domingo, 5 de janeiro de 2014

FABRÍCIO CARPINEJAR - Amor-sequestro e amor-remanso

Zero Hora 05/01/2014

Se você se afastou dos amigos, dos filhos, da família, é bem possível que esteja vivendo um amor-sequestro.

Não está numa relação, mas num cativeiro, sem contato com o mundo externo e apartado de uma segunda opinião.

Seu paradeiro é desconhecido, não sai do quartinho escuro, não troca ideias com a roda de colegas, não avalia sua condição, apenas se alimenta das sombras do passado e do pensamento.

Ficará tão sozinho, tão distanciado de sua rotina anterior, que não terá mais uma vivalma para pagar o resgate.

O isolamento é o termômetro da falta de felicidade.

O amor-sequestro consiste em devotar suas energias exclusivamente para sua companhia e esquecer o elo das demais amizades. É criar uma simbiose com o sequestrador (namorada ou namorado), a ponto de discutir por qualquer coisa, por qualquer problema.

Você passará mais tempo tentando salvar o relacionamento do que aproveitando o relacionamento. Enfrentará uma situação de pânico, contando os dias, angustiado com a ausência de perspectiva e de estabilidade. Só falará do mesmo assunto: o tratamento injusto que recebe.

Não há como amadurecer com o amor-sequestro. Ninguém cresce pressionado. Ninguém cresce emparedado. Ninguém cresce cobrado. Ninguém cresce ameaçado do fim.

No amor-sequestro, nada é suficiente. Pode oferecer seu máximo de ternura, que será pouco, o máximo de gentileza e será pouco, o máximo de entrega e intensidade e será pouco.

Quando os pedidos são insaciáveis, você não está sendo amado, demonstra que seu par apenas espera sua falha para humilhar e expor a superioridade.

Tornou-se refém das brigas e da insatisfação do outro. Buscará agradar, e decepcionará com frequência. Buscará reverter a situação, e somente agredirá de volta.

No amor-sequestro, deixa-se de ser inteiro para ser fragmentado, parcial, com dificuldades de resolver o trabalho e dar continuidade para a vida social. Nunca sobra folêgo para novas tarefas e compromissos.

O ideal é o amor-remanso. Ter paz para errar, pensar no erro e retribuir com atitudes afirmativas. Experimentar um relacionamento com a sensação de contar com todo o tempo para alinhar os passos (entender para aprender). Pois a solução dos problemas não acontece com hora marcada.

Os amigos e a familiares se manterão próximos, aconselhando, amparando, valorizando o enlace. Tem chance de sentir saudade, não estará sufocado e asfixiado num mesmo lugar, não se enxergará culpado ou em desvalia. Será admirado pela sua lealdade, por aquilo que você é. Por mais que não esteja certo, sua namorada ou seu namorado estará com você, ao lado, esperando que perceba a verdade, respeitando seu ritmo.

Não há maior liberdade do que a tranquilidade. Desfrutar de calma para se conhecer e assim se doar melhor.

A eternidade está no presente, não no futuro. Que seja eterno porque confiamos.

MARTHA MEDEIROS - À flor da pele

Zero Hora 05/01/2014

Quando tento buscar na memória a menina que fui, não consigo me ver chorando. No colégio? Nunca. Em casa? Só de forma muito reservada e profunda no silêncio do meu quarto, jamais por fricotes infantis. Mesmo adolescente, com os hormônios em curto-circuito, tampouco lembro de abrir as torneiras. Era durona, não chorava nem quando havia sério motivo para tal aliás, bastava que algum parente distante tivesse morrido para me dar uma vontade louca de rir. Tinha vergonha de me emocionar.

Depois veio a idade dos namoros, e aprendi a chorar por dor de cotovelo e também por autopiedade. Meu choro era tão sentido, vinha de zonas tão secretas em mim que, mesmo quando o motivo do choro já havia se dissipado, eu continuava chorando pela simples emoção de estar testemunhando a minha tristeza reprimida que finalmente desaguava — eu chorava pela comoção que eu mesma me causava.

Chorei por amor e ainda vou chorar, porque é da natureza do amor despertar nossas fragilidades. Chorei no momento em que minhas filhas nasceram, porque o esforço e a intensidade da emoção do parto faz tudo vazar sem barragem que represe. E chorei de raiva nas poucas vezes em que me senti injustiçada. E só. Tudo choro emocional, mas com razão conhecida.

Porém acabou o tempo de estio, quando eu chorava tão de vez em quando que podia lembrar a data. Nos tempos que correm, as lágrimas também correm — muito! E se antes chorava por alguma emoção irreprimível como o nascimento de um filho ou por um sofrimento doloroso como a partida de um grande amor, ando chorando agora durante a Dança dos Famosos. Quando o Gabiru fez o gol que deu ao Inter o Campeonato Mundial de Clubes, chorei. Quando uma criança canta na festinha da creche: “Quero ver você não chorar/Não olhar pra trás...”, me debulho. Choro em formatura.

Choro em discurso de família. Chorei quando os Stones entraram no palco no Hyde Park e quando Paul McCartney cantou My Love no Beira-Rio. Choro com os fogos de artifício do Réveillon. Choro no trânsito. Choro quando os caixões são fechados, mesmo que eu não conheça quem esteja dentro. Choro ao ver qualquer pessoa chorando. Choro em apresentação de dança da Dullius. Choro em aeroporto. Choro no banho. E quando ouço Chão de Giz, do Zé Ramalho, daí não são apenas olhos marejados: transbordo. Essa música toca em alguma coisa que me cala fundo e ainda não sei o que é.

Dizem que ficamos mais amolecidos com a idade, mas eu achava que estavam se referindo às dobrinhas nos joelhos. Pelo visto, os sentimentos, com o tempo, também afrouxam. Melhor assim: deixam de empedrar e de nos enrijecer por dentro. Deslizam pela face e nos purificam: ficamos banhados, limpos, batizados.

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » A biografia de Jesus‏

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » A biografia de Jesus
Estado de Minas: 05/01/2014

Imagem de Cristo exposta na Basílica do Pilar, em Ouro Preto     (Beto Novaes/EM/D.A Press)
Imagem de Cristo exposta na Basílica do Pilar, em Ouro Preto

Não é de hoje que se tenta contar a vida de Jesus diferentemente do que narram os Evangelhos. Nestes dias, está causando furor o livro Zelota, do historiador Reza Aslan. O interesse começa pelo fato de ele ser iraniano-americano. A família dele emigrou para os EUA em 1979, fugindo da revolução dos aiatolás.

Como vários amigos judeus se referiram ao livro, tratei de lê-lo. Os judeus têm mais razão de gostar do livro que os cristãos. Estes se sentem desconfortáveis (e incrédulos) quando leem coisas que abalam a noção da divindade de Cristo. Para muitos, a Bíblia seria um livro infalível, a própria palavra de Deus. Os ortodoxos judeus também creem que a Torá é inatacável.

