segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Paul Krugman

folha de são paulo

Amigos da fraude

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

Como muitos proponentes da reforma financeira, fiquei um pouco decepcionado com a lei que acabou emergindo. A lei Dodd-Frank deu aos reguladores o poder de refrear muitos excessos financeiros; mas não ficou nem está igualmente claro se reguladores futuros vão fazer uso desse poder.
Como mostra a história, a riqueza e influência do setor financeiro podem muito facilmente converter em cachorrinho de estimação quem deveria estar atuando como intransigente cão de guarda.
Mas uma parte da reforma foi um exemplo rematado de como fazer a coisa certa: a criação de um Birô de Proteção Financeira do Consumidor --um órgão independente, dotado de verbas próprias e encarregado de proteger os consumidores contra abusos e fraudes financeiras. E, como não chega a surpreender, os republicanos no Senado estão se esforçando ao máximo para acabar com esse birô.
Por que a proteção financeira ao consumidor é necessária? Porque fraudes e abusos acontecem. Não diga que consumidores bem instruídos e informados podem se cuidar sozinhos. Para começo de conversa, nem todos os consumidores são bem instruídos e informados.
Numa instância que ficou famosa, Edward Gramlich, o funcionário do Federal Reserve (o banco central dos EUA) que avisou em vão sobre os perigos das hipotecas imobiliárias de alto risco, indagou: "Por que os produtos de crédito de mais alto risco são vendidos aos devedores menos informados?" Ele prosseguiu: "A pergunta já encerra sua resposta: os devedores menos informados provavelmente são induzidos ou ludibriados para que adquiram esses produtos".
E mesmo adultos bem instruídos podem ter dificuldade em entender os riscos e consequências vinculados a transações financeiras --fato do qual operadores de má-fé têm plena consciência. Para citar uma área na qual o birô vem fazendo um trabalho ótimo, quantos de nós sabemos o que de fato está contido nos contratos de nossos cartões de crédito?
Você pode sentir-se tentado a dizer que, embora precisemos de proteção contra fraudes financeiras, não há necessidade de criar mais uma agência, com mais burocracia. Por que não deixar isso a cargo dos organismos reguladores que já temos?
A resposta é que os organismos reguladores existentes ocupam-se basicamente em respaldar os bancos; como questão cultural prática, eles sempre relegam a proteção ao consumidor ao segundo plano --como fizeram quando ignoraram os avisos de Gramlich sobre as hipotecas de alto risco.
Portanto, o birô de proteção ao consumidor cumpre uma função vital. Mas, como eu mencionei, senadores republicanos estão tentando extingui-lo.
Como eles podem fazer isso, quando a reforma já virou lei e os democratas são maioria no Senado? Aqui, assim como em outros lugares, os republicanos estão recorrendo à extorsão --ameaçando obstruir a nomeação de Richard Cordray, o diretor em exercício do birô, com isso deixando o órgão incapaz de funcionar. Cordray já foi elogiado até mesmo por banqueiros, e está claro que seu nome não é o problema. O que está ocorrendo é uma tentativa flagrante de usar o obstrucionismo descarado para derrubar a lei.
O que os republicanos estão exigindo, basicamente, é que o birô de proteção ao consumidor perca sua independência. Querem que suas ações sejam sujeitas ao veto de outros organismos reguladores financeiros, estes focados nos bancos, com isso assegurando que os consumidores voltem a ser ignorados. E eles querem eliminar as verbas garantidas do birô, abrindo-o à pressão de grupos de interesses. Essas modificações tornariam o órgão mais ou menos inútil. Mas é esse o objetivo todo, é claro.
Como pode o Partido Republicano estar tão determinado a tornar a América um lugar seguro para a prática de fraudes financeiras, quando a crise de 2008 ainda está tão fresca em nossa memória? É em parte porque os republicanos ainda se negam a admitir o que aconteceu realmente com nosso sistema financeiro e nossa economia.
Entre a direita já é totalmente ortodoxa a visão de que liberais supostamente bem-intencionados, especialmente o ex-deputado Barney Frank, teriam causado o desastre financeiro por forçarem banqueiros impotentes a conceder empréstimos a "aquelas pessoas".
Na realidade, essa é uma bobagem que já foi extensamente refutada. Sempre me pareceu especialmente surpreendente a noção de que um deputado democrata, exercendo seu primeiro mandato numa época em que os republicanos regiam a Câmara com mão de ferro, pudesse de algum modo ter o poder misterioso de distorcer todo nosso sistema bancário. Mas os conservadores preferem essa história à realidade incômoda de que a fé deles na perfeição dos livres mercados mostrou ser equivocada.
E, como sempre, devemos seguir a trilha do dinheiro. Historicamente, o setor financeiro deu muito dinheiro para os dois partidos, com um viés apenas modesto em favor dos republicanos.
Na última eleição, contudo, ele apostou fortemente nos republicanos, dando a eles mais do dobro do que deu aos democratas (e favorecendo Mitt Romney por quase três a um em relação ao presidente). Esse dinheiro todo não foi o suficiente para comprar uma eleição --mas, ao que parece, foi o suficiente para comprar um grande partido político.
No momento, as atenções da mídia estão voltadas às questões prementes óbvias: imigração, armas de fogo, a lei de 2011 de controle do orçamento, e assim por diante. Mas vamos tentar não deixar este problema passar despercebido: apenas quatro anos depois de banqueiros descontrolados terem colocado a economia mundial de joelhos, os republicanos no Senado estão usando de todos os meios à sua disposição, e nesse processo violando todas as normas da política, num esforço para dar aos banqueiros a chance de fazer tudo de novo.
Tradução de CLARA ALLAIN
Paul Krugman
Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.

Quadrinhos

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CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO

CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI

ADÃO ITURRUSGARAI
BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER

ALLAN SIEBER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER

ANDRÉ DAHMER
GARFIELD      JIM DAVIS

JIM DAVIS

Julio&Gina - Caco Galhardo

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Mensagens de um ativista digital - Julian Assange

