sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Editorial O Globo » É positivo o saldo do julgamento do mensalão

O GLOBO - 28/02/2014

Mais importante processo julgado pelo Supremo tribunal Federal na história contemporânea do país, o mensalão encerrou ontem uma de suas etapas decisivas, com a absolvição, por maioria de votos, de réus anteriormente condenados por formação de quadrilha. Com sua composição alterada em relação à primeira fase do julgamento, devido à aposentadoria de ministros e à posse de novos - Teori Zavaski e Luís Roberto Barroso -, os embargos infringentes impetrados pela defesa dos réus foram aceitos por seis votos a cinco e, assim, os mensaleiros petistas José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares tiveram garantido o regime de prisão semiaberta, no cumprimento da pena pela condenação por corrupção ativa.
Os embargos restantes, sobre condenações por lavagem de dinheiro, em que se inclui o outro mensaleiro do PT, João Paulo Cunha, serão examinados depois do recesso do carnaval, em 13 de março, quando se poderá considerar finalizada a Ação Penal 470, o nome técnico do processo do mensalão.

Polêmicas e suspeições acompanham este julgamento desde o início da fase de plenário, no princípio de agosto de 2012. A rusga, anteontem, entre o presidente da Corte, Joaquim Barbosa, e o ministro Luís Roberto Barroso, em que o relator do processo denunciou Barroso por dar um voto político para afastar os petistas da condenação como quadrilheiros, livrando-os de vez do risco do regime fechado de prisão, reflete o clima que envolve o processo. Em resposta, Barroso pontificou: O Supremo é um espaço de razão pública, e não das paixões inflamadas. É certo.

Especulações, teorias conspiratórias em torno do julgamento entrarão para a história junto com o próprio veredicto. E no centro delas estará sempre a forma como foi renovado o Pleno na aposentadoria de Cezar Peluso e Ayres Britto.

O indiscutível é a sólida, e também histórica, demonstração de independência dada pela Corte, formada em sua maioria por indicações de governos petistas e na qual foram condenados líderes do partido no poder. José Dirceu se livra da pecha de chefe de organização criminosa , acusação que lhe fez o Ministério Público, já que não houve quadrilha , mas terá de arcar com a pena pela condenação por corrupção ativa , e carregá-la no currículo pelo resto da vida. Importa pouco, neste sentido, o regime da prisão. O mesmo vale para Genoíno e Delúbio. Os petistas, por sua vez, não poderão repetir que o mensalão não existiu .

As exaustivas discussões em todo este tempo, apesar de opiniões de Barbosa, justificam a conclusão de que foi extremo o rigor técnico na construção das sentenças. Aliás, a revisão das condenações por formação de quadrilha foi iniciada por um voto de Rosa Weber, que não deixou de penalizar mensaleiros por outros crimes. Nada ofuscará o avanço institucional representado pela condenação de poderosos, com a quebra da aristocrática tradição brasileira de não se punir a elite.

TeVê

TV paga

Estado de Minas: 28/02/2014

 (Y3 Film/Divulgação)

Ação ou educação?


A única estreia de hoje no pacote de filmes é Inimigos de sangue, às 22h, no Telecine Premium, com James McAvoy no papel de um policial que persegue o bandidão interpretado por Mark Strong. Mas apesar da trama curiosa, com muita ação, não chega perto do ótimo Edukators – Os educadores (foto), que será exibido no mesmo horário, na Cultura. Nesse caso, contando a história de um grupo de jovens que acreditam que podem mudar o mundo com uma forma diferente de rebeldia contemporânea.

Muitas alternativas na
programação de filmes


E tem mais. No Telecine Cult, a mostra dos filmes indicados ou premiados com o Oscar continua hoje com Encontros e desencontros (20h05) e Traffic (22h). No Universal Channel, só dá filmes de terror: Halloween II (19h40), Atividade paranormal (21h30) e Demônio (23h05). Na faixa das 22h, o assinante tem mais cinco opções: Estado de exceção, no Canal Brasil; O legado Bourne, no Telecine Pipoca; Perigo por encomenda, no Max Prime; A morte do demônio, na HBO 2; e Meia-noite em Paris, no Max. Outros destaques da programação: Minha noiva é uma extraterrestre, às 21h, no Comedy Central; Mulheres – O sexo forte, às 21h45, no Glitz; Contra o tempo, às 22h30, no Megapix; e Eu, robô, às 22h30, na Fox.

Cinema sugere debate no
Contraplano, do SescTV


 “O erudito e popular” é o
tema de hoje de Contraplano, às 22h, no SescTV. O poeta e tradutor Geraldo Carneiro e o professor de filosofia Celso Favaretto vão debater o assunto a partir de techos dos filmes Carnaval Atlântida (1952), de José Carlos Burle; Alma corsária (1993), de Carlos Reichenbach; O auto da Compadecida (2000), de Guel Arraes; e Cleópatra (2007), de Júlio Bressane.

Canal Bis transmite show
da cantora Céu, ao vivo


A série dos sambistas do programa Viva o sucesso reservou para hoje um especial com Beth Carvalho, às 21h15, no canal Viva. Outra atração musical bacana de hoje é o show da cantora Céu, que o canal Bis vai transmitir ao vivo, a partir das 22h, diretamente do Rio de Janeiro – e simultaneamente com o site canalbis.com.br.

Corumbiara denuncia
massacre de indígenas


No segmento dos documentários, uma boa dica é Versos da ilha, de Daniel Choma, às 14h35, no Sala de notícias do Canal Futura, falando das rendeiras da ilha de Santa Catarina. No Curta!, mais duas atrações: às 21h30, Corumbiara, de Vincent Carelli, sobre o massacre de índios em Rondônia; e às 23h, Adeus camaradas, sobre os conflitos que ameaçam o ideal comunista na Europa.



