segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A morte de um estadista - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico - 09/12/2013

Mandela - o homem político mais próximo da generosidade de Gandhi - deixa um exemplo de política feita sem ódio



A morte de Nelson Mandela, último estadista do século XX, suscita uma questão importante: o que é mesmo um estadista? Sabemos todos que essa palavra constitui um elogio, e que a esmagadora maioria dos governantes não merece ser assim chamada. Mas o que significa?

Reservo o nome de estadista, no século que passou, a quatro governantes que se destacaram. Três deles estiveram entre os vencedores da II Guerra Mundial, Franklin Roosevelt, Winston Churchill e Charles de Gaulle. (Mas não basta ter derrotado o nazismo para ser chamado de estadista. Os generalíssimos Stalin e Chiang Kai Shek seguramente não mereceram, da humanidade, esse elogio). O quarto, a meu ver, foi Nelson Mandela. Mas por quê?

O critério que adoto é simples, mas exigente. Estadistas são governantes cuja ação muda o mundo para melhor. O primeiro ponto parece óbvio - que estadista tem de ser, antes de mais nada, governante - mas não o é. Já ouvi várias pessoas apontarem, como estadista, Gandhi. Considero-o o maior líder ético do século XX, mas ele nunca exerceu nem almejou um cargo de poder. Estadista é um homem de Estado, ou seja, alguém que governa.

Estadistas agem mudando o mundo para melhor

Mas a novidade do estadista, na segunda metade do século XX, é que seu campo de ação sai do Estado para se voltar para a sociedade. E sai da nação para se voltar para a humanidade. Joaquim Nabuco podia escrever a biografia de seu pai, Nabuco de Araújo, e dar-lhe o belo título de "um estadista do Império". Na época, construir o Brasil e o Estado brasileiro eram ações importantes. Seguramente, os dois Nabucos merecem nosso reconhecimento histórico. Mas, hoje, o estadista tem que ir além da construção do Estado. Talvez um dia, aliás, devamos mudar a própria palavra, e inventar outra, que enfatize a sociedade, e não mais o Estado.

Mas o fato é que, desde o fim da II Guerra Mundial, gradualmente uma exigência ética impacta as políticas dos Estados. Veja-se o contraste, nos Estados Unidos, entre a política amoral do secretário Kissinger, no começo dos anos 1970, e a adoção desde 1977, pelo presidente Jimmy Carter, de uma agenda de direitos humanos. Carter perdeu a reeleição, mas mudou o perfil de seu país. Não é à toa que, hoje, Kissinger mal pode viajar para fora dos Estados Unidos, correndo o risco, como Pinochet, de ser preso em qualquer outro lugar. Um dos homens mais influentes do mundo virou um fora da lei, pela simples razão de que sua Realpolitik visava a promover, por quaisquer meios, os interesses de poder de seu país.

Os próprios Estados nacionais são cada vez mais cobrados em nome de uma moralidade internacional - que converge com os direitos humanos reconhecidos pelas Nações Unidas - e de compromissos com as sociedades. Um governante que reprima seu próprio povo, o que antes era tolerado, está-se tornando algo tão odioso que muitos até pedem, como é hoje o complexo caso da Síria, que se intervenha para afastá-lo e puni-lo.

Os estadistas que enumerei repartem algumas características. O único dos quatro a ter uma sequência clara em suas ações foi Roosevelt, que começou acabando com a tragédia social causada pela crise de 1929 e depois enfrentou o fascismo na II Guerra Mundial. Churchill teve uma vida duvidosa, "enfant terrible" que foi, vaidoso, ministro desastrado, colonialista. Redimiu-se graças à luta implacável que, desde meados da década de 1930, moveu contra Hitler. Era quase o único no Parlamento britânico a alertar para os riscos que o nazismo trazia. Derrotada a França, enfrentou o inimigo com enorme coragem. Não podemos esquecer que, nos meses decisivos e intermináveis de junho de 1940 a junho de 1941, seu país foi praticamente o único a enfrentar o poder enorme dos exércitos alemães e japoneses.