É meio desconcertante ler que alguns evangelhos foram escritos cerca de 50 ou 100 anos depois da passagem de Cristo por aqui. Alguns foram retocados pela Igreja, codificados e uniformizados. E há os evangelhos apócrifos com informacões que a Igreja não valida. Aliás, a Bíblia protestante é diferente da católica. Esta tem 73 livros. Lutero rechaçou sete livros, criou uma Bíblia mais depurada.

A primeira vez que li isso foi na adolescência, no impactante romance O drama de Jean Barois, de Roger Martin du Gard (1881-1958), que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1937. Ali está a vida de alguém criado na religião que virou ateu e escreveu dois testamentos contraditórios: um no meio da vida, outro no fim. Cabe ao leitor decidir (ou não) qual é o mais verdadeiro.

O livro vinha no rastro de Vida de Jesus (1863), de Ernest Renan. Este teve uma crise de fé aos 22 anos. Seu livro teve um êxito incrível, oito edições em três meses. E está de graça na internet. Quando tentava me informar sobre esse assunto, li também Por que não sou cristão, de Bertrand Russell.

Recentemente, surgiu um interesse pelas biografias. Daí essa discussão no Brasil sobre biografias autorizadas e não autorizadas. Vocês se lembram de que José Saramago teve êxito com O Evangelho segundo Jesus Cristo. Era uma coisa que faltava, pois havia textos dados como sendo de seus discípulos, mas não do próprio Cristo. Saramago correu muitos riscos com sua obra. Recentemente, surgiu algo mais estranho: O Evangelho segundo Judas, publicado em 2006, atribuído a gnósticos do século 2, redigido em copta dialetal. Nessa sequência há também o Evangelho de Maria.

Enfim, versões é que não faltam da vida de Cristo.

O iraniano-americano Reza Aslan começa por indagar se Cristo era de Nazaré ou de Belém. Conhecedor do assunto e de várias línguas, segue com muitos dados históricos, botando em dúvida, por exemplo, a matança das crianças por Herodes. Se isso for verdade, olharemos os belos quadros pintados sobre esse fato como patética ficção e Herodes não será o guru dos que detestam crianças. Igualmente, toda aquela história de sedução de Salomé, que pediu a cabeça de João Batista, seria outra invenção, sem qualquer comprovação histórica.

E vai por aí afora.

Crentes, protestantes e católicos pensam que isso em nada abala sua fé. Para quem gosta de história, o livro de Aslan é estimulante. O rapaz é especialista também em islã, estudou a evolução e o futuro dessa religião, ampliou suas pesquisas reconstruindo o tempo em que Jesus andou entre nós.

Não é nada, não é nada… é uma leitura instigante nestas férias.



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TeVê

TV paga
Estado de Minas: 05/01/2014 04:00


 (Leo Alves/Divulgação )
DOCUMENTÁRIO O canal Futura abre a programação do ano com atrações para embalar as férias da garotada. A família toda poderá assistir, hoje, às 21h, no Cine Especial, ao documentário O palhaço menino, de Léo Alves, ex-aluno do projeto Geração Futura, curso audiovisual promovido pela emissora com jovens de todo o Brasil. A produção nacional mistura realidade e ficção para narrar a história de um menino do interior apaixonado por Folia de Reis. As gravações foram feitas no Sul do Espírito Santo, em Minas Gerais e na Europa.

HERÓI O Cinefox Kids Especial Luz, Câmera, ação exibe, às 18h, o filme O cachorro bombeiro. A vida atual de Rex, o herói canino de ação mais famoso de Hollywood, não é lá muito difícil. Depois de ser adotado por um garoto rebelde, cujo pai perturbado é o chefe de uma equipe de bombeiros, Rex logo aprende o verdadeiro sentido das palavras lealdade e amizade, pois ele consegue realizar a proeza heroica mais difícil de todas.

MARATONA Hoje no Fox Life, a partir das 19h30, tem maratona Kitchen nightmares, com quatro episódios. O primeiro, The Old Stone Mill, conta a história do restaurante localizado a 45 minutos de Manhattan, na bela cidade de Tuckahoe. A casa foi aberta há seis anos por Dean, mas o lugar está vazio. O cozinheiro Michael perdeu a paixão pela culinária e nem os funcionários querem comer ali. Além de tudo, com um asilo ao lado, a clientela é, em sua maioria, de pessoas idosas.



Enlatados
Interino

Pacote completo Em 14 de fevereiro, os fãs de House of cards (Netflix) terão a chance de conferir os 13 episódios da série. Todos serão lançados no mesmo dia, em uma ação que promete abranger o mundo todo. O seriado é adaptação do romance homônimo escrito por Michael Dobbs e de uma minissérie britânica criada por Andrew Davies.

Piloto – Já estão circulando na internet algumas imagens do episódio piloto da série Tyrant (FX). Howard Gordon e Gideon Raff, produtores de Homeland (FX), desenvolvem o programa ao lado de Craig Wright (Lost). O projeto narra a história de uma família que passa por uma turbulenta reviravolta depois a morte de um ditador de um país árabe. A estreia será este ano.

Tentativa – Matthew Perry, o eterno Chandler de Friends (1994-2004), tenta, mais uma vez, um papel de destaque na TV. Em breve, ele estará no elenco de The odd couple, no canal americano CBS. A série é um remake da atração homônima da década de 1960, que acompanha a vida de dois homens divorciados quando eles decidem dividir uma casa.

Novo personagem – De acordo com a imprensa norte-americana, Adam Sandler (Click e Gente grande) participará de Brooklyn Nine-Nine (Fox). O ator aparecerá no episódio que pode ir ao ar no mesmo dia do Super Bowl em 2014. Dizem que Sandler viverá ele mesmo na comédia, mas a emissora não confirma.



Caras & bocas
Interino

 (Mariane Lima/SBT)

Maisinha de fora?

A apresentadora mirim Maísa não foi escalada para a Patrulha Salvadora, série que o SBT/Alterosa estreia no sábado, porque estava apresentando o programa infantil Bom dia e cia., quando começaram as gravações do seriado, em agosto. No entanto, ela fará participações especiais. A primeira será no 14º episódio, o primeiro da segunda temporada. “Temos 15 programas prontos. Para começar, serão duas temporadas de 13 episódios cada uma”, diz o diretor Ricardo Mantoanelli. A primeira temporada vai de 11 de janeiro a 5 de abril. Na sequência, entra no ar a segunda temporada, que vai ser exibida até 5 de julho. “Queremos mais temporadas até o fim do ano”, avisa o diretor, que deixa claro que a continuidade depende da audiência e do faturamento do programa. Por enquanto, Patrulha Salvadora tem duas cotas de patrocínio vendidas. (Leia mais sobre a série na página 12)

GLEE CELEBRA EM MARÇO
SEU CENTÉSIMO EPISÓDIO


Em 18 de março, Quinn Fabray (Dianna Agron) estará de volta à trama de Glee (Fox), nos EUA. Nesta data, a atração comemorará seu centésimo episódio. Harry Shum Jr., Mark Salling, Amber Riley e Heather Morris também são esperados. A ideia dos produtores é promover uma votação on-line para escolher as apresentações musicais comemorativas.