folha de são paulo

Em prefácio inédito de seu novo livro, o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, diz que a próxima disputa global será pela privacidade das pessoas e acusa os EUA de espionarem americanos e estrangeiros
JULIAN ASSANGEA luta do WikiLeaks é uma luta de muitas facetas. Em meu trabalho como jornalista, lutei contra guerras e para forçar os grupos poderosos a prestarem contas ao povo. Em muitas ocasiões, manifestei-me contra a tirania do imperialismo, que hoje sobrevive no domínio econômico-militar da superpotência global.
Por meio desse trabalho, aprendi a dinâmica da ordem internacional e a lógica do império. Vi países pequenos sendo oprimidos e dominados por países maiores ou infiltrados por empreendimentos estrangeiros e forçados a agir contra os próprios interesses. Vi povos cuja expressão de seus desejos lhes foi tolhida, eleições compradas e vendidas, riquezas de países como o Quênia sendo roubadas e vendidas em leilão a plutocratas em Londres e Nova York. Expus parte disso e continuarei a expor, apesar de ter me custado caro.
Essas experiências embasaram minha atuação como um cypherpunk. Elas me deram uma perspectiva sobre as questões discutidas nesta obra, que são de especial interesse para os leitores da América Latina.
A próxima grande alavanca no jogo geopolítico serão os dados resultantes da vigilância: a vida privada de milhões de inocentes.
Não é segredo algum que, na internet, todos os caminhos que vão e vêm da América Latina passam pelos EUA. A infraestrutura da internet direciona a maior parte do tráfego que entra e sai da América do Sul por linhas de fibra óptica que cruzam fisicamente as fronteiras dos EUA. O governo norte-americano tem violado sem nenhum escrúpulo as próprias leis para mobilizar essas linhas e espionar seus cidadãos. E não há leis contra espionar estrangeiros.
Todos os dias, centenas de milhões de mensagens vindas de todo o continente latino-americano são devoradas por órgãos de espionagem norte-americanos e armazenadas para sempre em depósitos do tamanho de cidades. Dessa forma, os fatos geográficos referentes à infraestrutura da internet têm consequências para a independência e a soberania da América Latina. Isso deve ser levado em consideração nos próximos anos, à medida que cada vez mais latino-americanos entrarem na internet.
O problema também transcende a geografia. Muitos governos e militares latino-americanos protegem seus segredos com hardware criptográfico. Esses hardwares e softwares embaralham as mensagens, desembaralhando-as quando chegam a seu destino. Os governos os compram para proteger seus segredos, muitas vezes com grandes despesas para o povo, por temerem, justificadamente, a interceptação de suas comunicações pelos EUA.
Mas as empresas que vendem esses dispendiosos dispositivos têm vínculos estreitos com a comunidade de inteligência norte-americana.
Seus CEOs e funcionários seniores são matemáticos e engenheiros da NSA [a agência nacional de segurança dos EUA], capitalizando as invenções que criaram para o estado de vigilância. Com frequência seus dispositivos são deliberadamente falhos: falhos com um propósito. Não importa quem os utiliza ou como -os órgãos de inteligência norte-americanos são capazes de decodificar o sinal e ler as mensagens.
Esses dispositivos são vendidos a países latino-americanos e de outras regiões que desejam proteger seus segredos, mas na verdade constituem uma forma de roubar esses segredos. Os governos estariam mais seguros se usassem softwares criptográficos feitos por cypherpunks, cujo design é aberto para todos verem que não se trata de ferramenta de espionagem, oferecidos pelo preço de uma conexão com a internet.
Enquanto isso, os EUA aceleram a próxima grande corrida armamentista. A descoberta do vírus Stuxnet, seguida da dos vírus Duqu e Flame, anuncia uma nova era de softwares extremamente complexos feitos por Estados poderosos que podem ser usados como armas para atacar Estados mais fracos.
Sua agressiva utilização no Irã visa a prejudicar as tentativas persas de conquistar a soberania nacional, uma perspectiva condenada pelos interesses norte-americanos e israelenses na região.
Antigamente, o uso de vírus de computador como armas ofensivas não passava de uma trama encontrada em livros de ficção científica. Hoje se trata de uma realidade global, estimulada pelo comportamento temerário da administração Obama, que viola as leis internacionais. Agora, outros Estados seguirão o exemplo, reforçando sua capacidade ofensiva como um meio de se proteger. Neste novo e perigoso mundo, o avanço da iniciativa cypherpunk e da construção da ciberpaz é extremamente necessário.
Os EUA não são os únicos culpados. Nos últimos anos, a infraestrutura da internet de países como Uganda foi enriquecida pelo investimento chinês. Empréstimos estão sendo distribuídos em troca de contratos africanos com empresas chinesas para criar uma rede de backbones de acesso à internet ligando escolas, ministérios públicos e comunidades ao sistema global de fibras ópticas.
A África está entrando na internet, mas com hardware fornecido por uma aspirante a superpotência estrangeira. Há o risco concreto de a internet africana ser usada para manter a África subjugada no século 21, e não como a grande libertadora que se acredita que a internet seja. Mais uma vez, a África está se transformando em um palco para os confrontos entre as potências globais dominantes. As lições da Guerra Fria não devem ser esquecidas ou a história se repetirá.
Essas são apenas algumas das importantes maneiras pelas quais a mensagem deste livro vai além da luta pela liberdade individual.
Os cypherpunks originais, meus camaradas, foram em grande parte libertários.
Buscamos proteger a liberdade individual da tirania do Estado, e a criptografia foi a nossa arma secreta. Isso era subversivo porque a criptografia era de propriedade exclusiva dos Estados, usada como arma em suas variadas guerras. Criando nosso próprio software contra o Estado e disseminando-o amplamente, liberamos e democratizamos a criptografia, em uma luta verdadeiramente revolucionária, travada nas fronteiras da nova internet. A reação foi rápida e onerosa, e ainda está em curso, mas o gênio saiu da lâmpada.
O movimento cypherpunk, porém, se estendeu além do libertarismo.
Os cypherpunks podem instituir um novo legado na utilização da criptografia por parte dos atores do Estado: um legado para se opor às opressões internacionais e dar poder ao nobre azarão.
A criptografia pode proteger tanto as liberdades civis individuais como a soberania e a independência de países inteiros, a solidariedade entre grupos com uma causa em comum e o projeto de emancipação global. Ela pode ser utilizada para combater não só a tirania do Estado sobre os indivíduos mas a tirania do império sobre a colônia. Os cypherpunks exercerão seu papel na construção de um futuro mais justo e humano. Por isso, é importante fortalecer esse movimento global.

Na obra, autor amplia suas acusações
DE SÃO PAULOLançado hoje no Brasil, o livro "Cypherpunks - Liberdade e o Futuro da Internet" (ed. Boitempo, R$ 29, 168 págs.) é o resultado de um debate entre o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, e três colegas ativistas. Na obra, eles acusam grandes empresas e governos de invadirem a privacidade digital dos cidadãos e interceptarem suas comunicações.
O artigo ao lado foi escrito especialmente para o prefácio da edição brasileira de "Cypherpunks". A Folha publica o texto com exclusividade.
Assange, que divulgou documentos secretos dos EUA no site WikiLeaks, está refugiado na Embaixada do Equador em Londres desde junho passado -à época, a Justiça britânica decidiu que ele fosse deportado para a Suécia, onde é acusado de estupro.

    TECPÉDIA
    CYPHERPUNK
    Movimento que defende o uso da criptografia (a comunicação por códigos) na internet como forma de garantir privacidade nas comunicações pessoais e escapar dos controles de governos e corporações. Ativista desde jovem, Assange é atualmente o maior expoente do grupo.
    STUXNET
    Supervírus de computador que especialistas em segurança dizem ter sido um ataque estatal às instalações do programa nuclear do Irã. Os vírus Duqu e Flame tinham trechos do código do Stuxnet.
    BACKBONE
    Infraestrutura de banda larga composta por fibra óptica. Espécie de "espinha dorsal" de uma rede de internet.

