domingo, 13 de janeiro de 2013

Colunista Convidado:ISAAC KARABTCHEVSKY

O Globo 13/01/2013
Sobre Steve Jobs e música


“O sucesso da empresa foi alicerçado
não só no carisma de Jobs, na
satisfação de ser permanentemente
insatisfeito, mas nas proverbiais
apresentações (leia-se concertos)”



A revista “Macworld” publicou em 2010 um artigo revelador sobre Steve
Jobs: “How Steve Jobs beats presentation panic.” O tema era relacionado
aos famosos lançamentos de seus produtos, que entraram para a história
da informática como os campeões de fantasia e eficiência. O sucesso colossal
que a empresa adquiriu nesses últimos anos foi alicerçado não só no
carisma de Jobs, na sua satisfação de ser permanentemente insatisfeito,
mas nas proverbiais apresentações (leia-se concertos), onde ele se dirigia
a um público heterogêneo mostrando suas últimas conquistas.

Muitas vezes, porém, surgiam imprevistos, como no caso do lançamento
do iPhone 4. Enquanto Jobs tentava demonstrar as funções do novo produto,
surgiram graves problemas de conexão com a rede wi-fi. O que poderia
resultar em pânico para um apresentador normal provocou em Jobs
uma reação tranquila: “...parece que estamos tendo problemas com nossa
rede, ela é sempre imprevisível. Eu não tenho a menor ideia do que vai
acontecer, hoje ela está lenta...” E, sem avisar ninguém, pulou para o próximo
assunto da exposição.

De acordo com uma testemunha: “…ele estava tão bem preparado que
sabia qual seria o próximo tópico. Jobs tinha um backup e pulou para o
tema seguinte sem perder um segundo...”

Na verdade, a lista de acidentes que podem ocorrer durante uma apresentação
é absolutamente imponderável. O segredo de Jobs: muito ensaio.
Não se conhece quantas horas ele dedicou a se preparar para cada
lançamento, mas sabe-se que ele trabalhava 99% a mais do que os seus
concorrentes. Este exemplo nos mostra que não basta o talento, é essencial
o trabalho que o fundamenta — o velho “muita transpiração e pouca
inspiração”.

No terreno da música em coletivo, constatamos que o tempo que se dedica
a cada récita ou concerto é condicionado às leis inexoráveis do mercado
e das disponibilidades das orquestras, oscilando entre dez ensaios
no caso das óperas e quatro para os concertos. Um mínimo de esforço para
um máximo de eficiência. Esta prática leva a situações extremas: em caso
de acidentes no palco, um solista que se perde ou um maestro que dá
uma entrada errada, há pouco espaço para manobras; estabelece-se o pânico
geral. Muitas vezes o público nem percebe, mas a apresentação está
irremediavelmente comprometida. Um dos grandes maestros da História,
Sergiu Celibidache era conhecido pela sua obsessão na preparação de um
concerto. Seu número mínimo de ensaios oscilava entre dez e 15, podendo
se estender até a um mês de árduo trabalho à mercê da dificuldade da
obra. Os resultados eram impressionantes: durante o concerto os músicos
tocavam livres, soltos e totalmente magnetizados pela figura de Celibidache.
Confiante no grupo, ele começava a improvisar gestos, a criar atmosferas,
imbuído da força mágica da partitura musical. Não tenho dúvidas:
Celibidache foi o Steve Jobs da música! Ele vem apenas confirmar que, em
qualquer situação, dependendo do trabalho investido, maestro e orquestra
constituem a moldura de uma apresentação bem-sucedida

Diretor de ensino católico da França reafirma posicionamento contra casamento ga‏y


LE Monde
Maryline Baumard



  • 11.jan.2013- Militantes colam pôsteres na parede de um prédio na cidade de Nantes, na França, anunciando uma manifestação para o dia 13 de janeiro contra a legalização do casamento gay. Os planos do governo francês de ampliar o direito ao casamento e adoção aos gays está dividindo os franceses, principalmente os líderes católicos e muçulmanos11.jan.2013- Militantes colam pôsteres na parede de um prédio na cidade de Nantes, na França, anunciando uma manifestação para o dia 13 de janeiro contra a legalização do casamento gay. Os planos do governo francês de ampliar o direito ao casamento e adoção aos gays está dividindo os franceses, principalmente os líderes católicos e muçulmanos


Eric de Labarre saiu de seu regime de silêncio. Apresentada como uma iniciativa de paz no debate entre o ensino católico e o ministro da Educação Vincent Peillon, a coletiva de imprensa do secretário-geral do ensino católico, na última terça-feira, lhe permitiu sobretudo lembrar seu posicionamento e fazer alguns esclarecimentos.


Primeiro: se o e-mail enviado a seus diretores de escola no dia 12 de dezembro de 2012 para lembrar que a Igreja é contra o "casamento para todos" e sugerir que sejam "tomadas iniciativas" em torno desse tema tivesse de ser refeito hoje, ele o reescreveria "sem mudar uma vírgula".


Ao ministro que o havia acusado de ter cometido "um erro", ele respondeu um categórico "eu contesto formalmente ter cometido qualquer erro que seja e não admito nem mesmo ter cometido uma gafe". Esse foi o segundo ponto. Ou até terceiro, uma vez que a "gafe" era uma resposta ao editorial do "La Croix" de segunda-feira (7).


O "Le Monde" também foi alvo de críticas em tom similar, mas firme. Dar a entender que ele estava às ordens dos bispos soou para seus ouvidos como "um atentado" à sua "dignidade". "Vocês fazem de mim um homem servil por interesse. Só que lhes afirmo que a carta foi escrita sem qualquer orientação dos bispos", faz questão de explicar esse acadêmico, professor de direito público, que detesta que coloquem em dúvida seu livre-arbítrio.


No entanto, Eric de Labarre diz ter vivido à "distância" essa crise motivada pelo "casamento para todos", que ouviu falar dela através de terceiros! Antes da direção do ensino católico, que ele ocupa desde o dia 1º de setembro de 2007, ele presidia a Associação de Pais e Alunos do ensino privado.


Sua chegada à direção da associação em 1998 foi marcada por uma "campanha de calúnias" que fazia dele um católico integrista próximo da extrema direita. "Isso durou quatro meses, sofri muito. Mas me deu uma carapaça que hoje permite que eu viva minhas responsabilidades com serenidade." O fundamento desses rumores? "Sou até um bom candidato para isso: sobrenome nobre, uma esposa de sobrenome nobre, um filho padre na Fraternidade Saint-Pierre. Além disso, sou jurista em uma universidade que não tem reputação de esquerda [a universidade Montesquieu-Bordeaux-IV]."


Ciente de sua imagem, Eric Mirieu de Labarre –  seu nome completo – aponta enquanto fala para seu terno azul-marinho, com o distintivo da Legião de Honra na lapela, e sua gravata impecavelmente clássica. E diz com uma piscadela, "ainda mais que eu não me disfarço!"
É verdade que esse homem de 58 anos, pai de cinco filhos, é inabalável, como teria dito o prefeito de Bordeaux, Alain Juppé, que pediu para ele a Legião de Honra.