ERNESTINA VAI DEIXAR O
ORFANATO EM CHIQUITITAS


Decepcionada com Chico (João Acaiabe) e com todas as crianças, Ernestina (Carla Fioroni) resolve ir embora do Orfanato Raio de Luz. Nos capítulos que vão ao ar nesta semana, em Chiquititas, novela das 20h30 do SBT/Alterosa, a megera Cintia (Milena Ferrari) mente para Ernestina dizendo que as crianças não gostam da funcionária e que Chico pediu que ela nunca mais o procure. Ernestina, ingênua e insegura, fica sem chão e decide deixar o orfanato. Ela não avisa ninguém, apenas faz uma carta para Cintia e vai embora. Cintia comemora. As crianças sentem falta da zeladora e não entendem o que ocorreu.

VALÉRIA BARACAT FALA
SOBRE CÂNCER NO GNT


A psicóloga e jornalista Valéria Baracat é a convidada do Marília Gabriela entrevista domingo, às 22h, no GNT (TV paga). "No amor, felizmente, a riqueza está na doação mútua. O que não significa que não haja luta. É preciso se doar o direito de receber amor.” É com a citação da escritora Clarice Lispector que Gabi apresenta a sua convidada. Valéria, fundadora do Instituto Arte de Viver Bem, é referência nacional quando o assunto é câncer de mama e já escreveu quatro cartilhas sobre o assunto. Ela e Gabi falam sobre a superação da doença – Valéria descobriu o câncer durante um exame preventivo.

MANSÃO VAI PEGAR FOGO
EM AMOR À VIDA, NA GLOBO


Os rumos finais de Amor à vida, da Globo, começam a surgir nesta semana. O fim do triângulo de Leila (Fernanda Machado), Thales (Ricardo Tozzi) e Natasha (Sophia Abrahão) trará grandes emoções. Nos capítulos que vão ao ar nesta semana, Leila vai mostrar que é muito mais insana do que se imaginava. Indignada porque Thales abre mão da herança de Nicole e se separa dela, a vilã resolve voltar à mansão para pegar as joias que deixou na casa. Natasha não deixa e diz que Leila tem que esperar o fim do inventário para levar as peças de lá. As duas discutem e a irmã de Linda (Bruna Linzmeyer) bate com um bastão em Natasha, deixando a ruiva desacordada. Leila tira um galão de gasolina da mochila e espalha o líquido pelo chão da casa. Fora de si, ela veste todas as joias e incendeia a mansão.

EDUCAÇÃO É TEMA DE
PROGRAMAS DO FUTURA

De amanhã ao dia 17, o jornalismo do canal Futura começa programação especial sobre planejamento escolar. O Conexão Futura terá cinco entradas ao vivo sobre o tema. Gestores e especialistas em educação explicam o que é e qual é a importância de se planejar para o ano letivo. O espectador pode conferir ao vivo amanhã, quarta e sexta, às 15h25, e terça e quinta-feira, às 14h50. E o Jornal Futura exibe uma série de três matérias sobre a temática nos dias 15, 16 e 17, às 17h. A primeira, voltada para professores, aborda os desafios do planejamento das aulas.  O último episódio da sequência foca nos adolescentes que vão fazer a prova do Enem em 2014.
 (Larry Busacca/AFP)

Bebê do mal
Começam este mês as gravações da série baseada no filme O bebê de Rosemary (1968), pela NBC. Na trama, um jovem casal nova-iorquino espera seu primeiro filho, mas, como o marido fez um pacto com o demônio para vencer na carreira, a criança acaba sendo fruto desse acordo. A direção é de Agnieszka Holland (foto), de O jardim secreto.

Olho mágico - Carolina Braga

Olho mágico
 
Fotografar espetáculos também é arte. Profissionais especializados em captar a alma de personagens fazem do ofício uma paixão


Carolina Braga
Estado de Minas: 05/01/2014


Cena de Ensaio de mentira ou o último ensaio para dizer a verdade pelas lentes de Guto Muniz (Guto Muniz/divulgação)
Cena de Ensaio de mentira ou o último ensaio para dizer a verdade pelas lentes de Guto Muniz

Na escuridão do laboratório, em meio a bacias, pinças e varais, as imagens de Antígona, montagem da Cia. Sonho e Drama, foram se revelando como mágica. Era 1987. Por trás da descoberta de cada cena em branco e preto, brilhavam os olhos de um jovem monitor de fotografia. “M e apaixonei. Pensei: isso é legal demais. Não quero parar”, lembra Guto Muniz. E ele não parou mesmo.

O ritual envolvendo rolos de filmes e produtos químicos pode até ter se tornado obsoleto. Coisa do passado analógico nem tão longínquo assim. Com 27 anos de carreira, o mineiro assiste – e protagoniza – à transformação da fotografia de cena no Brasil. Entre os dias 20 e 24, ele vai ministrar oficina no Galpão Cine Horto para compartilhar sua experiência com colegas.

Foi-se o tempo em que retratos de palco eram apenas ferramentas para divulgar espetáculos. Com a dedicação de quem se entregou ao ofício, Guto diz que fotos de cena são objetos artísticos com diversas funções. Divulgar é apenas uma delas.

 “Aquela fotografia não conta uma história, mas sugere, cria uma expectativa”, explica Guto. Fiel escudeiro dos principais grupos de teatro e de dança do estado, ele dedica 80% de seu tempo para registrar espetáculos. É raro encontrá-lo na plateia sem a câmera. “Assisto enquanto fotografo. Gosto da emoção da primeira vez”, conta.

Há 23 anos responsável pelo registro de todas as produções da Fundação Clóvis Salgado, Paulo Lacerda avisa: quando se trata de fotografia de cena, não há receita fixa. Algumas regras são básicas: o flash é abominado e o fotógrafo precisa ser o mais discreto possível. Habilidade para trabalhar com pouca luz também é importante. Fora isso, fica por conta da criatividade de cada um. “Com tempo, luz e posicionamento adequados, você faz belíssimas fotos. Mas cada um tem o seu tempero”, diz.

“O bom fotógrafo de cena consegue captar, sem ser visto, a essência do espetáculo em poucos registros. Isso depende de experiência, de posicionamento. Se você se posiciona mal, tem mais dificuldade de conseguir esse resumo”, explica outro craque, André Fossatti. Formado em jornalismo, ele iniciou a carreira de fotógrafo profissional como monitor. Ao seguir a recomendação de um professor para diversificar ao máximo sua produção, mas sem deixar de se especializar em algo de que gostasse, Fossati passou a fotografar shows. Dali para o teatro – e, principalmente, o circo – foi um pulo.