    É o fim do xaveco?


    Folha de são paulo
    Aplicativo Bang With Friends usa sua rede de amigos no Facebook para descobrir quem está a fim de sexo casual com você; em apenas 11 dias, serviço atrai 160 mil pessoas
    OLÍVIA FLORÊNCIACOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
    Você sente atração sexual por um amigo, mas não sabe se é correspondido e tem medo de tomar um fora. Um aplicativo gratuito para Facebook promete resolver a questão discretamente. É o app Bang With Friends (bangwithfriends.com), que já atraiu 160 mil usuários apenas 11 dias após seu lançamento.
    Nele, você marca os amigos do Facebook com quem quer ter relações sexuais. Se algum deles também marcá-lo, os dois receberão um e-mail com o sinal verde para o próximo passo. E quem não o marcar nunca saberá dos seus desejos íntimos.
    Não há espaço para sutilezas no serviço. Bang With Friends significa, literalmente, "Trepe com Amigos", e o logotipo mostra a silhueta de um homem ajoelhado entre as pernas de uma mulher.
    Folha conversou por e-mail com um dos criadores do app -por ora, os autores preferem não se identificar. São jovens californianos que pensaram em atender quem só quisesse sexo. "Duas horas e alguns energéticos e vodcas depois, tínhamos o site pronto!", diz um dos donos.
    Nesses 11 dias, o Bang With Friends formou cerca de 10 mil casais para ação.
    Os criadores agora procuram desenvolvedores para fazer a versão do app para iPhone e dizem que já trabalham em novos aplicativos.
    QUASE ANÔNIMOS
    Enquanto isso, tentam resolver um problema que dificulta a proposta de total anonimato. Quem usa o app pela primeira vez consegue, em alguns casos, ver quais amigos já usam o sistema.
    "Isso é uma questão das configurações de privacidade do Facebook", diz o autor do serviço. Se você já permite que seus amigos vejam seus apps, eles saberão que você entrou no Bang With Friends quando começarem a usar o serviço.
    O problema já foi discutido com o Facebook. Juntos, buscam uma solução.
    No fim, pergunto se eles escolheram um aplicativo que estimule o sexo discreto entre amigos por sentirem falta disso. "Bem, estamos OK nesse quesito. Mas quem não gostaria de mais?", debocha o criador do aplicativo.

      Psiquiatra - Marion Strecker

      folha de são paulo

      Psiquiatra
      A médica explicou que é fácil substituir uma compulsão por outra. Ou uma dependência por outra
      Hoje fui a uma psiquiatra. Levei debaixo do braço a Folha de 7 de janeiro com meu artigo intitulado "Vício". Pedi que ela lesse. Então perguntei se é realmente possível se viciar em computador, smartphones, games, internet, essas coisas. Ela disse que sim.
      Eu não sabia se sentia alívio ou pavor. Se é possível se viciar em internet, com certeza eu me viciei, pensei. Desde 1995 usando internet o dia inteiro, como não me viciar?
      Se é uma doença, deve haver tratamento e cura, conjecturei. Mas, se não fosse doença, o que seria essa mania de fazer a ronda noite e dia entre SMSs, e-mails, Facebook, Twitter, Instagram, websites?
      Nem todos os hábitos são manias, ponderei comigo mesma. Nem todas as manias são doenças, pensei.
      Mas o uso intensivo de internet não é necessariamente um vício ou uma dependência, a médica então me explicou. Para se tornar dependência, a pessoa precisa ter um fator que desencadeie o processo. Ela acha que eu não tenho esse fator.
      Se uma pessoa tem uma compulsão, ela pode ter compulsão por internet também.
      A médica explicou que é fácil substituir uma compulsão por outra. Ou uma dependência por outra.
      Não, eu não tenho compulsões, fora a internet. Minto. Tenho sim. Tenho compulsão em fotografar. Por isso às vezes passo meses longe de uma câmera. Quando eu começo é difícil parar. É como jogar Sudoku. Outra compulsão controlada! Também fui viciada em tabaco, mas parei sozinha. Três vezes
      Aí a médica me falou de uma pesquisa que fizeram com macacos e ingestão de álcool. Notaram que parte dos macacos se tornava alcoólatra e já começava a beber logo cedo. Outra parte preferia bebidas adocicadas e costumava beber mais tarde, como numa "happy hour".
      Então há indivíduos mais sujeitos a compulsão do que outros. Ambos podem estar expostos aos mesmos fatores. Mas a reação de uns vai ser diferente da reação de outros.
      Outro fator que pode levar ao vício da internet é a depressão, me explicou a médica.
      Uma pessoa deprimida pode gastar mais tempo em redes sociais do que uma pessoa não deprimida. Eu uso cada vez menos redes sociais. É um treino que estou fazendo.
      Pensei que não devemos confundir tristeza com depressão, embora eu mesma não saiba distinguir muito bem. E quem falou que todos precisamos ser felizes? Em que lei está isso? O problema é que hoje parece que todo mundo ficou deprimido. Antidepressivos estão entre os remédios mais vendidos do planeta.
      Tenho uma amiga que é totalmente contra remédios. Só toma amarrada. Eu não sou contra remédios. Mas que me dá um certo medo de fazer parte de uma sociedade de dopados, isso dá.
      Então a psiquiatra me contou de quando ela entrou no Facebook, depois de longa relutância.
      Fez duas centenas de amigos e logo se viu compelida a dar parabéns a cada vez que lia uma notificação de aniversário.
      Isso começou a consumir um tempo danado. Até que sua filha, que tem 16 anos, avisou: "Mãe, não precisa dar parabéns pra todo mundo!". Ufa, que alívio!
      A psiquiatra acha que eu não sou viciada em internet.
      Mas eu sei que sou.

      "Ameaça de traição" à TV a cabo e à internet pode render preços menores


      FOLHA DE SÃO PAULO
      ANÁLISE
      SAMY DANAESPECIAL PARA A FOLHACom os avanços tecnológicos, internet e canais fechados são serviços acessados por grande parte da população. Basta ligar a televisão para se deparar com uma avalanche de comerciais de promoções fantásticas na utilização desses dois serviços.
      É uma metalinguagem comercial: os servidores se valem do serviço que vendem para buscar clientes por meio de promoções atraentes veiculadas em intervalos televisivos ou pop ups na internet.
      Mas essas maravilhosas promoções não valem para o contrato após o período de teste, e o plano passa a assumir um valor muito mais alto que o inicial, pegando muitos usuários de surpresa.
      Mesmo aturdidos, os contratantes decidem permanecer com o produto, já que não gostariam de ficar sem ver aquela nova série favorita ou sem assistir vídeos online em alta definição.
      O problema começa aí: durante o período promocional, que dura, na maior parte dos casos, seis meses, o serviço prestado é novo e, como todas as descobertas da vida, parece excelente e extremamente útil.
      Mas o produto, que na época da contratação era o melhor a preços especiais, passa a ser oferecido em novos comerciais a um custo menor, apenas para novos clientes.
      Resignada, a grande maioria dos usuários simplesmente acata a determinação contratual e nem busca alterar o plano. No entanto, aqueles que tentam conseguem uma boa redução nos preços.
      Uma boa estratégia é apelar para a desistência do plano. Nessa hora, o atendente que por tanto tempo soou indiferente quanto a suas reclamações oferece uma infinidade de vantagens e descontos.
      Ou seja, enquanto a lealdade à companhia é recompensada por preços extorsivos, a traição é premiada com vantagens competitivas.
      No Brasil o segredo para não cair em prejuízo é não se deixar acomodar.