Há quem defina o personagem inteiro em sua relação com o direito, tida como expansiva. Como se essa disciplina tivesse se tornado parte integrante de sua pessoa e de sua abordagem sobre as questões. Na escola católica, ele se distinguiu de seus antecessores por esse olhar que alguns consideram um pouco árido, ao qual falta um tanto de filosofia, às vezes de antropologia. Ou de pedagogia.
Eric de Labarre sabe que a inovação pedagógica é uma das riquezas das escolas privadas, a razão pela qual, no início de cada ano escolar, 40 mil alunos permanecem em sua lista de espera. No entanto, não é um território no qual ele tenha se aventurado durante seus dois mandatos.


Às vezes ele é criticado por demorar para tomar decisões. Na verdade, esse é seu método: ele se baseia em reuniões, comissões e também em uma equipe próxima, e em seguida decide. "Meu maior sucesso é esse grupo de seis pessoas, com seus laços fortes, suas diferenças e suas complementaridades". Perfis diversificados o bastante para que seu dream team não tenha votado em uníssono no segundo turno da eleição presidencial, o que ele elogia.

Obras a realizar

Não saberemos se ele gostaria de continuar mais tempo na direção do ensino católico. "Não sou eu que decido", ele conta, como se a sentença dos bispos o impedisse de ter uma vontade. A alguns meses do fim de seu mandato, ele acredita ainda ter obras a realizar: fundir alguns de seus 8.300 estabelecimentos, oferecer uma melhor gestão de carreira a seus funcionários que muitas vezes permanecem em um único estabelecimento.


Acima de tudo, ele deve terminar de reescrever os estatutos do ensino católico. Os anteriores datam de 1992. O preâmbulo era escrito pelos bispos e a centena de artigos redigidos pelo ensino católico. Dessa vez, tudo deve ser redigido de comum acordo. O trabalho começou em agosto de 2010 e terminará este ano.


Existe muito em jogo, e há quem acredite que a Igreja aproveitará a ocasião para se estabelecer mais à vontade. Respeitando a Lei Debré de 1959, que coloca como princípio a dupla tutela do Estado e da Igreja, é claro! Eric de Labarre não nega.
Embora ele reconheça que esses estatutos têm um outro objetivo mais prático, ele também comemora "o interesse renovado dos bispos pela escola católica". Além disso, ele lembra que é responsável por um dos cinco grandes serviços da Igreja. Uma Igreja que quer recristianizar a escola privada, e isso lhe convém.


"Na época dos secretários-gerais anteriores, não teríamos vivido episódios como o que estamos atravessando hoje". A frase volta como um refrão na boca daqueles que conheceram seus antecessores ou observam o ensino católico há muito tempo. Provavelmente, mas Eric de Labarre chegou à frente do ensino católico num momento em que a escola foi designada como terra de reconquista pelo próprio papa.


Tradutor: Lana Lim        

Notícias de um estupro em país desenvolvido - Dorrit Harazim


O Globo - 13/01/2013

O caso da jovem de 23 anos estuprada
no mês passado por
um grupo de homens em
Nova Délhi, capital da Índia,
provocou o devido horror mundial.
Talvez pelos detalhes da rotina do cotidiano
em que ocorreu, tão familiar ao
cidadão urbano de qualquer parte do
mundo: a jovem voltava de uma sessão
de cinema (“As aventuras de Pi”); estava
acompanhada do companheiro
com quem casaria em fevereiro próximo;
e encontrava-se dentro de um ônibus
quando teve o corpo devassado
pelos seis atacantes, entre os quais o
motorista.

Como se sabe, depois de brutalizada,
foi espancada com barra de ferro e despejada
com o namorado perto de uma
via expressa da cidade. Não resistiu às
lesões e morreu treze dias depois.

A bestialidade do ato desencadeou
algo tão imprevisível para o Ocidente
quanto os surtos iniciais da chamada
Primavera Árabe, na Tunísia e no Egito:
a Índia saiu às ruas. Homens e mulheres,
jovens e adultos, autoridades e
anônimos passaram a exigir mudanças
na cultura de violência sexual do
país. Repita-se: homens, muitos, inúmeros
homens se juntaram às gigantescas
manifestações de protesto.

Paralelamente, foi sendo construído
por parte da mídia ocidental o retrato
de uma nação de hienas predatórias
onde o estupro seria a norma.
As estatísticas citadas são, sem dúvida,
eloquentes: em Nova Délhi uma
mulher é estuprada a cada 14 horas,
totalizando 625 casos somente em
2012. E apenas um em cada quatro
acusados foi julgado e condenado.

Só que esses números, quando
comparados a alguns dados referentes
à Inglaterra e aos Estados Unidos,
não são diferentes assim. A região
metropolitana de Nova Délhi tem cerca
de 18 milhões de habitantes. A população
da Inglaterra e do País de Gales
somados é 3,5 vezes maior, mas o
número de estupros supera em quatro
vezes o da capital indiana. Segundo
artigo publicado no “The Guardian”
pela pesquisadora Emer O’Toole,
da Universidade de Londres, eles somam
9.509 casos.

Como na Índia, também nos Estados
Unidos apenas um quarto dos casos
de estupro denunciados resulta
na prisão do acusado. É americano o
ex-deputado republicano Todd Akin,
que conseguiu se eleger seis vezes e
integrar a Comissão de Ciências do
Congresso montado em ideias medievais
sobre a condição feminina. Em
novembro último, ao tentar uma vaga
no Senado, defendeu sua oposição a
qualquer tipo de aborto com a afirmação
de que “os casos de gravidez
depois de um estupro são muito raros”.
Esclareceu: “Se for um estupro de
verdade, o corpo da mulher tenta por
todos os meios bloquear a gravidez.”

Cabe, portanto, um corte para a noite
de 11 de agosto do ano passado —
quatro meses antes do horror em Nova
Délhi. A cidade americana de Steubenville,
esquecida às margens do Rio
Ohio, preparava-se para um de seus
poucos folguedos anuais: a tradicional
comemoração do final do verão no Hemisfério
Norte, regada a festas simultâneas
em várias casas da localidade.

Com menos de 19 mil habitantes,
população equivalente à de Búzios fora
de temporada, a decadente Steubenville
já conheceu tempos mais
prósperos. Quatro décadas atrás,
quando portava o apelido de Sin City
(Cidade do Pecado), vivia da siderurgia,
da jogatina e da prostituição. Veio
o declínio da indústria e sobrou-lhe
como único orgulho o time local de
futebol americano. Tudo, em Steubenville,
gira em torno da equipe do
Big Red, que já abocanhou nove títulos
estaduais e foi finalista nacional
em 2006. Quem veste a camisa do time
é herói local. Virtualmente intocável.

Na noite daquele 11 de agosto, uma
adolescente de 16 anos, de uma cidade
vizinha, foi até Steubenville participar
da série de baladas. A partir daí,
fatos e boatos, informações sólidas e
acusações sem provas se misturam. O
que se sabe de concreto, até agora, é
que a jovem, totalmente embriagada
e inconsciente, tornou-se brinquedo
sexual nas mãos de um grupo de jovens
ligados ao time.

