quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

MARTHA MEDEIROS - A grande beleza

Zero hora 22/01/2014

Em sua forma, o elogiadíssimo A Grande Beleza não faz o meu gênero de filme, mas é inegável que, com brilhantismo, coloca o dedo na ferida aberta da sociedade ocidental: a nossa decadência travestida de modernidade. Está tudo ali: exibicionismos, hipocrisia, vazio existencial, solidão epidêmica.

Nada escapa ao olhar de Jep Gambardella, personagem que está envolvido até o pescoço com a superficialidade dos valores atuais, mas que julga não ter perdido a sensibilidade de todo – ele ainda consegue se emocionar através da arte e da memória. Quanto ao futuro, é um otimista, afinal, sempre existe a possibilidade de sermos melhores um dia.

Numa Roma apresentada quase como se fosse uma ilusão de ótica – afinal, “é tudo um truque” –, o personagem chega aos 65 anos desprezando esse e outros ilusionismos, mas não perde o charme de dândi. Sem tirar o sorriso cínico do rosto, ele desmascara uma amiga pretensamente intelectual (mas que não passa de uma dondoca), dorme com uma mulher ruim de cama (mas boa em postar suas fotos nuas no Face), ajuda uma outra a comprar um vestido adequado para um velório (já que é mais um evento social), conhece uma freira meio gagá de 104 anos que é tratada como uma celebridade, assiste a aplicações de botox feitas por uma espécie de curandeiro do novo milênio e vê questões relacionadas à espiritualidade perderem o ibope para receitas gastronômicas.

Ele, autor de um único livro que foi um estrondoso sucesso 40 anos antes, tem vontade de continuar escrevendo, mas sobre o quê? Para quem? Hoje vive de fazer entrevistas. A nova ficção, a literatura do ego.

Gambardella caminha, caminha, caminha. Circula pelo filme e pela vida. Onde estaria a grande beleza? Talvez na desilusão do primeiro e idealizado amor, que inaugura os desapontamentos que vêm depois. A certa altura, um amigo de Jep apresenta a nova esposa, uma mulher sem atrativos, e comenta que naquela noite eles irão jantar em casa, ver tevê juntos e depois dormir – e isso soa a Jep como uma façanha erótica e íntima destinada a poucos eleitos.

É preciso ter a chave para acessar a grande beleza guardada nos fundos das casas, por trás das paredes, nas frestas das janelas, nos silêncios das pessoas, nas perguntas sem respostas, no espanto de viver, na arte que emociona, no pequeno museu de afetividades de cada um. Tudo o que está aparente e acessível não passa de um grande cenário, uma grande produção, um grande elenco, uma grande trilha sonora – não descrevo apenas o filme em si, mas a vida que o filme conta, a nossa, hoje.

Uma bela obra cinematográfica à procura das grandezas diminutas onde o belo se esconde.

MARINA COLASANTI » O barato chamado flow‏

MARINA COLASANTI » O barato chamado flow 
 
"É um êxtase, uma epifania causada pela liberação de substâncias neuroquímicas" 
 
Marina Colasanti
Estado de Minas: 23/01/2014


O jovem professor trabalhava há mais de ano em sua tese de doutoramento. Tudo havia sido lido e fichado, grande parte havia sido escrita, faltava porém encontrar o eixo ao redor do qual as ideias se aglutinariam levando a um sentido maior. Decidiu afastar-se daquilo, viajou. Na volta, espalhou as folhas pelo chão da sala, correndo o olhar por elas, lendo um e outro trecho, encharcando-se daquele conteúdo. E de repente, como se alguma coisa se desatasse na sua cabeça, percebeu o eixo claramente. Seu coração estava acelerado, as veias da testa latejavam, sentia-se capaz de desvendar os mistérios do mundo. A sensação era tão intensa, que teve medo de morrer. Molhou a cabeça, os pulsos. Só depois começou a trabalhar.

Havia vivenciado um flow. Nem soube disso, estava nos anos 1960, e só na década seguinte o flow seria descoberto e nomeado pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi. Hoje, vamos criando intimidade com ele, enquanto o termo se prepara para entrar na moda.

Chama-se flow ao estado de consciência próximo da plenitude, em que o corpo – ou a mente – parece agir por conta própria, levando seu proprietário a atingir performances inimagináveis. É um êxtase, uma epifania causada pela liberação de substâncias neuroquímicas, em estados de extremo estresse. E é viciante.

Este barato autoproduzido, que não passa pela farmácia, está sendo estudado nos atletas envolvidos em esporte de alto risco. Mas não nos deixemos enganar, muitas outras situações podem provocá-lo.

