quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

MARTHA MEDEIROS - A maior rua que existe

Zero Hora 17/12/2014

Estava descendo uma ladeira do Chiado, em Lisboa, quando passei por um mendigo. Seria mais um entre tantos que ocupam as calçadas, mas percebi que ele estava cercado de cartazes dizendo que a esmola iria para o uísque, o vinho, a cerveja, a ressaca. Um mendigo engraçadinho. Fiquei observando. Os turistas passavam, riam e distribuíam moedas não por caridade ou desencargo de consciência. Era couvert artístico.
Quando o pessoal se afastou, me aproximei dele e conversamos rapidamente. Vi que tinha um cartaz escrito “Ao menos sou sincero”.Perguntei se ele gastava mesmo em bebida e ele disse que comia alguma coisa, claro, e gastava também em locomoção, trocava de ponto, de cidade e até de país (estivera há pouco tempo em Sevilha), mas morava na rua mesmo. Ele estava sozinho naquele momento, mas o “espetáculo” não era solo, havia mais dois ou três amigos nessa onda, e com eles formava os The Lazy Beggers. Tinham até um site.
Um site?? Sim, para donativos online, assim as pessoas não precisariam se aproximar de uns sujeitos sujos e fedorentos, podiam doar dinheiro de forma rápida e segura pelo PayPal. Bem-vindos ao século 21. É a nova geração de mendigos, disse ele.
Como tudo começou? Eram artistas de rua, faziam malabarismo, tocavam alguma música, até que um dia um vira-lata que estava por perto começou a tremer e eles, de gozação, fazendo de conta que era alguma abstinência do bicho, colocaram um chapéu e um cartaz em frente ao cão dizendo “Para cocaína”. Em poucos minutos, o cachorro ganhou mais moedas do que eles na semana inteira. Adotaram-no, cuidaram dele (conheci, chama-se Nemo) e ele virou mascote da trupe.
A quem pergunta por que eles não trabalham, a resposta vem rápida: “Como, não trabalhamos? Passamos de oito a 12 horas nas ruas fazendo os outros rirem”. À noite, eles se recostam em algum canto e muitas vezes conseguem dormir em garagens de amigos conquistados nesses últimos cinco anos em que levam sua miséria na flauta.
No site, há dicas para quem quiser pedir esmola de forma criativa. Vale tudo: tocar um instrumento invisível e expor um cartaz dizendo “roubaram minha guitarra” ou colocar uma máscara com o rosto de alguma celebridade junto a um cartaz dizendo “para outra mansão”.
Funciona mais do que cartazes dizendo que se está passando fome. Lamentos não comovem mais ninguém, ele acha. As pessoas preferem remunerar o bom humor.
Por fim: o site funciona? Ele é franco: “Pouco”. As pessoas gostam de doar pessoalmente, mas como ficar fora da web? A internet é a maior rua que existe.

Dei a ele uns trocos e pedi para tirar uma foto. Ele levantou um cartaz dizendo que fotos custavam 278 euros. Tirei a foto mesmo assim e sorri. Ele respondeu: está pago.

Férias - Eduardo Almeida Reis

Concluí que o melhor pacote natalino é a compra de cervejas belgas para ficar em casa atento ao ditado 'boa romaria faz quem em casa fica em paz'


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 17/12/2014




Para ler depois, separo os cadernos de Turismo e Viagem dos jornais que assino. A pilha vai subindo e não leio porque não gosto de viagens. Trabalhando, viajei muito. Enjoei.

Com a proximidade do Natal, resolvi passar a vista na matéria do Estadão que anunciava: “Selecionamos 81 opções para escolher de acordo com o seu perfil”. Na verdade, estava mais interessado em conhecer o meu perfil, que obviamente não se enquadra nas 81 opções selecionadas.

Pausa para explicar que ando às voltas com a internet angolana, depois que foi anunciada a oferta de compra da operadora que me serve pela bela senhora Isabel dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos, presidente de Angola há 37 anos. Nascida em Baku, no Azerbaijão, em 1973, filha do atual presidente angolano e de sua primeira mulher, uma campeã soviética de xadrez, Isabel estudou engenharia elétrica no King’s College de Londres.

