilista de rua que conseguiu realizar o sonho de ver sua coleção de roupas sair do papel e atravessar a passarela do programa.

NATAL SUSTENTÁVEL

O Futurando deste sábado, às 13h, na Rede Minas, traz uma matéria especial tendo em vista o Natal, para deixar o telespectador ainda mais consciente. Na Holanda, encontramos uma iniciativa ousada: um grupo de pessoas quer plantar na cidade os legumes e verduras que vão consumir. O projeto se chama Urban farming e tem como objetivo utilizar até os telhados para o cultivo. Produtos que estão quase no fim do prazo de validade são descartados. Supermercados jogam no lixo uma quantidade enorme de alimentos ainda bons para o consumo. Alguns ativistas coletam esses alimentos das lixeiras e não recolhem porque precisam, mas porque não aceitam que tanta comida boa seja desperdiçada. O Futurando acompanhou alguns deles durante essa coleta. A atração ainda mostra uma terceira possibilidade de evitar o desperdício, o foodsharing, um sistema de partilha na internet. Confira.

VIVA
Joia rara (Globo) ganhou ritmo e dinamismo nas cenas, além de desfechos mais rápidos.

VAIA
A atriz Flávia Alessandra é o mais do mesmo com sua Heloísa de Além do horizonte (Globo). 

De volta ao front - Ailton Magioli

De volta ao front 

Gravadora Kuarup investe em jovens talentos da MPB e acredita na força do mercado, apesar da crise da indústria fonográfica. O elenco reúne novatos dispostos a batalhar por seu espaço

Ailton Magioli

Estado de Minas: 07/12/2013 


Projeto Vinagrete estreia no mercado fonográfico misturando forró, MPB e baião com funk (Carlos Alkmin/divulgação)
Projeto Vinagrete estreia no mercado fonográfico misturando forró, MPB e baião com funk

Eles chegaram à cena no momento em que o mercado e a música passam por transformações. Responsáveis por dar continuidade à já nem mais lembrada linha evolutiva da MPB, jovens cantores e compositores, além de enfrentar a falta de fôlego de grandes gravadoras para investir, começam a experimentar novos formatos de seu produto, que passam obrigatoriamente pelo espaço virtual.

“Hoje em dia, só quem gosta de encarte procura disco”, constata a mineira Barbara Leite, que chega ao mercado com Quem, lançamento da Kuarup. Pela mesma gravadora, estreiam na carreira fonográfica Léo Versolato, de São Paulo (com Santo bom); Giovanna Farias, paraibana radicada no Rio de Janeiro (com Uyraplural); e o Projeto Vinagrete (Misturar é preciso), liderado pelo paulista Uribe Teófilo. Desde 2011, já chegaram às prateleiras, via Kuarup, 11 trabalhos de novos nomes.

“Ficamos com um pé atrás quando soubemos do interesse da gravadora por nosso trabalho”, confessa Uribe Teófilo, admitindo que a desconfiança só se desfez à medida que as conversas se aprofundaram. “O suporte que a Kuarup está nos dando faz com que alcancemos degraus a que jamais chegaríamos facilmente”, admite o cantor e compositor.

A influência familiar na escolha da profissão é assumida por Giovanna Farias, filha do genial paraibano Vital Farias, que mora em seu estado natal. “Ouço música desde a infância, não tinha como ser outra coisa na vida”, reconhece ela. A lista de filhos e netos de famosos que passaram pela gravadora – como Vital, um dos músicos de Cantorias, projeto de inegável sucesso – inclui os já lançados Alice Caymmi, filha de Danilo e neta de Dorival Caymmi; Lenine Guarani, filho de Taiguara; e o violonista Marcell Powell, filho de Baden Powell, que divide o CD Violão, voz e Zé Kéti com o cantor Augusto Martins. A paulistana Bruna Moraes, caçula da turma, de apenas 18 anos, desponta com personalidade no disco batizado com seu próprio nome.

Presente desde 1977 no combalido mercado fonográfico, a Kuarup vem fazendo história no segmento que se convencionou chamar de “música brasileira de qualidade” e se transformou em uma das principais gravadoras independentes do país. Com dois prêmos Grammy Awards e novos donos, a empresa mantém catálogo invejável: é dela o maior acervo de Heitor Villa-Lobos de que se tem notícia, além de trabalhos importantes relativos ao choro, às músicas nordestina, caipira e sertaneja, à MPB, ao samba e ao instrumental.