As informações recolhidas até agora
indicam que ela pode ter sido violentada
em três casas diferentes. Foi
carregada de uma a outra pelas canelas
e punhos, feito saco de batata. No
caminho da primeira para a segunda
festa, sempre inerte, também foi sodomizada
no banco traseiro do carro.
Ao final da noitada, foi depositada
sem maiores cerimônias no gramado
da casa em que mora.

Coube a uma frequentadora fuinha
de redes sociais fazer o papel desempenhado
de multidão indiana. Pôs a
boca no mundo. Alexandra Goddard,
de 45 anos, ex-moradora de Steubenville,
navegava pela internet quando
se deparou com posts no Twitter, vídeos
no YouTube e fotos no Instagram
que mostravam, em tempo real,
o que ocorria com a jovem.

A maior parte foi deletada no dia seguinte,
mas a blogueira conseguiu
capturar o que ainda restava da trilha
de vestígios deixada na rede — e
transformou-se em justiceira moral
do caso, atropelando a investigação
criminal. Apesar da apreensão de 15
celulares e 2 iPads, as autoridades locais
obtiveram escasso material testemunhal
da comunidade.

O caso permaneceu restrito aos
26,5 quilômetros quadrados de Steubenville
e ao blog de Goddard por
quatro longos meses. Só ganhou dimensão
nacional em dezembro, com
uma longa reportagem publicada no
“New York Times”, seguida da entrada
em cena do coletivo de hackers
Anonymous e outros grupos de ciberativistas,
que incendeiam a rede com
acusações nem sempre confiáveis. Já
estão sendo chamados de “terroristas”
e de ”ameaça à ordem pública”
pelas autoridades da cidade.

Apenas dois atletas do Big Red, ambos
de 16 anos, serão julgados por
uma corte juvenil no próximo dia 13
de fevereiro.

“Se você pudesse indiciar alguém
por não ser uma pessoa decente, muitos
seriam acusados por aquela noite.
Mas isso não é possível”, diz o chefe de
polícia local, Fred Abdalla, ao constatar
que nenhum jovem ou adulto presente
às festas teve a preocupação moral
de dizer “Peraí, isso não está certo”.

Como se vê, em matéria de cultura
do estupro, as fronteiras são bem
maiores do que a Índia. 

Dorrit Harazim é jornalista

Quadrinhos

folha de são paulo

CHICLETE COM BANANA      ANGELI

ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO

CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI

ADÃO ITURRUSGARAI
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER

ALLAN SIEBER
GARFIELD      JIM DAVIS

JIM DAVIS
HAGAR      DIK BROWNE

DIK BROWNE

A semana em 12 frases


Folha de São Paulo
O que eles disseram
a semana em 12 frases
ROBERTO GURGEL
Sergio Lima - 7.jan.2013/Folhapress
[O esquema do mensalão] É muito mais amplo
procurador-geral da República
Isso sim é obra pública feita com transparência
internauta, comentando prédio bancado pela Prefeitura de Ponta Grossa (PR) cuja fachada de
vidro deixa banheiro à mostra
DULIS MÉNDEZ
Enquanto Chávez estiver vivo, será nosso presidente
venezuelano que viajou mais de dez horas para assistir à 'não posse' do presidente
LIONEL MESSI
Sou eu que escolho
jogador do Barcelona, questionado sobre o terno que usou para receber o título de melhor jogador do mundo pela quarta vez seguida
TUITADAS
Eu sou bissexual, e daí? Posso escolher quem eu beijo?
JOSÉ DE ABREU, ATOR, 68
Não só o DJ Lah, mas muitos outros estão sendo assassinados pelas periferias de São Paulo. Aonde isso vai parar?
MANO BROWN, MÚSICO DO RACIONAIS MC'S
SETH MACFARLANE
A última vez em que Alemanha e Áustria se uniram para produzir algo, deu em Hitler, mas desta vez é bem melhor
diretor, apresentando os candidatos ao Oscar, recomendando o filme 'Amor', indicado como melhor filme
SANDRO ROSELL
Messi é o melhor da história. Melhor até que Pelé
presidente do Barcelona
ÂNGELA BISMARCHI
Minha primeira vez foi em vários lugares: no banho, numa praia privativa e dentro de um iate pequeno que o Wagner alugou e no quarto do hotel
modelo, falando da lua de mel com o novo marido, após sua segunda reconstituição de hímen
RICARDO DARÍN
Somos um país criança. Precisamos de um pai, de alguém que nos diga como fazer as coisas
ator argentino de sucessos como 'O Segredo dos Seus Olhos', em entrevista em que questiona o governo e o crescimento patrimonial da família Kirchner
CRISTINA KIRCHNER
Nunca tinha ouvido você fazer declarações políticas antes, mas acho que você está falando de outro país, não deste
presidente da Argentina, respondendo, via Facebook, ao ator
BAPU
Esta tragédia não teria acontecido se ela tivesse evocado o nome de Deus e caído sobre os pés de seus agressores. O erro não foi cometido apenas de um lado
guru indiano, dizendo que jovem que morreu após ser estuprada por grupo também é culpada

Indígenas se recusam a deixar o Museu do Índio, ocupado desde 2006; espaço será demolido para obras da Copa

FOLHA DE SÃO PAULO

PM espera ordem judicial para retirar índios de museu
Policiais cercaram espaço, na zona norte do Rio, na sexta, e o deixaram ontem à noite; eles devem voltar hoje
Indígenas se recusam a deixar o Museu do Índio, ocupado desde 2006; espaço será demolido para obras da Copa
DAMARIS GIULIANACOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIOAo menos 40 homens do Batalhão de Choque da Polícia Militar do Rio cercaram, na noite de anteontem, a antiga sede do Museu do Índio, no Maracanã, zona norte do Rio, onde vivem 23 famílias indígenas há seis anos.
Os policiais aguardavam a chegada de uma ordem judicial para desocupar o espaço, cuja demolição está prevista no pacote de obras que preparam o estádio do Maracanã para a Copa do Mundo, que ocorre no ano que vem.
Os índios se recusam a desocupar o imóvel. Às 19h30 de ontem, a tropa deixou o local; deve retornar hoje.
No fim da manhã de ontem, alguns dos indígenas se posicionaram em janelas do prédio, armados com arcos e flechas. Eles ainda montaram barreiras na entrada, com pedaços de madeira e arame farpado, para tentar impedir a entrada dos policiais militares.
À tarde a situação era um pouco mais tranquila. Às 16h, o cacique Carlos Tukano afirmou aos jornalistas que os índios decidiram não usar armas em caso de invasão pelos policiais, mas que iriam "resistir com a própria vida" caso tentassem tirá-los de lá.
"Em nome da Copa, o governo está matando nossa história. Não vamos brigar, mas vamos resistir", disse.
O local é alvo de uma briga na Justiça. De um lado está o governo estadual, que quer demolir o prédio para melhorar as condições de acesso ao estádio. Do outro, índios e a Defensoria Pública da União, que defendem o tombamento do espaço.
CADASTRO
Uma liminar que impedia a derrubada foi suspensa há cerca de dois meses, mas a Emop (Empresa de Obras Públicas), encarregada da demolição, não informou ontem se o cerco ao prédio era um indicativo de que o trabalho seria feito nos próximos dias.
De acordo com o órgão, os policiais foram enviados para que agentes do serviço social do Estado pudessem entrar no imóvel para cadastrar as famílias e providenciar sua remoção para outro local.
A demolição do prédio está prevista na minuta do edital de licitação para concessão do Maracanã. A derrubada tem como objetivo, segundo o governo, facilitar a mobilidade do pública na chegada e saída do estádio.
Criado em 1953, o museu funcionou por cerca de 25 anos. Desde o fim da década de 1970, está abandonado. Um grupo de índios se mudou para o local em 2006, a fim de evitar a demolição.