Quem viu O lobo de Wall Street só não percebeu a presença do flow se ainda não tinha sido apresentado a ele. Não é o efeito das drogas que as personagens consomem constantemente, não é a excitação sexual sempre presente, não é o prazer do poder, não é nem mesmo a euforia pelo dinheiro em si – que Jordan, ou Leonardo di Caprio, chega a jogar pela janela. O que leva o cérebro do jovem corretor da bolsa a liberar as tais substâncias é a intensidade do jogo na compra/venda das ações, em que, como numa luta pela sobrevivência, só é permitido vencer.

Noventa por cento do sucesso de atletas de alta performance é mental, afirmam psicólogos especializados em esporte, embora reconhecendo não saber como isso funciona. E penso na guerra, na conversa que tive com o jovem marine americano de férias no Rio depois de dois anos servindo no Iraque. Lembro-me de ele contar como, entrando num cômodo escuro em zona inimiga, com os olhos ainda ofuscados pela luz exterior, não cabem averiguações, é preciso atirar logo no que se move, antes que o que se move atire em você. Esse também é um estado de desempenho máximo em que o corpo parece agir sozinho. Como para os atletas, foi treinado longamente, o trabalho da mente sendo a parte mais importante do treino. Se o rapaz não me relatou qualquer sentimento de plenitude, foi provavelmente por pudor. Poderíamos, então, considerar flow a extrema emoção do soldado em luta? Uma coisa é certa, basta olhar a história para perceber que guerra é viciante.

 E seria flow um novo nome para paixão? Também trata-se de sobrevivência, pois o coração nos garante que morreremos se não houver retribuição. O risco é altíssimo, o estresse é absoluto, mente e corpo não nos obedecem. E o estado que atingimos pode ser bem mais que a plenitude, pode ser o nirvana.

TeVê

TV paga

Estado de Minas: 23/01/2014

 (Off/Divulgação)

Arrepiando nas ondas


Continua a maratona de estreias no canal Off. Para hoje, a grande novidade é Waterman (foto), às 21h, com o tricampeão mundial de windsurfe, campeão brasileiro de stand up paddle e especialista em kitesurfe Kauli Seadi, que viaja pelas praias do Nordeste com a namorada, a oceanógrafa Maria Fernanda. Às 21h30 estreia a quinta temporada de Na onda, com o surfista Sylvio Mancusi, e às 22h é a vez de Quatro remos, com Karina, Paulo, Ana e Rafa enfrentando as águas frias de Vancouver Island, no Canadá.

Documentários vão de
Minas até Pernambuco


No concorrido segmento dos documentários, um dos destaques é Carro de boi, do mineiro Marcus Martins, no programa Sala de notícias, às 14h30, no Canal Futura. No SescTV, às 21h30, a série Coleções apresenta o episódio “Casa pernambucana”, levando o assinante ao Sítio Salu, em Olinda (PE), onde viveu o ator, músico, compositor e artesão Mestre Salustiano e onde mora toda a sua prole.

Cazaquistão constrói a
maior tenda do mundo


No NatGeo, às 20h, a série Obras incríveis vai mostrar a maior tenda do mundo, construída pelo renomado arquiteto Norman Foster por encomenda do governo do Cazaquistão, para servir como centro de entretenimento da era espacial da nova capital, a cidade de Astana. Na Cultura, às 22h, o documentário Espírito teen, adolescentes em Hollywood analisa o crescimento de um novo gênero cinematografico, dirigido exclusivamente aos jovens.

Luiz Tatit dá canja no
Ensaio da TV Cultura


Na edição de hoje do programa Ensaio, Fernando Faro recebe o músico e acadêmico Luiz Tatit, que apresenta algumas de suas composições ao lado do filho Jonas Tatit. Ele fala sobre sua trajetória com o Grupo Rumo e suas reinvenções, os estudos de semiótica e suas relações com a música popular brasileira. Às 23h30, na Cultura.

Não basta só cozinhar,
tem que pegar o peixe


Hoje, Rodrigo Hilbert não vai apenas cozinhar e dar uma receita deliciosa. Ele viaja até o Farol de Santa Marta, na região de Laguna, em Santa Catarina, e, ao lado dos pescadores locais, sai para uma pescaria de abrota, conhecido como bacalhau brasileiro. Confira em Tempero de família, às 22h30, no GNT.