        Fora do hospital - Cláudia Collucci

        folha de são paulo

        Unidades de longa permanência para doentes crônicos tornam-se alternativa a hospitais em São Paulo
        CLÁUDIA COLLUCCIDE SÃO PAULOTirar doentes crônicos dos hospitais e oferecer um novo tipo de cuidado em clínicas menores, que têm como foco a reabilitação do paciente.
        É um movimento que começa a ganhar força no Estado de São Paulo, com a abertura recente de ao menos seis clínicas com esse perfil.
        Nos EUA e na Europa, as chamadas unidades de longa permanência ("Long-Term Acute Care Hospitals") são uma realidade há décadas e fazem parte dos sistemas público e privado de saúde.
        Um paciente vítima de AVC (Acidente Vascular Cerebral), por exemplo, fica em um hospital geral apenas na fase crítica. Quando o quadro de saúde se estabiliza, uma opção é encaminhá-lo para as unidades de doentes crônicos.
        Segundo a literatura médica, com isso os hospitais têm maior rotatividade de leitos, e os pacientes, uma atenção mais individualizada e mais chances de reabilitação.
        "É um tipo de negócio atraente para as operadoras [de saúde] e para os prestadores [hospitais e clínicas]. O Brasil nunca teve políticas voltadas a esse tipo de necessidade", afirma a médica Ana Maria Malik, coordenadora do GVsaúde, núcleo de saúde da Fundação Getúlio Vargas.
        Para analistas do setor, a demanda tende a aumentar no país em razão do envelhecimento populacional e da falta de leitos hospitalares, intensificada pela entrada de mais usuários no sistema suplementar de saúde.
        Mas o modelo ainda enfrenta falta de regulamentação e resistência. "Há um grande desconhecimento. Muitos médicos pensam que essas unidades sejam depósitos de paciente, que o cuidado será ruim", afirma o oncologista Agnaldo Anelli, diretor da clínica Althea, na zona leste de São Paulo.
        Estudos norte-americanos mostram o contrário: unidades de longa permanência (quando bem estruturadas)oferecem, por exemplo, maior controle de infecções.
        "É fundamental ter um plano de continuidade do cuidado do paciente fora do hospital. Só assim a família e o médicos se sentirão seguros", diz o médico Frederico Berardo, diretor clínico da Premium Care, na zona sul.
        CONFLITOS
        Há também outro tipo de conflito em jogo: a remuneração. Nos hospitais, os médicos visitam numa manhã vários pacientes e chegam a receber até R$ 1.000 por visita. Ou seja, não seria vantajoso para ele visitar esse paciente em um local externo.
        Segundo Cláudio Lottenberg, presidente do hospital Albert Einstein, o atual modelo de remuneração favorece esse tipo de conflito à medida que os médicos recebem dos planos um valor fixo, não importando o desempenho (o resultado do tratamento).
        Ele tem debatido com os médicos do Einstein modelos de assistência fora do hospital, como o "home care" e as unidades de crônicos.
        Mas lembra que, para "girar leitos", os hospitais precisam melhorar os fluxos. "Há demora para fazer exames, por exemplo, o que aumenta o tempo de permanência do paciente no leito."

          Rapaz tetraplégico teve melhora em clínica
          DE SÃO PAULOUma piscada forte quer dizer sim. Duas piscadas fortes querem dizer não. É dessa forma que Thiago Ribeiro, 25, se comunica há um ano.
          Em janeiro de 2011, ele sofreu um grave acidente de carro, teve um trauma craniano e ficou tetraplégico. Também perdeu a fala e os movimentos dos membros.
          Entre as idas e vindas do quarto para a UTI foram 360 dias de internação em um hospital geral de São Paulo.
          Em razão da internação prolongada, perdeu quase toda a massa muscular.
          Por falta de fisioterapia, os membros se retraíram, fazendo com que ele ficasse com uma posição próxima à fetal.
          Era mantido assim por longas horas, o que resultou em úlceras que necrosaram a pele da região sacral e da bacia.
          Em janeiro do ano passado, foi encaminhado para uma casa de doentes crônicos, ainda precisando de ventilação mecânica. Tinha uma traqueostomia (orifício artificial na traqueia).
          "Quando o recebemos, ele pesava 38 kg", lembra a fisioterapeuta Telma Busch.
          Ela conta que nos primeiros atendimentos percebeu que o rapaz compreendia o que se passava ao seu redor. Foi então estabelecida a comunicação por piscadas.
          "Pudemos perceber se ele recebia a quantidade adequada de analgésicos, se a posição estava confortável ou se ele queria mudar o canal da televisão", explica.
          A equipe tenta conseguir a doação de um sistema de computador que melhore a comunicação com Thiago.
          Com sessões intensivas de fisioterapia e fonoaudiologia, ele conseguiu se livrar da traqueostomia e já mexe os braços, antes inertes.
          Com a nutrição adequada, ganhou seis quilos, e as feridas estão cicatrizadas. Para prevenir o surgimento de novas úlceras, ele é trocado de posição a cada duas horas, mesmo à noite.
          A mãe de Thiago, Rosana Ribeiro, diz que os cuidados que o filho recebe na clínica são "infinitamente melhores" do que os que recebia no hospital. "Lá, ele era mais um. Vivia rígido, não mexia nada e não respondia aos chamados. Agora, até dá gargalhadas, especialmente quando o assunto é o time do coração."
          Então, você é corintiano?, pergunto. Uma piscada bem forte é a resposta.

            A Ucrânia e o Paquistão são aqui - Renato Janine Ribeiro

            Valor Econômico - 04/02/2013

            Justiça ganha poder graças à corrupção política

            Em 2012 as paixões se exaltaram no Brasil, com o julgamento de um caso que até no nome mostrou uma divisão política acentuada: mensalão, diziam uns, Ação Penal 470, diziam outros. O Judiciário condenou o líder petista que foi o principal ministro do primeiro governo Lula. A discussão do assunto tem-se confinado ao Brasil. Mas a experiência do maior país da América Latina encontra paralelos numa potência regional da Ásia, o Paquistão, e num dos principais Estados que saíram da ex-União Soviética, a Ucrânia.