CARAS & BOCAS » Nasce uma estrela  Simone Castro
Hilda (Luiza Valdetaro) desencanta e estreia em grande estilo no cabaré de Joia rara (Cynthia Salles/TV Globo)
Hilda (Luiza Valdetaro) desencanta e estreia em grande estilo no cabaré de Joia rara

Uma performance arrebatadora. Assim é a estreia de Hilda (Luiza Valdetaro) no cabaré, nos próximos capítulos de Joia rara (Globo). A ex-mulher de Toni (Thiago Lacerda) perde o medo do palco e solta a voz em noite inspirada. Tudo começa quando Arlindo (Marcos Caruso) resolve apostar na carreira da jovem e marca um show no cabaré Pacheco Leão para que ela mostre ao mundo do que é capaz. Diante da família e de todos os amigos, Hilda canta e encanta a plateia e é aplaudida de pé. Acompanhado por Dália (Tânia Khalill), Ernest (José de Abreu) aparece de surpresa e se emociona ao ver a filha no palco. Toni fica feliz ao ver o sucesso da amada, mas mostra ciúmes ao perceber que, entre os convidados, está Aderbal Feitosa (Armando Babaioff), um famoso apresentador da fictícia Rádio Brasileira que se mostra muito interessado na nova estrela da música. No final do espetáculo, Aderbal convida Hilda para jantar e Toni vê os dois saindo juntos do cabaré. Aderbal pede a Hilda para se apresentar em seu programa.

MALHAÇÃO CONCORRE A
PRÊMIO INTERNACIONAL


A novelinha Malhação (Globo), é indicada pelo segundo ano consecutivo,  ao prêmio Emmy Internacional Digital na categoria “programa de conteúdo infantojuvenil”. A atração concorre com o projeto de segunda tela. Na atual temporada, a vida, as aventuras e os dilemas de um grupo de adolescentes foram transportados diretamente da tela da TV para os usuários por meio de um clique, seja no celular, desktop ou tablet. A novela é exibida e ao mesmo tempo no aplicativo a diversão não para: são quizzes, interação com outros usuários, conteúdos exclusivos e competição. O link entre o que vai na TV e o que ocorre no aplicativo é divulgado pouco antes do capítulo, com anúncios do tema do dia nas inserções de vídeo durante os intervalos comerciais. Comentários feitos pelos fãs nas redes sociais e do aplicativo também são mostrados na telinha. O prêmio será entregue em 7 de abril, em Cannes, na França, durante o MIPTV. Concorrem com o programa brasileiro produtos da Austrália, Holanda e do Quênia. O Emmy Internacional Digital contempla a melhor programação do mundo desenhada especificamente para plataformas digitais.

SARAU, DA GLOBONEWS,
NO PIQUE DO CARNAVAL


O Sarau especial de carnaval, que vai ao ar hoje, às 23h30, e amanhã, às 19h30, na GloboNews (TV paga), esquenta os tamborins e entra em ritmo de folia. O programa sobe o Vidigal para mostrar o melhor do samba carioca com a vista deslumbrante do mar e das montanhas que fazem do Rio de Janeiro uma das cidades mais bonitas do mundo. Em cima do morro, Chico Pinheiro reúne o grupo Fundo de Quintal, o compositor Almir Guineto e a cantora Nilze Carvalho, do grupo Sururu de Roda. Durante o bate-papo, os músicos falam de suas carreiras e mostram sambas que fizeram história, como o famoso hino do Cacique de Ramos, Doce refúgio, e o samba O show tem que continuar.

NOVELA BRASILEIRA FAZ
SUCESSO NA ARGENTINA


Desde sua estreia, em 16 de dezembro, a novela Avenida Brasil, de João Emanuel Carneiro, tornou-se a preferida dos argentinos. Em exibição no canal Telefe, o programa é o mais visto no país. O fenômeno de audiência, como ocorreu no Brasil, se repete em todos os países onde a novela foi ao ar. A TV Globo vendeu os direitos de exibição a 124 países e a trama já foi dublada em 18 idiomas. No script em que a vingança dá o tom, Nina (Débora Falabella) volta do passado de maus-tratos quando criança para assombrar os dias da ex-madrasta, a vilã Carminha, vivida por Adriana Esteves. Segundo a revista americana Forbes, a novela é um dos produtos mais rentáveis da televisão mundial nos últimos tempos: com um investimento de US$ 91 milhões de produção, a Globo arrecadou cerca de US$ 2 bilhões.

SEM FESTA

O clima de folia desceu ladeira nos bastidores da novela Em família (Globo). Por conta de atrasos na entrega dos capítulos e falta de frente, os atores terão de ficar à disposição da emissora no feriado de carnaval e as gravações serão realizadas como se fosse em um dia útil qualquer, segundo o site Notícias da TV. Com isso, o aviso baixado é: ninguém poderá viajar. Já estão programadas cenas para hoje, amanhã, segunda, terça e quarta-feira de cinzas. Muitos dos artistas não poderão fechar as tão badaladas presenças VIPs em camarotes, por exemplo, em Salvador, na Bahia. De acordo com o site, muitos estão revoltados, especialmente aqueles em começo de carreira e que contam com os cachês. A novela de Manoel Carlos não teria capítulos adiantados em função do corte de várias cenas, especialmente na segunda fase da novela. Prevista para 179 capítulos, Em família foi reduzida e só terá 149.

VIVA
Adorei a chegada de Viviane Pasmanter na novela Em família. No papel de Shirley, finalmente a atriz estreou e em grande estilo: carregando uma cobra dentro de um avião! Já disse a que veio.

VAIA
A vida é linda, o amor está no ar, mas é estranho que Clara (Giovanna Antonelli) pouco se dedique ao filho na novela Em família. Seu mundo se resume em Marina (Tainá Müller). Um exagero.

Luiza Erundina - Ainda em busca de utopias

Por Paulo Totti | Para o Valor, de Brasília
28/02/2014





Foi na tarde em que o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, afirmou que o projeto político e social do atual governo "mofou". A ex-senadora Marina Silva fez coro: "O entulho da velha política atrapalha o Brasil". Estes foram os momentos destacados pela mídia como os mais importantes do ato que PSB e Rede realizaram na Câmara dos Deputados, no início de fevereiro, para anunciar as diretrizes gerais de sua campanha à Presidência e vice da República. Passou despercebido o que aconteceu no início do evento, quando a plateia do lotado Auditório Nereu Ramos se deu conta de que faltava alguém na mesa diretora dos trabalhos. "Erundina! Mesa! Mesa!", ecoou pelo salão. Sob aplausos, a deputada Luiza Erundina de Souza (PSB-SP) foi chamada ao palco. Não lhe deram a palavra, mas um lugar de honra entre figuras ilustres até de terceiras legendas, como a senadora Ana Amélia (PP-RS).