Dinâmica Embora não sigam rituais específicos, fotógrafos costumam chegar mais cedo para bater papo com o diretor. É a hora de alertar sobre uma ou outra cena mais marcante. Fora isso, a recomendação é: entregue-se ao espetáculo. Mais uma vez, sem receitas. Há quem faça mais de 500 cliques por noite. Cada um à sua maneira. Guto Muniz diz não ter “dedo nervoso”: em média, são 200 fotos em uma hora.

Todos os fotógrafos concordam: há diferenças marcantes, tecnicamente falando, entre espetáculos de teatro, dança e circo. “Há a percepção de entender se a luz está baixa ou alta, o que é possível fazer com o oferecido”, explica André Fossati.

Embora fotografe todos os tipos de produção, Paulo Lacerda não esconde a predileção pela dança. O registro do movimento é algo minucioso, deve ser acompanhado por diretores e bailarinos. “Se você clicar um segundo depois, tem o movimento todo atrasado. É preciso achar o clique certo”, recomenda.

Quando começou a fotografar, o paranaense Daniel Sorrentino se encantava com planos mais fechados e a expressão dos atores. Desde 2003 ele registra peças em cartaz no Festival de Curitiba. Com o tempo, minimizou a importância que dava para os detalhes. “Hoje, vejo que a expressão faz parte de algo mais complexo.” O que conduz o trabalho de Guto é a emoção do momento do clique: “Fotografo o que faz sentido para mim, efetivamente. Contar ou não uma história vem muito mais na hora da edição”.


Cortejo da Cia. Carroças de Mamulengo, por André Fossati (André Fossati/divulgação)
Cortejo da Cia. Carroças de Mamulengo, por André Fossati


Documento especial

Há 11 anos em atividade em São Paulo, já passaram pelas lentes de Bob Sousa os principais coletivos da cidade. Longe da câmera, mas nem tão distante assim, o fotógrafo é aluno de mestrado em artes cênicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp). O plano é dedicar a dissertação à construção de uma narrativa iconográfica sobre a trajetória de companhias paulistanas, entre elas o Teatro Oficina. As fotos serão protagonistas dessa análise.

Se Bob Sousa percebe pelas imagens o quanto a encenação teatral se transforma com o tempo, no que se refere à fotografia de cena, o profissional acredita que a mudança é lenta. “A fotografia digital trouxe um novo panorama, mas não mudou muita coisa não”, diz. Segundo ele, a primeira função das imagens de cena é documentar.

“Infelizmente, a fotografia de palco não é muito usada como arte, isso se dá mais como divulgação. São raros os livros publicados, as exposições. O trabalho é muito pouco valorizado”, critica. Ele tem procurado mudar esse cenário. No fim do ano passado, Bob publicou seu primeiro livro: Retratos do teatro. Dia 17, ele inaugura exposição, no Sesc São Paulo. Em fevereiro, vai ministrar oficina. A estética de Bob Sousa é voltada para o ator, com foco no gesto e na expressão.

 FIQUE DE OLHO

Os acervos de Guto Muniz e Bob Sousa estão disponíveis na internet. Há dois anos, o mineiro publicou seus trabalhos em www.focoincena.com.br. As imagens podem ser buscadas por companhia, data ou festival. Bob Sousa exibe fotos em www.bobsousa.com.br. Entre os dias 20 e 24, Guto Muniz ministra a oficina A fotografia nas artes cênicas no Galpão Cine Horto, em BH. Aberto a fotógrafos profissionais ou amadores, o curso aborda todo o processo que envolve a fotografia cênica. Informações: (31) 3481-5580 e www.galpaocinehorto.com.br.



CINCO MANDAMENTOS

Por Guto Muniz

•  Seja parceiro do artista fotografado
•  Esteja aberto ao que você está vendo, independentemente do estilo da peça
•  Estude o que vai fazer. Procure ler sobre a companhia ou os atores que vai fotografar, além de conhecer um pouco a estética do trabalho
•  Seja quase um “ninja”. O fotógrafo deve ser absolutamente discreto, não aparecer enquanto está fotografando. Ele não pode incomodar o público e os atores
•  Seja criterioso na edição das imagens e se esmere no resultado


O momento de cada um - Carolina Braga


A pedido do Estado de Minas, fotógrafos escolheram algumas imagens mais marcantes das respectivas trajetórias. Seja pelo significado histórico do trabalho, o esforço pessoal na hora de captar a imagem, o significado dela para a carreira, a dificuldade técnica ou o melhor posicionamento, Guto Muniz, André Fossati, Bob Sousa, Daniel Sorrentino e Paulo Lacerda têm histórias para contar.



 (Guto Muniz/divulgação)

GUTO MUNIZ
Romeu e Julieta


“Esta foi a foto do programa original de Romeu e Julieta. Escolhi-a pelo apelo emocional que a imagem tem e por seu caráter histórico. Foi um momento marcante do teatro mineiro. O Gabriel Villela (diretor do espetáculo) disse que precisava fazer uma foto de todos os atores na Veraneio e queria um horizonte bem limpo. Sugeri que fôssemos para as Seis Pistas, região de BH que, na época, era cheia de lotes vagos. Fomos num sábado à tarde, entramos em um daqueles lotes. Os meninos começaram a se aprontar, enquanto eu montava a câmera. Quando olhei para trás, tinha um monte de carros parados, olhando. Foi lindo.”



 (Bob Sousa/divulgação)

BOB SOUSA
Grupo Oficina


“Durante muito tempo, fotografei os espetáculos do Oficina. Certa vez, fui impedido de trabalhar por não pertencer a nenhum veículo de imprensa. Um problema ocorrido dias antes com outro fotógrafo gerou esse impedimento. Aquela situação abalou as minhas convicções na fotografia de teatro. Muitos anos depois, já tendo registrado outros espetáculos do grupo, recebo um convite do próprio Zé Celso para participar do Dia da Anistia – apresentação especial de peça que comemorava a anistia recebida por ele. Naquele dia, pude entrar no teatro antes de todo mundo e cobrir todos os bastidores, justamente por não ser da imprensa. A produtora, na porta, orientou: ‘Ele pode entrar. Este é o Bob do Teatro’.”



 (André Fossati/divulgação)

ANDRÉ FOSSATI
Circo Zani


“O Festival Mundial de Circo promoveu uma edição itinerante; em cada cidade, insistia para que me pendurassem no topo da tenda. Somente na última parada, em Belo Horizonte, eles toparam. As fotos ficaram fantásticas, porque é um ponto de onde ninguém espera ver. Uma perspectiva totalmente diferente. Fiquei mais de quatro horas pendurado e fotografei todo o espetáculo do Circo Zani.”



 (Daniel Sorrentino/divulgação)

DANIEL SORRENTINO
Sin sangre


“Foi a peça Sin sangre, uma das mais importantes que fiz, pela dificuldade técnica. Unindo teatro com cinema, a peça conta emocionante história humana sobre a reconstrução da memória e o perdão. A vingança se encaminha para o amor e a guerra pede paz. Três pistoleiros cercam a casa de Manuel Roca, que esconde a filha pequena embaixo das tábuas do piso. A angulação da peça exige que você fique no meio. Realmente, foi um desafio técnico.”