            Yulia Tymoshenko ficou famosa pela imagem e pela ação. Ela é a loura de cabelos trançados que em 2004 liderou a Revolução Laranja, contra o governo da Ucrânia, que teria fraudado as eleições. Depois de intensas manifestações, com a simpatia da mídia internacional e o apoio dos governos ocidentais, ela chegou ao poder. Com idas e vindas foi primeira-ministra da Ucrânia até 2010, quando perdeu as eleições - e logo foi condenada à prisão. Responde a outros processos.

            No Paquistão, a Corte Suprema mandou prender o primeiro-ministro Raja Pervaiz Ashraf, acusado de corrupção, às vésperas da campanha eleitoral ora em curso. Dezenas de milhares têm protestado contra a corrupção; o problema, a meu ver, é que parte deles disse ver o nome de Alá nas nuvens sobre Islamabad - o que suscita minha desconfiança. Isso não absolve o governante, que continua livre. A sonegação fiscal é frequente no país, bem como o uso de fundos públicos em campanhas eleitorais.

            São três casos diferentes. Cada um dos acusados pode ser inocente - ou culpado. Quem se alegra com a condenação de José Dirceu se revolta com a prisão de Tymoshenko, e vice-versa - ele, querido da esquerda, ela, dos liberais. Mas os dois são acusados do mesmo: abuso do poder.

            Há uma lógica parecida nos vários episódios. Ashraf teve a prisão decretada, estando no poder. Dirceu foi condenado, com seu partido no poder - onde continua. Tymoshenko foi julgada após a derrota, mas mesmo assim teve, nas eleições que perdeu, 45% dos votos.

            Em todos esses casos vemos uma atuação forte do Judiciário, que enfrenta quem está no governo. É isso bom, é mau? A Justiça é, dos três poderes clássicos, o único não-eleito. Sua composição é aristocrática. Juízes entram na carreira por concurso, o que elege os melhores, os "aristoi" - ou por cooptação, quando os tribunais escolhem quem vai ser juiz ou quem será promovido. Tudo isso contrasta com a escolha, pelo voto popular, dos líderes dos poderes Executivo e Legislativo. Daí, um certo conservadorismo da profissão judicial, que teve seu pior exemplo na Corte Suprema americana na década de 1930, barrando as leis sociais de Franklin Roosevelt.

            Duas das três pátrias da democracia moderna, Grã-Bretanha e França (a terceira sendo os Estados Unidos), sempre resistiram à tentação de dar poder demais aos juízes. De Lolme dizia, em 1771, que o Parlamento britânico "pode fazer qualquer coisa, menos transformar um homem em mulher ou uma mulher em homem". Queria dizer que o único limite ao poder do Parlamento era o da impossibilidade natural. Daí o choque para os britânicos, quando a corte (europeia) de Estrasburgo declara inconstitucionais leis votadas em Westminster, porque violariam direitos humanos.

            Na França, a convicção da soberania popular é um fio condutor da política desde a Revolução Francesa, vencendo dois imperadores, três reis e um marechal (Pétain), que a tentaram controlar ou negar. Por isso, até recentemente, era difícil arguir a inconstitucionalidade de leis. Só em 1974 a oposição foi autorizada a levantar essa questão ante o Conselho Constitucional; só em 2008 surgiu a possibilidade de questionar uma lei já vigente, ainda assim, em casos excepcionais.

            Mas a tendência é a mudar isso, aumentando o poder ou dos tribunais da União Europeia ou do Conselho Constitucional. Assim, aquilo que de Gaulle detestava (o "governo dos juízes") pode vir a acontecer.
            Estamos vendo, no Brasil, no Paquistão, na Ucrânia e talvez em mais países, um governo pelos juízes?
            Eu não iria tão longe. O que tem legitimado a judicialização - e mesmo a criminalização - da política é, penso eu, apenas o descontentamento com a corrupção na vida pública. Como as cortes têm entre suas missões a de zelar pela honestidade, cresce a expectativa de que elas limpem a política. É esse o espírito da Lei da Ficha Limpa. É o espírito de muitos que vibraram com as condenações do mensalão.

            Mas esta é uma situação explosiva. Se dermos aos tribunais o papel de zelar pela política limpa, renunciaremos à cidadania. Porque, em países democráticos, quem escolhe o governo somos nós, cidadãos. Se elegemos gente ruim, a culpa é nossa; o que significa pedir socorro aos juízes? Pedimos para ser tutelados? Dizemos que não conseguimos a democracia, o autogoverno, porque não conseguimos eleger gente honesta?

            Há uma alternativa. Ela é os próprios políticos perceberem que dançam à beira do vulcão, posto que se desmoralizam com seu descaso pelas cada vez mais numerosas denúncias de corrupção. Será eles mesmos limparem seus estábulos ou, pelo menos, apurarem o que está errado até o fim e mais além, como sugeri em coluna anterior: não apenas até tirar alguém do cargo, mas até julgá-lo e, se culpado, condená-lo. Mas mesmo essa alternativa é triste. Depende de uma iniciativa dos políticos, não dos cidadãos. É como se nossa sorte democrática estivesse delegada quer aos tribunais suprindo as falhas dos políticos, quer a eles criando vergonha na cara. A melhor opção seria os cidadãos, a sociedade, tomarem a questão em mãos. Mas de que modo?

            Unesp testa antirrugas à base de goiaba

            folha de são paulo

            Produto desenvolvido com o extrato da fruta deve ser avaliado em humanos neste ano
            FERNANDA TESTACOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE RIBEIRÃO PRETOUma pesquisa da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Araraquara desenvolveu um cosmético à base de extrato de goiaba que retarda sinais de envelhecimento. A substância, que foi aplicada em células in vitro e em coelhos, deve ser testada em humanos até o fim deste ano.
            De acordo com a biotecnóloga e doutoranda em ciências farmacêuticas Bruna Chiari, autora do estudo, a fruta tem propriedades antioxidantes que atuam diretamente nos radicais livres da pele, amenizando a formação de rugas e manchas.
            "Os radicais livres causam danos às células, desde efeitos esteticamente ruins até problemas no DNA, que podem levar ao câncer de pele."
            Vera Isaac, docente de ciências farmacêuticas da Unesp e orientadora da pesquisa, afirma que os resultados têm sido promissores para que o produto seja colocado no mercado com segurança, tanto em relação à toxicidade quanto à eficácia.
            O próximo passo, segundo ela, é avaliar o comportamento do produto em humanos.
            Para o docente de ciências farmacêuticas da USP, Pedro Alves Rocha, o estudo vem comprovar a crença popular do uso de frutas e produtos naturais como cosméticos.
            Já o farmacêutico bioquímico e diretor da ABC (Associação Brasileira de Cosmetologia), Luiz Gustavo Martins Matheus, diz que os benefícios da goiaba foram percebidos em outros estudos.
            "Pesquisas apontam que o efeito é observado até no consumo via oral", diz.