Menos de 24 horas depois, Erundina está no restaurante da Câmara dos Deputados para este "À Mesa com o Valor". Aos 79 anos, a deputada revela jovial entusiasmo, não necessariamente com o que aconteceu no dia anterior - "ontem ou anteontem?" -, mas com as novidades da política brasileira. Para ela, a difusa manifestação das ruas em 2013 foi "uma primavera, uma explosão do anseio de participação popular". E diz acreditar que a aliança PSB-Rede pode absorver e representar essa ansiedade, não só nas eleições de outubro, mas para o futuro. "Sinto-me como nos tempos de criação do PT em 1980".
- Seu otimismo é comovente...

- O povo faz história, cria condições para rupturas democráticas. Acredite nisso.
Gestos teatrais ou alteração do tom de voz são tímidos ante a empolgação das palavras. É a Erundina de sempre, tranquila. E firme. Sua fala é enxuta de adjetivos. Economiza-os até quando lembra retalhos da infância na periferia de Belém do Rio do Peixe, distrito de São João do Rio do Peixe (hoje Uiraúna), a 480 quilômetros de João Pessoa.

Pai, mãe, dez irmãos e uma nesga de terra no sertão da Paraíba. Plantavam feijão, milho, agricultura de subsistência. E um pouco de algodão. "Com a venda do algodão, dava para comprar uma muda (de roupa) para cada filho no fim do ano." A mãe, Enedina, fazia bolos que Erundina vendia na feira. O pai, Antônio Evangelista, era também artesão, trabalhava o couro. Conheciam-no pela produção de selas e arreios que não machucavam os animais. Mas a seca do semiárido, um ano sim, outro não, arrasava a plantação, o movimento da feira minguava, e quem compraria arreios para cavalos mortos? "A cada seca, o pai nos levava pra algum lugar pra tentar não morrer de fome nem de sede. Migrávamos. Os maiores a pé, os menorzinhos num jegue. Quando chovia, voltávamos. Braba foi a seca de 43."


Sou independente. Quando Gilberto Kassab quis entrar no PSB, eu disse "Ele entra por uma porta, eu saio pela outra"

A escadinha de irmãos dividia-se pela metade, os cinco mais velhos eram varões. Erundina puxava a fila de cinco meninas. Os dois primeiros irmãos morreram, "por desnutrição, certamente".
- Hoje levas de retirantes já não invadem as cidades. O que mudou?

- As condições são diferentes. Mas a miséria continua, apesar de atenuada pelo Bolsa Família. Estruturalmente, o problema não mudou. O latifúndio continua e continua a necessidade de buscar a cidade grande para salvar a vida. As pessoas já não fogem a pé, vão de ônibus. Daí se amontoam nas favelas, invadem os espaços vazios, até a polícia vir despejar por ordem da Justiça.

Os pais, semi-analfabetos, queriam que as meninas estudassem. Em São João do Rio do Peixe não havia o que se chamava curso ginasial. Ao terminar o quinto ano primário, Erundina pediu para repetir o ano, não queria ficar longe da escola. Aos dez, uma tia, viúva, acolheu-a em Patos, onde havia um ginásio particular e a mais velha das primas, professora, conseguiu-lhe uma bolsa. "Era também uma família pobre, numerosa. Às vezes faltava mistura (carne) e eu era mais uma boca..." Em Patos, Erundina estudou dois anos. A tia mudou-se para Campina Grande, Erundina foi junto e, também com bolsa, terminou o ginasial em outra escola particular. O "científico", atual ensino médio, pôde ser cursado em escola pública. "Aí, já trabalhava". Estudava à noite e lecionava no primário em escola de irmãs de caridade, onde chegou a formar um coral. A vontade era ser médica, mas não tinha dinheiro para morar em João Pessoa. Ao mesmo tempo, as irmãs precisavam de apoio para continuar a estudar. Erundina resolveu ajudá-las, trouxe-as para Campina Grande - a mãe foi junto, o pai ficou no sertão - e, com seu trabalho, pagou o estudo delas durante nove anos. E desistiu da medicina.

"Só o estudo poderia libertá-las. Lá no sertão o destino das meninas seria igual ao de outras da minha geração: casariam cedo, teriam uma filharada, a miséria se reproduziria e, a cada seca, estariam pelas estradas à espera do inverno."

Sem câmbios no tom de voz, a deputada faz uma revelação:

"Por isso, talvez, o projeto de casamento não se colocou para mim."

A conversa seguia e ninguém à mesa pensara em comer. O garçom avisou que em breve a casa estaria cheia e a comida poderia demorar. O encontro se iniciara ao meio-dia e já eram 12h40. Não havia o tradicional bufê porque a cozinha estava em reformas, mas o restaurante oferecia uma fórmula - "Mesa brasileira" - com duas opções de entrada e de prato principal. Erundina dispensa o creme com couve-flor e escolhe a salada de folhas com tomates, palmitos, crotons e azeite balsâmico. Como prato principal, filé mignon ao molho de vinho com arroz "tipo risoto". Para beber, água sem gás. O fotógrafo Ruy Baron a acompanha. O repórter opta também pela mescla de folhas e prefere salmão com alcaparras e suco de caju. Há três anos, a qualidade da comida do restaurante da Câmara, fornecida pelo Senac, foi criticada neste mesmo espaço - numa entrevista com o deputado Romário Faria(PSB-RJ). Desta vez, o Senac reabilitou-se. A salada, pela delicadeza do tempero, saborosa. O prato principal, irrepreensível.