Considerada a empreendedora número 1 em África, é também a africana mais rica e poderosa com uma fortuna que, segundo a revista Forbes, passa dos 3 bilhões de dólares. Em 2002, Isabel casou-se com o colecionador de arte Sindika Dokolo, nascido na República Democrática do Congo, cerimônia a que compareceram 800 convidados, 400 dos quais parentes dos noivos. Sindika é um ano mais velho que a belíssima Isabel, mulato como ela e foi criado na Bélgica e na França. Deve adorar biscoitos belgas e Isabel é um biscoito.

Isto posto, com a internet pulsante num entra e sai chatíssimo, volto aos 81 destinos turísticos para constatar que na categoria “a sós”, isto é, dos abandonados como este philosopho, a melhor escolha no Brasil deve ser Corumbau, na Bahia, R$ 11.661 para duas pessoas, donde se conclui que o jornal inventou a categoria dois a sós. Mais adiante existe a categoria casal a sós, que presumo seja a de um casal livre de outros casais chatos. Na mesma Corumbau, há um plano de R$ 24.617. Pensei encontrar coisa melhor no exterior, isto é, mais cara: não encontrei. Depois de longos e demorados estudos, concluí que o melhor pacote natalino é a compra de cervejas belgas para ficar em casa atento ao ditado “boa romaria faz quem em casa fica em paz”.

Águas

É assustadora a notícia de que diversas cidades brasileiras pensam limpar seus esgotos para redistribuir as águas pelos respectivos serviços de abastecimento residencial. Mais assustadora ainda é a constatação de que isso vem sendo feito numa porção de cidades deste país grande e bobo.
O Rio Paraíba do Sul, antes de chegar ao Oceano Atlântico, recebe 600 milhões de litros de esgoto por dia (!) e abastece de “água” diversas cidades nos dois estados que têm as duas maiores economias do “país”. Bacharel em direito, ateu, hoje sem tísicos na família, vosso philosopho tem originalidades tais como a posse de um Dicionário Potamográfico Brasileiro de autoria do professor João Clímaco da Rocha, que acabo de localizar nas estantes.

Nele, o filho de João Maximiniano da Rocha, falecido em 1917 na colônia Suassuna, município de Jaboatão, nos ensina que o Rio Paraíba do Sul desce da Serra da Bocaina, em São Paulo, com o nome de Paraitinga, e corre para o estado do Rio, onde desemboca no Atlântico em São João da Barra, após um curso de 1.058 quilômetros, dos quais 217 são navegáveis em duas seções. O verbete é imenso e não cabe nesta coluna, mas os 600.000.000 de litros diários de esgotos ensejariam considerações oportunas se o philosopho soubesse aritmética.

Basta lembrar que um caminhão-tanque de bom tamanho transporta 30.000 litros. Dez veículos iguais transportam 300.000 mil litros. Compete ao leitor, matemático de truz, calcular quantos caminhões-tanque de esgotos seriam necessários, por dia, para despejar 600 milhões de litros de esgotos no Paraíba do Sul.

E tem mais uma coisa: potamografia é o estudo geográfico dos rios. Depois que escrevi este belo suelto, liguei a televisão e vi o mapa colorido do Rio Paraíba do Sul, com a explicação de que ele encosta em Minas, o que é verdade. No dia da reportagem, os 217 quilômetros navegáveis podiam ser navegados a pé com água pelas canelas.

O mundo é uma bola
17 de dezembro de 283, eleição do papa Caio. Nascido na Croácia, conseguiu pontificar mais que 12 anos: tinha boa cara. Em 1707: batizado em Bonn o menino Ludwig van Beethoven. Gênio. O resto só lendo sua biografia e ouvindo sua música.

Em 1777, a França é a primeira nação a reconhecer a independência dos Estados Unidos, menos porque goste dos americanos, mas porque sempre andou às turras com os ingleses. Em 1792, por ordem de Maria I, rainha de Portugal, foi fundada a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, primeira escola de engenharia das Américas e terceira do mundo. Dela descendem a Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Poli) e o Instituto Militar de Engenharia (IME).

Ruminanças


“Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos” (Porfirio Díaz, 1830-1915)