terça-feira, 28 de maio de 2013

Educação domiciliar tem 2 milhões de adeptos nos Estados Unidos

folha de são paulo

Eduque você mesmo
Cerca de 2 milhões de crianças americanas estão fora da escola: elas têm aulas em casa, com os próprios pais, em geral profissionais urbanos muito bem educados, que criticam o ensino padronizado
RAUL JUSTE LORESDE WASHINGTONNo bairro de Fort Greene, no Brooklyn, em Nova York, 15 crianças de seis famílias aprendem matemática, geografia e educação física enquanto estudam a Copa do Mundo de 2014.
O que elas têm de incomum é que nenhuma está matriculada em uma escola. São educadas pelos pais em casa e acabaram criando uma comunidade, em que pais ensinam uma especialidade própria aos filhos dos outros.
Hoje, nos EUA, 2 milhões de crianças não frequentam escola. O último censo, de 2007, falava em 1,5 milhão.
"No passado, escolarização doméstica era coisa para famílias religiosas, que tinham 12 filhos e não queriam escola laica, ou de ex-hippies. Era algo rural ou suburbano", diz Brian Ray, presidente do National Home Education Research Institute, um centro de estudos em Washington. "Só na última década tornou-se algo urbano", diz. Ele estima que 300 mil crianças estejam na categoria de filhas de pais bem educados e urbanos, que acreditam poder fazer melhor que os professores em salas de aula maiores e mais heterogêneas.
Com o fenômeno do "faça você mesmo" em alta, que estimula hortas no quintal, cervejas artesanais e uma vida mais orgânica, o eduque você mesmo virou uma opção à educação padronizada.
Professor da Universidade Georgetown, em Washington, Paul Elie, 47, decidiu educar os três filhos em casa depois que uma mudança burocrática o impediu de matriculá-los em uma escola pública no bairro vizinho. "As particulares podem cobrar até US$ 40 mil pela anuidade de uma criança de sete anos, o mesmo valor de uma anuidade na faculdade, e, na pública onde meus filhos estavam, tinha uma professora substituta de 23 anos", reclamou.
"Com a flexibilidade nos nos nossos horários de trabalho, decidimos encarar o desafio", conta o professor à Folha. Ele passa uma hora e meia diária ensinando os filhos, e sua mulher, Lenora, duas horas e meia. Os dois têm dois gêmeos de 10 anos e uma menina de 8 anos.
A mãe ensina história, geografia e redação, enquanto o pai dá aulas de matemática e inglês: "Achei na rede o material didático de matemática de Cingapura, muito melhor que o americano, e comprei tudo", diz o professor.
PROVAS E TUTORES
No grupo de famílias que abraçaram a educação caseira junto com Elie, um pai que é cientista ensina ciências às 15 crianças e as leva regularmente ao Museu de História Natural de Nova York.
Uma mãe que fala francês ensina o idioma à criançada e não raro eles saem em passeios para aprender a fotografar e a desenhar a cidade.
Graças às décadas de pressão de grupos religiosos, a educação em casa é legal nos EUA, mas a regulamentação varia muito entre Estados e até de cidade para cidade.
Em geral, os pais devem registrar seus filhos no departamento de "homeschooling" da Secretaria de Educação local, onde receberão uma lista com o currículo mínimo exigido para a idade e sugestões de leituras e materiais.
As crianças devem se submeter a provas até três vezes por ano, que checam se estão autorizadas a "passar de ano" pelo sistema tradicional.
Alguns pais ensinam todas as disciplinas. Outros focam em suas especialidades e contratam tutores ou usam cursos on-line para matérias mais complicadas.
Mas, além da dúvida sobre o talento dos pais para ensinar as crianças e da paciência para aquelas com maior dificuldade de aprendizagem, outra questão normalmente levantada é a falta de socialização que é parte fundamental de uma aula --com suas colaborações, equipes, competições e debates.
Por isso, boa parte da nova geração de "homeschoolers" urbanos tem se reunido em associações ou grupos informais para aproveitar o conhecimento dos veteranos, criar aulas com novos especialistas e promover atividades lúdicas. Uma associação de pré-escola caseira em Washington reúne 80 famílias.
Quando termina a "educação em casa"? Pode chegar até o fim do equivalente ao ensino médio (2º grau) americano. O professor universitário Paul Elie diz que quer seus filhos na universidade e que o "homeschooling" é uma amostra de uma boa faculdade. "Temos apresentações de especialistas, ensino customizado, conteúdos que variam dia a dia e ano a ano. Sem tédio e sem notas, com a finalidade de aprender de fato, é esse ambiente universitário' que meus filhos já identificam como educação."

    'No Brasil a jornada é mais solitária', diz mãe adepta da educação em casa

    JULIANA VINES
    DE SÃO PAULO

    Quando se mudaram dos EUA para o Brasil, há dois anos, Nadine Toppozada, 39, e Jean Trapenard, 48, precisaram mudar também o jeito de educar os dois filhos.
    Karine e Alan, hoje com dez e 12 anos, nunca foram à escola e são "unschoolers", palavra que define adeptos de uma educação ainda mais livre que o "homeschooling". Aqui, ninguém segue manuais ou apostilas.

    No Brasil, as crianças continuam sem ir à escola, mas a família teve que se adaptar ao fato de ser exceção. "A jornada ficou muito mais solitária", diz Nadine, que tem formação em ciências políticas e é de origem egípcia.
    VIctor Moriyama/Folhapress
    Karine, com os pais, Nadine e Jean, e o irmão, Alan, na casa da família, em Vinhedo, SP
    Karine, com os pais, Nadine e Jean, e o irmão, Alan, na casa da família, em Vinhedo, SP
    "Morávamos em Los Angeles, fazíamos parte de uma rede de 700 famílias que praticavam educação em casa. Toda semana havia encontros em parques da cidade. As crianças ficavam juntas, compartilhavam experiências. Aqui isso não existe", conta.
    A solução para seguir com a educação domiciliar foi matricular as crianças em muitas aulas. "Faço tênis, violão e arco e flecha", diz Alan, que já chegou a passar uma semana em uma escola, só para conhecer. "Não gostei. Tem muito 'faz isso, faz aquilo'. É tudo muito coordenado, tem hora para fazer as coisas."
    Foi sua mãe quem programou a visita. Karine foi conhecer um colégio por três dias. Também não gostou.
    "A opção está aberta para eles se tiverem curiosidade. É uma escolha mais deles do que minha. Entendemos que a opinião da criança deve ser respeitada e tem o mesmo valor que a opinião do adulto."
    Quando começou a educação em casa, a família tentou comprar métodos com apostilas. Durou seis meses. "Não dava certo. Naturalmente saímos do currículo", diz a mãe.
    Nadine e o marido, que é engenheiro e brasileiro, quase não ocupam o papel de professores. As crianças aprendem lendo, pesquisando na internet e a partir de experiências práticas. Em um restaurante, por exemplo, uma delas pergunta como é calculada a gorjeta do garçom. Então os pais explicam.
    A maioria dos conhecidos da família nunca ouviu falar em ensino domiciliar. "Perguntam: quando eles vão para a escola? Como se dissessem 'Chega, vocês moram no Brasil'." Eles dizem não se incomodar. "Para nossa família vale a pena, mas sei que não é para todo mundo."
    No Brasil, educação domiciliar está à margem da lei
    JULIANA VINESDE SÃO PAULOOitocentas famílias fazem educação em casa no Brasil, segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar. Há dois anos, eram 400 registros. "Não sabemos se houve crescimento ou se mais gente veio a público", diz Alexandre Magno Moreira, diretor jurídico da associação.
    A lei brasileira não trata da educação domiciliar, o que dá margem a interpretações. A Constituição diz que educação é dever do Estado e da família; para a Lei de Diretrizes e Bases e o Estatuto da Criança, os pais devem matricular os filhos na escola.
    "O mesmo artigo da Carta é usado para defender o ensino em casa e para dizer que é inconstitucional", diz Luciane Barbosa, doutoranda em educação na USP.
    No entendimento do Superior Tribunal de Justiça, educação domiciliar é inconstitucional. Seis famílias já foram processadas pela prática, e, uma delas, condenada a pagar multa. Mas já há parecer favorável a uma família.
    "Temos base legal para defender a prática", diz Moreira, que é professor de direito.
    Hoje em trâmite na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 3.179/2012, do deputado federal Lincoln Portela (PR), faz a Lei de Diretrizes e Bases admitir a educação domiciliar com acompanhamento do Estado. "Há homeschool' em 60 países. É um direito dos pais", diz Portela.
    Para Maria Celi Vasconcelos, pós-doutora em educação, é muito cedo. "A universalidade da educação é recente. A desescolarização ainda é vista sob suspeita", diz ela, que é professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. "As últimas políticas públicas vão no sentido de aumentar a permanência de crianças na escola", lembra.
    O sociólogo André de Holanda pesquisou 62 famílias brasileiras que educam em casa. A maioria (90%) diz que sua motivação é dar uma educação melhor que a escola; 75% acham que a socialização na escola é prejudicial e 60% têm motivos religiosos.
    Algumas dessas razões levaram Samuel Silva, 42, executivo, a decidir não matricular seus cinco filhos no colégio. "Eles podem render mais se forem tutoreados por nós."
    A família segue um currículo americano com os dois filhos mais velhos, de nove e sete anos. O material vem dos EUA e é complementado com textos em português.
    "Meus filhos me perguntam se vão para a escola um dia. Um dia podemos achar que eles estão prontos", diz o pai. E se esse dia não chegar e os filhos precisarem de certificados para entrar na faculdade? "Podem fazer supletivo. Há alternativas."
    Silva não teme problemas legais e rebate as críticas da falta de socialização. "É escola em casa, não é monastério. Meus filhos têm amigos, fazem futebol, coral na igreja."
    Para Barbosa, a socialização na escola também é questionável. "A escola seleciona o tipo de socialização. Há colégios de ricos, de pobres. Há contato com o diferente', mas um diferente igual", diz.
    REFERÊNCIA INFANTIL
    A pesquisadora enxerga na mobilização desses pais a necessidade de repensar a instituição de ensino. "Tudo mudou na sociedade, menos a escola. Eles têm razão nas críticas", afirma. "Mas, apesar dos problemas, a escola é uma referência para a infância no Brasil e esses questionamentos poderiam ser usados para mudar a instituição. Se esses pais superengajados estivessem dentro da escola, ela seria diferente."
    Vasconcelos pesquisou famílias brasileiras e portuguesas para seu pós-doutorado e diz não ser possível classificar a educação domiciliar. "Há famílias com bons resultados, mas não significa que o homeschool' é um sistema de qualidade." Isso porque não há um só método, há milhares. Cada família tem um.
      'Foi meu filho que pediu para sair da escola'
      DE SÃO PAULOEmpreendedor social, nômade, vegetariano, superdotado, minichef de cozinha e palestrante. É assim que Biel Baum, 11, se define em uma rede social. Filho de Sabrina Campos, 32, "empreendedora social em série", ele é "unschooler": não vai à escola desde os oito anos, é educado de forma livre pela mãe.
      Não faltaram tentativas. "Ele passou por muitas escolas. De colégio de elite em São Paulo à escola pública no interior. Eram os mesmos problemas", diz Sabrina. "Sofria bullying. Não se adaptava."
      Até que Biel disse à mãe que não queria mais ir à escola. "Não estranhei, mas pedi tempo para me preparar."
      Na época, eles moravam em Barcelona. Por um ano, Sabrina fez um "desmame": matriculou o filho em uma escola americana à distância. Hoje, ele não é ligado a nenhuma instituição. Sabrina segue o próprio método para ensinar os filhos: além de Biel, Raquel, 4, e David, 2.
      "Biel trabalha com projetos. Se não sei algo, vamos buscar juntos. Mobilizei tutores no mundo todo. Ele faz de cursos on-line em universidades a aulas de gastronomia. Sua produção é rica, já tem convite de universidades."
      Os resultados fizeram com que o pai de Biel aceitasse melhor o fato de o filho não ir à escola. "Ele se preocupou no começo, mas agora vê que tem coisa boa acontecendo."
      Sabrina hoje é casada com o catalão Rafael Megías. Há um ano a família faz intercâmbio de casas. Nesse tempo, moraram em seis cidades no Brasil. "Vamos dar uma parada. A Raquelzinha pediu para ter o próprio quarto", conta a mãe, já adiantando que o intervalo é só até o fim do ano. "Em 2014 vamos para Granada [na Espanha]."