Deputada Luiza Erundina: "Aliança Campos-Marina me faz lembrar os anos de fundação do PT"



Nos nove anos que passou sem estudar, a jovem mergulhou na militância. Eram tempos de dom Helder Câmara em Recife e de dom José Maria Pires em João Pessoa. Sem ser beata e nunca ter pensado em ser freira, mas inspirada na pregação dos dois arcebispos, Erundina ligou-se à Ação Católica. "Já tinha uma concepção cristã de justiça e me dediquei ao trabalho de conscientização e politização na periferia. Nos domingos, ia mais a reuniões com os pobres do que à missa. Foram anos de outro aprendizado, o da solidariedade".

Depois de quase uma década, volta aos estudos e é aprovada no vestibular da recém-criada Faculdade de Assistência Social de Campina Grande. Passados dois anos, transfere-se para João Pessoa, onde trabalha como auxiliar administrativa no então INPS e conclui a graduação na Universidade Federal. Volta para Campina Grande no cargo de secretária de Educação e Cultura do município. Em 1968, consegue uma bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes) para o mestrado na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. "Havia o compromisso de que, na volta, seria professora na Universidade Federal da Paraíba, necessitada de pós-graduados em sociologia. O Exército me vetou. Era sexta-feira, quando a nomeação foi cancelada. Na segunda seguinte ia começar o ano letivo de 1970. Guardo a carta do reitor, um oficial da reserva." A "opção pelos pobres" passou a ser monitorada. Ao sair de uma reunião com empregadas domésticas, encontrou um jovem que fora seu vizinho em Campina Grande. Conversaram um pouco e, "muito sem jeito", o rapaz disse ser informante do Exército com a missão de segui-la. Uma amiga, parente de um general, pergunta a este sobre a situação de Erundina. Resposta: "É melhor ir embora; se ficar, acaba presa como subversiva ou desaparece".
Decide mudar-se para São Paulo. Faz concurso para a Prefeitura e, em 1971, começa a trabalhar como assistente social em cortiços e favelas. "A luta era a mesma do sertão: o pobre e sua tentativa de fugir da pobreza."

Passou quase dez anos entre os excluídos da grande metrópole. Com colegas de profissão reativou a associação dos assistentes sociais. Em 1979, o governador biônico Paulo Maluf (agora no PP) patrocina em São Paulo um congresso de assistentes sociais que julgava adeptos do regime.
 Erundina e sua turma resolvem comparecer e, fruto de pertinaz trabalho em um plenário de três mil pessoas, conseguem derrubar a direção "pelega" do congresso. Caem também os homenageados. Sai Maluf e entra Luiz Inácio da Silva, líder das greves do ABC. Lula é o orador no encerramento. Retifica o que dissera num comício, quando acusara assistentes sociais de tentar aliciar trabalhadores para furar a greve na Volkswagen. "Descobri aqui que há assistentes sociais e assistentes sociais." Nessa noite, Lula e Erundina se conheceram, num contato breve.

"No dia seguinte, Lula mandou recado: 'Se não tiver nenhuma vinculação com esses grupos de esquerda clandestinos, está convidada a se juntar a nós e fundar o PT'. Sou do PT a partir daí. Estou entre os 113 que assinaram a ata de fundação."

Para Erundina, no sertão ou nas favelas, a situação é a mesma: "O pobre a tentar fugir da pobreza"



- Não militava na Ação Popular (AP), Ação Popular Marxista-Leninista (APML), PCdoB, que tinham muitos quadros de origem católica?

- Não. Nunca participei de qualquer grupo clandestino. Atuava com o pessoal da Ação Católica, abertamente.

- Como é a sua relação atual com Lula?
- Não existe.

A partir daí, a vida de Erundina é conhecida. Vereadora em 1982, deputada estadual em 1986 e, em 1988, primeira mulher, e nordestina, e de esquerda, a ganhar eleição para prefeito de São Paulo. Nas prévias do PT para a escolha do candidato, derrotou Plínio de Arruda Sampaio, hoje no PSOL. Erundina era considerada a radical, tinha apoio do sociólogo Florestan Fernandes, do ex-guerrilheiro José Genoino, de facções católicas e trotskistas. Com Plínio, o moderado, estavam Lula, José Dirceu, Ruy Falcão. "Não era a candidata deles e não fui a prefeita deles. Lula não foi à minha posse. Foi a Porto Alegre para a posse de Olívio Dutra".

- A direção do PT sabotou sua administração?

- Atrapalhou. Questionavam minhas decisões, queriam estatizar tudo. Como é que iria estatizar o transporte coletivo, uma frota sucateada? O serviço ia ficar pior. Foi um governo difícil. A oposição estava na imprensa; na maioria dos vereadores; no governo do Estado, com Orestes Quercia e depois Luiz Antônio Fleury; no governo federal, com José Sarney e depois Fernando Collor; nos malufistas saudosos da ditadura, e no Tribunal de Contas, com conselheiros indicados pelos prefeitos anteriores. E em parte do PT. O que me salvou foi o secretariado de nível ministerial escolhido por mim: Marilena Chauí, Paulo Freire, Paul Singer, Ermínia Maricato, Hélio Bicudo, Dalmo Dallari...

Controlou a enorme dívida deixada pelo antecessor, Jânio Quadros, e chegou a tentar o passe livre no transporte público. O sistema, engenhoso, um tanto romântico, se pagaria com um "plus" no IPTU. A iniciativa foi abortada por oposição da Câmara e da imprensa, que convenceram o próprio PT de que o povo não valorizaria, pelo contrário, depredaria, algo oferecido de graça.