De Gaulle, na mesma hora que Churchill assume o poder no Reino Unido, tem apenas algumas centenas de homens dispostos a lutar, com ele, pela França. A maior parte do seu povo aceita a rendição, a humilhação. Ele luta. Monta um exército, recria o Estado. Consegue que seu país apareça como um dos cinco vencedores do nazismo. Salva a França. Volta ao poder, em 1958, pela direita colonialista, mas supera essa limitação ao reconhecer as independências africanas, inclusive, com risco de vida seu, a da Argélia. E contesta a aventura dos Estados Unidos no Vietnã.

Mandela também passou por enorme mutação. Defendeu a luta armada contra o poder racista e por isso foi encarcerado. Travou uma luta nobre e digna contra um regime criminoso, próximo em vários pontos do nazismo. Mas sua grandeza foi, ao sair da cadeia, renunciar à vingança - e, mesmo, a uma justiça que não fosse temperada pela bondade. Se quisesse mandar os brancos embora, teria o direito moral de fazê-lo. Mas seu país viraria algo a meio termo entre o Zimbabwe e a Argélia. Teve a grandeza de não se vingar. Soube estender a mão. Em vez de tribunais de Nuremberg, como os que julgaram os nazistas, criou a Comissão de Verdade e Reconciliação. Os criminosos mais detestáveis, se confessassem e pedissem perdão, eram anistiados. Inúmeros gestos humanos, como o de chamar à sua posse seus antigos carcereiros ou o de promover o esporte dos brancos racistas, tema do filme "Invictus", engendraram a paz. Restam ainda pobreza e injustiça social em seu país, mas tenho certeza de que uma política de enfrentamento e castigo teria causado danos bem maiores. Mandela foi, como estadista, o homem político mais próximo da generosidade de Gandhi. Deixa um exemplo de política feita sem ódio, de política feita para acabar com o ódio. Esse é um enorme elogio.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Tv

Estado de Minas: 09/12/2013


 ( Jonathan Wenk/Magnolia Pictures)

Noite de ação
Segunda-feira também é dia de estreias na TV por assinatura. A novidade de hoje é A fuga, com Eric Bana (foto) à frente de um elenco que conta ainda com Olivia Wilde e Charlie Hunnam. A trama: os irmãos Addison e Liza assaltam um cassino e, na fuga, sofrem um acidente. Para despistar a polícia, a dupla resolve se separar. É quando Liza conhece o ex-lutador Jay e se envolve com ele. No entanto, quando Addison reaparece, a vida de todos é colocada em risco.

Jason Statham encara jornada dupla no FX
Semana especial é no FX, que convocou agentes secretos, mafiosos e policiais numa seleção duplex que começa hoje com Jason Statham em Carga explosiva, às 20h30, e Carga explosiva 2, às 22h30. Na faixa das 22h, o assinante tem mais seis opções: Apagar histórico, na HBO2; A estranha perfeita, no ID; Marcas do passado, na MGM; Nova York, eu te amo, no Telecine Touch; As aventuras de Pi, no Telecine Pipoca; e Che!, no Telecine Cult. Outros destaques da programação: Distrito 9, às 20h, no Universal Channel; Red – Aposentados e perigosos, às 20h20, no Megapix; Jackass cara de pau: o filme, às 21h, no Comedy Central; Rambo 2 – A missão, às 22h05, no TCM; e Jogo de poder, às 22h45, no Cinemax.

Detetive Murdoch está  de volta no +Globosat
O canal +Globosat faz a festa hoje com a estreia de mais uma fase da série policial Mistérios do detetive Murdoch, à meia-noite. Serão exibidas a quarta e quinta temporadas em sequência, de hoje a 4 de janeiro, com um total de 26 episódios. Mas antes disso, às 22h, a emissora apresenta o oitavo e último episódio de Linha 32.