    Dois na cama - LUÍS FERNANDO VERISSIMO

    O GLOBO - 13/01/2013



    Nos anos 30, reagindo a uma onda de protestos contra a “licenciosidade” nos filmes de Hollywood, a indústria cinematográfica americana criou um código determinando o que o público podia e não podia ver na tela. Nudez nem pensar, beijo de boca aberta esquece, sexo só sugerido e assim mesmo dentro de certos limites específicos. Homem e mulher, mesmo casados, não podiam aparecer na mesma cama. Durante os anos de vigência do código puritano, cama de casal, e tudo que ela implicava, era proibida, a não ser que fosse ocupada por uma só pessoa.

    Com uma exceção, como sacou o Ruy Castro numa das suas colunas recentes na Folha: o Gordo e o Magro. Há várias cenas nos filmes do Gordo e o Magro em que os dois dormem juntos na mesma cama de casal – isso quando o sono não é interrompido por um fantasma ou uma briga pelo cobertor. E ninguém, que se saiba, jamais protestou contra os dois homens numa cama só. Talvez porque a ideia do Gordo e o Magro fazendo sexo não tenha ocorrido nem à mente mais suja ou mais puritana. Ou talvez se concedesse a uma dupla humorística, cujo fato de ser inseparável fazia parte da sua graça, uma licença que outros casais da tela não tinham.

    O curioso é que justamente nessa fase em que o puritanismo reinou, alerta contra qualquer alusão sexual, por menos explícita que fosse, ninguém prestava atenção, por exemplo, no estranho relacionamento do Batman com o Robin. Nunca se soube se os dois dormiam juntos, mas essa seria uma especulação natural numa época tão fixada em sexo e seus subterfúgios. Mas só se começou a fazer este tipo de interpretação – o Zorro e o Tonto representando o colonialismo branco e a submissão do índio, mas certamente dormindo agarradinhos no frio das planícies – tempos depois, quando o ridículo código já tinha acabado, e as camas de casais podiam ser ocupadas por três ou quatro de sexos diferentes.

    Mas entende-se. O puritanismo é uma espécie de inocência. Concentra-se tanto no rabo do vizinho que não vê mais nada. 

    Prosopagnosia - MARTHA MEDEIROS

    ZERO HORA - 13/01/2013


    Eu estava na fila do cinema, e ela dois passos à frente. Ela virava para trás, me olhava, e logo virava para frente de novo. Até que numa dessas viradas ela disse oi. Eu retribui: Oi. Ela: É isso aí, tu não me conhece, mas eu te conheço: tem que cumprimentar.

    Eu sei, amiga.

    Leitores me cumprimentam sem que eu os conheça, e tudo certo, já que há uma foto minha ao lado da coluna do jornal. Só vira um problema quando eu realmente conheço a pessoa que me cumprimenta, já conversei com ela em algum momento da vida, e não faço ideia de quem seja. Escrevi certa vez sobre isso: se a pessoa é a recepcionista da minha médica, e sempre a vejo de coque e de uniforme branco, ao passar por mim de vestido floreado e cabeleira solta no shopping, não vou reconhecê-la.

    Se o sujeito com quem cruzo na academia, sempre de calção e camiseta, entrar no restaurante de camisa polo e um blusão amarrado em torno do pescoço, não vou reconhecê-lo. Se o porteiro do meu prédio for filmado na arquibancada de um estádio vestindo a camiseta do seu time e segurando um cartaz dizendo “Olha eu aqui, Galvão”, periga o Galvão saber quem é: eu, não. Tenho uma incapacidade crônica de identificar pessoas fora do habitat em que costumo encontrá-las.

    Sempre me justifiquei dizendo “Sou péssima fisionomista”, que é um chavão, mas não é mentira, e que, aliado aos meus três graus de astigmatismo, me garantia o perdão de algumas boas almas. Até que outro dia entrei numa loja de conveniências, um cara abriu os braços ao me ver e disse numa alegria comovente: “Marthinha!”.

    Achei meio íntimo para um leitor. Sorri amarelo e dei um “oi” igual ao que ofereci à moça da fila do cinema. Ele insistiu: “Martha, sou eu!”. Socorro, eu quem? Então ele disse seu nome. Pasme: era um ex-namorado!! A meu favor, deponho que foi um namorado da época da faculdade (não me obrigue a fazer as contas), mas, ora, ainda que tenha sido no tempo das cavernas, conviveu comigo. Ao menos o seu olhar deveria ser o mesmo. Me senti um inseto.

    Pois bem, depois de anos soterrada em culpa, descubro que a medicina está do meu lado. Acabo de saber que “sou péssima fisionomista” possui nome científico: prosopagnosia. Uma doença que debilita a área do cérebro que distingue traços e expressões faciais. Estou lendo o excelente Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera, cujo personagem vive o mesmo desconforto.

    Alguns médicos dizem que há apenas 100 casos diagnosticados no mundo – provavelmente eu e outros 99 acusados injustamente de ter o nariz em pé. Mas há quem diga também que o problema é mais comum do que se pensa e que atinge uma a cada 50 pessoas, ou seja, é praticamente uma epidemia.

    Comum ou incomum, me concedam o benefício da dúvida: talvez eu seja uma pobre vítima da prosopagnosia e por isso não saio por aí dando dois beijinhos e perguntando pela família de quem, a priori, nunca vi antes. Se não for prosopagnosia, acredite: é astigmatismo evoluindo para uma catarata, somada a uma palermice que me dificulta distinguir semblantes. Nariz em pé, juro que não é.