Em síntese, a Kuarup guarda uma bela amostra da diversidade brasileira, como propõe o disco de estreia do Projeto Vinagrete, Misturar é preciso. O cantor e compositor Uribe Teófilo diz que o trio (ou octeto, de acordo com oportunidades de trabalho) se propõe a mesclar sons. “É pura pesquisa sobre forró, funk, baião, MPB e outros ritmos e gêneros que a gente tenta atualizar e transformar em música dançante, mas sem perder a brasilidade”, explica. As baladas são o alvo do coletivo. Entre as releituras está a oportuna Aqui é o país do futebol, de Fernando Brant e Milton Nascimento.

Teófilo lembra que a relação artista-gravadora mudou: “Hoje é tudo mais independente”. Aos que imaginam ser difícil o acesso à gravadora, Barbara Leite, nascida em Ouro Branco, no interior de Minas, esclarece: “Fiquei sabendo da Kuarup, entrei no site e enviei um link de vídeo com as músicas Voar e Correnteza, que agora estão no disco Quem”.

DEVAGAR Com licenciatura em música pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), a cantora, habilitada em violão, credita o diferencial de sua música a esse instrumento, que conduz a harmonia enquanto as letras tratam de questões cotidianas. “Vou com o pé no chão. Claro que quero uma carreira sólida, mas sigo devagar”, anuncia a moça, apaixonada por Caetano Veloso, Chico Buarque e Djavan desde a infância. Para reafirmar a mineiridade, a jovem gravou uma releitura de Um girassol da cor de seu cabelo, de Lô e Márcio Borges. O timbre firme e forte lhe garante um bom passaporte.

A paraibana Giovanna Farias privilegia clássicos do pai, Vital Farias, como Veja (Margarida), sucesso de Elba Ramalho. Cantora de timbre empostado, ela nem sempre se sai bem na tarefa de dar voz à consagrada, porém ignorada, obra do pai. Giovanna conta com Ciranda de terreiro, do piauiense Gilvan Santos, para puxar o CD de estreia. “É um momento legal para colher a maturidade. Tenho segurança do que quero. Estou muito feliz”, conclui.


 (Carlos Alkmin/divulgação)
Vou com o pé no chão. Claro que quero uma carreira sólida,mas sigo devagar” - Barbara Leite, compositora



De olho no freguês


Adquirida em 2011 por um pool de investidores, a gravadora Kuarup tem seu principal foco na produção e nos shows de seus músicos. A aposta é na promoção do elenco, informa o diretor artístico, Rodolfo Zanke. Para ele, esse é o caminho natural no mercado em crise.

De olho no acervo de empresas como a Revivendo e a Eldorado, que encerraram as atividades, Zanke comenta que a venda de discos físicos diminuiu bastante, mas a disposição da Kuarup é trabalhar todas as vertentes musicais nos formatos que o consumidor demandar. Inclusive o streaming, em que o usuário paga para ouvir um acervo gigantesco.

Com catálogo de cerca de 200 títulos (20 trazem a obra de Villa-Lobos), a Kuarup guarda verdadeiros clássicos populares, como Renato Teixeira & Pena Branca e Xavantinho – Ao vivo em Tatuí (1992), além de Cantoria 1 (1984) e Cantoria 2 (1988), que reuniram Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai. Os novos donos da gravadora prometem lançar outras pérolas. Vale lembrar: foram vendidas 1 milhão de cópias de Ao vivo em Tatuí..., um dos recordes da casa.

Os novos donos da Kuarup, que chegou a encerrar suas atividades, criaram também a editora musical homônima. No ano que vem, está prevista a edição de documentários em DVD, além de livros e biografias – tão polêmicas atualmente.

O plano estratégico, informa Rodolfo Zanke, é atualizar o acervo vendido digitalmente, com maior foco na publicidade do produto. De acordo com ele, há grande procura por parte da indústria cinematográfica, interessada em música regional, instrumental, erudita e popular.

Personagem da notícia

Léo Versolato - cantor e compositor

 (Jonas Tucci/divulgação)

O cantor e compositor Léo Versolato (foto) encara a iniciativa da Kuarup de lançar jovens talentos como algo corajoso e generoso. “Justamente neste momento crucial para a música há pessoas com vontade de trazer gente nova, dando oportunidade a elas”, comemora. Graduado na Universidade Livre de Música (ULM) de São Paulo, ele recebeu dessa instituição subsídios imprescindíveis para sua formação profissional. Autor de um trabalho que classifica como “brasileiro, com muita influência do jazz, rock e world music”, o paulista define a música como fardo e bênção: “Ela me escolheu, não tenho escapatória”. Com canções gravadas pelas jovens cantoras Keila Abeide, Ana Gilli e a parceira Dani Gurgel, Leo teve De casa arranjada para coro no Conservatório de Música de Miami, nos Estados Unidos, com direito a versão em inglês. “Estou vislumbrando viver confortavelmente da minha música. Gostaria que ela fosse ouvida para a gente continuar gravando discos”, conclui.