O PT perde as eleições em São Paulo e Maluf volta à prefeitura. Em Brasília, há o "impeachment" de Collor e assume Itamar Franco, com ambição de formar um governo de união nacional. Itamar, "homem sério, honesto", convida Erundina para o Ministério da Administração, cargo que exerceria apenas de fevereiro a maio de 1993. Ela aceita, sem consultar o PT, que decidira manter-se na oposição. A indisciplina custou-lhe a suspensão dos direitos partidários. Volta um ano depois e, em 1996, disputa novamente a prefeitura e perde no segundo turno para Celso Pitta (PPB). O clima no partido, porém, já não lhe é acolhedor. Em 1997, sai do PT e vai para o PSB. Elege-se deputada federal em 1998 e se reelege a partir de então. Está agora no quarto mandato, aspirante ao quinto. Em 2000, tentou voltar à prefeitura, mas foi derrotada por Marta Suplicy (PT). Dois anos depois, apoia Lula para presidente - também Dilma Rousseff em 2010. Em 2012, estaria novamente ao lado do PT como candidata a vice de Fernando Haddad para a prefeitura, não fosse a bizarra visita de Lula a Maluf, interessado nos minutos que o partido do ex-governador (PP) agregaria à propaganda petista no horário eleitoral. Erundina retirou a candidatura, fiel à crítica que faz à prática política brasileira: "O pragmatismo leva ao abandono dos princípios".


Na Câmara, Erundina atua nas comissões e é assídua em plenário, além de presidente da subcomissão Memória, Verdade e Justiça, que complementa o trabalho da Comissão Nacional da Verdade. Em 2011, apresentou projeto que modifica o artigo 1º, parágrafo único, da Lei de Anistia. "Ao tratar de crimes conexos, dá anistia a crimes comuns, tortura, assassinato. O torturador é anistiado junto com o torturado. São anistiados até os autores de atentados como o do Riocentro, cometido depois de 1979, quando o Congresso, sob pressão militar, aprovou a lei. O STF considerou a lei constitucional, mas o Congresso que a votou pode até revoga-la. Não é lei pétrea." O projeto dorme nos meandros da Câmara.


Ao projeto, "e também à vida pregressa", a deputada atribui o fato de ter sido vetada em visita que parlamentares realizariam no fim do ano passado às dependências onde funcionou o DOI-CODI, célebre e macabra sigla da repressão. Os senadores João Capiberibe (PSB-AP), Ana Rita (PT-ES) e Randolphe Rodrigues (PSOL-AP) fariam uma inspeção no quartel da rua Barão de Mesquita, no Rio, agora sede da polícia do Exército. Quando incluíram Erundina na lista de visitantes, veio a resposta de que ela não seria recebida. Os senadores recorreram a autoridades mais altas. Até o ministro da Defesa, Celso Amorim, interveio. Chegou-se a um acordo.

- E a visita foi feita?

- Foi. Antes de a gente percorrer os locais onde teriam ocorrido torturas, um oficial fez um relato sobre a história da polícia do Exército, desde o século XIX. Quando chegou a 1964, pulou para os tempos atuais. Reclamei: "Tá faltando um capítulo aí". "Não quero fazer política", disse o oficial.

- A senhora é homenageada em público, exibida até, como integrada na campanha de Campos e Marina. Aconteceu ontem e no dia do anúncio da aliança. Internamente também é considerada, tem influência?

- Em São Paulo não tenho nenhuma influência, a direção estadual decide sozinha. Nos âmbitos estadual e nacional, o PSB tem feito algumas concessões com as quais não concordo. Gilberto Kassab quis entrar no PSB quando saiu do DEM. Chegou a conversar com Eduardo. Aí eu disse: "Entra por uma porta, saio pela outra". Tenho posição de independência, discordo de público. Com isso, evitei também o apoio à reeleição do governador Geraldo Alckmin. Se dependesse só da direção estadual, o PSB em São Paulo continuaria linha auxiliar do PSDB.

Em São Paulo, Erundina (214 mil votos na última eleição para a Câmara) disputa a condução do PSB com seu colega Márcio França (172 mil votos). França, presidente da sigla, tentou o apoio de Campos à reeleição de Alckmin, de cujo governo foi secretário de Turismo e de quem pretendia ser vice. Erundina foi contra e Marina Silva impôs a opção por uma candidatura própria. Márcio, ex-prefeito da litorânea São Vicente, tem votos na Baixada Santista. Erundina, na região metropolitana de São Paulo.





- É candidata a governadora?

- Marina queria que eu fosse. Meu candidato é Pedro Dallari, filho do Dalmo. Professor da USP, ex-presidente do PSB municipal, coordenador da Comissão Nacional da Verdade, é nome representativo, respeitável. Não vamos reduzir tudo ao processo eleitoral. Queremos fazer bonito na eleição, mas, pelo diálogo com a sociedade, criar um saldo de organização capaz, depois da eleição, de continuar o processo de mudança da cultura política brasileira. É a nossa concepção do novo, novo na forma de ser partido, de ser governo, de atuar.

- A senhora é ouvida na formação do programa da aliança?

- Sou mais uma militante. Contribuo com minha experiência e minhas ideias. Me convidam para reuniões, debates, seminários, que se realizam pelo país para aprofundar a proposta geral. É coisa séria, e é pra valer, viu?

Erundina está mesmo animada.

- O que Campos tem de diferente?

- Eduardo é muito aberto. Eu me impressiono que nas reuniões do partido ele sempre fica do início ao fim, o dia inteiro. Não faz como outros, que falam na abertura, ditam ordens e vão embora sem ouvir o que os demais têm a dizer... Ele acompanha tudo, ouve um por um, toma nota. E amarra no fim com base no que anotou. É uma pessoa que aprende fácil!

Sobre Marina, a deputada é igualmente fraterna. "Somos próximas desde a criação do PT, originárias da mesma experiência de respeito ao poder de mudança do povo. Os discursos de Eduardo e Marina são diferentes, mas se complementam no apelo a mudanças qualitativas. Isso é fantástico.

O repórter provoca: "A senhora é católica, Marina foi católica e agora é criacionista."

"Cada um com sua crença." Faz uma pausa e ri, condescendente: "Ninguém é perfeita".

É hora da sobremesa, doces e frutas servidos num aparador perto da cozinha. Erundina volta com generosa porção de pudim e fruta em calda.

- A sua saúde, como está?

- Brinco que, quando filho de pobre não morre no primeiro ano de vida, se cria e dura muito. Estou muito bem. Sou apaixonada pelo que faço, quero mudar as coisas. Há decepções, é claro. Mas ficar parada na frustração, no desalento, é atitude conservadora. Tem que voltar a lutar. A motivação dá vida à gente. Tenho utopias, entendeu?