        Sonhos ajudam a resolver problemas e até a ver o futuro, diz neurobiólogo

        folha de são paulo
        IARA BIDERMAN
        DE SÃO PAULO
        A civilização atual não sabe mais sonhar, lamenta um dos maiores especialistas brasileiros no assunto, o neurobiólogo Sidarta Ribeiro, 42.
        Segundo ele, os sonhos são ensaios que auxiliam a pessoa a enfrentar desafios, assim como eram uma garantia de sobrevivência para nossos ancestrais.
        No Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), dirigido por Ribeiro, essas hipóteses são testadas com equipamentos, à luz das novas descobertas da biologia, da física e da neurofisiologia.
        Toda essa ciência dura não o impede de usar áreas mais elásticas do conhecimento. Ele incorpora aos seus estudos conceitos vindos da psicanálise, de relatos de povos primitivos e de pesquisas sobre efeitos da ayahuasca (chá do Daime) e da maconha.
        No momento, o pesquisador experimenta uma nova tecnologia para modificar neurônios em cérebros de ratos com o objetivo de induzir ao sono e à concentração da memória. Ele acaba de finalizar um estudo comprovando a precisão de diagnósticos de esquizofrenia e bipolaridade feitos a partir de relatos de sonhos de pacientes.
        A reportagem da Folha conversou com Ribeiro no Rio, durante um seminário sobre sono. Leia trechos.
        *
        Folha - Qual é, no fim, a função do sonho?
        Sidarta Ribeiro - Hoje em dia, nenhuma, porque a gente não dá importância para o sonho. Em culturas tradicionais, era central. O público universitário não acredita em sonhos, mas, se a pessoa se dispuser a fazer um "sonhário" [diário de sonhos], vai perceber que eles têm função.
        O sonho joga estímulos elétricos em suas memórias e você fica explorando todas as possibilidades, o que pode ou não acontecer. É mesmo uma capacidade de ver o futuro.
        O que mais o sonho faz?
        O sonho é sobretudo a articulação de memórias regida pelo circuito de recompensa do cérebro. Não é reverberar qualquer memória, mas sim aquelas que têm a ver com procurar o que nos dá prazer e evitar o que é desagradável.
        Sonhar serve como um ensaio, uma simulação de expectativas de recompensas e punições que prepara a pessoa para enfrentar a vida.
        Um estudo sobre sonhos de mulheres que se separaram dos maridos mostrou um padrão entre eles. Primeiro, elas sonham que está tudo bem no casamento; depois, há uma fase em que sonham que o marido morreu e, por último, acontece a simulação: nos sonhos, elas ou os maridos estão se relacionando com outras pessoas.
        A psicanálise ajuda a recuperar essas funções dos sonhos?
        Acho a psicanálise muito útil, mas não dá para fazer análise com uma pessoa que não tem introspecção. Que "não sonha". A nossa civilização esqueceu como se sonha. As pessoas precisam reaprender a sonhar.
        Como é esse aprendizado?
        É dar ao sonho um lugar de importância. Se a pessoa vai para a cama e adormece vendo TV, não está se preparando para a experiência importante, transcendental mesmo, que é sonhar. E, se ela se levanta da cama pulando e vai fazer outra coisa, não tem como se lembrar do que sonhou. A pessoa tem que treinar essa lembrança.
        É preciso também perceber como o cinema e a TV tomaram o lugar de nossos sonhos. As pessoas sonham acordadas sonhos que são feitos por outras pessoas, com conteúdos prontos.
        Mas esses conteúdos também têm a sua função...
        Nada contra, adoro filmes, seriados... O problema é que a gente vive em um mundo de excesso. Os estímulos hoje são muito mais complexos. Aí seu sonho é cheio de filigranas, como uma cama com dossel: não tem utilidade tão real, não vai salvar a sua vida. Só em situações de estresse eles se tornam mais práticos.
        Editoria de Arte/Folhapress
        O que é um sonho prático?
        É quando ataca um problema concreto.
        Um estudo que fizemos no Instituto do Cérebro mostrou que candidatos que sonham com o vestibular têm notas 30% mais altas do que os outros. Mais interessante: os que simplesmente sonharam terem passado na prova não foram os melhores, e sim os que tinham sonhos com as matérias estudadas.
        Sonho tem que ter utilidade, como tinha para os homens das cavernas: se ele sonhava com um tigre no lugar onde costumava beber água, ficava ligado. Mesmo se só criasse temores subliminares, o sonho aumentava as chances de sobrevivência.
        Animais também sonham?
        Todos os mamíferos e alguns pássaros têm sono REM, que é a fase em que se sonha de forma vívida. Só que os pássaros têm centenas dessas fases. Devem ser sonhozinhos que duram segundos. Os nossos duram 40 minutos.
        E são só quatro por noite?
        Eu tenho uma teoria que, apesar de termos quatro episódios de sono REM, temos milhares de sonhos, mas testemunhamos só um por vez.
        Quando sonhamos, todas as criaturas da mente estão acordadas. É um zoológico: abre a porta e sai tudinho. O nosso "self" [consciência de si] é só um dos bichos, para onde ele for será o sonho que estaremos vendo. E são camadas e camadas interpenetráveis de coisas rolando. Por isso é tão comum você sonhar que entra em um lugar e, de repente, está em outro.
        Como o sr. define consciente e inconsciente?
        Inconsciente é a soma de todas as memórias que a gente tem e todas as combinações possíveis. Por isso é tão grande. Consciente é a mínima fração disso que está ativa no momento.
        E o que é a consciência?
        Ninguém sabe. Não há nem mesmo um acordo sobre o que a palavra quer dizer. A consciência tem a ver com informações que se espalham no cérebro todo.
        Então não dá para definir o lugar da consciência no cérebro?
        Eu odeio isso, dizer que cada área faz uma coisa: "Meu hipocampo navegou, meu hipotálamo sentiu". Não temos controle. Isso só serve para livro de autoajuda e para vender remédio. Mas as pessoas adoram, parece que você explicou tudo ao mostrar áreas cerebrais coloridas.