Eduardo Almeida Reis - Helicópteros‏

Helicópteros
 
Milionários são danados para inflacionar o mercado de trabalho rural


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 07/12/2013

Na definição do terreireiro de nossa fazenda fluminense, helicóptero era “aquele trem que avoa para cima”. Houaiss grafa terreirista, mas é a tal história: o gourmet Antônio Houaiss entendia muito de diplomacia, filologia e lexicografia, sem que fosse versado em sítios e fazendas. Quando as fazendas vizinhas foram tomadas de assalto pelos ricos do Rio, era um tal de trem avoando para cima, que o leitor nem pode imaginar. Aproveitei a embalagem para vender a fazenda e cair fora. Milionários são danados para inflacionar o mercado de trabalho rural. Na manhã de terça-feira, 12 de novembro, me lembrei da revoada na roça fluminense. Diversos e-mails e telefonemas de amigos repercutindo a matéria do Correio Braziliense sobre o avoar para cima da senhora Ideli Salvatti Garcia, ministra de Relações Institucionais. Denúncia que partiu da Comissão de Ética da Presidência da República, pois o helicóptero em que avoou a ministra pertence à Polícia Rodoviária Federal (PRF), normalmente usado para atendimento médico e resgate de vítimas.

Releva notar que o senador Lobão Filho, não faz muito tempo, retirou a palavra “ética” do novo código de conduta do Senado, argumentando: “O que é ética para você pode não ser para mim”. Portanto, o conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade, varia, di-lo o honrado filho do ministro Lobão. Donde se conclui que a ética não foi inventada para prejudicar ninguém. Gravíssimo, no meu entendimento de philosopho voltado apenas para as altas cousas do espírito, é o fato de uma atraente jovem senhora ocupar o cargo de ministra das Relações Institucionais. Por quê? Ora, porque o ministério implica relacionamento constante com dois plenários, majoritariamente masculinos, compostos de parlamentares conhecidos por sua exacerbada libido. Penso, e o leitor concordará comigo, que a função deve ser exercida por ministro homem para que não se diga que os senhores deputados e senadores se deixaram levar pelo exuberante encanto da ministra.


Sapatos

É injusto, imperdoável e inadmissível que um leitor de Tiro e Queda não tenha pelo menos um par de sapatos de pele de tubarão. Pele de camelo também dá sapato supimpa. Em último caso, sapato de couro bovino pode ser usado, desde que feito sob medida pela sapataria Roberto Ugolini, que tem oficina e pequena loja na Via Marchelozzi 17R, (39-055) 216-246. Trata-se da quarta geração de sapateiros Ugolini. Quando trabalhei para um italiano de Milão, o excelente patrão dizia calçar sapatos de US$ 1 mil o par. No dólar de hoje são modestos R$ 2.350 – e há tênis que custam mais que R$ 1 mil. Com o dólar corrigido, o par do patrão custaria mais que R$ 6 mil. Com efeito, depois de um temporal perto de Paracatu, que nos deixou com água pelos joelhos durante uma hora, os sapatos do milanês resistiram bravamente. Manhã seguinte, engraxados, pareciam novos em folha, talqualmente minha saudosa bota de para-quedista norte-americano, comprada nos Estados Unidos há muitos anos. Bota especial para amortecer os choques dos para-quedas redondos, que correspondiam ao salto (sem para-quedas) de um segundo andar. Para-quedas modernos pousam suavemente.

Para encomendar sapatos Roberto Ugolini sob medida basta que o leitor, visitando Florença, vá ao Bairro Santo Spirito, situado na área Oltrarno, ao sul do Rio Arno – ruas tranquilas e livres das hordas de turistas, como informa Shivani Vora, do New York Times. Na dependência do couro escolhido, cada par custa de 1,3 mil a 3 mil euros. Com o euro a R$ 3, cada par dos sapatos mais caros custa cerca de R$ 9 mil, uma pechincha. Só tem um perigo: a sapataria Ugolini acertar na primeira remessa e perder a fôrma nas outras. Aconteceu comigo em Três Rios (RJ), na década de 1970, quando encomendei um par de “sapatos de padre” ao velho sapateiro. De pelica, sem cadarços, algo parecido com um mocassim macio. O velhinho mediu-me as patas, fez as fôrmas e o primeiro par ficou uma beleza! A partir daí, todos os fazendeiros na região começaram a fazer sapatos e botinas no velhinho, que nunca mais acertou com os meus pés.