              Outros carnavais - Marcos Augusto Gonçalves

              folha de são paulo

              Em 1923, quando Mário de Andrade soltou-se na folia carioca, a "Cigarra" defendia a festa paulistana
              Numa carta de 1939, endereçada a Sérgio Milliet, Mário de Andrade lembrava, com melancolia e alguma ambiguidade, o ataque cardíaco sofrido por seu pai, em fevereiro de 1917 -uma fatalidade que impediu o escritor de aproveitar a folia carnavalesca. "Quando meu pai ficou doente, eu estava me preparando pra ir num grande baile de Carnaval", contava ele na carta ao amigo. "Minha tia me dera um cetim verde-alface sublime e caríssimo. Eu mesmo desenhei um pierrô miraculoso." O traje já "estava passadinho, num manequim, no meu quarto", quando aconteceu a infelicidade que o impediu de usá-lo.
              Mário, que estava com 23 anos quando perdeu o pai, teve tempo para se esbaldar nas loucuras momescas -o que fez, aliás, com satisfação, tanto em São Paulo quanto no Rio. Em 1923, já autor de "Pauliceia Desvairada", jogou-se pela primeira vez na farra carioca e babou, como se pode ver no longo poema "O Carnaval Carioca", daquele mesmo ano.
              A descoberta do Carnaval do Rio foi, aliás, um acontecimento vital, mas também conceitual, para os modernistas de São Paulo, que viram na manifestação multicolorida, erótica e miscigenada um índice pujante da brasilidade. No "Manifesto Antropófago", publicado em 1928, Oswald de Andrade, como se sabe, lançou a famosa sentença: "O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça".
              Não que fosse desanimada a festa paulistana daqueles tempos. Havia corsos, cordões e bailes de fantasia; a imprensa dava destaque, publicava fotos, notas, crônicas. Havia a diversão da "elite branca", com influências venezianas e europeias, e a festa negra, em seus redutos, onde se tecia o samba paulista.
              No mesmo ano de 1923, em que Mário se entregou à "invasão furiosa das sensações" na "pagodeira" inesquecível da Guanabara, a revista "Cigarra" rebatia críticas à suposta "falta de espírito" da festa paulistana, dizendo que era argumento velho e falacioso: "Quer na avenida Paulista, onde o corso esteve brilhantíssimo, quer na avenida Rangel Pestana, para onde toda a população alegre se dirigiu, e em toda parte, o Carnaval não teve diques nem limites", dizia um editorial sobre a festa. Além de tudo isso, e das disputas de "serpentina, confetes e tubos de perfumes", a revista defendia seu argumento lembrando que "nada menos do que cinco clubes carnavalescos saíram à rua com suas alegorias".
              Um cronista também contava, em tom farsesco, que até mesmo um "Cordão Literário" teria passado a todo vapor pelo centro da cidade. Segundo o relato, um grupo estava reunido na Redação da revista quando foi surpreendido por "palmas estrepitosas" que vinham da rua. Correram à janela para ver o que se passava e constatou-se que "ali estavam, fantasiadas, as letras paulistanas quase em peso". Do poeta Vicente de Carvalho a Monteiro Lobato, que, segundo a descrição, brincava "fantasiado de si próprio, isto é de Jeca, com chapéu de taquara e cigarrão atrás da orelha"...
              Sábado passado, andei pela Vila Madalena. Vi, em galerias, obras que Lobato decerto não gostaria e, pelas ruas, gente fantasiada para brincar com um festejado bloco que só toca música dos Beatles. Não pude deixar de lembrar do refrão de uma música da pernambucana Lulina, em que uma garota paulistana repete, com seu sotaque característico: "Puta meu, tipo a nossa cara!".

                Rubens Ricupero

                folha de são paulo

                Iguais aos Bourbons
                Como a realeza do Antigo Regime, governos dos EUA e da Europa pouco ou nada aprenderam com a crise
                "Os Bourbons", escreveu Napoleão no começo dos Cem Dias, "não esqueceram nada e não aprenderam nada." Referia-se às lições da Revolução Francesa e tinha razão: com a queda de Carlos 10º, 15 anos depois, os Bourbons desapareciam para sempre da história da França.
                Os governos dos EUA e da Europa são iguais aos Bourbons: pouco ou nada aprenderam com a crise financeira. Quando provocaram a crise, os cinco bancos "grandes demais para quebrar" possuíam ativos correspondentes a 43% da economia americana. Inexplicavelmente, o governo deixou que chegassem agora a 55%, aumentando ainda mais o risco sistêmico!
                Em cada aniversário da crise, a tônica dos comentários é de surpresa com o tempo que está durando essa incerta superação. A mim o que espanta é outra coisa: a ausência quase total de mudanças significativas, como as realizadas por Franklin Roosevelt durante a Grande Depressão dos anos 30. As poucas reformas introduzidas na lei bancária dos EUA se encontram em permanente perigo de revogação devido ao poder do lobby financeiro.
                No âmbito internacional, o G20 se viu condenado à irrelevância pela recusa de americanos e ingleses de permitir que ele se ocupe de sua razão de ser: a regulamentação de derivativos e produtos financeiros tóxicos, a reforma da arquitetura financeira com vistas a evitar a repetição de crises similares.
                Como nada se fez para eliminar os incentivos aos bancos para assumirem riscos excessivos, os escândalos se repetem a cada dois ou três meses. Já não se trata dos esqueletos escondidos de antes da crise; agora, as estafas nascidas da inesgotável criatividade criminosa dos bancos pertencem todas ao período pós-crise. Uma das últimas, inimaginável até sua recente exposição, consistiu na conspiração de alguns dos maiores bancos mundiais para manipular a taxa Libor em escala planetária!
                Nenhum dos celerados foi julgado e enviado à prisão; nenhum dos bancos admitiu culpa. Todos se safaram pagando multas bilionárias que não será difícil recuperar. Os governos de Washington e Londres, palmatórias do mundo em matéria de hipócrita condenação seletiva de delitos alheios, rivalizam no zelo suspeito de enterrar os escândalos sem julgamento público!
                Os Bourbons sonhavam em voltar à "doçura de viver" pré-Revolução. Seus sucessores sonham com a "normalidade" pré-crise. Esquecem que, da mesma forma que a "doçura" do Antigo Regime, a "normalidade" do atual se ampara em três monstruosidades: desigualdade crescente, desemprego maciço e destruição do equilíbrio climático.
                Um quarto dos empregos nos EUA paga salários abaixo da linha de pobreza. O desemprego na Europa atingiu 12%, 25% na Espanha e na Grécia, 60% entre os jovens!
                Não é só o aquecimento global que constitui a maior falência de mercado da história, nas palavras do relatório Stern. A desigualdade e o desemprego não ficam atrás.
                Querer resolver com maiores doses de mercado três problemas derivados de falhas de mercado é repetir a suicida incapacidade bourbônica de esquecer privilégios e aprender com as lições da história.