Nickelodeon estreia a  série Wendell & Vinnie
No Nickelodeon, a novidade de hoje é a série Wendell & Vinnie, que estreia às 22h. Na atração, Vinnie está apenas vivendo um sonho: ele é dono de uma loja de memórias da cultura pop, tem um apartamento incrível em Los Angeles e não tem nenhuma preocupação no mundo. Depois de uma súbita reviravolta, Vinnie se vê como
o tutor legal de seu sobrinho, Wendell. Resultado: Vinnie assume as funções de um pai.

Quem aí já ouviu falar  do Clube Renascença?
O violonista Mario Adnet é o convidado de hoje do programa Estúdio 66, apresentado por
Zé Nogueira, às 18h45, no Canal Brasil. Os dois, mais o baterista Julinho Moreira, recriam músicas como Paraíso e Sem tirar nem pôr. Já às 21h30, no Espelho, Lázaro Ramos fala sobre o Clube Renascença,
fundado na década de 1950 e que foi palco da cultura negra e frequentado por estrelas como Neguinho da Beija-Flor e Martinho da Vila.

Canal Brasil exibe o  documentário Kátia
No concorrido segmento dos documentários, o Canal Brasil contribui com a diversidade, programando para a sessão É tudo verdade, às 22h, o filme Kátia, que narra a trajetória do travesti Kátia. Batizado José Nogueira Tapety Sobrinho e integrante de uma família
tradicional de políticos, ele
ganhou projeção nacional ao
ser o vereador mais votado do município de Colônia do Piauí (PI) por três vezes consecutivas
e chegou a ser vice-prefeito em 2004, ocupando a posição até 2008. Na HBO, às 22h05, estreia Life according to Sam, que mostra o drama do adolescente Sam Berns, de 16 anos, e a luta
de sua família para salvá-lo da progéria, uma doença fatal e extremamente rara que provoca um envelhecimento acelerado. 

Entre dois amores  - Simone Castro
 Hilda (Luiza Valdetaro) garante que não vai abrir mão do marido por causa de rival (João Miguel Júnior/Globo-29/6/13)
Hilda (Luiza Valdetaro) garante que não vai abrir mão do marido por causa de rival

Mesmo sensibilizada com o drama de Gaia (Ana Cecília Costa), primeira mulher de Toni (Thiago Lacerda) que foi dada como morta na 2ª Guerra Mundial e agora reaparece, Hilda (Luiza Valdetaro), casada com o comerciante, decide que irá lutar por seu amor. No capítulo de hoje de Joia rara (Globo), ainda tomado pela emoção, Toni conta a Gaia que está casado com outra mulher. Gaia sofre horrores e não entende como ele conseguiu esquecê-la e também ao filho deles, que foi tirado dos braços dela quando ambos estavam presos. Mas ela decide lutar por seu casamento. A mesma vontade toma conta de Hilda, que sabe que Toni é seu único e grande amor e não desistirá dele. Os próximos capítulos ficarão agitados com a disputa entre as duas mulheres. Mais: instigado por Gaia, Toni, a essa altura um tanto confuso em seus sentimentos, tentará encontrar o filho perdido, o que vai reaproximar os dois, deixando Hilda ainda mais insegura.

‘GERAÇÃO CANGURU’ NA  PAUTA DO OPINIÃO MINAS
Entre os dados constatados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), chama a atenção o crescimento da chamada “Geração canguru”, termo usado para designar jovens de 25 a 34 anos que ainda vivem na casa dos pais. De 2002 a 2012, a proporção de jovens nesse segmento passou de 20% para 24%. O Opinião Minas desta segunda-feira, às 8h30, na Rede Minas, discute o tema com a pedagoga Soraya Gervásio.

FÁBIO PORCHAT NÃO DEVE  TER SUBSTITUTO NA GLOBO

Escalado para integrar o time de quatro substitutos de Fátima Bernardes à frente do Encontro (Globo) durante as férias da apresentadora, o humorista Fábio Porchat, ao que tudo indica, está fora. Ele teria se rebelado contra a convocação, alegando compromissos já assumidos. Assim, Ana Furtado, Dan Stulbach e Lair Rennó, que já trabalha com Fátima, vão apresentar a atração de 2 a 17 de janeiro. Não foi divulgado se haverá um substituto para Porchat. Nos bastidores, comenta-se que a direção da Globo não gostou nada da atitude do humorista. O contrato dele termina no fim deste mês. Será que vai haver renovação?