 (Paulo Lacerda/divulgação)

PAULO LACERDA
 Sonho de uma noite de verão


“A foto mais bonita que já fiz é aquela do clique certo, no momento certo. Tudo conspirou a meu favor. Tentei repetir várias vezes, mas não consegui. Foi em Sonho de uma noite de verão, com direção do Gabriel Villela: a bailarina entra, vai até o recipiente com água e depois sopra essa água no público. Fiz o momento máximo, em que ela estava com os braços para trás. Sabia que teria este momento, mas a diferença foi a questão do ângulo. O que diferencia um fotógrafo do outro é o posicionamento. Muitas vezes, ele acerta na luz, no tempo. O que varia é o ângulo que capta a imagem.”

Profissão de fé - Eduardo Tristão Girão

Profissão de fé 
 
Rio de Janeiro e São Paulo inspiram o novo disco de Gabriel Grossi. Militante da gaita, ele apela a arranjadores que abram espaço para o instrumento na música popular brasileira 
 
Eduardo Tristão Girão
Estado de Minas: 05/01/2014


Gabriel Grossi, gaitista     (Guto Costa/divulgação)
Gabriel Grossi, gaitista

Elogiado por ninguém menos que o colega belga Toots Thielemans, o gaitista brasiliense Gabriel Grossi mandou para as lojas o disco instrumental Urbano. O trabalho é extensão da linguagem iniciada em Horizonte (2009), álbum gravado com Guilherme Ribeiro (teclado) e Jônatas Sansão (bateria). Ao trio foram acrescentados Sérgio Coelho (trombone), Jota P. Barbosa (saxofone-tenor e flauta) e Michi Ruzitschka (guitarra).

Dirigido por Guilherme Ribeiro, o CD traz sete composições, quatro delas escritas por ele em parceria com Grossi – as demais são assinadas por um ou por outro. “Queríamos continuar o trabalho que começamos em Horizonte, mas de uma forma um pouquinho diferente, com a nova geração mais presente. Naquela época, homenageamos instrumentistas de sopro como Maurício Einhorn, Paulo Moura e Raul de Souza. Sérgio e Jota P. são seguidores deles”, afirma Grossi.

Ainda utilizando a linguagem da música instrumental brasileira, Grossi agora aposta na pouco óbvia combinação de seu instrumento com sopros, oferecendo sonoridades interessantes. “A gaita dá timbres que mudam muito as texturas dos naipes em que ela entra. Quero incentivar arranjadores a usar mais gaita em seus trabalhos. Por que não?”, questiona. Além disso, o artista lança mão de um pedal especial, que lhe permite formar acordes. Isso fica claro no solo de Todas as direções.

“É uma música de cidade mesmo, muito urbana, fruto de minhas vivências entre Rio de Janeiro e São Paulo. O disco é todo em compassos compostos, meio quebrados. As melodias são simples, apesar de os ritmos surgirem mais complicados. Piramos mais em cima dos grooves, eles conduzem o CD”, observa Grossi. As gravações ocorreram no ano passado, em São Paulo. Todos os músicos tocaram juntos no estúdio.

Panorama
Depois de lançar dois discos no ano passado – Realejo (com o acordeonista Bebê Kramer) e Villa-Lobos popular (com o pianista Amilton Godoy) –, além de Urbano, o gaitista quer se dedicar a shows para divulgar melhor os três trabalhos. Em seguida, planeja produzir DVD gravado ao vivo que resuma um pouco de sua trajetória.

Em março, ele vai embarcar para Viena, na Áustria, onde participa do show de lançamento do disco Vienna, world, do guitarrista Wolfgang Muthspiel, no Konzerthaus, um dos principais palcos daquela cidade europeia.

Grossi, que marcou presença na gravação desse álbum, não será o único brasileiro no Konzerthaus. O outro é o violonista e baterista gaúcho Alegre Corrêa, que participou de Realejo. O gaitista aproveita para cumprir agenda paralela para divulgar seu trabalho solo.

PERFIL/MARCOS PIMENTEL » O homem do silêncio‏

PERFIL/MARCOS PIMENTEL » O homem do silêncio Obra autoral de documentarista chama a atenção em festivais no país e no exterior

Walter Sebastião
Estado de Minas: 05/01/2014


Marcos Pimentel, cineasta (Matheus Rocha/divulgação)
Marcos Pimentel, cineasta

Marcos Pimentel, de 36 anos, cruza o mundo com seus filmes. Formado em psicologia, comunicação social e cinema, com especialização na Alemanha, sua produção reúne 22 documentários rodados em uma década. Só no ano passado, o curta Sanã, filmado no Maranhão, recebeu prêmios na categoria Melhor direção em festivais e mostras realizados em Fortaleza (CE), Santos (SP) e Cabo Frio (RJ). Ele levou também o troféu concedido pela Associação Brasileira de Documentaristas de São Paulo no Festival É Tudo Verdade, além de menção honrosa do júri oficial.

“Fui me calando ao longo da vida. Dependia muito da palavra, hoje sou mais introspectivo e os filmes refletem isso. Acredito, cada vez mais, no silêncio e no poder das imagens”, afirma Marcos, ao definir Sopro, seu primeiro longa-metragem. A estreia ocorreu em abril, na mostra suíça Visions du Réel, um dos mais importantes festivais dedicados ao documentário.

Sopro foi exibido em mostras realizadas em Los Angeles (EUA), Montreal (Canadá), Nantes (França) e Bratislava (Eslováquia). O filme chamou a atenção também na Semana dos Realizadores (RJ), no Festival Primeiro Plano (Juiz de Fora) e no Festival del Nuevo Cine Latinoamericano, em Cuba.

Sons
A observação do diretor sobre o silêncio remete a aspecto que chama a atenção nos trabalhos recentes dele: suas obras dispensam diálogos e textos, mas não abre mão dos sons. Nos 73 minutos de Sopro, há apenas 90 segundos de diálogo. Pimentel põe na tela o dia a dia de uma comunidade isolada do mundo. “É um filme existencialista sobre a vida e a morte”, resume.

O longa foi rodado na região do Parque Estadual do Ibitipoca, na Zona da Mata mineira. “Devido à atmosfera de lugar remoto, teve gente jurando que as locações de Sopro ficam na Ásia. Mas é interior de Minas mesmo”, diverte-se o diretor. “Descobri-me como gente e aprendi a me relacionar com o mundo por meio do silêncio nas montanhas de Ibitipoca”, explica. Há anos ele visita o parque.

O cineasta trabalha em Juiz de Fora e em Belo Horizonte, mas passa pequenas temporadas em Havana, em Cuba. Desde 2009, leciona no departamento de documentários da Escuela Internacional de Cine y Televisión de San Antonio de los Baños. Ele trabalha também em Cataguases, na Zona da Mata mineira: desde 2007, coordena a mostra de curtas Andorinha virtual do Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa.