                  Maquiagem nos alimentos integrais - Bruna Sensêve‏

                  Pesquisa indica que esses produtos podem ter mais açúcar e calorias que os tradicionais. No Brasil, falta de regras sobre a quantidade mínima de grãos facilita a venda enganosa 

                  Bruna Sensêve
                  ESTADO DE MINAS: 04/02/2013 
                  A febre pelos alimentos integrais começou na década de 1970, quando os médicos ingleses Hugh Trowell e Denis Burkitt perceberam que populações africanas que se alimentavam de cereais não processados tinham uma menor incidência de doenças intestinais. Desde então, grãos que não passaram pela refinação industrial são amplamente indicados por nutricionistas e profissionais de saúde. Mas nem todos realmente podem ser considerados mais saudáveis ou até mesmo apresentar os benefícios noticiados no rótulo. É o que indica pesquisa da Escola de Saúde Pública de Harvard, publicada na revista Public Health Nutrition. O problema, de acordo especialistas, se repete no Brasil.
                  A avaliação de 545 produtos derivados de grãos encontrados em duas grandes cadeias de supermercados americanas, uma inclusive com franquia no Brasil, surpreende. Eles identificaram que muitos produtos têm quantidades superiores de açúcar e de calorias que as versões tradicionais. O resultado levou os pesquisadores a declarar no estudo que os padrões atuais de classificação de alimentos como integrais são inconsistentes e, em alguns casos, enganosos. A equipe liderada por Rebecca Mozaffarian, do Departamento de Ciências Sociais e Comportamentais da Escola de Saúde Pública de Harvard, incita a adoção de um padrão consistente, baseado em evidências científicas para a rotulagem de alimentos de grãos integrais.
                  “Dada a prevalência significativa de grãos refinados, de amidos e de açúcares em dietas modernas, a identificação de um critério unificado para identificar carboidratos de alta qualidade é uma prioridade em saúde pública”, alerta Mozaffarian. Diferentemente do Brasil, nos Estados Unidos existe uma forma de classificar os produtos integrais. O Whole Grain Stamp (selo de grãos integrais, em tradução livre) foi criado em 2005 como um marcador visual para sinalizar produtos que contêm quantidades significativas de grãos do tipo. Todos os produtos com o carimbo devem conter pelo menos 8g de grãos não processados por porção. Já aqueles com o selo de 100% integral contêm pelo menos o dobro dessa quantia.
                  O Brasil carece de iniciativa do tipo. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), “não existe qualquer regulamentação por parte das autoridades sanitárias quanto aos critérios para um alimento ser rotulado como integral”. A obrigação principal do produtor está apenas em declarar todos os ingredientes do alimento. Segundo a professora Gláucia Pastore, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a ausência de uma norma ou regra sobre como usar o símbolo integral abre brecha para várias possibilidades de identificação, o que, muitas vezes, engana o consumidor. “Algumas torradas comercializadas como integrais, por exemplo, são integrais porque listam uma série de grãos. Na composição total, realmente elas têm todos os grãos da embalagem, mas não há qualquer preocupação quanto a uma proporção desses componentes”, avalia.
                  O parâmetro mais claro para a definição de um alimento como integral, de acordo com os resultados encontrados pelos cientistas de Harvard, deve depender exatamente dessa proporção. No caso, uma proporção de 10 para um entre a quantidade de carboidratos e fibras do produto. “De uma certa forma, ainda não consideramos todo o impacto do alimento funcional”, constata Gláucia. Ela acredita que é necessário começar a estudar formas de permitir um acesso da população a esses alimentos e de forçar as empresas a lançarem mais produtos que tenham o efeito comprovado.
                  Rótulo Um dos fatores levantados pelo Centro para a Ciência no Interesse Público, uma organização norte-americana sem fins lucrativos de defesa do consumidor com foco na educação nutricional e conscientização, é o consumidor que deve ter extrema atenção ao ler o rótulo das mercadorias. Em muitos casos, a farinha de trigo integral não é o ingrediente principal dos produtos com essa especificação. Normalmente, ela fica em terceiro lugar da lista, depois da farinha de trigo branca e da fortificada ou enriquecida, “indicando que o produto contém relativamente pouco desse ingrediente”, descreve a entidade. Esses tipos de distorções são possivelmente o que levaria os alimentos integrais a apresentarem maior teor de açúcares, calorias e sal que suas versões tradicionais.
                  Outro fator que chamou a atenção dos pesquisadores norte-americanos é o alto preço dessa categoria de alimentos. Entre as conclusões, Rebecca Mozaffarian ressalta que, em todos os casos avaliados, os alimentos que não tinham o carimbo de integral eram mais baratos que aqueles que o continham, mesmo quando os fatores nutricionais apresentados eram melhores à saúde.
                  O professor de engenharia de alimentos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) José Carlos Petrus considera essa uma importante questão a ser levantada. Petrus lembra que, antes da popularização dos produtos integrais, a principal alegação da indústria para o alto custo era a baixa quantidade de consumidores.
                  “A desculpa era que se vendia pouco. Só que hoje estão vendendo muito. Então, não há mais justificativa. Se multiplicarmos o peso daquele cereal matutino de acordo com o preço que é vendido, o quilo sai por quase R$ 50. É um absurdo, mais caro que o filé-mignon”, estima. Além disso, enfatiza o engenheiro, quando o alimento é integral, ele não passa por um processo industrial de refinação. Portanto, tem uma fabricação mais simplifica. “Tinha que ser mais barato. Não é porque existe um apelo comercial”, critica.

                  Aditivos para o bem 
                  Os alimentos funcionais são naturais ou enriquecidas com aditivos alimentares, como vitaminas, minerais dietéticos, culturas bacterianas, ômega 3, antocianinas, carboidratos e fibras que possam contribuir para a manutenção da saúde e a redução do risco de doenças. Cientistas alimentares ainda avaliam as vantagens e as desvantagens do uso de alimentos funcionais na nutrição humana sob aspectos da qualidade alimentar.