        Clovis Rossi

        folha de são paulo
        Terror, rendição e resistência
        Não há razão para não rotular de terrorismo a criminalidade que aterroriza São Paulo
        Por que o ataque a um soldado britânico numa rua de Londres é considerado um ato de terrorismo e a penca de ataques que ocorrem todos os dias em São Paulo e demais cidades brasileiras não é?
        O intuito pode ser diferente (não roubaram nada do soldado), mas o resultado final é idêntico ao que o terrorismo busca: aterrorizar uma determinada comunidade.
        São Paulo está visivelmente aterrorizada, faz muitos anos. E só faz ficar mais e mais em pânico, à medida que o tempo passa e nada se faz para enfrentar o terrorismo.
        Até a incubadeira de criminosos tem certo grau de parentesco. No Reino Unido, são pregadores fanatizados do islã que distorcem a religião para armar de jovens inadaptados. No Brasil, é, acima de tudo, a inadaptação de jovens à vida se não tiverem a muleta da droga, para cuja obtenção fazem de tudo.
        No resto do mundo, o consumo de drogas está inexoravelmente ligado à criminalidade, quando ela não é rotulada de terrorismo.
        A grande diferença entre um terror e outro é o comportamento do cidadão comum. São Paulo rendeu-se. Rendição tornada oficial pela orientação da polícia para que ninguém reaja quando assaltado. Entregue o que tem, para tentar salvar a vida. O pior da rendição é que já não impede o fuzilamento sumário da vítima, como visto recentemente.
        O Reino Unido, ao contrário, não se rendeu ao terrorismo. Ao contrário. Cobri para aFolha os atentados ao metrô e a um ônibus, oito anos atrás, e encontrei uma cidade disposta a não se dobrar. Não que houvesse um espírito de heroísmo latente em cada cidadão. Havia estoicismo. Todos pareciam dizer: se temos que passar por isso, que o seja da melhor maneira possível.
        É sintomático desse tipo de atitude a que tomou Ingrid Loyau-Kenneth, professora aposentada, que se atreveu a dialogar com Michael Adebolajo, o jovem de origem nigeriana que aparece em vídeo amador com as mãos ensanguentadas, segurando uma faca e um cutelo.
        Quem no Brasil se atreveria a chegar perto de alguém armado?
        Ingrid chegou e travou com ele um diálogo mais ou menos assim:
        --Estamos em guerra com vocês, disse Michael.
        --Vai perder, você está sozinho e nós somos muitos, retrucou Ingrid.
        No Brasil, o diálogo seria ao contrário. O bandido é que diria "perdeu, tio (ou tia)", o habitual grito de guerra com que assaltantes se apossam de algum bem alheio.
        Não sei se trocar a rendição pela resistência é bom caminho no Brasil. Talvez só aumente a cota de cadáveres de inocentes. Talvez.
        Mas a resistência em Londres é acompanhada de uma sensação de segurança desconhecida em São Paulo e talvez no resto do Brasil. Nunca me esqueci de uma caminhada pelas ruas de Londres, anos atrás, com minha filha que então morava lá e, a horas tantas, soltou: "Pai, você não sabe como é bom poder caminhar pela rua sem precisar olhar para trás."
        Não é que não haja criminalidade em Londres ou no resto da Europa. É que nem as autoridades nem a sociedade se renderam.

          Com 37 estupros por dia, SP vai mapear criminosos

          folha de são paulo
          Órgão estadual identificará perfil de estupradores e fará cartilha para mulheres
          Número de casos neste ano no Estado atingiu recorde desde 2010; especialistas citam estímulo para denúncia
          AFONSO BENITESDE SÃO PAULOApós atingir a média de 37 estupros ao dia, recorde em três anos, São Paulo irá mapear todos os casos registrados deste crime no Estado.
          As estatísticas da Segurança Pública mostram que desde 2010 vem aumentando a média diária de estupros. Naquele ano, eram registrados 27 casos por dia. Em 2011, foram 28, e, no ano passado, 35.
          O aumento desse crime motivou uma parceria do Conselho Estadual da Condição Feminina com a Secretaria da Segurança Pública.
          O conselho é ligado à Casa Civil da gestão Geraldo Alckmin (PSDB) e formado por representantes do governo e da sociedade. Ele fará um levantamento no banco de dados da pasta nas próximas semanas para identificar um perfil desses estupradores.
          O trabalho será feito pelas 32 conselheiras. Com ele, serão apresentadas sugestões de combate ao crime, além de uma cartilha para orientar mulheres sobre como agir para evitar estupradores.
          "Queremos saber quem são os autores e entender por qual razão há um aumento de casos", diz a presidente do conselho, Rosmary Corrêa, que é delegada de polícia.
          Ela suspeita que mais ladrões tenham passado a estuprar após roubar. "É comum ouvirmos relatos de mulheres que foram estupradas depois de terem sido assaltadas", diz.
          Até agosto de 2009, a lei que tratava de crimes sexuais diferenciava estupro de atentado violento ao pudor.
          Desde então, os dois crimes passaram a ser considerados estupro. Num primeiro momento, a mudança provocou uma alta nas estatísticas --que, agora, está atingindo patamares ainda maiores.
          Especialistas também atribuem a alta de estupros ao uso de drogas e ao maior estímulo para denúncias. Hoje, hospitais que suspeitam que alguém tenha sido vítima são orientados a encaminhar essas pessoas à polícia.
          "Antes, as pessoas só denunciavam quando perdiam um celular ou um cartão de crédito", afirma a delegada Celi Paulino Carlota, da 1ª Delegacia da Mulher.
          Para ela, no entanto, as vítimas deveriam se preocupar mais com seus conhecidos.
          "Em 90% dos casos que temos aqui o autor conhecia a vítima. Era pai, padrasto, avô ou até amigo em algum site da internet", diz.

            Meu nome é - Nizan Guanaes

            folha de são paulo
            Meu nome é
            O ser humano é antes de tudo um comunicador. E um leitor ávido de comunicação
            Neste próximo sábado, em Nova York, um grupo de jovens distribuirá nomes pela cidade. A ideia por trás do "Nametag Day" é que, se soubermos os nomes das pessoas com quem interagimos anonimamente nas ruas, nós seremos mais simpáticos com elas e poderemos estabelecer relações mais afetivas e efetivas, melhorando o difícil convívio urbano.
            Milhares de etiquetas de identificação ("nametags") serão distribuídas em vários pontos da cidade para os nova-iorquinos de todo o mundo colarem seus nomes na lapela.
            Os organizadores criaram um site para receber doações e já conseguiram arrecadar recursos suficientes para produzir pelo menos 30 mil etiquetas a serem oferecidas por voluntários. Quanto mais arrecadarem, mais distribuirão.
            O pai da ideia, um nova-iorquino da Califórnia, disse que se inspirou nas etiquetas de identificação distribuídas em eventos e conferências para facilitar o "networking".
            Um dia ele saiu do local do evento de que participou com a etiqueta de identificação pendurada e percebeu que os desconhecidos com quem interagiu foram mais simpáticos e o trataram melhor só por saberem o seu nome.
            Vamos ver se a ideia pega. A ambição dos organizadores, como é comum hoje, é que o "Nametag Day" se torne global rapidamente.
            Essa ação de marketing social revela traço humano importante que a publicidade conhece bem: quanto mais sabemos das pessoas ou das coisas, maior o nosso envolvimento com elas e menor a nossa indiferença.
            A urbanização intensa das últimas décadas criou no ser huma- no a possibilidade (ou a ilusão) de viver só, indiferente, quando so- mos seres natural e biologicamente gregários.
            O sucesso incontestável das redes sociais prova que a tecnologia, ao contrário do que diziam os céticos, sempre eles, não irá nos afastar uns dos outros, mas nos aproximar. Um exemplo entre muitos é o que nos espera nas ruas e nas estradas. Os cientistas que programam carros do futuro preveem comunicação intensa entre os veículos.
            A conexão entre os carros será também a conexão entre os motoristas. O motorista de trás vai saber exatamente quando o motorista da frente fará uma conversão, brecará, acelerará.
            E tenho certeza de que, com o tempo, a conexão entre eles irá muito além do mero fluir do trânsito.
            O ser humano é antes de tudo um comunicador. E um leitor ávido de comunicação.
            Nossos telefones inteligentes hoje já conseguem enviar e receber mensagens do que está ao nosso redor. Aplicativos de relacionamentos populares comunicam para os vizinhos dentro de um mesmo ambiente que aquele usuário está atrás de um parceiro/parceira naquele momento e que gosta dessa ou daquela coisa.
            Isso só vai aumentar. A era da comunicação total está apenas começando. A tecnologia que desenvolvemos intensamente nos últimos anos e desenvolveremos intensamente nos próximos é uma tecnologia em grande parte baseada e voltada para a comunicação.
            O que gostei muito na ideia de as pessoas exibirem seus nomes em Nova York é que ela está basea- da numa tecnologia "low-tech": adesivo e caneta é tudo o que você precisa para espalhar um vírus social pela cidade.
            Imagine como seria a convivência num ônibus lotado se todos os passageiros soubessem os nomes das pessoas ao lado. O empurra-empurra anônimo poderia ser trocado por frases simpáticas: "Maria, por favor, posso passar?"; "João, vou descer no próximo ponto".
            O nome é nossa marca primordial. Ele nos acompanha antes mesmo do nascimento.
            É a primeira pergunta quando se quer estabelecer um relacionamento além do impessoal.
            "O que há num nome? Aquela que chamamos de rosa se tivesse outro nome teria o mesmo doce perfume", diz Julieta a Romeu na célebre peça de Shakespeare, argumentando que mais importante que os nomes das coisas é a sua essência.
            Concordo plenamente. Não existe marca sem conteúdo, nome sem pessoa.
            Mas o nome, ou a marca, é um ótimo ponto de partida para um relacionamento.
            Meu nome é Nizan.