Três chances para ver
Jamie Foxx na telinha


O Telecine Pipoca continua com seu especial Cardápio de férias, emendando hoje a animação Detona Ralph (12h30), a comédia Vizinhos imediatos de 3º grau (14h35) e o violento Busca implacável 2 (16h30). No Universal Channel, Jamie Foxx está na sessão dupla montada com O solista (17h15) e Ray (19h15). Foxx está também em Django livre, às 22h, na HBO HD. Na mesma faixa das 22h, o assinante tem mais cinco opções: Apagar histórico, na HBO 2; Branca de Neve e o caçador, no Telecine Premium; 28 quartos de hotel, no Max; Secretária, no Glitz; e Enterrado vivo, na MGM. Outras atrações da programação: Escorregando para a glória, às 21h, no Comedy Central; G. I. Joe – A origem da Cobra, às 22h30, na Fox; X-men – Primeira classe, também às 22h30, no FX; e O gângster, às 22h35, no Megapix.


CARAS & BOCAS » Em alta na mídia

Sophia Abrahão está aproveitando o bom momento (Estevam Avellar/Globo )
Sophia Abrahão está aproveitando o bom momento

Depois de dois meses de votação e análise dos dados, finalmente foi anunciada a vencedora do concurso Celebridade E!, lançado em novembro pelo canal pago para a eleição da pessoa mais notável do ano na mídia. E a vencedora foi… Sophia Abrahão. A atriz e cantora de 22 anos foi escolhida pelo público por  votação no site do E! on-line Brasil. E ela bateu nomes poderosos, como Neymar e Bruna Marquezine, além do próprio namorado, o cantor e apresentador Fiuk. Além de poder ser vista na novela Amor à vida, da Globo, Sophia é uma das mais bem-sucedidas blogueiras de moda do país, dando dicas de moda e beleza e sobre suas viagens, tem uma linha de roupas com seu nome e, mais recentemente, atuou como Tina na versão cinematográfica da série que foi sucesso absoluto nos anos 1990, Confissões de adolescente. E olha que nem foi preciso lembrar seus tempos de Malhação e de Rebeldes.

Ordália flagra Herbert
aos beijos com Edith


E por falar na novela das nove da Globo, Gina (Carolina Kasting) vai se casar com Elias (Sidney Sampaio) em uma cerimônia evangélica. Assim que os dois seguirem para a lua de mel em uma praia de São Paulo, Ordália (Eliane Giardini) irá conversar com Herbert (José Wilker) sobre o romance deles. No entanto, ao procurá-lo, ela vai flagrar o médico aos beijos com Edith (Bárbara Paz) em seu apartamento.

O vilão LC foi para o
‘lado negro da força’


Em Além do horizonte, também da Globo, vai ser chato para Lili (Juliana Paiva), mas uma hora ela acabará descobrindo que seu pai, o Grande Mentor LC (Antonio Calloni), é mesmo o maior vilão da história. Se até aqui ainda havia dúvidas sobre o caráter dele, o próprio Calloni entrega: “LC é um vilão doente”. Nos próximos capítulos, seu personagem deixará claro quem é que está no comando da Comunidade e mandará Tereza (Carolina Ferraz) e Hermes (Alexandre Nero) para a prisão. “E não é pelo caso amoroso dos dois, não. Disso ele já sabe faz tempo! Ele os mandará à prisão porque a dupla está desviando o dinheiro dele e querendo assumir os negócios”, acrescenta o ator.

Patrícia Pillar volta ao
cinema com Macbeth


Para quem está com saudade de ver Patricia Pillar no cinema, uma boa notícia: a atriz fará uma adaptação de Macbeth, de William Shakespeare. Dirigida por Vinícius Coimbra, ela vai contracenar com Domingos Montagner, que está no ar na novela Joia rara (Globo).

Estúdio móvel recebe
dois pernambucanos


Os pernambucanos Lenine e Geraldo Azevedo marcam presença na edição de hoje do estúdio móvel, às 18h, na TV Brasil (canal 65 UHF). No bate-papo com Liliane Reis, Lenine lembra histórias engraçadas de seus 30 anos de carreira. A celebração da cultura nordestina é o tema da conversa com Geraldo Azevedo, que fala sobre o são-João. O artista plástico Hilton Berredo também aparece por lá, avaliando a renovação das artes nos anos 1980.

Fox vai caprichar no
100º episódio de Glee


Mais um nome está sendo cogitado para o 100º episódio de Glee (Fox). De acordo com a imprensa norte-americana, Gwyneth Paltrow está em negociação para reviver seu papel como a professora Holly Holliday. Nos EUA, a série retornará à TV em 25 de fevereiro.

Brasil concorre a
mais um Emmy


A série infantil Pedro & Bianca, da Cultura (TV paga), está na lista dos indicados ao International Emmy Kids Award 2013. Dirigida por Cao Hamburguer, a produção concorrerá na categoria Kids, disputando com as séries Beat girl, da Irlanda; Limbo, da Dinamarca; e Junior High School diaries, do Japão. A atração, desenvolvida por um projeto Escola 2.0, produzido pela Cultura em parceria com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, aborda situações com as quais os jovens podem se identificar, trazendo dilemas e obstáculos da adolescência. Promovida anualmente pela Academia Internacional de Artes & Ciências Televisivas, a premiação está marcada para 10 de fevereiro, em Nova York.