- A propósito, a senhora vê em Campos chances de vitória?

- Vejo essa possibilidade. PT e PSDB, embora fortes, estão exauridos. Não dá para subestimar o potencial de Dilma, mas não acredito que Aécio (Neves) seja páreo para ela ou para Eduardo. A composição com Marina dá expressão à candidatura de Eduardo num outro nível. É um novo paradigma na forma de fazer política.

A quase octogenária se despede com um beijo. A passos lentos, vai para o plenário, onde a sessão já começou.


MANOEL DE BARROS » Poesia musicada em disco‏ - Ailton Magioli

MANOEL DE BARROS » Poesia musicada em disco
Ailton Magioli

Estado e Minas: 28/02/2014

A fluminense Andreia Mota lança seu primeiro disco solo, Paisagem invisível     (Sergio Baia/Divulgação )
A fluminense Andreia Mota lança seu primeiro disco solo, Paisagem invisível

A música e o teatro chegaram ao mesmo tempo na vida da fluminense Andreia Mota, de São João de Meriti. Depois de estrear profissionalmente no musical Raul fora da lei, ela lança Paisagem invisível, primeiro disco solo, e conta que sempre teve mais queda pela música. Mas a oportunidade de acesso ao teatro acabou ajudando muito Andreia. “Eu era muito tímida”, conta, daí o fato de as artes cênicas terem aberto porta tão importante. De repente, ela se viu matriculada na universidade, no Rio, em curso de teatro. Mas a queda para a interpretação, como faz questão de salientar, é natural. Só que Andreia planejava ir além.

“Queria criar condição para a música vir à tona”, explica a atriz e cantora, responsável pela dramaturgia de seu show, que, depois das temporadas de 2012 e 2013 resultou no CD. Recém-lançado no Teatro Solar de Botafogo, Paisagem invisível é, originalmente, um show cênico-musical com direito à inclusão de poesia (do mato-grossense Manoel de Barros, fonte de inspiração da criação do espetáculo).

O repertório é o aspecto mais forte no conjunto da obra de Andreia Mota, intérprete às vezes afetada (demais). Da pérola Guardanapos de papel, do uruguaio Leo Masliah, em versão de Carlos Sandroni, à inédita Papoula brava, do carioca Thiago Amud, o disco prima pelo bom gosto poético-musical, incluindo inéditas de Marcelo Fedrá (Flor voadeira e Contumaz, além da faixa-título); Alessandra Gellio (Todo dia eu sonho com uma mulher); e de Andreia Mota (Dos seus olhos), além de clássicos de Nelson Angelo, com Fernando Brant (Canoa, canoa); Tom Jobim, com Aloysio de Oliveira (Inútil paisagem); e de Wilson Baptista, com Germano Augusto Coelho (Boca de siri). De Milton Nascimento, com Paulo Ricardo, ela gravou Feito nós.

A direção cênica do show é de Alessandra Gellio, enquanto os arranjos ficaram a cargo dos músicos Real Júnior e Victor Ribeiro, que também assina a direção musical. “Victor foi muito sensível para captar o que havia de sutil no repertório”, reconhece Andreia Mota, lembrando que o primeiro arranjo feito por ele foi o de Inútil paisagem, “superimagético, com contracantos”. Concebidos em linguagem jazzística, os ritmos brasileiros se sobressaem no trabalho da cantora indepedente, cujo álbum de estreia pode ser encontrado no ITunes e CDBaby, além do site oficial www.andreiamota.com.br

PROJETO SEMPRE UM PAPO » Adélia Prado tem a poesia como redenção - Carlos Herculano Lopes

PROJETO SEMPRE UM PAPO » Adélia Prado tem a poesia como redenção

Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 28/02/2014


Radicada em Divinópolis, poeta completa 80 anos em 2013 (Alexandre Guzanshe/EM/d.A Press)
Radicada em Divinópolis, poeta completa 80 anos em 2013

 Ontem à noite, o Teatro Sesiminas, que tem capacidade para cerca de 700 lugares, foi pequeno para abrigar todas as pessoas que foram ouvir à poeta Adélia Prado e poder conseguir um autógrafo dela. Ela veio a Belo Horizonte lançar o seu último livro de poemas, Miserere.

Dezenas de fãs da escritora, de todas as idades, que não conseguiram um lugar no teatro, nem mesmo de pé, não escondiam a frustração por terem ficado de fora. “Tinha que ter pelo menos um telão aqui para a gente poder vê-la”, reclamou a estudante Maíra de Oliveira, que mora no Bairro Anchieta. Ao lado dela, uma senhora, que também se dizia fã de Adélia, concordava com a garota.

Aplaudida de pé quando foi chamada ao auditório, a poeta, que no ano que vem completa 80 anos, disse só ter aceitado participar do Projeto Sempre um Papo, porque o evento tratava-se de um sarau de poesia e não de uma palestra. “Ultimamente tenho andado muito deprimida, muito triste com a situação do Brasil; existe um peso no ar. Mas como a poesia, por mais ínfima que possa ser, para mim significa esperança e porque acredito nela, estou aqui hoje”, disse.

Nascida em Divinópolis, no Centro-Oeste mineiro, em 13 dezembro de 1935, onde ainda vive, Adélia Prado foi professora durante muitos anos. Seu primeiro livro, Bagagem, foi publicado em 1976, depois de Affonso Romano de Sant’Anna tê-la apresentado a Carlos Drummond de Andrade. Ele se encantou com a poesia de Adélia e resolveu ajudá-la. Dois anos depois, com outro livro de poemas, Coração disparado, a escritora ganharia o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro. Ela é autora ainda de vários romances e livros infantojuvenis, como Quero minha mãe, Quando eu era pequena e Carmela vai à escola.

No encontro de ontem, Adélia Prado, que reafirmou durante a sua fala acreditar na poesia como “redenção, e uma espécie salvação contra o mal”, também leu alguns poemas de Miserere. Lançado recentemente pela Editora Record, com esse livro ela se firma ainda mais, ao lado de Manuel de Barros, Affonso Romano de Sant’Anna e Ferreira Gullar, como a grande voz da poesia brasileira atual.