              MARIA ESTHER MACIEL » Era uma vez, o Oriente‏

              Um dia, recebeu da imperatriz algumas folhas de papel e pôs-se a escrever 


              Estado de Minas: 28/05/2013 

              Descobri a escritora japonesa Sei Shonagon num belo ensaio de Octavio Paz, intitulado Três momentos da literatura japonesa. Até então, nunca ouvira falar dela e de sua vida. Nem sequer imaginava que, no século 10, no outro lado do mundo, pudesse ter existido uma mulher que mais parecia do século 20, tal a modernidade de seus textos, a ousadia de seu modo de vida e a lucidez crítica de seu pensamento.

              Na ocasião, início dos anos 1990, procurei coisas dela para ler, sem êxito. Não havia nada disponível por aqui. Alguns anos depois, porém, reencontrei a escritora no impactante filme de Peter Greenaway O livro de cabeceira, e fiquei mais uma vez seduzida por sua figura ímpar. Acabei, assim, encomendando uma edição em inglês do livro que ela escreveu e, só ao recebê-lo, comecei a entender melhor o fascínio exercido por essa escritora sobre autores tão diferentes como Paz e Greenaway. Fascínio, aliás, que – como soube mais tarde – também contagiou Jorge Luis Borges, visto que ele traduziu – junto com Maria Kodama – algumas partes do livro para o espanhol.

              Shonagon viveu na cidade hoje conhecida como Kyoto. Culta, refinada, observadora e atenta às sutilezas do mundo, ela foi dama da corte da dinastia Heian, tendo vivido num ambiente social que valorizava a arte, a poesia e a caligrafia. Um dia, recebeu da imperatriz algumas folhas de papel e pôs-se a escrever – em horas de ócio e descontração – o que veio a se chamar de O livro do travesseiro. Isso porque era guardado dentro daqueles travesseiros japoneses de madeira.

              Se trato desse tema aqui hoje é porque recebi, há poucos dias, um exemplar da recente tradução brasileira do livro de Shonagon, feita por um grupo de professoras do Centro de Estudos Japoneses da USP e publicada pela Editora 34. Uma preciosidade. Além da cuidadosa tradução feita diretamente do japonês, o volume traz várias notas explicativas, glossários e estudos críticos minuciosos. Um trabalho de fôlego, ao qual a equipe se dedicou por 11 anos.

              Ler O livro do travesseiro é fazer uma deliciosa viagem aos costumes do Japão tradicional, além de uma experiência poética única. Ele nos leva a um mundo que, apesar de longínquo, entra pelos nossos poros e sentidos. É uma espécie de diário lírico e irônico da vida na corte, cheio de listas, anotações esparsas sobre a natureza, poemas, comentários (por vezes maliciosos) sobre pessoas, registros de encontros amorosos e observações sobre o cotidiano. Mas o melhor do livro, a meu ver, são as listas: listas de coisas que dão prazer, coisas que aborrecem, coisas que fazem palpitar o coração, coisas passadas que nos provocam saudade, coisas raras, coisas maravilhosas, coisas requintadas, coisas que afligem, coisas que nada têm em comum, que causam intranquilidade, tédio ou inveja, coisas que nos confortam ou nos aterrorizam, entre várias outras. As críticas feitas por Shonagon aos homens medíocres também são interessantíssimas. Ela era uma sedutora, mas só se encantava com homens elegantes, cultos e inteligentes. E não deixava de lamentar a condição submissa das mulheres do seu tempo.

              É uma delícia ler O livro do travesseiro de forma descontínua, abrindo-o ao acaso. Cada página é uma surpresa. Não à toa, tornou-se um dos meus livros de cabeceira.

              Tv Paga


              Estado de Minas: 28/05/2013 

              Num giro por Sampa

              Guitarrista da banda Sepultura, Andreas Kisser (foto)  é o personagem da vez da série Back track, hoje, às 21h, no canal VH1. Em um giro por São Paulo, ele vai falar sobre a carreira, situações e lugares que marcaram sua vida. Pouco mais cedo, às 20h, o violonista e professor Pedro Martelli faz show na série Movimento violão, no SescTV, apresentando um repertório que vai de Guinga e Garoto a Radamés Gnatali e Villa-Lobos.

              Fred Melo Paiva se mete  desta vez com a política


              Hoje, em O infiltrado, às 23h, no canal History, Fred Melo Paiva vai se envolver com política e fazer um comício pró-bicicletas no Centro do Rio de Janeiro. Acreditando estar preparado, ele se infiltra nos corredores do poder e encontra todo tipo de político e resistência às suas ideias.


              Arte 1 continua sua série sobre a cultura japonesa


              O canal Arte 1 continua com seus especiais sobre a colônia japonesa no Brasil, exibindo hoje, às 18h, um filme sobre o ukiyo-e. Conhecido também por estampa japonesa, é um estilo de pintura parecido com a xilogravura, que foi usado entre os séculos 17 e 19 e que ainda encontra admiradores no mundo moderno oriental e europeu.

              Wilker mata a saudade da amiga Renata Sorrah


              José Wilker entrevista hoje a amiga Renata Sorrah, em mais uma edição do prorgama Palco e plateia, às 21h30, no Canal Brasil. Na Cultura, às 23h, o roteirista Luiz Bolognesi é o convidado de Antônio Abujamra no programa Provocações, falando sobre sua paixão pelo cinema e pela história do Brasil.

              Alternativa saúde mostra  o mal causado pelo fumo


              O tabagismo é o tema de hoje do Alternativa saúde, às 22h, no canal GNT. A produção investiga por que o cigarro é um vício tão difícil de largar, as consequências da fumaça no organismo de um fumante e de um fumante passivo e os mitos e verdades sobre o assunto.

              Documentário denuncia  avanço da Aids na África


              Primeira investida de Márcio de Lemos pelo cinema, o filme Amores imperfeitos estreia hoje, às 22h, no Canal Brasil. A trama propõe uma reflexão sobre o que ocorre na vida das pessoas quando reencontram um amor de anos atrás. À 0h15, na Mostra África hoje, a atração é o documentário Onde a água encontra o céu, em que David Eberts e Helen Cotton fazem um painel sobre o avanço da Aids no continente africano.

              Muitas alternativas na  programação de cinema


              Outros dois bons documentários vão ao ar às 22h: Roman Polanski – A vida em filmes, no Max, e A sociedade da neve, sobre a queda do avião nos Andes e o episódio de canibalismo praticado pelos sobreviventes, no Telecine Cult. Na mesma faixa das 22h, o assinante tem mais oito opções: Assalto ao Banco Central, no Telecine Action; Cilada.com, no Telecine Fun; Deus da carnificina, no Telecine Pipoca; A sombra de um homem, no Max Prime; O último samurai, na Warner; X-men 2, no FX; Rosas da sedução, no Glitz; e Idas e vindas do amor, na TNT. Outras atrações da programação: A estranha perfeita, às 19h, no Universal; Menina má.com, às 21h, no Cinemax; Perfume de gardênia, às 21h30, no Curta!; Tootsie, às 22h30, no Comedy Central; e A paixão de Cristo, também às 22h30, na Fox.

              Notas essenciais - Denise Fraga

              folha de são paulo

              Notas essenciais


              Como é bom poder tocar um instrumento! Já dizia mano Caetano. Não toco um instrumento. Adoraria.
              Meus pais me ofereceram a oportunidade, bem me lembro. Fiz uma aula experimental de piano, meu pai dizia que eu tinha mãos de pianista. Era um professor careca e de óculos, que, por infelicidade do destino, estava gripado naquele dia.
              De quando em quando, caía um pingo de seu nariz sobre as teclas. Ele pedia desculpas, pegava o lenço, mas foi o suficiente. Eu não quis mais voltar. A coriza do velho professor cegou de vez a menina de nove anos para toda a felicidade que poderia estar por trás daquelas teclas molhadas.
              Muito tempo depois, tentei até destrinchar um violãozinho, mas não consegui ir adiante. Canto no chuveiro.
              Na escola dos meus sonhos, aprender a tocar um instrumento deveria ser matéria obrigatória.
              Quiséssemos ou não, com professores gripados ou não, todos nós deveríamos sair da escola sabendo reproduzir uma frase musical qualquer, no mínimo compreendendo a mecânica da música, ainda que não fizéssemos nada com ela. Produzir música é capacidade humana que enriquece, sensibiliza e alegra qualquer um. É como saber ler. Merece ser cultivada. E mais: é necessidade.
              Acho que todos os povos da humanidade produziram algum tipo de música. Estive certa vez no maravilhoso museu de antropologia da Cidade do México e fiquei encantada com a quantidade de instrumentos esquisitos produzidos por cada tribo ancestral. O que me faz crer que comer, beber, reproduzir-se, cantar e dançar são coisas essenciais à nossa existência.
              Mãe esforçada que sou, ofereci desde cedo aulas de música aos meus pequenos. Matriculamos os dois na iniciação musical e, assim que foi possível, eles começaram as aulas de piano.
              Agora, nosso caçula toca guitarra. Quer dizer, tínhamos dúvidas, porque só ouvíamos atrás da porta. Se entrávamos no quarto, ele parava.
              Mas, faz alguns dias, o rapazinho começou a andar com sua guitarra pela casa e nos brinda displicente com alguns acordes, desde que não demonstremos atenção.
              No outro dia, eu passava pela sala apressada procurando meu celular dentro da bolsa, quando fui surpreendida por um legítimo Led Zeppelin saindo de suas cordas. Nossa sala foi invadida por uma atmosfera encantada. Continuei procurando o celular como se nada fosse, mas não queria encontrá-lo nunca mais. Eu, que não posso subir a Teodoro Sampaio sem brilhar os olhos por seus violões, não consegui conter as lágrimas. Meu filho produz música.
              Arquivo Pessoal
              Denise Fraga é atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo). Escreve a cada duas semanas na versão impressa do caderno "Equilíbrio".