VIVA
Pelo que já se viu, a única coisa interessante no Big brother Brasil, da Globo, é a participação de Mônica Iozzi, ex-CQC, fazendo piada com o programa e até mesmo com Pedro Bial.

VAIA
Por outro lado, inventaram o cargo de comentarista de BBB. Quem assumiu o posto foi a ex-sister Fani Pacheco, que analisa todas as bobagens do reality show como se fosse algo sério.

No outro lado do mundo - Eduardo Tristão Girão

No outro lado do mundo 
 
Sons vindos da Armênia, do Mali e do Líbano revigoram a cena instrumental. Artistas como Tigran Hamasyan, Bassekou Kouyate e Ibrahim Maalouf temperam tradições com jazz e pop 

 
Eduardo Tristão Girão
Estado de Minas: 23/01/2014


Bassekou Kouyate (de camisa roxa) e sua banda: música universal embalada pelo ngoni e pedais de distorção (Africanoz/divulgação)
Bassekou Kouyate (de camisa roxa) e sua banda: música universal embalada pelo ngoni e pedais de distorção

A interseção entre a world music e outros gêneros tem rendido belos discos, responsáveis por tirar do marasmo sobretudo a cena instrumental, já povoada o suficiente por guitarristas dominadores de escala, pianistas impecáveis e saxofonistas incansáveis. Vêm da Armênia, do Mali e do Líbano os sopros de criatividade mais recentes, realizados por artistas que, talentosamente, contaminam suas tradições musicais com linguagem moderna. Disso resultam álbuns realmente diferentes.

Nascido em Gyumri, cidade armênia próxima da fronteira com a Turquia, Tigran Hamasyan, de 26 anos, provou com seu recém-lançado disco, Shadow theater, ser mais do que um pianista consistente. Além de tocar muito bem, ele incorpora elementos da música tradicional local, temperando temas instrumentais e algumas canções com notas que fogem do lugar-comum. A exemplo de alguns de seus trabalhos anteriores, há um pouco de jazz, de rock e, mais do que nunca, pitadas de pop.

Esse tempero não é tarefa para qualquer um. No caso de peças folclóricas da Armênia, Hamasyan muitas vezes bebe na fonte da música modal – a melodia é a guia, sem mudanças de acorde. Saber criar a harmonização para composições surgidas a partir disso é um dos trunfos dele, que recentemente se arriscou nos vocais. Entre os resultados que alcançou está a linda canção The poet, que abre o novo repertório. O armênio já coleciona elogios de Herbie Hancock e Chick Corea, entre outros notáveis.

Além de se valer dos motivos tradicionais de seu país para criar melodias e harmonias, o pianista tem como característica o toque pulsante e recortado que usa para temperar várias de suas composições. Bons exemplos disso são Vardavar (vale a pena conferir o clipe da descompromissada versão ao vivo no YouTube), parte de EP nº 1 (2011) e Red hail (of pomegranate seeds), petardo do CD Aratta rebirth, em que Hamasyan reafirma seu interesse pelo rock. Quantos pianistas conseguiram soar bem sendo tão pesados assim?

África Mesmo com o pé firme nas tradições de sua terra natal, o Mali, no Oeste africano, Bassekou Kouyate deixa muito guitarrista no chinelo ao plugar nos pedais de distorção e wah wah o seu ngoni, antigo instrumento de cordas com corpo de cabaça e tampo de pele de cabra. Com outros tocadores de ngoni (uns mais graves, outros mais agudos), três percussionistas e a voz potente de Amy Sacko, ele surpreende com sua música, muito acessível. Em alguns momentos, ela soa quase pop.

Em Jama ko, seu terceiro disco, ele aposta alto na universalidade de sua música. O timbre e a articulação de notas no ngoni são únicos e fazem dele chamariz e tanto para as canções, todas estruturadas com refrão, estrofe, abertura, ponte e, claro, solo. Ao improvisar, Kouyate realmente impressiona – e não só pela rapidez. Transpor o que ele toca fluentemente em Sinaly, por exemplo, daria nó na cabeça de um guitarrista. Isso, para não falar dos ritmos, como o da sacolejante Kele magni.