CASAIS SE PREPARAM PARA  UM DIA MUITO ESPECIAL
O Chuva de arroz, hoje, às 20h, no GNT (TV paga), acompanha duas histórias de amor. Luanda Botelho, de 29 anos, tem uma doença genética que a fez perder quase todos os movimentos ao longo dos anos. Ela também sofreu um acidente de carro. Na faculdade, conheceu Patrick Grego. Eles se apaixonaram e vão se casar. Já Gui Prata, solteiro convicto, nunca tinha se apaixonado até encontrar Lílian Murillo. Agora, vão se casar no Cristo Redentor. O Chuva de arroz retrata os momentos vividos por casais durante toda a preparação e no dia mais marcante de suas vidas.

BETTY LAGO QUER SABER O QUE A MODA PROVOCA
Com episódios mais longos e ainda mais irreverentes, o Pirei com Betty Lago está de volta nesta segunda-feira, às 20h30, no GNT (TV paga). A atriz vai a vários cantos encontrar todo tipo de gente, fazer milhões de perguntas e tentar buscar algumas respostas. Por que tem gente que pira no pink? E no jeans? Por que a moda nos faz pirar? Por que tantas coisas deixam Betty tão pirada? Humor e muita informação.

VIVA MANDELA!
Considerado o Pai da Pátria Moderna da África do Sul, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1993, o líder Nelson Mandela, que morreu quinta-feira, será homenageado hoje, às 22h pelo canal History (TV paga). Em duas horas de programa, O milagre de Mandela traz depoimentos de figuras como o arcebispo da Cidade do Cabo, Desmond Tutu, Charlize Theron, Bono, Bill Clinton, Hillary Clinton, Christiane Amanpour, Gillian Slovo, Oprah Winfrey, Peter Gabriel, Robert De Niro, Whoopi Goldberg e Quincy Jones.Já o canal GNT anuncia a exibição do documentário Mandela: minha luta é minha vida, quarta-feira, à meia-noite.

VIVA
Mesmo com o tal do “meu menininho” repetido à exaustão, Márcia de Elizabeth Savalla ainda é um dos poucos bons personagens de Amor à vida (Globo)

VAIA
É uma pena que boas novelas, como Água viva e Anjo mau, sejam exibidas apenas no canal Viva (TV paga) e não entrem na lista do Vale a pena ver de novo da Rede Globo. 

Em busca de respostas - Carlos Herculano Lopes

Em busca de respostas
 
Depois de escrever um livro sobre Chico Xavier, que foi adaptado para o cinema, o jornalista Marcel Souto Maior publica a biografia de Allan Kardec, o fundador da doutrina espírita



Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 09/12/2013




Depois do sucesso do livro As vidas de Chico Xavier, que foi levado às telas do cinema por Daniel Filho, o jornalista e escritor carioca Marcel Souto Maior resolveu ir direto à fonte e, depois de um intenso trabalho de pesquisa, acaba de lançar Kardec, a biografia (Editora Record, 363 páginas), no qual traça, em capítulos curtos, de fácil assimilação, um perfil revelador de quem foi Hyppolyte León Denizard Rivail, nome de batismo de quem viria a ser Allan Kardec, o pai da doutrina espírita, que atualmente tem milhões de adeptos em todo o mundo.

Nascido em 2 de abril, por coincidência a mesma data do nascimento de Chico Xavier e do enterro de Kardec – que morreu dois dias antes, em 31 de março de 1869, aos 64 anos, quando empacotava livros e organizava documentos no apartamento onde vivia com a mulher, Amélie, em Paris –, Marcel Souto Maior diz que seu objetivo ao escrever o livro foi traçar um retrato jornalístico do professor cético que acabou se transformando em missionário e codificador da doutrina espírita. “O que fez Hyppolyte mudar de vida e de nome para dar voz aos espíritos? O que fez alguém que não acreditava em nada passar a acreditar tanto? A essas perguntas tento responder no livro com o máximo de objetividade e imparcialidade”, argumenta o autor.