              FOTOGRAFIA » Carta de amor à Terra (Sebastião Salgado)-Sérgio Rodrigo Reis‏

              Sebastião Salgado abre mostra Genesis amanhã, no Rio.  


              Sérgio Rodrigo Reis

              Estado de Minas: 28/05/2013



              Mulheres zo'e towari ypy, conhecidas por usar o urucum para cozinhar e decorar o corpo. Pará, 2009

              O fotógrafo mineiro Sebastião Salgado se deparou há alguns anos com uma constatação e uma ideia: diante do caos do planeta e das transformações provocadas pelo ser humano nos cinco continentes, ainda havia paisagens remotas, em lugares ermos e praticamente intocados. Começou aí a aventura do projeto Genesis, que, a partir de amanhã, o país começa a conhecer. Depois de inúmeras viagens, quando realizou milhares de fotografias, ele selecionou as 245 retratando um mundo preservado e intocado, que estarão no Museu do Meio Ambiente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, depois de temporada em Londres. Em setembro, as imagens irão para São Paulo e, em maio de 2014, chegam a Belo Horizonte.

              Na primeira mostra de grandes proporções em 10 anos, Sebastião Salgado revela o olhar de documentarista diante das cinco seções geográficas do planeta, em busca das maravilhas ainda imunes à aceleração da vida moderna. Encontrou a realidade entre 2004 e 2011 em montanhas, desertos, florestas, tribos, aldeias e animais. As imagens em preto e branco foram fruto de 30 viagens a regiões remotas do globo, a maioria de dificílimo acesso.

              A aventura, cada uma com várias semanas de duração, deu origem ao conjunto de imagens que, ao fim do processo, foi dividido em cinco seções que formam os núcleos da exposição. Entre os lugares registrados estão a Antártida, as Ilhas Galápagos, Nova Guiné, Indonésia, Madagascar, Botswana, Ruanda, Congo, Uganda e Etiópia.

              O Norte do planeta aparece em fotos tiradas nas regiões do Alasca e do Colorado, nos Estados Unidos, além do Canadá e do extremo norte da Rússia. O Brasil, ao Sul do planeta, está representado pela enorme floresta tropical que, vista do céu, cortada pelo Rio Amazonas e seus afluentes, parece um desenho que lembra uma gigantesca árvore da vida, com braços e mãos se estendendo em direção ao coração do país.

              Genesis é o terceiro mergulho de longa duração em questões globais feito por Sebastião Salgado. Sua primeira imersão foi com Trabalhadores (1986-1992) e, em seguida, com Êxodos (1994-1999). Ambos retrataram as duras consequências das mudanças econômicas e sociais sobre as vidas humanas. A opção atual é pelo ambiente natural. A curadora, Lélia Wanick Salgado, esposa do fotógrafo, explica que a intenção foi exaltar a majestade e a fragilidade do nosso planeta.

              GENESIS Fotografias de Sebastião Salgado. Abertura no Rio de Janeiro amanhã, no Museu do Meio Ambiente, Rua Jardim Botânico, 1.008. Até 26 de agosto, de terça a domingo, das 9h às 17h. Entrada franca. Informações: (21) 2294-6619. A mostra vai, em seguida, para São Paulo, no Sesc Belenzinho, a partir de 11 de setembro. Ano que vem, em maio, será aberta no Palácio das Artes. As imagens estão sendo lançadas em livro pela Taschen (520 páginas, R$ 169), editado e desenhado por Lélia Wanick Salgado.

              três perguntas para...
              Sebastião Salgado
              fotógrafo

              Qual a história que buscou contar indo atrás de lugares inóspitos?

              Fui ver um mundo com um prazer imenso de ver. Queria escrever uma carta de amor ao meu planeta. Fui vê-lo não como jornalista ou antropólogo. No fundo, quis revelar nessa coleção de fotos o que ainda há de puro no planeta. São lugares ameaçados pela sociedade de consumo, formada por nós mesmos.

              O que mais o surpreendeu?

              Muita coisa. Mas principalmente o fato de descobrir que todas as espécies têm uma racionalidade. Não só nós seres humanos. Outra coisa que me surpreendeu foi constatar que  somos os mesmos dos nossos antepassados, que já se amavam, eram solidários, tinham seus costumes parecidos em sua essência com os nossos atuais. A sabedoria da humanidade já existia há muito tempo.

              Sua reflexão em torno da preservação da natureza ganhou efeito prático, há 10 anos, quando o senhor fundou em Aimorés, em Minas, o Instituto Terra. Como está o projeto?

              O amplo processo de reflorestamento na propriedade de 700 hectares com espécies originais da mata atlântica hoje tem resultados visíveis. São 2 milhões de árvores plantadas e já é possível ver 177 espécies de pássaros e até onças voltando. Minha meta é chegar a um projeto maior de recuperação do Rio Doce, que está morrendo. A ideia é recuperar as nascentes. Será um projeto-piloto. Se der certo, a intenção é realizar o mesmo em todo o país. Já temos a tecnologia para fazer. Vai dar certo. 

              Janio de Freitas

              folha de são paulo
              Indignação e indignidade
              É preciso que a divergência sobre a anistia encontre a trilha que leve o debate a uma resposta definitiva
              A divergência em torno da permanência ou superação da anistia gozada pelos que torturaram e assassinaram em nome do Estado, durante a ditadura militar, precisa encontrar a trilha que leve o debate, espera-se, a uma resposta definitiva.
              Dos pontos de vista moral, criminal e humanístico, os argumentos dos opositores à superação da anistia nem precisariam ser considerados, diante da maciça comprovação dos propósitos e feitos facinorosos da repressão efetivada por militares. Não há o que discutir, nem pessoa respeitável com quem discutir, se a anistia é defensável moral, criminal e humanisticamente.
              Ao responder "não" à pergunta "A Lei da Anistia deve ser revista?", embora aderindo àqueles pontos de vista contrários à anistia, o advogado José Paulo Cavalcanti Filho enveredou pelo território que a seu ver nega a revisão: o jurídico (Folha de sábado, pág. A3, e ainda no site do jornal). Cavalcanti vai a cada degrau jurídico do percurso de leis, tratados, artigos constitucionais e datas que o conduzem à sua conclusão. Abre as portas ao segundo veio da divergência.
              É por aí que o debate precisa se dar. A mera continuidade da anistia em desconsideração à grandeza das razões e à indignação que a repelem é, no mínimo, uma indignidade nacional a projetar-se sobre muito tempo ainda.
              Impor a superação da anistia, sem mais considerações, aplacará a justa indignação e restabelecerá o respeito por valores nela negados, mas essenciais. Mas tenderá a uma inversão acusatória não menos problemática do que a atual, não se sabe por que meios.
              Aos doutos, pois, a discussão produtiva, o quanto antes. No terreno em que a divergência se põe.
              TEM MAIS
              O Tribunal Superior Eleitoral recebeu representação, encaminhada pela vice-procuradora-geral Sandra Cureau, com pedido de multa à presidente da República e ao PT. Os dois estão acusados de propaganda eleitoral antecipada na forma dada a três inserções da propaganda gratuita do partido na TV.
              Ou a procuradora se lembra de fazer pedido semelhante para os programas muito mais explícitos de Aécio Neves / PSDB e Eduardo Campos / PSB, ou não escapará à desconfiança de que agiu por motivação pessoal. Sandra Cureau candidatou-se publicamente à substituição do procurador-geral Roberto Gurgel. Foi preterida por Dilma Rousseff.
              SERVIÇOX
              Ao pretender a venda de um negócio seu na Argentina, a Petrobras foi posta aqui sob suspeitas e logo acusações de negociata com grupos empresariais ligados a Cristina Kirchner, em particular o que controla também cassinos. Ao comunicar agora a desistência de vender, o noticiário pôs logo a Petrobras sob suspeita de motivações escusas.
              Não houve tempo nem de um contato informático com Buenos Aires. E o senador Álvaro Dias, prontamente ouvido, entrou com o disco de uma "investigação da imoralidade", a ser providenciada pelo PSDB.
              Boa ideia, aliás. Mas que faça o serviço completo: comece por aquela pretendida e frustrada troca do nome Petrobras para Petrobrax, no governo Fernando Henrique. E depois diga quanto era.