    Exposição e outros 5 poemas - Michel Temer

    folha de são paulo

    IMAGINAÇÃO
    prosa, poesia e tradução
    Exposição
    e outros 5 poemas
    MICHEL TEMER
    EXPOSIÇÃO
    Escrever é expor-se.
    Revelar sua capacidade
    Ou incapacidade.
    E sua intimidade.
    Nas linhas e entrelinhas.
    Não teria sido mais útil silenciar?
    Deixar que saibam-te pelo que parece que és?
    Que desejo é este que te leva a desnudar-te?
    A desmascarar-te?
    Que compulsão é esta?
    O que buscas?
    Será a incapacidade de fazer coisas úteis?
    Mais objetivas?
    É por isso que procuras o subjetivo?
    Para quem a tua mensagem?
    Para ti?
    Para outrem?
    Não sei.
    Mais uma que faço sem saber por quê.
    EMBARQUE
    Embarquei na tua nau
    Sem rumo. Eu e tu.
    Tu, porque não sabias
    Para onde querias ir.
    Eu, porque já tomei muitos rumos
    Sem chegar a lugar nenhum.
    ASSINTONIA
    Falta-me tristeza.
    Instrumento mobilizador
    Dos meus escritos.
    Não há tragédia
    À vista.
    Nem lembranças
    De tragédias passadas.
    Nem dores no presente.
    Lamentavelmente
    Tudo anda bem.
    Por isso
    Andam mal
    Os meus escritos.
    QUEM?
    Loira. Os olhos
    Negros.
    O cabelo, na raiz,
    Negro.
    Os lábios
    Grossos.
    O olhar (não os olhos)
    Distante. Triste.
    Romanceado. Vendo a África.
    Sem a rapidez
    E alegria
    Dos olhos da loira
    Postos na neve.
    A quem minha memória
    Deve armazenar?
    A loira, falsa,
    Ou a mulata, verdadeira?
    ANÔNIMA INTIMIDADE
    Correio elegante.
    Hoje, torpedo.
    Bom mesmo era o correio elegante
    Nas quermesses do interior.
    O garçom levava a sua mensagem para alguém.
    Ou trazia,
    Sempre anônimas,
    Palavras de amor.
    Ou admiração.
    Despertava curiosidade.
    Quem mandou?
    E a sua mente divagava.
    Sonhava.
    Fantasiava.
    Desejava.
    Será ela?
    Outra?
    Era uma intimidade aquele anonimato.
    Depois, você caminhava para sua casa, para seu quarto.
    E dormia inebriado pelas palavras e pelo perfume
    Que o correio elegante trazia.
    VERMELHO
    De vermelho
    Flamejante.
    Labaredas de fogo.
    Olhos brilhantes
    Que sorriem
    Com lábios rubros.
    Incêndios
    Tomam contam de mim.
    Minha mente
    Minha alma.
    Tudo meu
    Em brasas.
    Meu corpo
    Incendiado
    Consumido
    Dissolvido.
    Finalmente
    Restam cinzas
    Que espalho na cama
    Para dormir.
    -
    SOBRE OS POEMAS O vice-presidente da República estreia na poesia com "Anônima Intimidade", que sai nesta semana, pela Topbooks (168 págs., R$ 39). "Escrevi estes escritos para mim", diz. E o fez, conta, em guardanapos de papel durante viagens aéreas entre Brasília e São Paulo. "Deixava a arena árida da política legislativa e me entregava, durante o voo, a pensamentos." No livro, adverte para o caráter ficcional de seus versos, que tematizam recordações de infância e juventude, reflexões metalinguísticas e existenciais e homenagens à figura feminina. Em sua introdução, Temer agradece aos amigos o impulso para tirar a obra do âmbito íntimo -em especial, a Carlos Ayres Britto, autor do prefácio. "Numa frase", escreve o ex-presidente do STF, "esse Michel Temer sobre quem discorro é o homem maduro que, liricamente, ainda porta consigo os sonhos de sua meninice e juventude". O livro será lançado em São Paulo no dia 31, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.

      Por que não publiquei Glauber - Ivan Pinheiro Machado

      folha de são paulo

      ARQUIVO ABERTO
      MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS
      Por que não publiquei Glauber
      Rio, 1977
      IVAN PINHEIRO MACHADONO INVERNO DE 1977, bem no começo da editora L&PM, recebemos uma correspondência que não trazia o nome do remetente. Eu tinha 24 anos e, editor principiante, havia mandado cartas pedindo livros para mais ou menos 20 intelectuais brasileiros "de peso".
      Passados dois meses, ninguém havia respondido. O carteiro só trazia contas a pagar. Mas recebemos uma, aparentemente o primeiro retorno. Muito curioso, abri o envelope e fui direto à assinatura. Ilegível. Li o texto datilografado em duas páginas de papel A4 e, nas primeiras linhas, identifiquei um dos destinatários da nossa busca por livros novos.
      A assinatura era de Glauber Rocha. Ele queria publicar a sua obra e mencionava "vários livros" e especialmente uma história do cinema.
      Na carta de junho de 1977, Glauber escrevia:"minha 'História do Cinema' tem mil páginas [], é um livro original porque eu revelo entrevistas inéditas com cineastas do mundo todo e conto a História do ponto de vista de um cineasta que viveu por dentro da cozinha. [...] Conto a verdadeira história do Cinema Novo, 15 anos de política e cultura. Não existe bibliografia de cinema que preste no Brasil".
      E encerrava assim: "Não quero enviar originais pelo Correio. Mandem alguém ou venham aqui". Através de amigos no Rio consegui o telefone dele. Liguei, ele mesmo atendeu e combinamos uma reunião dois dias depois no Rio.
      Saí de Porto Alegre com chuva e frio e cheguei ao Rio sob um sol feérico que brilhava num céu sem nuvens. Deixei minha pequena bagagem no hotel e fui direto ao edifício na Lagoa.
      Ao sair do elevador, senti um cheiro forte de maconha. Segui o rastro que estava no ar e cheguei ao apê 201, emprestado por um amigo psiquiatra a Glauber Rocha e a sua namorada, uma deslumbrante loura colombiana.
      Ao entrar no apartamento com vista para a lagoa Rodrigo de Freitas, Glauber ofereceu-me uma poltrona, uma cerveja e começou um longo, brilhante e exaltado monólogo sobre sua obra como escritor e sobre o potencial cinematográfico que a história do Rio Grande do Sul possuía. Ele sugeria uma filmagem da Guerra dos Farrapos com Marlon Brando no papel do líder da revolução, Bento Gonçalves.
      "Eu ligo pra ele e faço o convite. Ele me conhece. Vou propor uma participação na bilheteria." E sugeria ainda que Sônia Braga fosse Anita Garibaldi. "Ela nasceu para ser a Anita", disse. Por fim, mostrou-me dois calhamaços datilografados com cerca de 500 páginas cada um.
      O primeiro era uma coletânea de "ensaios e observações filosóficas", e o segundo era um "romance épico" que se chamaria "Django", baseado na vida de João Goulart, o Jango. "Depois eu mostro a História do Cinema."
      Eu observava perplexo aquela explosão verborrágica. Ele tinha uma fluência impressionante. Falava sobre o momento de abrandamento da ditadura, da genialidade de Golbery do Couto e Silva, o chefe do Gabinete Civil, que seria o "grande artífice do desmonte do regime", era "o gênio da raça", expressão que ele repetia sempre quando se referia ao Golbery e que acabou ficando célebre.
      Depois de quatro horas ouvindo discursos, fui embora. Combinamos que eu retornaria no outro dia. Foi o que fiz. Lá chegando, tudo aconteceu como no dia anterior; mais uma sessão de discursos brilhantes. Ele falava, falava e, de tempos em tempos, fazia uma longa pausa arfando, exausto. Descansava um pouco e voltava a falar, falar.
      A conversa (monólogo) acabou no começo da noite porque sua mulher lembrou que os dois tinham uma exibição especial de "Dona Flor e seus Dois Maridos", o filme de Bruno Barreto. Combinei de voltar no dia seguinte para acertar os detalhes do contrato e pegar os originais dos livros. Foi o que fiz.
      Cheguei às 15h e toquei a campainha. A loura atendeu a porta e, sem me convidar para entrar, disse constrangida: "o Glauber não pode atender, mas manda dizer que desistiu de publicar os seus livros". E encerrou o assunto, fechando a porta na minha cara.
      Fiquei ali parado por uns dois minutos tentando absorver aquele desfecho surreal. À noite voltei para Porto Alegre. Sem livro nenhum, mas pelo menos com esta curiosa história para contar.