A rica cena cultural do Mali já deu ao mundo artistas como o genial guitarrista Ali Farka Touré (com quem Kouyate já tocou). Ali desenvolveu um estilo próprio de tocar guitarra, cuja popularização recebeu a contribuição de artistas como Touré, verdadeiro elo entre a música de sua terra natal e o blues. Por isso é tão especial ouvir a faixa Mali koori, blues hipnótico com vocais de Zoumani Tereta e o ngoni nos solos, em vez da guitarra. Blues ancestral e em mutação.

Ibrahim Maalouf: novos caminhos para a música árabe (Eric Gaillard/Reuters)
Ibrahim Maalouf: novos caminhos para a música árabe


Válvula Do Líbano vem o trompetista Ibrahim Maalouf, que em setembro esteve em Ouro Preto e Olinda para tocar no Festival Mimo, quando aproveitou para antecipar as composições de Illusions, álbum recém-lançado. Seu trompete não é como qualquer outro: para conseguir as notas intermediárias que caracterizam a música árabe, ele se vale de uma quarta válvula – artifício criado por seu pai. Sem carregar no “sotaque”, consegue soprar melodias que remetem imediatamente à sonoridade oriental.

Instrumental, o trabalho tem no jazz e no rock seu alicerce. O arabismo é totalmente por conta de Maalouf, pois sua banda (bateria, baixo, guitarra, teclado e sopros adicionais) se concentra em formar base cheia de balanço e pressão. Conspiracy generation e Nomade slang são ótimos exemplos disso: ouvir o libanês encaixar um solo mestiço (meio jazz, meio árabe) sobre uma base ocidental é algo realmente curioso, como demonstra If you wanna be a woman. E o mais importante: funciona muito bem.


O iraniano Kayhan Kalhor apresenta o kamancheh ao mundo (Mohammad Kheirkah/divulgação)
O iraniano Kayhan Kalhor apresenta o kamancheh ao mundo

Outro lançamento do Oriente Médio que chama a atenção é Kula kulluk yakisir mi, registro ao vivo da colaboração entre o iraniano Kayhan Kalhor e o turco Erdan Erzincan. O encontro de culturas rendeu improvisações e composições de alto nível. O CD se resumiria apenas a outro ótimo álbum para amantes da sonoridade oriental não fosse o fato de chegar ao mercado pela gravadora alemã ECM, reconhecida por bancar trabalhos jazzísticos e de vanguarda. Por esse motivo, a música do duo soa ainda mais ancestral.

Kalhor se vale do kamancheh, instrumento de corda com som delicado, tocado com arco e na posição vertical. Já Erzincan domina o baglama, espécie de alaúde de corpo pequeno e braço comprido e cordas de aço reunidas em duplas ou trios. Juntos, mesclam elementos musicais de seus países de origem (como explicitado na faixa Intertwining melodies), revisitam um lindo tema (The wind) e criam intrigante frase musical de aspecto épico que reaparece em trechos das várias improvisações. Gravadas em 2011, elas parecem existir há séculos.




Confira também

» Ali Farka Touré
Referência clássica da música e da escola de guitarra africana, Touré (1939-2006) deixou ótimos discos. Um bom começo é o
CD Talking Timbuktu.

» Anouar Brahem
Além de exímio alaudista, o tunisiano, de 56 anos, está entre os melhores e mais sensíveis compositores do mundo árabe.

» Avishai Cohen
O baixista israelense, de 43 anos, mantém um pé na tradição judaica e outro no jazz moderno norte-americano. Ele se superou ao se arriscar nos vocalises do disco Seven seas.

» Lionel Loueke
Nascido no Benin, na África, formado na França e radicado nos Estados Unidos, o músico, de 40 anos, é um dos guitarristas mais originais da atualidade.

» Mulatu Astatke
O vibrafonista etíope, de 70 anos, é considerado o pai do chamado “ethio jazz”. O brasileiro Criolo, fã de carteirinha, já tocou com o mestre, que lhe entregou melodia para ser letrada.

» Thierry Robin
O violonista francês, de 56 anos, soube como poucos transitar pela cultura cigana, reunindo no ótimo disco Gitans representantes da Índia à Espanha.