Não foi tarefa fácil levar a cabo essa missão, que lhe consumiu exatos 12 meses de escrita. Antes de se lançar a ela, Marcel Souto Maior leu todas as biografias que encontrou sobre Allan Kardec, além de ter passado algum tempo em Paris, onde teve acesso a periódicos da Biblioteca Nacional da França. Ali conseguiu ler vários artigos, contra e a favor do autor de O livro dos espíritos, publicados pela imprensa no século 19. “Nesses jornais e revistas consegui resgatar a voz da oposição: adversários da imprensa, da Igreja Católica, da ciência e do próprio movimento espírita. O cruzamento dessas duas fontes básicas de pesquisa compõe os altos e baixos da narrativa – e da trajetória de Rivail/Kardec”, conta Marcel.

Fé e ciência Entre as conclusões às quais conseguiu chegar sobre vida e obra do biografado, o jornalista diz que Allan Kardec vivia numa eterna queda de braço entre a ciência e a fé, a crença e o ceticismo. A ponto de, “ao vestir o casaco de general” e iniciar sua campanha contra o materialismo, que se traduziu em alguns artigos, como O materialismo mata, ele acabou baixando um pouco a guarda, cedeu à paixão pelo espiritismo e sofreu decepções, entre elas a de apostar em alguns médiuns que se revelaram farsantes, e em fenômenos que se comprovaram fraudes. “A partir desse momento, com lucidez, o missionário passa a recomendar cautela a seus discípulos e a hastear a bandeira do ‘fora da caridade não há salvação’. Gosto muito deste Kardec humano, que erra, admite erros, corrige o curso e segue adiante”, continua Marcel Souto Maior.

Se Allan Kardec foi o “inventor” do espiritismo, Marcel Souto Maior, que vive no Rio de Janeiro, diz ainda que, sem dúvida, ele ajudou a organizar e a difundir com seus livros e artigos na Revista espírita a lógica do “nascer, morrer, renascer e progredir sem cessar”. “É certo que, sem a disciplina dele e seu empenho como comunicador, o espiritismo não teria o alcance que tem hoje. Quando Kardec morreu, a doutrina já tinha mais de 8 milhões de seguidores em todo o mundo.”

O jornalista, que começou a se interessar pela doutrina espírita há mais de 20 anos, quando foi a Uberaba pedir autorização a Chico Xavier para escrever sua biografia, diz que, a seu ver, o principal legado deixado por Allan Kardec foi difundir a crença, ou a esperança, de que a vida é, ou pode ser, bem mais do que o dia a dia implacável a que as pessoas estão submetidas. “Será que nascemos todos condenados à morte, numa contagem regressiva cruel rumo ao nada, ou a vida continua para sempre, num ciclo de renascimentos e evolução? Kardec apostou na segunda hipótese, a melhor delas, e ajudou e continua a ajudar a salvar e transformar muitas vidas mundo afora.”

Já sobre a publicação mais famosa de Kardec, O livro dos espíritos, que desde sua primeira edição, em 1857, com uma modesta tiragem de 1.500 exemplares, já vendeu milhões de exemplares em todo o planeta, Marcel Souto Maior afirma que ele é, com certeza, a obra fundadora da doutrina espírita e merece ser lido mesmo por quem não tem nenhuma fé, pois toda a lógica do “mundo invisível” está descrita ali. “O livro dos espíritos nos faz pensar sobre dois temas cruciais, que são a vida e a morte. De onde viemos, para onde vamos, qual a nossa função no mundo? Questões muito importantes. Um outro livro de Allan Kardec que recomendo, pois me impressionou muito, é O livros dos médiuns”, diz o biógrafo.