Pimentel já filmou em vários países e recebeu convites para morar fora do Brasil, mas avisa: “Tenho atração pelas montanhas, pela terra e pessoas. Em Minas Gerais existe muita matéria-prima para filmes. Gosto do Rio e de São Paulo, mas a minha história é fugir desse eixo. Tendo aeroporto, correio, celular e internet, trabalha-se em qualquer lugar”, garante.

Cena de Sanã, filme rodado no Maranhão (Matheus Rocha/divulgação)
Cena de Sanã, filme rodado no Maranhão


Psicólogo das telas

Na adolescência e na juventude, Marcos Pimentel não pensava em uma profissão específica. Movido pela curiosidade sobre o comportamento humano, optou por psicologia. “O curso foi importante no sentido de despertar minha sensibilidade para a vida, além de me dar uma leitura do mundo e das pessoas”, conta.

Aluno do curso de comunicação social, ele teve contato com a produção audiovisual. Ao participar da equipe do cineasta José Sette, Marcos rodou um documentário como trabalho de faculdade. “Vi que era aquilo o que queria fazer”, conta. Depois, foi aluno dos documentaristas Eduardo Coutinho e João Moreira Salles. Fez cursos em Cuba e especialização na Alemanha. “Aí, pensei: chega. Quero voltar para o Brasil e filmar. Não estou documentarista, sou documentarista”, explica, taxativo.

Sua obra se vale de diferentes modalidades de documentário – filme ensaio, gêneros híbridos com a ficção e cinema verdade, por exemplo. O mineiro admira realizadores como Eduardo Coutinho, Humberto Mauro e Sergei Dvortsevoy, diretor do Cazaquistão. Os prêmios e a participação em vários festivais lhe possibilitaram rodar um filme por ano.

“Gostaria de ter a certeza de que vou fazer o meu novo projeto. Não posso reclamar, mas não tenho segurança quanto à realização do próximo filme”, conta Marcos. Alguns de seus curtas estão disponíveis no site www.temperofilmes.com.


“Não preciso falar”

Por que o silêncio em seus filmes?
Eles nascem da vontade de dizer coisas. Meus documentários não partem de entrevistas, de perguntas ou conversas, mas procuram outras formas de comunicação que não a verbal. Sou introspectivo e trabalhar assim é uma forma de dizer sem precisar falar. Entrego-me ao jogo de olhares vindo do convívio com a situação. Faço cinema observacional, mais discreto e recatado – cinema de autor. Em cada fotograma, tem coisas íntimas. É um prazer dividir silêncios com o espectador.

Você dá aula de documentário. O que é essencial a esse gênero?
Documentário é uma forma de olhar para o mundo com atenção. Histórias que podem dar bons documentários existem em todo lugar, mas é preciso enxergá-las. Tento despertar nos alunos a sensibilidade para esses aspectos. Pessoalmente, gosto muito dos filmes que, a partir de coisas simples e banais, fazem-nos ver as coisas e o mundo de outra forma.

Como você vê o cinema brasileiro atual?
O mérito é, mesmo trabalhando com pouco orçamento, conseguir fazer algo que consegue chamar a atenção para o cinema pulsante que vem sendo feito no Brasil. Cada vez mais, há mostras em outros países dedicadas à nossa produção dos últimos 10 anos. Quer dizer: foram transpostas barreiras, e o cinema brasileiro chegou a festivais onde ele era raro.

Há estímulo para a atividade?
Temos editais e podíamos ter mais. Mesmo assim, com a mudança dos meios de produção, que jogou o orçamento dos filmes para baixo, há muita gente filmando no Brasil. Entretanto, poucos filmes chegam ao público, devido ao número reduzido de salas e ao fato de elas serem controladas pelas majors. O governo já colocou muito dinheiro na produção. Agora, poderia colocar mais na exibição, em salas voltadas para o conteúdo nacional.

EM DIA COM A PSICANÁLISE » O ano novo te espera‏

EM DIA COM A PSICANáLISE » O ano novo te espera
Regina Teixeira Costa
Estado de Minas: 05/01/2014



Mais um ano começou na quarta-feira e, como dizemos, é um novo ano. A contagem do tempo nos dá a possibilidade de controlar passado, presente e futuro, organizando com marcas a nossa vida. Marcas das construções que fizemos no vivido, do ido e do muito ou pouco que nele fizemos.

Agora mesmo, estava eu inaugurando a 16ª pasta anual de artigos e me emocionei com a noção do tempo que essa contagem me causou. Dezesseis anos de escrita neste jornal! Faz tempo que conquistei este espaço e nele coloquei tantas letras, palavras, frases, textos e ideias. É quase inacreditável visualizar tantas pastas com artigos de tantos domingos. E tantos leitores que escrevem, participam e também criticam (ainda bem).

A contagem do tempo nos organiza. São marcas necessárias para nos orientar e facilitar o entendimento de um real que poderia, sem isso, ser caótico. Imagine se não soubéssemos diferenciar o antes, o agora, o depois. Ficaríamos soltos no tempo e no espaço e nada ordenaria o tempo de uma vida, de uma gestação, as idades, a duração das coisas que vivemos. Seriam apenas dias e noites contínuas sem qualquer marca simbólica permitindo a nossa localização temporal.

Sim, serão novos dias, um novo tempo e talvez possamos inaugurar novidades. Um gesto novo, palavras novas dirigidas ao outro, novos comportamentos que nos façam melhores, mais gentis e mais polidos. Quem sabe aprendamos a conversar, sem brigar, sobre o que nos desagrada? Quem sabe realizaremos velhos planos? Quem sabe as apostas relançadas possam se concretizar?

Quando desejamos um feliz ano novo, desejamos a continuidade do que já é bom e algo mais além. Nesse além há espaço para alguma inauguração e, nela, nossa figura mais atenta, mais capaz, mais sensível para o novo que nos espera a cada repetição.

A cada volta ao mesmo, a cada despertar de mais um dia, sabemos da impossibilidade de não repetir, nossa estrutura nos engessa de algum modo. Mesmo assim, a cada dia é possível ver e entender por outros ângulos com o entusiasmo de algo de novo, mesmo que pequeno. Uma fagulha de novo no mesmo.

Parafraseando o filósofo Heráclito, ninguém se banha duas vezes com a mesma água do rio. Assim é o novo: está ali, latente, a ser descoberto. Depende de a pessoa fazer diferente, dar uma resposta diferente sem medo das retaliações do outro. Tememos o abandono e a rejeição. Eles podem vir, claro, há pessoas pouco democráticas, absolutistas e caprichosas que exigem satisfação de fonte alheia. Mesmo assim, seguir em frente com dignidade, mesmo tendo perdido algo, significa encarar a vida como ela é.

Disse Lacan que ninguém deve se culpar, senão por abandonar o seu desejo. O desejo é nosso guia, não se trata de capricho fútil, nem manha – é o sentido que se quer para a vida, decidida pelo próprio sujeito, que comanda o seu e não se deixa à sorte que o destino apresentará.