O mundo é uma bola

7 de dezembro de 1858: franceses e espanhóis bloqueiam a Cochinchina. Durante décadas falávamos da Cochinchina como sinônimo de fim do mundo. Para lá da Cochinchina significava depois do fim do mundo. Cochinchina foi o nome dado à Região Sul do atual Vietnã, na Indochina. De 1862 a 1948 foi uma colônia francesa, capital Saigon. Entre 1955 e 1975 foi o Vietnã do Sul. Com a queda de Saigon, passou a integrar o Vietnã, que hoje exporta cabeçadas de couro para vender em Nanuque, no Vale do Mucuri. O nome Cochinchina foi dado pelos portugueses quando lá chegaram por volta de 1516: Cochim (Kuchi) era o nome usado em malaio para toda a região, termo derivado do chinês jiao zhi, pronúncia local giao chi. Daí o português Cochim-China para distinguir do Cochim da Índia. Em 1976, o Brasil cria a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que já foi presidida por brasileiro supimpa, Luís Leonardo Cantidiano. Hoje é o Dia do Oficial de Justiça.


Ruminanças

“A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta” (Rui Barbosa, 1849-1923).

O segundo adeus a Jango‏

Restos mortais do ex-presidente João Goulart foram sepultados em cerimônia em São Borja (RS). Resultado da necropsia para apurar suposto envenenamento não tem prazo para ser divulgado


Felipe Canêdo

Estado de Minas: 07/12/2013



Durante o enterro, com honras militares, centenas de pessoas gritavam o nome do político, no Cemitério Jardim da Paz (Edson Vara/Reuters)
Durante o enterro, com honras militares, centenas de pessoas gritavam o nome do político, no Cemitério Jardim da Paz
Foram recebidos com honras de chefe de Estado ontem, em São Borja (RS), os restos mortais do ex-presidente João Goulart (1919-1976), que estavam em Brasília desde 14 de novembro. Um segundo sepultamento foi realizado no Cemitério Jardim da Paz, acompanhado de centenas de moradores, que durante o cortejo entoavam o nome do político morto na Argentina: “Jango, Jango, Jango”. Há 37 anos, em 6 de dezembro de 1976, ele foi enterrado como cidadão comum, mas seu funeral teve um claro tom de resistência à ditadura, quando cerca de 30 mil pessoas gritavam as palavras de ordem “liberdade, liberdade” e “anistia, anistia”.

Uma missa de corpo presente foi realizada na igreja matriz de sua cidade natal, com as presenças da viúva do político, Maria Thereza Goulart, seus filhos João Vicente e Denise, e dois netos, João Marcelo e Vicente, a ministra da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário (PT), e dos senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Randolfe Rodrigues (PSOL-RJ), autores do projeto de lei que anulou a sessão da Câmara de 2 de abril de 1964, que destituiu João Goulart e declarou vacância da Presidência da República.

Simon era presidente do MDB do Rio Grande do Sul em 1976 e esteve nos dois enterros de Goulart. “Jango foi o primeiro e, queira Deus, o único presidente brasileiro que morre no exílio, onde, durante 12 anos, só teve palavras de carinho e respeito ao seu Brasil. Possamos nós dizer, o povo brasileiro, que desejamos de uma vez por todas a pacificação da família brasileira, a compreensão e o respeito entre todos”, disse ele na ocasião.

Exumação Os restos mortais do ex-presidente foram exumados em 13 de novembro, para apurar a suspeita da família e do governo de que ele tenha sido envenenado. Na época de sua morte não houve autópsia e, oficialmente, o presidente morreu de ataque cardíaco, no município de Mercedes, na Argentina. Historiadores e políticos suspeitam de que o ex-presidente tenha sido vítima da Operação Condor, uma aliança entre ditaduras da América do Sul com a inteligência dos Estados Unidos. A Comissão Nacional da Verdade pediu também recentemente a exumação do corpo do motorista do ex-presidente Juscelino Kubitschek, morto em um acidente automobilístico em Resende (RJ), diante da possibilidade de ele ser outra possível vítima da mesma operação.

A ministra Maria do Rosário disse na quinta-feira que a exumação de João Goulart representa "a retomada do Estado democrático". No entanto, o comandante militar do Sul, general de Exército Carlos Bolivar Goellner, autoridade máxima das Forças Armadas no evento, declarou que “não há motivo para pedido de desculpas" e negou a existência de erros históricos diante da queda de Goulart.

O corpo de Jango foi recebido em Brasília pela presidente Dilma Rousseff (PT) com honras militares em solenidade que contou com a presença dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, José Sarney e Fernando Collor. A exumação durou cerca de 18 horas e foi feita graças a uma decisão da Comissão Nacional da Verdade e do Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul. Ainda não há prazos para a apresentação dos resultados das perícias. (Com agências)