Chico Xavier Se tiveram seus embates no passado, as relações entre o espiritismo e a Igreja Católica mudaram muito, sobretudo no Brasil. De acordo com o escritor, que vê nisso uma coisa muito positiva, os católicos entendem que o espiritismo é, antes de tudo, cristão, e o movimento ajuda a difundir e a multiplicar a caridade. “No centro de Chico Xavier, em Uberaba, por exemplo, quando estive lá percebi que a quantidade de católicos presentes era impressionante. Muitas vezes eles eram a maioria nas sessões. Até mesmo freiras e padres chegaram a participar de reuniões conduzidas pelo médium mineiro. Chico fazia questão de dizer que o catolicismo era o seu berço”, lembra Marcel Souto Maior.

Ainda para Marcel Souto Maior, Chico Xavier era um personagem único, que viveu movido por três forças poderosas: os sentidos de missão, de doação e de aceitação. “Era um homem de fé absoluta, e de muito desapego às coisas materiais, tanto que uma das frases mais marcantes que ouvi dele foi: ‘Graças a Deus aprendi a viver apenas com o necessário’. Ele foi o grande divulgador de Allan Kardec e da sua doutrina no Brasil, que de longe é hoje o país mais espírita do mundo. Em nenhum outro lugar, como aqui, se conhecem e se praticam tanto as lições de Kardec”, conclui o escritor.

KARDEC, A BIOGRAFIA
Lançamento do livro e bate-papo com o autor Marcel Souto Maior. Hoje, às 19h30, no Teatro João Ceschiatti do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537), dentro do projeto Sempre um papo. Entrada franca. Informações: (31) 3261-1501 e www.sempreumpapo.com.br

Três perguntas para...
Marcel Souto Maior
escritor
 (RECORD/dIVULGAÇÃO)

Você acha que o espiritismo pode ser um bom caminho a ser seguido?
O que mais me impressiona no espiritismo é a corrente de solidariedade que ele sustenta e multiplica por todo o Brasil. O espiritismo do “fora da caridade não há salvação”, que ajuda milhões de brasileiros, este espiritismo faz milagres. Ajuda o outro e você vai ser ajudado. Trate o outro como você gostaria de ser tratado. Viva cada dia da melhor maneira possível. Essas são as lições mais importantes do espiritismo, segundo Kardec.

O que mais o espiritismo nos ensina?
Ele ensina a todos – a quem tem fé e a quem não tem – que precisamos encarar a vida (independentemente de ela continuar ou não além da morte) com mais responsabilidade e mais solidariedade também. O espiritismo nos tira do próprio umbigo.

O que a mulher de Kardec, Amélie, significou para ele?
Nove anos mais velha que ele, Amélie convivia com Rivail e Kardec ao mesmo tempo e era a única pessoa com quem Kardec, ou Rivail, desabafava em meio aos ataques e decepções. Ela era a primeira leitura dos seus livros e a primeira ouvinte de seus desabafos e dúvidas, que eram muitos.

Eduardo Almeida Reis-Miséria‏

Neste país grande e bobo, além das coisas, as pessoas também são danadas para sumir


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 09/12/2013






Contei-lhes que só recentemente travei conhecimento com os quadros de miséria que se multiplicam por aí. Morando na roça a vida inteira, nossos empregados tinham salário, luz elétrica, água de mina, galinhas nos terreiros e um porquinho de ceva. Morto o porquinho, sempre sobrava uma quarta parte de presente para o patrão constrangido.

E tinham leite diário, oficialmente dois litros que enchiam galões de cinco litros. E todas as frutas do pomar da sede. Não me lembro de ter perdido filho de empregado e hoje tenho notícia de muitos fazendo bodas de prata, casados entre eles.

Tomando conhecimento dos tais quadros de miséria urbana, desandei a comentá-los com pessoas amigas e tenho tido notícia de casos espantosos, como os que me foram contados por jovem senhora, ex-funcionária graduada de duas multinacionais.

Ambas as empresas forneciam almoço para os seus empregados. Na indústria automobilística, tudo bem: os funcionários almoçavam normalmente, mas numa outra multinacional, fabricante de instrumentos de alta precisão, que servia pratos feitos, a esmagadora maioria dos empregados guardava os bifes em copos de plástico, sem refrigeração, para o jantar dos filhos em casa – e isso numa indústria que você conhece. Melhor que isso: garanto que usa ou já usou instrumentos fabricados por ela. A partir daí, dizer o quê? Note que não me refiro aos moradores de rua, mas a uma parcela expressiva de funcionários de conhecida multinacional.