        Overdose de feijoada [diário do rio - mapa da cultura]

        folha de são paulo

        DIÁRIO DO RIO
        o mapa da cultura
        Overdose de feijoada
        É impossível fugir dela no verão carioca
        ALVARO COSTA E SILVAQuanto maior o calor, mais o carioca come feijoada. Com o verão no auge, fica impossível fugir dela, como se vivêssemos naquela cena do filme "Macunaíma", de Joaquim Pedro de Andrade: mergulhados em orgia numa piscina cheia de lombo, linguiça, costela, paio, orelha, chispe, focinho, pé, rabo.
        As escolas de samba deram a largada, entupindo suas quadras aos sábados, quando são servidas mais de mil unidades do prato (o impressionante preparo, em cozinhas industriais, tem início na quinta-feira). Mas onde quer que você olhe, há opções: restaurantes, botequins, quiosques de praia, hotéis, clubes e até livrarias.
        Um livro recém-lançado, "A Vitória da Feijoada" (Editora da UFF, 140 págs., R$ 22), ajuda a contextualizar o fenômeno. Escrito pelo historiador Almir El-Kareh, mostra o cotidiano da alimentação no Rio de Janeiro do século 19 com exemplos extraídos da narrativa de viajantes estrangeiros.
        Numa cidade que jantava ao meio-dia, já havia nas ruas a quitandeira que, num improvisado fogão de pedras, cozinhava feijões pretos e pedaços de toucinho. Esse legítimo ancestral da feijoada era, segundo Jean-Baptiste Debret, "bastante suculento e misturado a um bom punhado de farinha de mandioca bem amassada forma um bolo substancial suficiente para alimentação diária de um preto".
        Daí, evoluímos para a chamada "negra caldeirada", a qual, com alguma coisa do jeitão de hoje, fazia parte do cardápio de bares e restaurantes, como comprovam anúncios do "Jornal do Commercio" de 1849. Até chegarmos àquela servida na casa de pasto G. Lobo, na extinta rua General Câmara, onde teria nascido a moderna feijoada carioca.
        Para não deixar o leitor apenas com água na boca, duas dicas: aos sábados, a Toca do Baiacu (rua do Ouvidor, 41, no centro) serve o prato à maneira tradicional, uma exigência de quem comanda as panelas, o proprietário Marco Antônio Targino. Aos domingos, o Renascença (rua Barão de São Francisco, 54, no Andaraí) recebe para um feijão amigo. O amigo, no caso, é Jorge Ferraz, bombeiro aposentado e malandro em tempo integral. Jorge não tem preconceito: feijão para ele é de todas as cores.
        VAI TRABALHAR, SAMBISTA
        O mesmo Renascença, fundado no fim dos anos 1950 como lugar de divertimento e afirmação da cultura negra, é palco de outro fenômeno. Tocado pelo compositor Moacyr Luz, o Samba do Trabalhador reúne multidões há oito anos num dia e horário, digamos, ingratos para quem trabalha: segunda-feira, às 16h.
        Um registro dessa festa de família deve sair no final do mês que vem em CD e DVD pela gravadora Lua Music (preços sugeridos de R$ 23 e R$ 34, respectivamente). No primeiro formato, composições de Moacyr com seus muitos parceiros; no segundo, a chance de ver as figuras que lá se apresentam -destaque para o imbatível cantor e compositor Efson, que interpreta suas próprias músicas gesticulando muito, o que o torna uma atração à parte.
        Acessando o site bit.ly/estranhou é possível acompanhar a apresentação da inédita, porém conhecida, "Estranhou o Quê?".
        ELE VOLTOU
        Uma notícia sacudiu o meio boêmio carioca no fim do ano passado: o bar A Paulistinha reabriu! Fechado há quatro anos, dava toda a pinta de que morrera para sempre. Eis que de repente lá estavam a chopeira torneada em bronze do início do século 20, com torneira vertical e 100 metros de serpentina e a gostosa sacanagem -feita de provolone, salaminho, tomate e cebola em conserva espetados no palitinho, versões com ou sem pimenta.
        Desde então há romaria à rua Gomes Freire, 27, na Lapa.
        CARNAVAL À VERA
        Depois de se abastecer no A Paulistinha, o escritor Marcelo Moutinho segue para o Sambódromo.
        Com ele, a palavra: "Os ensaios técnicos foram a coisa mais bacana surgida no Carnaval carioca nos últimos anos. Muito mais do que homens voadores ou alegorias vivas".
        "Primeiro", prossegue Moutinho", porque possibilitaram que o folião brinque sem a marcação de zagueiro que costuma acontecer nos desfiles à vera. Segundo, porque, sem superalegorias e efeitos especiais, fazem lembrar um tempo em que os quesitos mais afeitos ao samba em si -a música, o canto, o ritmo, a dança- eram os elementos principais da festa. E, terceiro, porque permitem que a população sem grana para pagar os caríssimos ingressos do desfile oficial confira gratuitamente o trabalho e a arte das escolas".
        Hoje tem Mangueira.