Ninguém ou nada tem valor caso sejamos reféns e aprisionados. A coisa mais preciosa é a pessoa se apropriar do desejo e priorizar as pequenas coisas que a farão satisfeita consigo mesma, equilibrando a disponibilidade ao outro e o que lhe é caro. Se você teme desagradar (ninguém é unanimidade), pode se enganar: o outro agradece por ter alguém decidido, lúcido e satisfeito a seu lado. Faça esta aposta – pelo resultado, virá a certeza do acerto. Mas, primeiro, a aposta. E é sem garantia... Embarque nessa e boa sorte!

Recomeçar com Drummond pode nos trazer a leveza da poesia. Diz ele, em “Receita de ano novo”: “Para ganhar um Ano Novo/ que mereça este nome,/ você, meu caro, tem de merecê-lo,/ tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,/ mas tente, experimente, consciente./ É dentro de você que o ano novo/ cochila e espera desde sempre”.

>>  reginacosta@uai.com.br

Eduardo Almeida Reis-Emoções‏

Emoções 
 
Com o emocional em frangalhos, o que significa dizer em pandarecos, o cavalheiro e a dama se desestruturam da cabeça aos pés

Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 05/01/2014




Ao contrário do que se possa imaginar, frangalho não é bela refeição em que se mistura frango e alho. Houaiss diz que a etimologia é controversa, enquanto Aurélio informa que vem de franger (latim frangere “quebrar, despedaçar, rasgar, esmagar, comprimir”) mais possivelmente “alho”. Faz sentido: franjo, tu franges, ele frange, verbo que significa franzir, como também quebrar, partir. Aulete vai com Houaiss e diz que a origem é obscura.

Noves fora etimologias, é impressionante a ação do emocional sobre as pessoas. Com o emocional em frangalhos, o que significa dizer em pandarecos, o cavalheiro e a dama se desestruturam da cabeça aos pés. Vosso philosopho, que era cavalheiro aparentemente normal, entrou o ano passado talqualmente Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) em 1889, quando se agarrou a um cavalo que viu açoitado numa praça e passou a escrever cartas em que se assinava Dionísio.

Como sabemos (depois de consultar a Wikipédia) Dionísio era o deus grego dos ciclos vitais, das festas, do vinho, da insânia e sobretudo da intoxicação que funde o bebedor com a deidade. É verdade que, antes disso, Nietzsche já usava um bigode maior que a soma das bigodeiras de Olívio Dutra e Luiz Eduardo Greenhalgh.

Com o emocional em pandarecos lá vou tocando na esperança de que as coisas melhorem. Otimista à beça e à bessa, fio que devem melhorar. Fio, minha gente: acreditar, confiar, esperar. O verbo fiar é puro latim e entrou no galego-português em 1009.

Estatísticas

Certos números, de tão esquisitos, fazem que a gente desconfie. Dou-lhes um exemplo publicado dia desses: “Taxas de homicídios dolosos por 100 mil habitantes em 2012”. Homicídio doloso é aquele em que há dolo. Em direito penal, dolo é a deliberação de violar a lei, por ação ou omissão, com pleno conhecimento da criminalidade do que se está fazendo. Em dúvida diante de palavra tão esquisita, a maioria dos televisivos pronuncia dôlo, mas é dólo e o crime é, aí sim, dolôso.

Na Alemanha a taxa é de 0,8, no Reino Unido é de 1 e na Venezuela é de 45,1: até aí, tudo bem. Em Portugal, segundo a mesma fonte, é de 1,2, e na Colômbia anda pelos 33,4: faz sentido. Em Nova York é de 4 e nos Estados Unidos fica em 4,1.

Boa notícia é que nas favelas cariocas com UPP o número anda pelos 8,7, contra 18 da cidade do Rio e 23,5 do estado do Rio. A taxa brasileira é de 24,3 e a sul-africana de 30,9. Espantosa, mesmo, foi a notícia de que na Argentina anda em 3,4, contra 4,1 dos Estados Unidos. Vai ver que os portenhos manobram seus homicídios dolosos (dolósos) na mesma calculadora usada para mentir sobre a inflação.

Leitores

Sem leitores não vive o cronista, mas é difícil agradar a gregos e troianos. De vez em quando um leitor se diz ofendido por qualquer observação do escriba e ameaça romper os laços leitorais. Dia desses foi divertido, porque o patrício me acusou de não falar mal do Aécio.

Ora, bolas, tenho mil e um motivos para não criticar o senador, e o primeiro deles é definitivo: meu avô e o avô dele foram amigos íntimos, fizeram política juntos durante anos. Fui nascido e criado numa família que vivia falando bem do Dr. Tristão da Cunha e do filho dele, Aécio Cunha, pai do senador Aécio Neves da Cunha.

Só aí teria motivos de sobra para não falar mal do neto do Dr. Tristão, mesmo que tivesse motivos. Não os tenho. Conheci pessoalmente o governador Aécio numa solenidade. Depois, almocei em palácio a convite do governador, porque faço parte de uma academia que foi recebida por ele: bom dia... boa tarde... como tem passado o senhor?

Havia charutos depois da sobremesa e do café. Fumei um. Muita gente fumou. Dei notícia do ágape nesta coluna. Convidado, fui barrado na guarita de acesso ao palácio. O cerimonial solucionou o problema, coisa normal num país grande e bobo. O convidado se engravata, toma um táxi e é barrado na guarita por um funcionário subalterno.

Vou mais longe: pelas relações familiais, acho que deveria ter sido convidado pelo governador Aécio para qualquer cargo no governo. Agradeceria e não aceitaria, porque gosto mesmo é de escrever para fora. Tenho dito.

O mundo é uma bola

5 de janeiro de 1785: dona Maria I, de Portugal, promulga alvará que proíbe a proliferação de indústrias no Brasil. Fez muito bem. Com as indústrias surgem a empáfia dos industriais e as federações, Fiesp, Fiemg, com seus presidentes que se julgam reis do mundo fazendo concorrência ao reinado de dona Maria I, a Louca.

Em 1825, Alexandre Dumas pai, com 23 anos, participou de seu primeiro duelo. Não se machucou seriamente, mas suas calças caíram durante a luta previamente ajustada.

Em 1867, primeiro trem urbano da América Latina: a Maxabomba do Recife. Em 1919, fundação do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, que teve a inscrição número 7 do Sr. Adolf Hitler.

Hoje é o Dia de Santo Eduardo.

Ruminanças

“A burrice tem a virtude da veracidade” (Nelson Rodrigues, 1912-1980).