Brasil
Martenson, em sueco, tem uma bolinha em cima do “a” que não consigo reproduzir aqui no computador. Portanto, vai mesmo sem bolinha para lhes dizer que o embaixador Marcos Castrioto de Azambuja, nascido no Rio em 1935, escreveu artigo muito divertido para a Revista Piauí em que fala do seu colega Jan Martenson, grande diplomata sueco que começou sua vida profissional no Brasil.

Muitos anos mais tarde, Jan disse ao colega Azambuja da falta que sentia da palavra “sumiu”, muito do aprazimento nhambiquara. Em sua casa no Rio, quando sentia falta de alguma coisa, a explicação da empregada era sempre a mesma: “Sumiu”.

O sueco dizia que a palavra explica o inexplicável, encerra o assunto e não o leva a nenhuma consequência policial ou administrativa: “Estava nas coisas a faculdade de sumir e, aceita essa premissa, não se falava mais no assunto. As coisas tinham também a faculdade de reaparecer mais tarde sem maiores explicações. Sumiu. Apareceu.”

Realmente, Martenson, com a bolinha em cima do “a”, foi perfeito em sua análise: neste país grande e bobo, além das coisas, as pessoas também são danadas para sumir. Num dia, Carlinhos Cachoeira é o centro das atenções da mídia; uma semana depois, sumiu. Assim como ele, o empreiteiro que jantava em Paris com um guardanapo de pano branco amarrado na cabeça. E outros mais, mais outros, enfim milhares de brasileiros, talqualmente as pombas de Raimundo Correia, com uma diferença: as aves columbiformes voltam aos pombais à tarde, enquanto os brasileiros somem e demoram para aparecer, quando aparecem.

Números
A bela morena encarou o teleprompter e continuou: “Em cerca de dois anos e meio, a guerra civil da Síria já deixou mais de 120 mil mortos”. Anotei no bloquinho e me lembrei do programa Painel, que assisti na véspera, com os filósofos Eduardo Gianetti, Luiz Felipe Pondé e o tenente-coronel Adilson, da PM-SP, versado em filosofia, que vem de publicar um livro sobre violência, mediados pelo William Waack, um dos mais brilhantes jornalistas brasileiros.

De início, assustou-me o fato de Pondé calçar tênis. Filosofia e tênis não combinam. É o tipo do calçado incompatível com os maiores de 18 anos e Luiz Felipe de Cerqueira e Silva Pondé nasceu no Recife no ano de 1959, passando portanto dos 54 aninhos. Apesar do par de tênis, Pondé fuma cachimbo e pensa, virtudes só menores do que aquelas dos cavalheiros que não usam tênis, pensam e fumam charutos.

Pois muito bem: o Painel discutiu o número anual de homicídios no Brasil, qualquer coisa em torno de 50 mil. Os mortos em acidentes no trânsito orçam também pelos 50 mil. Donde se conclui que em dois anos e meio, enquanto na guerra civil Síria morreram 120 mil, o Brasil matou 250 mil pessoas.

O mundo é uma bola
9 de dezembro de 1898: o coronel John Patterson consegue caçar o primeiro dos dois leões assassinos que mataram cerca de 140 pessoas na região de Tsavo, Quênia. Não fosse o coronel Patterson, os leões talvez comessem o pai do presidente Barack Obama, poupando a presidente Dilma da espionagem dos seus telefonemas para o ministro Mantega.

Em 1987, eclosão da Intifada, rebelião palestina nos territórios ocupados e no setor árabe de Jerusalém. Em 1992, Lady Diana separa-se do príncipe Charles, que preferia Camilla, ótima para fazer uma canja: dá bom caldo.

Em 2002, implosão do Carandiru, codinome da Casa de Detenção de São Paulo. Hoje é o Dia do Fonoaudiólogo.

Ruminanças
“Ouso, não urdo” (Gabriele D’Annunzio, 1863-1938).