                CURTA-METRAGEM » Como nos bons tempos‏

                Estado de Minas - 28/05/2013

                Exibir filmes fora da programação comercial, muitas vezes na contramão da estética – e também da ideologia – convencional e com debate depois das exibições. Essa era uma prática que ajudou a formar público e incentivou muita gente a procurar o cinema como forma de expressão. O cineclubismo, que tem história em Minas, pode ser experimentado agora no projeto Curta Degustação, que exibe amanhã, às 13h, na Imprensa Oficial, o curta-metragem Macacos me mordam, de César Maurício e Sávio Leite.

                A história, baseada em conto de Fernando Sabino, apresenta uma cidade que vive um momento de grande agitação com a chegada de macacos. A narrativa foi transposta para o cinema em formato de animação. Sávio Leite é agitador cultural e realizador de filmes que circulam em diversos festivais nacionais e internacionais. O humor e a experimentação são as marcas de seus trabalhos, feitos com técnicas de animação ou live action (sem recursos e intervenções de desenho ou animação de objetos). Sávio é também organizador da Mostra Udigrudi Mundial de Animação, a M.U.M.I.A., que completou 10 anos no ano passado.

                O parceiro de Sávio em Macacos me mordam, César Maurício, é artista plástico, cineasta e músico, ex-vocalista e compositor do grupo Virna Lisi. Atualmente, o artista mantém o projeto Radar Tantã e tem canções gravadas por Lô Borges e Samuel Rosa. César Maurício tem também produção reconhecida na área de videoclipes.

                O Curta Degustação é uma parceria entre o Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais (CEC) e o Instituto Humberto Mauro, com o apoio da Imprensa Oficial. O projeto restaura a colaboração entre o CEC e a Imprensa Oficial, que, nos anos 1970, exibiam no auditório do que viria a ser o Teatro Clara Nunes sessões de filmes de Godard, Glauber Rocha, Pasolini e outros cineastas, em plena ditadura militar, seguidos de acalorados debates.


                Macacos me mordam
                Curta-metragem de Sávio Leite e César Maurício. Hoje, às 13h, na Sala Multimídia da Imprensa Oficial, Av. Augusto de Limas, 270 Centro. Entrada franca. Sessão com presença dos realizadores.

                CINEOP » Cinema versus ditadura-Mariana Peixoto‏

                Mostra de Ouro Preto será promovida em junho e exibirá filmes realizados entre 1964 e 1969. Em cena, obras de cineastas como Walter Lima Jr. e Nelson Pereira dos Santos 


                Mariana Peixoto

                Estado de Minas: 28/05/2013 

                Antecipando os 50 anos do golpe militar, a Cine OP – Mostra de Cinema de Ouro Preto reúne, entre 12 e 17 de junho, filmes e diretores que atuaram no período de 1964 e 1969. O cinema brasileiro entre o golpe e o AI-5 é o eixo da oitava edição do evento. Quatro cineastas – Nelson Pereira dos Santos, Maurice Capovilla, Francisco Ramalho Jr. e Walter Lima Jr. – vão exibir filmes realizados na época e discutir como foi produzir cinema em plena ditadura. Esse último será ainda homenageado pela mostra.

                A preservação da cinematografia nacional sempre norteou a Cine OP, que oito anos depois de sua criação também busca enfatizar a história e a educação. “Quando a gente começou com a mostra, a preservação não era sequer considerada dentro da cadeia produtiva do cinema”, afirma Raquel Hallak, coordenadora-geral do evento. De acordo com ela, ao longo desse período, a Cine OP viu nascer uma entidade de classe – a Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA ) – e avançou nas discussões em torno do assunto durante o chamado Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros.

                “Existe hoje uma acumulação de produção, mas não há uma definição de política pública nacional. Pela primeira vez, o Ministério da Cultura irá em peso à mostra para conversar com o setor”, continua. A produção mineira deverá entrar na pauta. “Tanto a Secretaria de Estado de Cultura quanto o Centro de Referência Audiovisual (Crav) vão participar do debate, já que tem que haver plano não só de restauro da filmografia mineira, mas de resguardo”, acrescenta Hallak. Atualmente, são as cinematecas do Rio e de São Paulo que guardam a maior parte da produção brasileira.

                Além de Lima Jr., a mostra vai homenagear outro veterano do cinema: o documentarista, pesquisador e escritor Jurandyr Noronha, de 96 anos, que, durante o evento, será nomeado presidente de honra da ABPA. Nascido em Juiz de Fora e radicado no Rio de Janeiro, trabalhou ao lado de nomes históricos do cinema brasileiro, como Adhemar Gonzaga e Humberto Mauro. Dirigiu alguns filmes e criou, na década de 1970, o Museu do Cinema.

                Na seara da exibição, um dos destaques é a chamada Mostra Histórica, que vai apresentar seis filmes produzidos no período militar que tiveram problemas com a censura. Entre eles estão El justiceiro (1968), de Nelson Pereira dos Santos, e Terra em transe (1967), de Glauber Rocha. Olhando para o passado, mas também mirando o futuro, a Cine OP vai promover uma série de pré-estreias nacionais. Na Mostra Contemporânea serão exibidos cinco longas, quatro médias e 30 curtas. Entre eles estão A primeira vez do cinema brasileiro, de Bruno Graziano, Denise Godinho e Hugo Moura, que investiga os bastidores de Coisas eróticas, considerado o primeiro filme brasileiro de sexo explícito, e Cine Holliúdy, de Halder Gomes, que narra a chegada em massa da televisão no interior do Ceará, na década de 1970.

                CINE OP – MOSTRA DE CINEMA
                DE OURO PRETO
                De 12 a 17 de junho, no Centro de Artes e Convenções, Cine Vila Rica e Praça Tiradentes. Todas as sessões têm entrada franca. Programação completa no site www.cineop.com.br.

                Principais mostras
                Longas
                » Histórica
                •Anuska: Mulher manequim, de Francisco Ramalho Jr. (SP, 1968)
                •Bebel: Garota propaganda, de Maurice Capovilla (RJ, 1968)
                •Brasil ano 2000, de Walter Lima Jr. (RJ, 1968)
                •El justiceiro, de Nelson Pereira dos Santos (RJ, 1968)
                •Terra em transe, de Glauber Rocha (RJ, 1967)
                •Trilogia do terror, de José Mojica Marins, Luis Sérgio Person e Ozualdo Candeias (SP, 1968)

                » Contemporânea (pré-estreia de longas e médias)
                •A primeira vez do cinema brasileiro, de Bruno Graziano, Denise Godinho e Hugo Moura (SP)
                •Cine Holliúdy, de Halder Gomes (CE)
                •Mazzaropi, de Celso Sabadin (SP)
                •Ozualdo Candeias e o cinema, de Eugênio Puppo (SP)
                •Sinais de cinza, a peleja de Olney contra o dragão da maldade, de Henrique Dantas (BA)
                •Damas da liberdade, de Célia Gurgel e Joe Pimentel (CE)
                •Filme para poeta cego, de Gustavo Vinagre (SP)
                •Irina, de Sabrina Greve (SP)
                •Sobre o abismo, de André Brasil (MG)

                » Preservação (pré-estreia da cópia restaurada)
                •Bonequinha de seda, de Oduvaldo Vianna (RJ, 1936)

                Saiba mais
                Afinado
                Nascido em 1938, Walter Lima Júnior entrou no cinema pelas mãos de Glauber Rocha. Fez, em 1963, assistência de direção de Deus e o diabo na terra do sol (1963). Dois anos mais tarde, estreou em longas com Menino do engenho, adaptação do romance de José Lins do Rego. Desde então, dirigiu outros 16 filmes, entre eles Brasil ano 2000, que lhe deu em 1968 o Urso de Prata em Berlim, e A ostra e o vento (1997), que saiu com um prêmio do Festival de Veneza. Seu mais recente filme é Os desafinados (2008), sobre cinco amigos que, durante os anos 1960, buscam sucesso tocando bossa nova.