          Joelho - Rubem Braga

          folha de são paulo

          CRÔNICA
          Joelho
          O nariz dela se franzia um pouco no riso
          RUBEM BRAGARESUMO Esta crônica integra o segundo volume de textos inéditos em livro de Rubem Braga que Augusto Massi prepara para lançar pela editora José Olympio. Foi publicado em julho de 1952, na "Folha da Tarde". Segundo seu biógrafo, Marco Antonio de Carvalho, Braga dizia ter "muita amizade" pelos joelhos da atriz Tonia Carrero.
          Então a moça caiu e ralou o joelho esquerdo; estava com as pernas nuas. Ele a ergueu, fê-la sentar-se em um banco, tirou o lenço limpo, foi embebê-lo na água da pequena bica e limpou o ferimento. Sentiu prazer em fazer isso. No joelho moreno havia a mancha vermelha. O sangue não fluía, mas estava ali, sob a pele rarefeita, e porejava sutilmente. Foi novamente embeber o lenço, mas não o passou sobre o ferimento, apenas o premiu de leve e o retirou. Estava com uma pequena mancha de sangue, tão leve que era apenas rosada.
          Ficou um instante a olhar o joelho, e pensando como são diferentes os joelhos das mulheres. Há homens que não são atentos aos joelhos, nem reparam como eles mudam de personalidade quando a perna se estende ou se dobra, ou melhor, como a personalidade de cada um depende de sua mudança nesse jogo.
          Aquele não era agudo nem largo, nem muito alto, era um joelho suave, mas com algo de poderoso, mais do que faria prever a delicadeza daquela moça. Ficaria estranho se demorasse mais o olhar, a moça pensaria que ele estava olhando a coxa -ela erguera um pouco a saia branca. Depois passaram por uma farmácia, e ele insitiu em que ela passasse um pouco de mercuriocromo, mas isso foi o rapaz da farmácia que fez. Perguntou quanto era, o rapaz disse que não era nada; saíram.
          Andando, ele não podia ver o joelho da moça; levou-a para o terraço de um bar; não sentou a seu lado, mas defronte, afastando um pouco a cadeira, e só quando vieram os dois copos de suco de laranja e ele se curvou para beber é que olhou o joelho. Ela cruzara as pernas, e o joelho ferido, com aquela mancha viva do mercuriocromo, parecia mais alto, quase sensacional, sobre o outro.
          Começou a conversar alguma coisa - não quisera açúcar, e o suco de laranja estava ácido, e isso lhe fazia bem à boca entediada do gosto do cigarro - e assim, olhando-a nos olhos, procurava se livrar daquela vontade de olhar o joelho, de segurá-lo com a mão - primeiro pela frente, na rótula, nas duas depressões que dão a todo joelho um vago ar bovino - mesmo porque o joelho é manso e trabalhador como um boi - depois dos lados, onde há, de cada lado como que um cabo, de osso ou cartilagem, tenso, ao mesmo tempo duro e elástico, fugindo sob a pele quando se tenta prendê-lo com a mão - depois atrás, onde a pele é mais alva e fina, onde há um calor de segredo, como no pescoço de um cavalo, o calor do sangue passando, o inocente calor animal.
          A moça contara alguma coisa e ela mesmo ria, e ele ficou um instante imaginando - o nariz dela se franzia um pouco no riso, e os olhos verdes, apertados, brilhavam, e os dentes eram pequenos e muito brancos na boca rubra - imaginando que ela o acharia meio louco e talvez engraçado se ele dissesse o que estava pensando, uma coisa assim: "Eu tenho uma grande amizade pelo seu joelho esquerdo".
          Aquele não era agudo nem largo, nem muito alto, era um joelho suave, mas com algo de poderoso, mais do que faria prever a delicadeza daquela moça
          Ela cruzara as pernas, e o joelho ferido, com aquela mancha viva do mercuriocromo, parecia mais alto, quase sensacional, sobre o outro
          Imaginando que ela o acharia meio louco e talvez engraçado se ele dissesse o que estava pensando, uma coisa assim: "Eu tenho uma grande amizade pelo seu joelho esquerdo"

            De Ramos a Brown [Perfil Roquinaldo Ferreira]