O vírus que abalou o mundo moderno‏ - Bruna Sensêve

O vírus que abalou o mundo moderno 

Na década seguinte à descoberta do HIV, 10 milhões de pessoas foram diagnosticadas com Aids. Trinta anos depois, o micro-organismo ainda intriga médicos e cientistas 

Bruna Sensêve
Estado de Minas: 05/01/2014



Pouco mais de três décadas atrás, um surto de infecções oportunistas e de um tipo de câncer conhecido como sarcoma de Kaposi foi relatado em um pequeno número de homens homossexuais na Califórnia e em Nova York. As primeiras doenças são nomeadas oportunistas por se aproveitar da fraqueza do sistema imunológico do paciente para se instalar. A segunda é um tumor raro em indivíduos com as defesas do organismo íntegras, mas comum entre pacientes diagnosticados com a síndrome da imunodeficiência adquirida – ainda uma incógnita para os médicos da época. Em poucos anos, a enfermidade desconhecida tornou-se temida ao redor do mundo e amplamente conhecida pela breve sigla: Aids. Para mostrar a história da doença, o Estado de Minas inicia hoje uma série sobre o tema.

Segundo o infectologista e imunologista Esper Kallás, do Hospital Sírio-Libanês, assim que os primeiros casos da doença foram identificados, as vítimas chamaram a atenção por algumas características em comum. “A primeira delas é que a grande maioria era homem homossexual com doenças infecciosas características de pessoas que tinham deficiências graves no sistema de defesa, mas que eram previamente saudáveis”, descreve. A busca por essas convergências entre os diagnosticados com a misteriosa doença foi intensa até a descoberta de que havia um defeito na resposta imune celular desses pacientes. “Viram que uma célula do sistema de defesa conhecida como linfócito T CD4 estava muito baixa. Com essas características comuns, passaram a definir uma síndrome.”

O termo é usado para um conjunto de sinais e sintomas agrupados em torno de uma doença. “Chamaram de síndrome da imunodeficiência adquirida porque todas essas pessoas não tinham no passado qualquer histórico que evidenciasse essa deficiência no sistema de defesa”, explica Kallás. Pouco antes, em 1982, o problema foi temporariamente chamado de doença dos 5 H porque era diagnosticada em homossexuais, hemofílicos, haitianos, heroinômanos (usuários de heroína injetável) e hookers (nome em inglês dado aos profissionais do sexo).

HIV se espalha Em um ano, porém, uma epidemia heterossexual foi descrita na África Central, vitimando preferencialmente as mulheres. “Mal sabíamos na época que esse pequeno número de casos eclodiria em dezenas de milhões, resultando em uma das maiores pandemias dos tempos modernos”, diz Peter Piot, ex-diretor-executivo do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) e atual diretor da London School of Hygiene and Tropical Medicine, no Reino Unido. Em 1984, o início de uma disputa entre pesquisadores franceses e norte-americanos revelou, pela primeira vez, o agente causador do mal (veja Saiba Mais). O retrovírus mais tarde chamado de vírus da imunodeficiência humana (HIV) foi identificado em testes de diagnóstico da Aids adotados para proteger o fornecimento de sangue e apontar as pessoas infectadas.

“Foram adotadas medidas adicionais de prevenção, incluindo programas de redução de risco, aconselhamento e testagem, distribuição de preservativos e programas de troca de agulhas. No entanto, o HIV continuou a se espalhar, contaminando 10 milhões de pessoas na primeira década depois de sua identificação”, acrescenta Piot. A década seguinte foi marcada pela intensificação da epidemia em diversas áreas do mundo, como o cone sul africano, que inclui África do Sul, Angola, Moçambique, entre outras nações. Todos viram uma epidemia explosiva da infecção pelo HIV. Países da Ásia e da União Soviética também relataram um aumento expressivo da propagação do vírus.

Na década de 1990, áreas foram quase dizimadas, com drásticas quedas nas taxas de expectativa de vida. “Se antes chegavam aos 60 anos de idade ou mais, de repente esse índice foi reduzido para 30”, estima o médico Edgar Hamann, professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB). Segundo ele, muitos países, como Burundi, Malawi e Zimbábue, perderam boa parte da população. Alguns tiveram mais de 30% dos habitantes infectados. “Era uma situação-limite. O vírus atingiu as nações em ondas e o Brasil foi afetado logo na primeira delas, com os Estados Unidos e países da Europa.”

Surge o coquetel A corrida por uma terapia eficaz, capaz de frear essa avalanche acelerada de infectados, movimentou centenas de milhões de dólares, investidos na pesquisa científica e no desenvolvimento de medicamentos. No entanto, somente em 1996 a ciência apresentou uma resposta efetiva ao devastador inimigo. Sob a abreviação de Haart (em inglês) e a alcunha, no Brasil, de coquetel, a terapia antirretroviral altamente ativa impactou a qualidade de vida e aumentou o tempo de sobrevivência dos pacientes. O sucesso está na associação de um novo medicamento à época, o inibidor de protease. Nos poucos anos que se seguiram, foi possível notar uma queda significativa nos óbitos por Aids no mundo. Se em 1996 foram mais de 15 mil mortes no Brasil, já no ano seguinte o índice caiu para 12.078 e para 10.770 em 1998.

“Isso mudou a história da epidemia. Em vez de ser uma enfermidade que matava todo mundo, passou a ser uma doença controlada com os remédios”, define Esper Kallás. Segundo o infectologista, hoje, nos casos dos pacientes que fazem o tratamento adequado e seguem as orientações médicas, a Aids pode ser considerada um mal crônico controlável. “Mas, nos parâmetros de saúde pública, estamos longe de ter a doença sob controle porque tem muita gente ainda que não tem acesso ao remédio e que não o toma direito.” Para Kallás, apesar dos esforços, ainda é alto e crescente o número de óbitos por Aids no Brasil. De acordo com o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, foram 12.044 mortes pela doença em 2011. A taxa está entre as 10 mais altas desde o primeiro caso no país, em 1980.

Exército de defesa

Os linfócitos T ou células T pertencem a um grupo de glóbulos brancos do sangue e são os principais atores da imunidade. Contêm o receptor de células T que lhes permite uma grande variedade de reconhecimento a antígenos. Há vários subgrupos, entre eles os CD4+, que coordenam a defesa imunológica contra micro-organismos principalmente pela produção e pela liberação de substâncias chamadas citocinas. Na Aids, a destruição do CD4+ pelo vírus HIV dá início à deficiência imunológica.


Saiba mais

Disputa acadêmica

A autoria da descoberta do HIV é cercada de controvérsias entre dois grupos de cientistas. De um lado o de Luc Montagnier, do Instituto Pasteur, na França; e, do outro o de Robert Gallo, do National Cancer Institute, nos EUA. Ao surgirem os primeiros casos de Aids em São Francisco e Nova York, Gallo suspeitou que um retrovírus fosse o responsável pela infecção, mesma opinião de Montagnier. Os dois chegaram a trocar amostras dos experimentos. Gallo anunciou, em abril de 1984, que havia descoberto o vírus causador da Aids, que seria diferente do identificado pelos pesquisadores franceses. Depois, soube-se que Gallo trabalhava com uma amostra contaminada no laboratório de Montagnier, e, só anos depois, as duas instituições concordaram em dividir o mérito da descoberta. Ainda assim, o Prêmio Nobel de Medicina de 2008 foi dado aos cientistas franceses Luc Montagnier e Françoise Barre-Sinoussi pela descoberta do HIV.