                Tendências/Debates

                folha de são paulo
                WILLIAM STODDART E MATEUS SOARES DE AZEVEDO
                Outros islãs
                Os terroristas romperam com os pilares do islã ao visarem civis não combatentes e ao operarem com base em ódio contra cristãos e judeus
                A natureza e os propósitos essenciais do islã, a mais recente (1.400 anos), difundida (1,5 bilhão de aderentes) e influente (50 países) das tradições espirituais da humanidade, continuam desconhecidos do público ocidental.
                Entre as causas dessa desinformação estão a mera carência de dados doutrinais e históricos, diferenças de perspectiva intelectual e moral entre ocidentais e muçulmanos, interesses velados e preconceitos.
                O fato de o islã ser fonte cotidiana de notícias não muda substancialmente esse panorama, pois a maioria é negativa. Um dos fatores a explicar isso é a falta de esclarecimento acerca de diferenças entre as várias correntes que se confrontam no próprio mundo islâmico.
                É preciso transcender a dicotomia simplista e superficial entre "moderados" e "extremistas". Ela não é acurada e escamoteia diferenças cruciais. Mesmo a diferenciação entre sunismo e xiismo é exposta de maneira vaga.
                Outra fonte de desinformação deriva do fato de se chamarem os terroristas de "fundamentalistas". O termo em si significa alguém que se apega a princípios, ou "fundamentos". Mas os terroristas romperam com os pilares do islã ao visarem civis não combatentes e ao operarem com base em ódio religioso contra cristãos e judeus --"povos do Livro", segundo o Alcorão.
                Quanto aos wahabitas, eles se caracterizam por literalismo e estreiteza. São eles os verdadeiros fundamentalistas, não os terroristas. Os wahabitas estão longe de representar de forma plena e integral o islã. Pelo contrário, são refratários à rica filosofia islâmica, bem como à sua mística.
                O fato de que aderentes de três das quatro principais correntes políticas, listadas abaixo, serem chamados todos de "fundamentalistas" causa obscurecimento de diferenças reais.
                Outro ponto: alguns vão se surpreender ao dizermos que houve, no século 20, bons governantes e estadistas muçulmanos. Quem já ouviu falar do rei Idris, da Líbia, dos mais sábios líderes da época? Governante de 1951 a 69, ele liderou a resistência contra a ocupação italiana e foi deposto num golpe liderado pelo então coronel Gaddafi. E de Abu Bakr Tafawa, primeiro-ministro da Nigéria (1960-66), ou Tunku Abdul Rahman, premiê da Malásia (1957 e 70)? Foram ilustres e competentes, mas quem se lembra deles?
                Ao considerar os muçulmanos de hoje, temos de distinguir os "tradicionais" (ou espirituais) dos "revolucionários", incluindo os terroristas entre estes. E, igualmente importante, distinguir os tradicionais dos fundamentalistas. Seriam, então, quatro categorias principais.
                1. Líderes "tradicionais": os homens citados acima.
                2. Wahabitas: os "fundamentalistas", estão longe de representar a tradição islâmica em sua plenitude.
                3. "Revolucionários islâmicos": seguidores de Khomeini no Irã ou de Gaddafi na Líbia, todos demagogos e coletivistas. Os principais grupos terroristas estão nesta categoria. Eles reivindicam o nome "islã", mas são de fato letais para ele. Infelizmente, é gente desse tipo que o público ocidental vê como "muçulmano típico".
                4. Secularistas: inclui figuras como Assad, da Síria, e o finado Saddam Hussein, do Iraque. São basicamente antirreligiosos, portanto o termo "fundamentalista", no sentido literal, é inapropriado.
                Aqui, tratamos de categorias políticas e, portanto, não é o lugar de abordar o sufismo, a mística islâmica. Não obstante, em razão de sua importância, concluímos com uma palavra sobre ele.
                Seus chefes se engajam na ação política direta somente de forma secundária. Seu foco é a contemplação, não a ação, mas nem por isso deixam de ter uma influência positiva. Um exemplo foi o célebre emir Abdel Kader (1808-1883), que, mesmo místico, liderou a resistência contra o colonialismo francês.
                  PABLO ORTELLADO E LUCIANA LIMA
                  Dados privados, políticas públicas
                  Se já não dá para estimar se há meias-entradas demais, quem vai aferir que o benefício será efetivamente concedido no limite de 40%?
                  No dia 27 de abril, publicamos um artigo ("Direito sem ordem de chegada") em defesa da meia-entrada ilimitada para jovens e idosos. Nosso argumento era que a meia-entrada é uma forma de subsídio cruzado, no qual os adultos subsidiam os jovens e os idosos.
                  Argumentamos que a limitação da meia-entrada criaria uma situação absurda, na qual os estudantes que comprassem ingressos além da cota subsidiariam os estudantes que tivessem comprado antes, rompendo o princípio da progressividade.
                  E dissemos que a promessa dos produtores de reduzir os preços dos ingressos deveria ser vista com ceticismo, já que fala semelhante feita pelas editoras na ocasião em que receberam isenção não se cumpriu.
                  Essa última observação ensejou resposta da presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL). Em artigo nesta Folha ("O preço do livro", 5/5), ela argumenta que, desde a isenção do PIS/Pasep, em 2004, o preço do livro caiu 44,9%. E utiliza como evidência um estudo encomendado pela própria CBL à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
                  Os números, por si só inverossímeis, merecem reflexão mais detida porque apontam para o problema mais amplo do uso de dados de empresas privadas na orientação de políticas públicas.
                  O levantamento buscou estimar o preço médio dos livros a partir de questionários enviados às editoras. Uma das dificuldades desse tipo de pesquisa deve ser destacada: os dados são autodeclarados e não podem ser auditados.
                  No fundo, dizer que a pesquisa da Fipe indicou que o preço do livro caiu 44,9% significa apenas que as próprias empresas disseram que baixaram o preço. E elas disseram isso no contexto das críticas do ex-presidente Lula de que, a despeito da isenção, o preço do livro não tinha caído. Como as editoras estavam interessadas em demonstrar essa redução, seu depoimento não é crível.
                  Como contraponto, podemos buscar os dados públicos do maior programa de compras governamentais, o Programa Nacional do Livro Didático. Tomando o ano de 2004 como base e corrigindo os valores pela inflação, notamos nos últimos oito anos apenas uma pequena variação (em torno de R$ 7,50, em valores de 2012). É de chamar a atenção a disparidade entre o dado público, que indica estabilidade dos preços, e o dado privado, que indica uma redução de quase 45%.
                  Voltando ao tema do primeiro artigo, podemos transpor a situação do mercado editorial para o debate sobre a meia-entrada. Matéria da "Ilustrada" de 6/5 utiliza dados de produtores e empresários para dizer que a concessão de meias-entradas seria de 65% a 80% dos ingressos. Esses dados, produzidos por agentes declaradamente interessados na redução do benefício e que não podem ser auditados, deveriam orientar o debate público sobre um direito dos estudantes brasileiros?
                  Se já não temos dados confiáveis para estimar com imparcialidade se há meias-entradas demais, quem vai aferir que o benefício será efetivamente concedido no limite de 40% ou verificar se os preços caíram como prometido? Fica a lição do mercado editorial.

                    DOCUMENTÁRIO » Um convite irrecusável Gracie Santos

                    Estado de Minas - 28/05/2013

                    Olhe pra mim de novo

                    Questões genéticas e de gênero, estigmas envolvendo a transexualidade, tabus e conflitos familiares e doenças tratadas de forma preconceituosa. Tudo isso está no documentário Olhe pra mim de novo, primeiro longa dirigido a quatro mãos por Claudia Priscilla e Kiko Goifman (o casal vive junto há 14 anos). Com abordagem que mescla humor e informalidade, a trama é conduzida sertão nordestino adentro por um dos personagens, o transexual masculino Sillvyo Luccio, que nasceu mulher e aguarda cirurgia para se transformar em homem. O filme entra em cartaz quinta, no Belas Artes, e tem, na abertura, exibição do curta O vestido de Laerte, de Claudia Prisicilla e Pedro Marques.

                    Olhe pra mim de novo é, como diz o nome, um convite para enxergar (com calma e delicadeza) a vida de pessoas que não se enquadram na “normalidade”, gente que vive à margem, vítima de preconceito. Enquanto se expõe com verdade (ele não poupa declarações como “quando tiro a roupa, a máscara cai”), Sillvyo Luccio percorre o interior do Nordeste contando sua história e recolhendo depoimentos de pessoas que, como ele, têm que se reinventar.

                    A diretora Claudia Priscilla diz que o personagem se tornou central quando já durante o processo de pesquisa. “Ele é filho de evangélicos num lugar machista, agrega questões importantes resolvidas na marra, pondo a cara pra bater, se expondo.” Ela admite que houve “momentos punk” durante as filmagens (e é perceptível em cena), caso do encontro/confronto de Sillvyo com a filha. “Ela é o que ele deveria ter sido, fruto da educação dada pela mãe dele, que recebeu a neta como presente”, afirma a diretora.

                    Claudia Priscilla atribui muito da facilidade com que temas de extrema crueza são tratados tanto à dobradinha com o marido quanto ao bom humor de Sillvyo. “O lado tabu é relevante na obra de Kiko; do meu lado entra a questão da sexualidade. Normalmente, assuntos sérios são tratados de um jeito mais formal. Procuramos a leveza. Sillvyo é personagem cheio de camadas, que mantém sempre o humor num meio em que há piadas extremamente grosseiras”, analisa.

                    Kiko Goifman acha que o fato de ele e Claudia terem trabalhado juntos em “eterno diálogo” contribuiu para maior leveza. “Na dúvida de que alguma coisa pudesse ficar muito carregada, tiramos”, conta. Para ele, “Sillvyo simplesmente roubou o filme, graças à oratória e ao carisma dele”. O diretor admite que este é o seu filme mais antievangélico. “Eles são um dos maiores problemas do Brasil. Tudo tem que passar pela bancada evangélica, é um atraso de vida absurdo”, afirma.

                    Belo aperitivo
                    A questão de gênero está presente também em O vestido de Laerte, de Claudia Priscilla e Pedro Marques. Melhor curta do Festival de Brasília do ano passado, mostra o cartunista em momento intimista, em casa. Ele confessa que seu desejo de se vestir de mulher surgiu na infância. Preferia as roupas das meninas de asas nas coroações ao menino de terninho.
                    No lançamento em São Paulo, Kiko Goifman, que está em cena (também de vestido), conta que houve a manifestação Saiaço no cinema contra a homofobia.