Eduardo Almeida Reis - Situações‏

Eduardo Almeida Reis  - Situações


Estado de Minas: 23/01/2014





As festas do final de ano repetiram problema que se arrasta desde o tempo de Caim e Abel: parentes que se detestam reunidos sob um mesmo teto. Não entendo xongas de genética, mas penso que irmãos biológicos podem ser mais diferentes que dois sujeitos estranhos, que se conheçam numa reunião. Não raras vezes, há mais companheirismo e afinidade de opiniões entre amigos. Tive a honra, há dois meses, de receber e-mail de um leitor que só encontrei uma vez e disse que hoje me considera seu melhor amigo. Nessas andanças acontecem problemas de solução complicada. Você faz um amigo, convive com ele durante anos, pensa conhecê-lo muito bem e um dia descobre que ele, pelas circunstâncias da vida, enveredou pela inortodoxia em questões financeiras. Em português de padaria, começou a furtar na função pública que passou a exercer. Dinheiro é o diabo. Muita gente não resiste, mas muita gente mesmo. Como proceder com o tal amigo? Já me aconteceu duas vezes. Afastei-me dos dois, de vez em quando nos encontramos em reuniões festivas, eles me tratam muito bem, retribuo o tratamento afetuoso e confesso que fico triste e embatucado. Sei que o problema faz parte da vida, mas é chato.

Besteiras
Se entendi direito, a revista The Economist anda empenhada em descobrir um nome para a América Latina. E isso num planeta em que há bilhões de pessoas morrendo de fome e milhões às voltas com guerras que, como sempre, não devem resolver problema algum. O argumento da revista, que procura um nome para a seção que vai cuidar da economia do México para baixo, seria o de que nem todos são latinos por aqui. Em matéria de falta de quefazeres, The Economist merece o Nobel. Nada mais latina do que esta parte das Américas, pouco importando que no Suriname a língua oficial seja a holandesa e na Jamaica se fale o inglês jamaicano. A Jamaica tem 2,7 milhões de habitantes e o Suriname, de 560 mil. Somados, é a população de BH, excluídos os residentes na Grande BH. O “palpitante assunto” virou pauta num programa de tevê tomando o tempo dos debatedores e o meu, motivo pelo qual fiquei furioso. Cavalheiro normalmente alegre e de bem com a vida, tenho tido acessos de fúria até com os erros de regência verbal de certos cronistas tidos e havidos. Ninguém merece.

Zapeando
Sem internet fica difícil procurar o verbo zapear, mas sou teimoso e encontro no Aurélio: “(Adap. do ingl. (to) zap; ver –ear2.] Verbo. 1. Ver televisão, trocando frequentemente os canais, por meio do controle remoto”. Isto posto, deixem-me contar que sem internet para ver os e-mails recebidos durante a noite, liguei o televisor para dar uma zapeada enquanto esperava a chegada dos jornais. Logo no primeiro canal um escritor explicava em inglês (legendado) que todos os corredores de 100m rasos, jamaicanos, norte-americanos, portugueses e outros têm raízes numa determinada região da África, muito sujeita às malárias, em que os sobreviventes desenvolvem um tipo de contração muscular rápida. Se não foi isso, foi parecido. É a tese defendida por ele no livro que publicou. Não anotei o nome, porque peguei a entrevista adiantada, mas vi que o escritor falou também do entusiasmo jamaicano pelas corridas curtas. Assim, quando um menino de 15 anos alcança 1,90m, em vez de encaminhá-lo para o basquete é transformado em corredor.
Noutro canal do meu zapear encontro mocinhas bonitas, de maiô, falando das delícias e das belezas de mergulhar em Zanzibar. O fundo do mar zanzibarita, dizem as mocinhas, é muito bonito. Ainda sem internet, não tenho acesso ao Google para procurar onde fica Zanzibar, mas posso clicar no Houaiss à procura de zanzibarita, adjetivo e substantivo de dois gêneros. E aí, bumba, leio o seguinte: relativo a Zanzibar, ilha do Oceano Índico, próxima à costa oriental da África, ou o que é seu natural ou habitante. Independente em 1963, Zanzibar uniu-se a Tanganica para formar, em 1964, a Tanzânia. Pronto: a internet voltou e o Google acena com 8,8 milhões de entradas para Zanzibar. Isso mesmo que você entendeu: 8 milhões e 800 mil! Fiquemos com a definição do Houaiss, ressalvando o fato de que as ilhas são duas, Unguja e Pemba, formam um estado semiautônomo, a população fala suaíle, mas algumas pessoas falam o português de Portugal, e as ilhas produzem especiarias, com ênfase para o cravinho, a canela e a pimenta.

O mundo é uma bola

23 de janeiro de 1368: Zhu Yuánzhang ascende ao trono da China como imperador Hongwu, dando início à dinastia Ming, que governaria os chineses por quase três séculos, assistindo em 1556 ao terremoto que atingiu as províncias de Shaanxi, Shanxi e Henan, causando a morte de mais de 800 mil pessoas, o que fez dele o sismo com maior número de vítimas fatais em toda a história. Em 1637, João Maurício de Nassau chega ao Recife. Dia 1º deste mês vi na tevê os fogos em Jaboatão dos Guararapes, que João Maurício não viu.