                  De olho na própria poluição - Celina Aquino‏

                  Pesquisadores da UFRJ desenvolvem sistema para avaliar políticas criadas para reduzir emissões de gases causadores do efeito estufa, exemplo a ser seguido por outras cidades 

                  Celina Aquino
                  ESTADO DE MINAS: 04/02/2013 
                  A natureza paga o preço pelo desenvolvimento do Brasil. As atividades econômicas geram gases que se acumulam na atmosfera, provocam o aquecimento global e aceleram as mudanças climáticas. Diminuir os impactos do efeito estufa é desafio para todas as cidades, mas o Rio de Janeiro sai na frente com o Programa de Baixo Carbono – parceria da prefeitura carioca com o Banco Mundial e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) –, que usa um sistema próprio para avaliar o desempenho de políticas criadas para reduzir as emissões. No segundo semestre, será divulgado o primeiro relatório. Lançada no ano passado, a iniciativa vai servir de exemplo para outros estados, como Minas Gerais, que agora investe em uma etapa anterior, em que a prioridade é definir metas para cada setor.
                  A partir do inventário elaborado pela equipe de pesquisadores do Programa de Baixo Carbono, que mapeou as emissões dos gases do efeito estufa (dióxido de carbono, metano e óxido nitroso) no Rio de Janeiro, foi criada a Política Municipal sobre Mudança do Clima e Desenvolvimento Sustentável, em que ficam estabelecidas metas para até 2020. “Isso considerando que estamos em um país em desenvolvimento, ainda na fase de aumentar as emissões devido, por exemplo, à urbanização e crescente número de carros. O que as medidas podem fazer é diminuir essa taxa de crescimento”, pontua o coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente (Lima) do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ), Emilio La Rovere.
                  Os objetivos voluntários levam em conta os dados coletados em 2005, ano em que a capital fluminense emitiu 11,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (medida que também considera a queima do metano e óxido nitroso).
                  Com a lei sancionada em 2011, o Rio de Janeiro se comprometeu a implantar medidas que no ano seguinte evitassem 8% do total de emissões, ou seja, 900 mil toneladas de CO2. A equipe do Coppe/UFRJ, coordenada por La Rovere, começou agora o levantamento para fazer o cálculo de 2012. “Ainda é cedo para dizer, mas possivelmente a meta não será cumprida integralmente, só em 2013. Houve atraso nos cronogramas”, explica. A resposta virá no segundo semestre.
                  O pesquisador se refere à implantação do BRT (do inglês, transporte rápido por ônibus), que só começou a funcionar no fim do ano passado. Com o sistema articulado de ônibus, será possível transportar um número maior de passageiros com um consumo menor de combustível. Além disso, o veículo anda com velocidade mais alta em faixa seletiva e a expectativa é atrair motoristas que se deslocam em carro particular.
                  La Rovere também informa que houve atraso na inauguração do Centro de Tratamento de Resíduos Sólidos, na cidade vizinha de Seropédica, que é um aterro sanitário equipado com instalações que canalizam o gás metano para ser queimado. Outra decisão importante do governo foi desativar o famoso lixão de Gramacho, em Duque de Caxias, que também ganhou uma rede de dutos para reaproveitar o biogás acumulado, que deverá ser usado pela refinaria de petróleo da cidade.
                  Para 2016, a Prefeitura do Rio de Janeiro assumiu o compromisso de evitar a liberação de 1,8 milhão de toneladas de CO2, o que corresponde a 16% do total de 2005. Já em 2020, o objetivo é deixar de emitir 20% dos 11,5 milhões de toneladas, que representam 2,3 milhões de toneladas de CO2.

                  Lixo e carros contribuem
                  A queima de combustíveis fósseis, os derivados de carvão mineral, petróleo e gás natural, é a principal fonte de dióxido de carbono. As emissões vêm, por exemplo, da gasolina dos automóveis, diesel dos ônibus e caminhões, óleo queimado em fornos e caldeiras industriais, gás de bujão consumido em residências e carvão queimado nas centrais termelétricas para gerar energia elétrica. Nas cidades, o gás metano emana essencialmente de aterros sanitários, no momento em que o lixo se decompõe. O óxido nitroso vem de atividades agrícolas, por isso tem mais relevância em municípios rurais. A culpa é dos fertilizantes nitrogenados usados para aumentar a produtividade.


                  Brasil tem dois cenários preocupantes 
                  Publicação: 04/02/2013 04:00
                  O Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) desenvolveu dois cenários de mudanças climáticas para todas as regiões do Brasil até o fim do século 21: um mostra a realidade caso as emissões dos gases do efeito estufa continuem altas e o outro prevê o que ocorrerá em caso de redução. (Veja mapa, que também pode ser acessado pelo linkhttp://www.ccst.inpe.br/sumario-mud-clima.)
                  O pesquisador titular do CCST, Jean Ometto, ressalta que o aquecimento global e as mudanças climáticas são um problema particularmente preocupante para o Brasil.
                  “O gelo vai derreter com o calor e haverá possibilidade real de alteração no nível do mar. Muitas cidades litorâneas podem sofrer com isso em época de ressaca”, cita. Por outro lado, se o padrão de chuvas mudar, a produção de energia, que vem essencialmente de usinas hidrelétricas, ficará prejudicada. As alterações do clima também poderão trazer prejuízos para a produção agropecuária, que ainda é a base da economia brasileira.
                  Ometto explica que o aquecimento global se manifesta a partir do acúmulo de gases vindos, essencialmente, da queima de combustíveis fósseis e biomassa (tudo que tem vida) na atmosfera. Isso aumenta a espessura da camada que envolve a Terra, fazendo com que a energia fique retida embaixo. “Céticos dizem que uma coisa não está necessariamente ligada à outra, mas a grande maioria acredita que o processo de aquecimento pode interferir nos padrões climáticos. Os meteorologistas defendem que o calor muda a termodinâmica da atmosfera”, esclarece o pesquisador do Inpe. As emissões dos gases do efeito estufa tendem a acelerar o processo.
                  A boa notícia é que as emissões brasileiras diminuíram desde 2004. Ometto revela que a redução está associada à biomassa, já que em oito anos o desmatamento da Amazônia caiu quase 70%. O balanço é positivo mesmo com o aumento da queima de combustíveis fósseis, que tem ligação com o crescimento da frota, uso majoritário de transporte de carga por caminhão (alimentado por diesel) e o desenvolvimento industrial. “A incerteza é muito alta. Há estudos dizendo que o calor vai aumentar e o que se espera com as negociações internacionais é que as emissões se limitem a tal ponto que, até 2050, a temperatura não suba dois graus acima da marca de 1750, quando começa a medição”, diz. No último século, já houve um aumento de 1 grau.
                  Para chegar lá, o pesquisador do Inpe acredita que é preciso haver mais conhecimento científico e vontade política. Além disso, deve-se contar com a colaboração da população, que pode ajudar a administração pública a buscar o uso racional dos recursos naturais.

                  Enquanto isso...
                  ...Minas não quer ficar para trás
                  Em dezembro, o governador Antonio Anastasia (PSDB) enviou à Assembleia Legislativa um projeto de lei que institui a Política de Mudança do Clima do Estado de Minas Gerais (PMCE). “A proposta foi construída de forma democrática, junto com os setores produtivos, e estabelece compromissos de caráter voluntário para que as metas sejam atingidas”, adianta o gerente de energia e mudanças climáticas da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), Felipe Santos de Miranda Nunes. “Isso vai dar maior força aos trabalhos que estão sendo executados”, diz ele. O  PL ainda não foi avaliado pelos parlamentares mineiros.