                    Olhe pra mim de novo
                    Documentário de Claudia Priscilla e Kiko Goifman, em cartaz no Belas Artes a partir de quinta-feira, às 19h30. Na abertura, exibição do curta O vestido de Laerte, de Claudia Priscilla e Pedro Marques. Rua Gonçalves Dias, 1.581, Lourdes, (31) 3252-7232

                    Comece já a fazer o bem-Junia Oliveira‏

                    Escolher a área de que mais gosta, procurar uma instituição e não esperar nada em troca são receitas positivas para se engajar em alguma causa social e ambiental


                    Junia Oliveira


                    Estado de Minas: 28/05/2013 

                    Algumas pessoas impressionam pelo espírito de solidariedade, arrancam elogios de quem as observa dedicar algumas horas do dia a simplesmente fazer o bem, sem cobrar retorno. Quem está de fora se pergunta como isso é possível, se contagia e sente vontade de fazer o mesmo, mas não sabe como. Voluntários afirmam: basta apenas dar o primeiro passo. Depois, tudo se passa de forma natural. O Estado de Minas elaborou, com a ajuda de quem gosta de ajudar, um guia para aqueles que querem entrar nesse mundo e precisam apenas de uma forcinha para começar.

                    O início do processo é a pessoa ter dentro de si a consciência de ajudar o próximo sem ter nada em troca. O segundo passo é identificar a área de que mais gosta ou onde se sente bem – se ajudando crianças, idosos, morador de rua, dependentes químicos, entre outros. O terceiro é procurar alguma instituição ou pessoa envolvida em projeto social para orientação. A dica vem de quem entende do assunto: o bacharel em direito Daniel Favarini, de 25 anos.

                    Há pouco mais de três anos, ele idealizou o Dona de Leite, que arrecada latas de leite em pó e as distribui para as crianças com idade entre 6 meses e 7 anos, moradoras do Ribeiro de Abreu e bairros vizinhos, na Região Nordeste de Belo Horizonte. O objetivo é complementar a alimentação para combater a desnutrição e a obesidade infantil. Os voluntários fazem ainda palestras sobre diversos temas, sugeridos pelas próprias famílias, e visitam as casas para verificar o estado dos meninos.

                    Ações como essas têm conquistado novos adeptos a cada dia. Pesquisa do Instituto Paulo Montenegro de 2011 revela que, no Brasil, um quarto da população se dedica ao voluntariado. A consultora de projetos da Gerência de Desenvolvimento Social do Sesi, Laura Boaventura, afirma que as pessoas estão cada vez mais engajadas e isso não ocorre somente em momentos de tragédias ou desastres naturais. “Elas estão participando mais e exercendo a cidadania. E as redes sociais têm contribuído para isso”, diz.

                    Laura chama a atenção para a diferença entre ações específicas, quando as pessoas se unem para resolver algo pontual, e as mais duradouras. “Temos trabalhado muito com o conceito de voluntariado transformador, aquele que gera motivação para o voluntário, e que pode mudar a realidade de quem faz e de quem recebe a ação. Se pensarmos numa mudança de contexto, alteramos uma perspectiva”, relata.

                    ESCOLHA Além de querer, é preciso ficar atento à escolha da instituição e, para muitas pessoas, o grande impasse é como ter a certeza de optar por uma entidade séria. A coordenadora do setor de extensão da reitoria da Universidade Fumec, Carmem Schffer, orienta o futuro voluntário a prestar atenção à relevância social dos serviços prestados pela organização à sociedade. É importante ainda verificar e ter conhecimento das ações que são desenvolvidas e da avaliação que os beneficiados fazem dos serviços recebidos. Marcar reuniões com dirigentes e funcionários, conversar informalmente com quem é atendido, observar a divulgação na mídia, pesquisar informações na internet e em instituições públicas que credenciam esse tipo de instituição também ajuda a se assegurar da idoneidade da organização.

                    Para quem quer se engajar, mas não sabe como, a professora sugere ações simples. Uma delas é acessar portais na internet que cadastram voluntários e procurar na associação de bairro os programas que são desenvolvidos na comunidade. Instituições religiosas, ONGs e escolas podem também ser bons referenciais. Carmem Schffer também pondera a eficácia das ações pontuais. “Não considero doações de dinheiro e objetos como sendo as mais relevantes. Ações de voluntariado relevantes são doação de sua capacidade de trabalho, de parte do seu tempo, de suas competências e habilidades a quem necessita”, ressalta.

                    “Podemos doar nossas horas em ações que promovam o bem-estar social, a cidadania, valorize o beneficiado como ser humano, que promovam saúde, qualidade de vida, melhorias nas condições de vida, capacitação do outro para superar as dificuldades enfrentadas. Dessa forma, todos, nas diversas áreas de atuação profissional, têm algo a doar e de relevância social”, acrescenta.

                    Inspiração vem da família
                    Doar algumas horas do dia é lição que Daniel Favarini aprendeu em casa, com a família. Ele se dedicou a vários projetos sociais, mas, há três anos e meio, se viu no momento de engajar e motivar as pessoas a ajudar crianças carentes e desnutridas. Foi, então, que criou o projeto Dona de Leite, que hoje conta com 14 voluntários que atendem 100 famílias e um total de 150 crianças. “Com certeza, é importante a pessoa doar (algum item ou dinheiro), mas o resultado muito maior de aprendizado é com o voluntariado. Ele faz aprender, crescer e valorizar o que temos em casa, à medida que conseguimos transmitir esse amor pelo próximo. Trabalho voluntário é muito mais prazeroso que o recurso financeiro”, ressalta.

                    Nesse mesmo barco entrou a técnica em contabilidade e nutricionista Jarlene Gomes Melo, de 39. Ela conheceu o Dona de Leite no fim de 2011, ao assistir a um vídeo sobre o projeto na faculdade. No início do ano passado, ela aderiu à causa. Uma vez por mês, faz a “chamada nutricional”. As crianças vão até a sede, no Bairro Ribeiro de Abreu, onde são pesadas e medidas para o acompanhamento do estado nutricional. Aquelas com baixo peso ganharam uns quilinhos a mais graças ao leite, complemento alimentar.

                    “Se tenho tempo, conhecimento e amor pelo que faço, tenho que retribuir a alguém e isso nem sempre tem um lado financeiro. Trabalho voluntário é algo que engrandece, pois aumenta o contato com pessoas carentes de informação, de atenção. Essa é a maior satisfação: ser profissional, sem ser remunerado, mas podendo ajudar”, afirma. Jarlene incentiva quem quer seguir o mesmo caminho: “Não precisa ter uma profissão, todo mundo pode ser voluntário, dando atenção, ouvindo aquelas pessoas, acolhendo com carinho. Tenho necessidade de fazer algo por alguém. Algumas pessoas têm isso dentro de si, outras não descobriram ainda. E só custa doar um pouco do seu tempo”.

                    A farsa da anistia - Vladimir Safatle

                    folha de são paulo
                    A farsa da anistia
                    Motivada por afirmações de membros da Comissão da Verdade referentes à necessidade de reinterpretação da Lei da Anistia, esta Folha abriu mais uma vez espaço importante para o debate a respeito do problema. Artigos assinados e editoriais apareceram nos últimos dias mostrando como esta é uma discussão da qual o Brasil não pode escapar.
                    Neste momento, a Comissão da Verdade começa a desmontar antigas mentiras veiculadas pelo regime militar, como assassinatos travestidos de suicídios e desaparecimentos ou aquela afirmação patética de que as ações de tortura não eram uma política de Estado decidida pela alta cúpula militar. Ela também colocou à luz a profunda relação entre empresariado e militares na elaboração e gestão do golpe.
                    No entanto, uma das maiores mentiras herdadas daquele período é a história de que existiu uma anistia resultante de ampla negociação com setores da sociedade civil e da oposição. Aquilo que chamamos de "Lei da Anistia" foi e continua sendo uma mera farsa.
                    Primeiro, não ouve negociação alguma, mas pura e simples imposição das condições a partir das quais os militares esperavam se autoanistiar.
                    O governo de então recusou a proposta do MDB de anistia ampla, geral e irrestrita, enviando para o Congresso Nacional o seu próprio projeto, que andava na contramão daquilo que a sociedade civil organizada exigia.
                    Por não ter representatividade alguma, o projeto pas-sou na votação do Congresso por míseros 206 votos contra 201, sendo todos os votos favoráveis vindos da antiga A- rena. Ou seja, só em um mundo paralelo alguém pode chamar de "negociação" a um processo no qual o partido governista aprova um projeto sem acordo algum com a oposição. Há de se parar de ignorar compulsivamente a história brasileira.
                    Segundo, mesmo essa Lei da Anistia era clara a respeito de seus limites. No segundo parágrafo do seu primeiro artigo lê-se: "Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, de assalto, de sequestro e atentado pessoal". Por isso, a maioria dos presos políticos não foi solta em 1979, ano da promulgação da lei (por favor, leia a frase mais uma vez). Eles permaneceram na cadeia e só foram liberados por diminuição das penas.
                    Os únicos anistiados, contra a letra da lei que eles próprios aprovaram, foram os militares que praticaram terrorismo de Estado, sequestro, estupro, ocultação de cadá- ver e assassinato. A Lei da Anistia consegue, assim, a proeza de ser, ao mesmo tempo, ilegítima na sua origem e desrespeitada exatamente pelos que a impuseram.