Ruminanças

“La libertad tiene sus riesgos y quienes creen en ella deben estar dispuestos a correrlos en todos los dominios, no sólo en el cultural, el religioso y el político” (Vargas Llosa).

EM CRIANÇAS » Hormônio feminino ameniza a epilepsia‏

EM CRIANÇAS » Hormônio feminino ameniza a epilepsia



Bruna Sensêve
Estado de Minas: 23/01/2014


Um tipo de hormônio sexual feminino pode ajudar a diminuir a quantidade de convulsões em crianças portadoras de uma grave forma de epilepsia. Ligado ao ciclo menstrual e gestacional, o estrogênio também tem importantes propriedades neuroprotetoras. O estradiol, um subtipo do hormônio, foi usado em camundongos com a mesma mutação genética que causa a síndrome e, segundo os resultados obtidos na Faculdade de Medicina Baylor, em Houston (EUA), a substância é capaz de prevenir a epilepsia ao alterar o circuito neuronal de forma permanente.

O artigo, publicado hoje na Science Translational Medicine, sugere que, no futuro, seja possível que o tratamento hormonal possa melhorar o desenvolvimento anormal dos neurônios responsáveis pelas crises. Para chegar a esses resultados, a equipe do Laboratório de Neurogenética Desenvolvimentista Blue Bird Circle, do Departamento de Neurologia da instituição, fez experiências com cobaias modificadas geneticamente para apresentar a mesma síndrome observada em humanos.

Doses do hormônio similares ao que é entregue a um bebê ainda dentro do ventre materno por meio da corrente sanguínea foram dadas aos ratinhos logo após o nascimento. Isso porque outras tentativas mostraram que, se o início do tratamento fosse postergado para quando os animais tivessem 30 dias, ele não teria mais efeito. “Acreditamos que a principal razão para o estradiol aparentemente só funcionar quando aplicado no início da vida é porque, depois de um certo ponto, as redes no cérebro são estabelecidas e deixam de responder ao hormônio da mesma maneira”, imagina Jeffrey Noebels, líder do estudo.

A necessidade de o tratamento ser praticamente imediata poderá ser acompanhada se um dia a terapia for transposta para humanos. Como essa síndrome tem um marcador genético, pode ser detectada no bebê antes mesmo do nascimento, o que facilitaria um possível início precoce do tratamento. No entanto, Marino Bianchin, neurologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, alerta que é muito cedo para pensar nos resultados com humanos, apesar de a técnica ser muito promissora.

Segundo Bianchin, o trabalho traz resultados muito interessantes do ponto de vista de evolução do tratamento, mostrando que é possível corrigir, com terapia hormonal, um defeito de organização dos neurônios no córtex. “Esse tratamento faz com que algumas redes neuronais que são deficientes nesse tipo de doença se normalizem. Eles (os pesquisadores) mostram que essa terapia aplicada precocemente, às vezes antes mesmo da primeira crise, pode modificar as redes neuronais de uma forma mais permanente”, considera o neurologista.

Cérebro moldado Noebels detalha que, durante o desenvolvimento inicial, precursores de neurônios migram para os locais de instalação finais, formando uma série de novas conexões. Esse processo é, em parte, influenciado por hormônios capazes de moldar regiões cerebrais. O mesmo que fez o estradiol: moldou regiões a princípio “defeituosas” para que funcionassem normalmente na vida adulta. Porém, segundo Noebels, o processo é limitado e rápido. Eventualmente, as alterações não podem mais ser realizadas.

Segundo ele, essa associação das crises epilépticas com a carga hormonal, principalmente a feminina, não é uma novidade. Mulheres com epilepsia costumam ter um número de crises que varia conforme o ciclo menstrual. “A gente sabe também que o estrogênio é um hormônio que facilita o aparecimento de crises. A progesterona, bastante presente durante a gravidez, pode inibi-las. Por isso, temos hoje alguns tratamentos feitos a base de hormônios.”

No caso do estudo norte-americano, nos primeiros momentos de vida, foi percebido o efeito inverso, ou seja, o bebê teve as crises reduzidas, assim como a progressão da doença quando o estradiol foi ministrado. “E tem um efeito diferente também. Ajuda a corrigir um defeito genético presente na cobaia”, acrescenta Noebels.

Diferentemente de pacientes epilépticos mais comuns, que têm crises esporádicas e, muitas vezes, nenhuma crise se medicados, pacientes com esse subtipo da doença – mais comum em meninos – podem sofrer várias crises em um único dia. A condição já está associada com um desenvolvimento ruim do cérebro. As convulsões, somadas a esse problema, fazem com que a criança tenha um retardo grave no crescimento, com dificuldades em aprender a andar ou falar. “Precisamos considerar que qualquer tipo de terapêutica desenvolvida nesse sentido pode trazer grande ajuda”, avalia Bianchin.