Velho jovem patrimônio mundial‏

Velho jovem patrimônio mundial 
 
Cientistas tentam conciliar teses divergentes sobre a idade do Grand Canyon, uma das maiores formações rochosas do mundo e que começou a se formar há 50 milhões de anos 


Estado de Minas: 28/02/2014


Para o estudo, evolução das temperaturas da rocha apatita foi reconstituída, para datar momento de sua subida à superfície (David McNew/AFP %u2013 20/5/12)
Para o estudo, evolução das temperaturas da rocha apatita foi reconstituída, para datar momento de sua subida à superfície

Paris – O Grand Canyon do Colorado começou a se formar há pelo menos 50 milhões de anos, mas concluiu seu crescimento apenas muito recentemente, afirma um estudo que tenta reconciliar as teses contraditórias sobre a idade dessa maravilha da natureza do Oeste americano. A questão é alvo de inflamados debates há mais de um século. Os cientistas se enfrentam para provar que esse grande vale é muito mais antigo do que se pensa (até 70 milhões de anos), ou, ao contrário, que é extremamente jovem na escala geológica, com apenas 5 milhões a 6 milhões de anos.

Para testar e reconciliar os modelos conflituosos sobre a datação do Grand Canyon, Karl Karlstrom e sua equipe, todos da Universidade do Novo México, em Albuquerque, nos Estados Unidos, decidiram levar em consideração todos os dados geológicos e a “termocronologia” de todo o conjunto.

 A termocronologia permite reconstituir a evolução das temperaturas de um certo tipo de rocha – a apatita – e datar o momento de sua subida à superfície sob a ação do rio que erodiu o solo e formou o cânion. Segundo o estudo, publicado na revista Nature Geoscience, uma garganta situada no meio do Grand Canyon, o segmento Hurricane (furacão, em português), é particularmente antigo e foi talhado na rocha há 50 milhões-70 milhões de anos por um rio hoje desaparecido.

Escavado por um outro rio arcaico, o segmento vizinho Eastern Grand Canyon teria uma idade intermediária, entre 15 milhões e 25 milhões de anos. E foi apenas recentemente, algo entre 5 milhões e 6 milhões de anos, que o rio Colorado se integrou à paisagem, escavando as duas extremidades do Grand Canyon: Marble Canyon, ao Leste, e Westernmost Grand Canyon, a Oeste.

Segundo os pesquisadores, as gargantas não teriam parado de aumentar, desde então, sob o efeito da erosão, entre 100 a 200 metros por milhão de anos até serem, finalmente, interconectadas e chegarem ao Grand Canyon tal como é conhecido hoje. Atração turística bastante popular, o Grand Canyon se estende por 446 quilômetros, com largura máxima de quase 29 quilômetros e até 1.850 metros de profundidade.

O homem e a mala - Carlos Herculano Lopes‏

O homem e a mala
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 28/02/2014



Tudo começou numa corrida entre o aeroporto de Confins e Belo Horizonte, quando um motorista de táxi, que aqui vamos chamar de Eustáquio, pegou uma corrida para trazer um cliente até um bairro da Zona Sul. Antes de entrar no carro, aquele homem, bem vestido e com pinta de executivo com ótimo salário, depois de cumprimentar o condutor pediu que guardasse a sua mala no bagageiro. “Assim vamos mais à vontade, batendo um papo”, disse e, de imediato, começaram a conversar.

Bom falante, contou ao motorista que estava voltando do México, onde a firma em que trabalhava tinha uma filial no estado de Morelos, no Sul do país. “Nosso ramo é revenda de tratores, que também exportamos para os Estados Unidos e países da América Central”, disse ainda. Como o taxista, que não era de muita conversa, ficou em silêncio, ele perguntou: “Você já esteve fora do Brasil?”. “Não senhor, nunca saí aqui de Minas Gerais”, respondeu o outro, como que envergonhado. O trânsito fluía bem.

Daí a pouco, já mais à vontade, o taxista também foi começando a falar e revelou ao cliente, que o ouvia com atenção, ser de Montes Claros, onde, quando adolescente, tinha trabalhado em uma fazenda de gado. “Mas chegou uma hora em que percebi que não dava mais para continuar, pois precisava ajudar minha família, que era muito pobre, e então resolvi vir para Belo Horizonte tentar a vida.” Confessou também que aquele carro não era dele, mas de um conterrâneo que tinha quatro outros “rodando por aí”.

“Daqui a um tempo você compra o seu, é só ir juntando o dinheiro. Coloque todos os meses um montante na poupança; não mexa nele, e nem conte para os parentes, senão vão pedir emprestado”, aconselhou ainda o homem, ao que o motorista sorriu: “Sei muito bem como é isso. Por ter avalizado um primo perdi tudo o que tinha”, comentou. E a viagem foi seguindo. Fazia muito calor.

Certo é que, mais ou menos uma hora depois, chegaram ao destino e o condutor, que sempre fora um homem calado, mas tinha se simpatizado com aquele homem, já estava todo prosa, contando façanhas. Ao que o outro, como se fossem velhos conhecidos, retribuía com boas gargalhadas. Na porta do prédio, onde este disse que iria ficar, o taxista parou, recebeu o pagamento e se despediram.

Qual não foi sua surpresa quando, no outro dia pela manhã, ao abrir o bagageiro para tirar uma sacola, se deparou com uma mala preta. “Que mala é esta, meu Deus?”, pensou e, como atendia dezenas de passageiros por dia, nem se lembrou de quem poderia ser. Curioso, a abriu, não sem receio: dentro dela, além de dois ternos, encontrou uma máquina filmadora, um laptop, câmara digital, objetos de uso pessoal, pastas de documentos e US$ 3 mil em notas de 100.