            folha de são paulo

            PERFIL
            O professor da Ivy League que é filho de uma empregada doméstica e de um cabo da Marinha
            LUCAS FERRAZ
            RESUMO Especialista em história atlântica, que busca compreender a dinâmica comum a África, Portugal e Brasil, Roquinaldo Ferreira acaba de se tornar professor da Universidade Brown. De origem pobre e formado na escola pública, projeta-se na Ivy League, conjunto de oito instituições da elite acadêmica dos EUA.
            Se você comentar com Roquinaldo Ferreira o ineditismo de sua trajetória para os padrões brasileiros, ele vai concordar, embora relutante. Se você constatar então que ele é o primeiro brasileiro negro do andar de baixo a chegar tão longe na elite da academia americana, o professor ficará resignado, fará ponderações e, em seguida, explicará a modéstia: "Não quero dramatizar a minha vida".
            Filho de um cabo da Marinha e de uma empregada doméstica, o mais velho de três irmãos criados em Ramos, bairro pobre da zona norte do Rio de Janeiro, Roquinaldo Ferreira, 45, é um dos mais destacados africanistas de sua geração. Colheu seus louros acadêmicos e intelectuais nos EUA, na África e na Europa.
            No Brasil, onde seu nome não é tão difundido, ele sempre estudou em escolas públicas. Serviu-se de bolsas do governo para se graduar, fazer mestrado e doutorado, quando obteve o título de PhD em história, com ênfase na África Central, pela Universidade da Califórnia.
            Sem conseguir se estabelecer no país natal, Roquinaldo construiu uma bem-sucedida carreira no exterior. Professor da Universidade da Virgínia, nos EUA, é também professor-visitante da Universidade de Genebra.
            Neste semestre, ele assume a Vasco da Gama Chair, espécie de cátedra nos departamentos de história e de estudos luso-brasileiros da Universidade Brown, uma das oito universidades da Ivy League, sigla conhecida pela excelência e pelo elitismo social (também integram o grupo Harvard, Yale, Princeton, Columbia, Dartmouth College, Cornell e Universidade da Pennsylvania).
            Foram mais de 15 meses de processo seletivo -que incluiu avaliação de seus ensaios e artigos, de sua atitude em sala de aula e até de seu comportamento social. Ele ficará responsável por quatro disciplinas: história de Portugal moderno, história do Império Português e a relação com Brasil e África, o tráfico de escravos entre Brasil e África e Brasil Colonial.
            Apesar das reticências de Roquinaldo, é fato: nunca antes um acadêmico brasileiro que não tivesse suas origens na elite havia galgado degrau tão alto na Ivy League.
            TRADIÇÃO "Ele vem de uma tradição ampla. Ao contrário dos americanos que estudam a África, ele incorpora a história do império português e do Brasil no contexto africano, o que é muito diferente", comenta o historiador Luiz Felipe de Alencastro, professor de História do Brasil na Universidade Sorbonne, na França. Alencastro assinou uma das 12 cartas de recomendação que a Universidade Brown recebeu de diferentes partes sobre o brasileiro.
            Em toda a sua trajetória intelectual, Roquinaldo sempre focou a questão da "transnacionalidade". Esse é o cerne de sua atuação como africanista e, de certa forma, o que o ajudou a se destacar no meio acadêmico mundial.
            O brasileiro é um defensor do que chama de "história atlântica", narrativa conjunta das colônias portuguesas, o que une o Brasil e a África Negra. Ele mostra como a colonização portuguesa desaguou num sistema único de exploração colonial no Atlântico Sul, criando laços e relações em todos os tipos de atividades nos territórios americanos e africanos.
            No final da década de 1990, Roquinaldo iniciou um trabalho sobre a escravidão em Angola realizando pesquisas nos arquivos do país. A empreitada continuou na década seguinte e foi complementada no Brasil e em Portugal.
            O mote da integração cultural está presente em seu primeiro livro, "Cross-Cultural Exchange in the Atlantic World: Angola and Brazil during the Era of the Slave Trade" (intercâmbio cultural no mundo atlântico: Angola e Brasil durante a era do comércio de escravos), publicado no ano passado nos EUA -ainda não há edição brasileira.
            SIMPÓSIO Estive com Roquinaldo em meados de outubro em Providence, capital de Rhode Island, o menor dos 50 Estados americanos. Com pouco mais de 100 mil habitantes, a cidade de casas vitorianas e imponentes prédios históricos onde se situa a Universidade Brown é uma das mais antigas do país, fundada ainda durante a instalação das 13 colônias. O local foi um dos mais importantes centros industriais no século 19. Roquinaldo esteve na cidade para participar de um simpósio sobre estudos portugueses no contexto global -ao lado de colegas lusitanos, americanos e brasileiros.
            "Tudo o que faço tem essa perspectiva transnacional, e isso quebra a receita tradicional do império português", afirmou ele. "Essas relações transnacionais são algo que se faz pouco na academia."
            O historiador acredita que sua ida para Brown reflete também a força geopolítica do Brasil, cujo interesse tem aumentado nas universidades americanas -seja como objeto de estudo ou pelo número de alunos e professores.
            Para Brown, o significado da presença de Roquinaldo não será menor: a universidade, fundada por irmãos que estiveram envolvidos no comércio de escravos na costa leste americana no século 18, terá pela primeira vez em seus quadros um brasileiro negro, nascido em Salvador (o país e sua primeira capital concentram a maior população negra fora da África), lecionando e interpretando o tráfico de escravos entre terras atlânticas.
            EXPOSIÇÃO Tímido, esbelto, com não mais de 1,70 m, cabelo raspado a máquina e óculos de grau, o professor Roquinaldo Ferreira se incomodou ao passar três dias na companhia de um jornalista. Ele não gosta de exposição e não quer, como disse, se transformar em um intelectual com voz pública. Neste ano, ele deve continuar em uma espécie de "arranjo transatlântico", como define sua relação com a família. Ele divide seu tempo entre os EUA (onde passa, com idas e vindas, sete meses por ano) e a cidade francesa de Ferney-Voltaire, a 30 minutos de carro do centro de Genebra, onde a mulher -uma americana que trabalha na ONU- vive com o filho de sete anos do casal.
            Vai ao Brasil ao menos uma vez por ano. Entre 2004 e 2005, quando ele e a mulher moraram no Rio, o historiador queria dar aulas em alguma grande universidade brasileira. Foi reprovado no teste que fez para a Unicamp, não conseguiu outra vaga e a tentativa de retornar ao país se frustrou.
            A família de Roquinaldo Ferreira se estabeleceu no Rio no final dos anos 60. O interesse pela leitura chegou a ele na Escola Municipal Berlim, que ainda funciona no mesmo endereço, no bairro de Ramos. Para compensar a falta de biblioteca, a professora levava livros de outros colégios. Na sexta série, caiu em suas mãos um exemplar de "Cem Anos de Solidão", clássico do colombiano Gabriel García Márquez. "Ali tudo mudou. Aquelas imagens me levaram para um outro mundo", recorda.
            O realismo mágico e o gosto pela leitura o levaram à história. À universidade ele só pôde ingressar após obter uma bolsa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, agência do Ministério de Ciência e Tecnologia). Naquela altura sem o pai, que tinha morrido, estudar era um luxo para a família.
            "Minha ascensão tem muito a ver com a oportunidade com as bolsas", conta.
            Durante o mestrado na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a mesma onde havia se graduado, começou a atuar como pesquisador do Centro de Estudos Afro-Asiáticos, da Universidade Cândido Mendes, no Rio, experiência que considera fundamental para sua trajetória. "Me deu sofisticação cultural."
            A pavimentação da carreira de africanista seguiu na Universidade da Califórnia, onde recebeu o título de doutor -novamente com bolsas do CNPq.
            "O ensino superior no Brasil não é meritocrático, mas pode ser um instrumento de mobilidade social", conclui.
            DE COSTA A COSTA Da Costa Oeste à Leste, passando pelo sul e o Meio-Oeste, não importa se em pequenas, médias ou grandes universidades, há cada vez mais brasileiros estudando nos EUA, assim como no exterior de forma geral.
            O número de estudantes brasileiros utilizando bolsas do governo federal em países estrangeiros, como fez Roquinaldo, era no ano passado 566% maior do que em 1998, segundo números da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, ligada ao Ministério da Educação) e do CNPq. A maioria está nos EUA e França. O aumento do interesse das universidades americanas pelo Brasil se reflete também nas sucursais no Brasil: Harvard já tem seu escritório em São Paulo, e Columbia está abrindo o seu no Rio.
            Além de temáticas cada vez mais distintas, há sobretudo mais dinheiro para os estudos brasileiros nos EUA. O empresário e filantropo brasileiro Jorge Paulo Lemann doou quantidades polpudas para diferentes instituições universitárias do país. A Fundação Lemann não divulga os valores, mas acadêmicos e diretores das universidades estimam as doações em mais de US$ 50 milhões.
            Brown -que ficou de fora das doações de Lemann- é detentora de um dos centros pioneiros de estudos lusófonos entre as universidades da Ivy League, graças à influência da grande comunidade de portugueses e cabo-verdianos em Rhode Island.
            O Brasil entrou no radar por causa do professor Thomas Skidmore, decano e mais famoso dos brasilianistas, que lecionou na universidade por mais de duas décadas. Seu sucessor é outro brasilianista americano, James Green, autor de "Apesar de Vocês" (Companhia das Letras) e conhecido da esquerda brasileira por ter militado no Brasil e nos EUA contra a ditadura.
            PASSADO Em seu novo cargo na Universidade Brown, Roquinaldo Ferreira deseja estreitar os laços com o Brasil e a atual produção acadêmica relacionada com a África. Para ele, a academia brasileira ainda não conseguiu explicar o nosso passado escravista. "As pessoas falam sobre escravos, mas é como se eles tivessem caído do céu. Como as pessoas se tornavam escravas?", indaga.
            Estávamos sentados em uma cafeteria Starbucks próxima ao campi de Brown. Roquinaldo esperava uma corretora para conhecer alguns imóveis na cidade. Perguntei o que ele via desse passado escravista na atual sociedade brasileira.
            "A desigualdade. A escravidão é pautada pela desigualdade. Esse é o principal reflexo, e não só no Brasil, mas em todos as sociedades escravistas das Américas. É transnacional", resume.
            Roquinaldo sempre estudou em escolas públicas. Serviu-se de bolsas do governo para se graduar, fazer mestrado e doutorado, quando obteve o título de PhD na Califórnia
            Roquinaldo sempre focou a questão da "transnacionalidade". Esse é o cerne de sua atuação como africanista e, de certa forma, o que o ajudou a se destacar
            Para ele, a academia brasileira ainda não conseguiu explicar o nosso passado escravista. "As pessoas falam sobre escravos, mas é como se eles tivessem caído do céu"