A força das mobilizações sociais - José Eloy dos Santos Cardoso

A força das mobilizações sociais 

 
José Eloy dos Santos Cardoso
Economista, professor da PUC Minas e jornalista

Estado de Minas: 23/01/2014


As mobilizações das sociedades são de extrema importância quando se trata de assuntos de desenvolvimento. O cientista político e professor da PUC Minas Moisés Augusto Gonçalves, quando afirmou pouco tempo atrás que “ótimas propostas de desenvolvimento só vão adiante quando a sociedade se movimenta” estava coberto de razão. O ex-ministro e professor Paulo Haddad, no livro Para o Brasil voltar a crescer, afirmou que “não basta ter infraestrutura adequada, não basta ter capacidade física de produção, o que determina o desenvolvimento é o grau de mobilização local”.

Excelente exemplo da certeza dessas afirmações é o Aeroporto Internacional Itamar Franco, situado entre os municípios de Goianá e Rio Novo, em plena Zona da Mata de Minas Gerais, que, pelo simples motivo da transferência dos voos comerciais da Azul Linhas Aéreas dali para o acanhado e até incompleto Aeroporto Francisco Álvares de Assis, também conhecido por “Serrinha”, provocou, mesmo que momentaneamente, grande e desafiante baque nas economias daqueles pequenos municípios. Demissões e prejuízos para a arrecadação de impostos, mão de obra desempregada, imediatamente, fizeram-se sentir nos hotéis, pousadas, bares e restaurantes, táxis especiais, linhas de ônibus, padarias e lanchonetes e até oficinas mecânicas que diminuíram ou tiveram até que fechar as portas sem que as prefeituras nada pudessem fazer.

O problema é que aquela empresa aérea transferiu seus voos e, a não ser por questões financeiras, passou a operar no aeroporto da Serrinha, campo de pouso que, em tempos passados, era condenado pela própria Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que, no máximo e com restrições, permitia só operar com os aviões ATR42, com capacidade e peso máximo de 42 passageiros, contrariamente aos ATR72 para 72 passageiros, mais pesados e usados pela Azul nos tempos atuais.

Fica difícil justificar como a mesma Anac permitiu à Azul fazer pousos e decolagens com o ATR72 em Juiz de Fora, quando ela mesma havia condenado o Serrinha por motivos de segurança. É claro que o famoso jeitinho brasileiro de fazer as coisas funcionou e muito bem nesse caso. O aeroporto da Serrinha não possui ainda um moderno caminhão de combate a incêndios importado, como os existentes nos maiores e melhores aeroportos do Brasil. Além disso, também não possui os indispensáveis e moderníssimos aparelhos de orientação aos pilotos em casos de voo cego, aliás, muito comuns no acanhado aeroporto de Juiz de Fora. Esses aparelhos são capazes de orientar o pouso quando a aeronave ainda está há apenas 200 metros do solo, condição que sempre acontece em casos de chuva ou nevoeiro no Serrinha que, além da pista ser pequena e funcione bem só em casos de tempos totalmente “de brigadeiro”, também não possui uma boa área de escape em caso de possível derrapagem ou que não permita aos pilotos utilizar com toda potência os freios para parar a aeronave.

Em dezembro, por duas vezes, pilotos da Azul tiveram que arremeter o avião já prestes a pousar em Juiz de Fora porque a chuva poderia trazer riscos de derrapagem. Se um aparelho de passageiros tem que arremeter quando está prestes a pousar, faz uma operação de grande risco porque as condições climáticas poderão não oferecer a necessária sustentação quando ele, repentinamente, tiver que trocar a posição de descida para a de subida. Quando os políticos ou empresários, sem pensar, forçam uma empresa aérea a mudar seus planos e ela, por motivos financeiros, aceita, a situação real de risco fica difícil.

Além do esforço político e da mobilização para a continuidade das operações do Aeroporto Itamar Franco, as comunidades de Goianá, Rio Novo, Coronel Pacheco e até de Juiz de Fora deveriam pressionar o governo mineiro por meio da Codemig a estudar e implantar um ou mais distritos industriais para darem suporte às operações dessa importante obra criada pelo ex-presidente da República. Na atualidade, a empresa que sucedeu a CDIMG possui recursos oriundos dos royalties das exportações de nióbio e poderia facilmente fazer os estudos, os projetos e as obras, que seriam a redenção da economia da Zona da Mata. O professor Moisés da PUC Minas tem total razão. Quando faltam políticos de prestígio e interesse, só as pressões populares e as mobilizações poderão resolver os problemas regionais.