“De quem será isso, meu Deus?”, voltou a pensar, e nem se lembrou do homem de terno, que havia pegado em Confins. Ao mostrar para um colega, esse mexeu os ombros e disse: “Se eu fosse você, ficava com tudo”. Mas aquele homem, que aqui estamos chamando de Eustáquio, não era de ações desse tipo. E três dias depois, após quebrar a cabeça, as coisas foram se encaixando. “É dele, do moço do México”, concluiu. E seguiu para o prédio na Zona Sul, onde o outro, depois de localizado, custou a acreditar – acostumado que era ao árido mundo dos negócios – que uma coisa daquelas pudesse estar acontecendo.

Eduardo Almeida Reis - Academias‏

Academias
O mundo fashion é composto de modismos e tolices

Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 28/02/2014

Tenho frequentado pouco a Academia Mineira de Letras (AML), que teve a ousada gentileza de me acolher entre os seus membros em 1995. Problemas geográficos e hospitalares fazem que o philosopho se ausente da Casa de Alphonsus de Guimaraens, que é também e muito a Casa de Vivaldi Moreira – instituição admirável sediada na Rua da Bahia, em Belo Horizonte, hoje presidida pelo não menos admirável escritor Olavo Romano, natural do Morro do Ferro, em Oliveira, Centro-Oeste de Minas. Aplica-se ao Morro do Ferro o título de um filme italiano Vedi Napoli e poi muori, o que significa dizer que, tendo conhecido Nápoles, uma das cidades mais lindas do mundo (sic), o sujeito pode morrer. Por suas próprias virtudes e pelo fato de ser lindeiro de Ritápolis, cidade natal de bom amigo meu, o Morro do Ferro exprime o que há de melhor na mineiridade. Embatuco entre falar das academias e do prefeito de Nápoles, que deve ser o novo primeiro-ministro italiano na flor dos seus 39 aninhos, o que na Itália significa menino de cueiros. Por ora, fico nas hostes academiais para lembrar ao leitor o texto “A origem das academias”, do médico Cláudio Azevedo Sales, que me honra com a sua amizade, publicado neste jornal em 11 de julho do ano passado. Vice-presidente da Academia Mineira de Medicina, o doutor Sales analisou as academias desde o seu florescimento na Grécia Antiga, berço da civilização ocidental. No texto aprendi que Zeus, deus dos céus e dos trovões, rei dos deuses e dos homens, dominava o universo e os deuses de Olímpia. Apesar de casado com Hera, aventurava-se em romances eróticos, originando descendentes divinos e heróis. Certa vez, surpreendeu a encantadora Leda, mulher de Tyndareus, rei de Esparta, seminua, deitada sobre a relva – e por ela se apaixonou. Para conquistá-la, Zeus se transformou em cisne conseguindo seduzi-la enquanto ela dormia ao lado do marido. Nessa mesma noite materializou seu desejo e consumou sua união com Leda, originando quatro filhos: Pollux, Cástor, Clytemnestra e Helena, imortalizada como a sedutora Helena de Troia. E a história vai (ou vem?) por aí, mostrando que Zeus, rei dos deuses e dos homens, gostava do que é bom, isto é, a mulher do próximo. Quase tão bom quanto a mulher do próximo é o biscoito belga, o que não impede que o homem sério deguste os dois.


Elegância
Na retrocroniqueta que você acaba de ler ameacei falar do novo primeiro-ministro italiano, que tem esnobado o mundo em matéria de elegância. Todo cavalheiro maior de 50 anos, que não tenha passado sua juventude nu nas selvas tropicais, sabe que o paletó-padrão do homem civilizado tinha em cada manga quatro botões caseados, o primeiro dos quais, mais próximo da mão, com a casa aberta, isto é, sem aparecer o botão. No casear dos outros botões bastava a imitação da casa. Besteira? Claro que sim. O mundo fashion é composto de modismos e tolices. Quando adotada por expressivo estamento social, a moda fica chique e o chiquê faz bem à alma de muita gente para não destoar do meio em que vive. Pois fique o leitor sabendo que Matteo Renzi, o tal prefeito de Florença, botou as manguinhas de fora ao se apresentar diante das tevês do mundo inteiro com cinco botões caseados em cada manga dos seus paletós: cinco! Suponho que todo o casear seja falso. Ainda assim, é muita casa e muito botão. Se a moda pega logo teremos paletós com 10, 20 botões (e casas) em cada manga, sem que o mundo melhore por causa disso.


O mundo é uma bola
28 de fevereiro de 870; encerrado o Quarto Concílio de Constantinopla. Devo confessar que não tenho o mais mínimo interesse pelo que foi decidido no 4º Concílio de Constantinopla, como suponho que o leitor do EM também não tenha. Estamos preocupados, o leitor e o philosopho, com o time do Felipão e com os cinco drones que a Marinha do Brasil ameaça comprar para vigiar 3 milhões de quilômetros quadrados de nossa Amazônia líquida: os mares próximos de um país grande e bobo. Cinco aeronaves não tripuladas. Acho pouco. Louvo os drones quando usados para matar terroristas, ainda que eventualmente matem algumas pessoas “inocentes” no entorno. Bombas normais também matam “inocentes”. Balas perdidas, veículos desgovernados, ex-maridos, filhos esquizofrênicos – tudo mata: viver é muito perigoso. Em 1644, holandeses abandonam São Luiz do Maranhão, que volta ao domínio das famílias Sarney e Lobão para felicidade geral da nação. Em 1736, a Coroa portuguesa decreta que o transporte de ouros, diamantes e pedras preciosas brasileiras seja feito exclusivamente nos cofres das frotas. Em 1912, o capitão norte-americano Albert Perry realizou em Missouri o primeiro salto de paraquedas de um avião. Transcorridos exatos 102 aninhos, saltar de paraquedas virou divertimento de fim de semana. Em 1964 Paulínia emancipou-se de Campinas (SP), permitindo que as quadrilhas de ladrões de cofres eletrônicos tivessem mais um município para explodir suas bananas de dinamite. Em 1920 nasceu Virgínia Lane, morta outro dia. Hoje é o Dia da Ressaca.


Ruminanças
“O tambor faz muito barulho, mas é vazio por dentro” (Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, o barão de Itararé, 1895-1971).