domingo, 15 de março de 2015

Pensar não é agir - Martha Medeiros

ZERO HORA - 15/03/2015

Nunca esquecerei minha professora de História. Seu maior desejo era conhecer Roma. Era tão apaixonada por esse sonho que chegou a memorizar o mapa da cidade, julgava-se capaz de caminhar por suas vias com mais desembaraço do que um morador local.

Ela retinha a cidade em pensamento. Sentia o aroma de suas trattorias, a fuligem deixada pelas scooters, a imponência de suas edificações. Aprendeu italiano e adquiriu fluência no idioma. Tinha a viagem formatada dentro de sua cabeça, até parecia que já tinha ido. Mas morreu sem jamais sair do Brasil.

Da mesma forma, lembro uma tia distante que na adolescência se apaixonou por um garoto e decretou para si mesma que, se não casasse com ele, não casaria com ninguém mais. Nunca namoraram, mas ela criava os diálogos de seus encontros, sentia a mão dele segurando a sua dentro do cinema, imaginava seu vestido de noiva, escolhia nome para os filhos que teriam.

O rapaz casou com outra e ela continuava visualizando o sobrado em que morariam, os cuidados que teriam com o jardim, o apoio que dariam um ao outro quando a vida exigisse. Essa minha tia faleceu com mais de 80 anos. Virgem.

Dois casos extremos. Porém, longe das extremidades, na vida mundana de cada um, também há desejos desse naipe, que se realizam apenas dentro da imaginação, se é que o verbo realizar aqui se aplica.

A fantasia é um recurso luxuoso. A fantasia ameniza frustrações. A fantasia alimenta a autoestima sem danificá-la. A fantasia quase substitui o ato concreto.

Quase.

O pensamento fantasioso obedece ao script que determinamos, mas não basta. A realidade é muito mais poderosa. Acontece a nossa revelia, sem cumprir os requisitos que nossa mente inventou. A fantasia é um subterfúgio legítimo, porém os fatos que fantasiamos não merecerão uma única linha na nossa biografia. O que vale é a experiência. Sofrida. Vingada. Curtida. Exaltada. O que for. Mas vivida.

Está aí mais uma coisa que se aprende com a passagem do tempo: pensar não é agir. Pensar é pensar, é proteger nossa vontade, embalá-la, encarcerá-la no idealismo e se conformar com um prazer hipotético. Pensar é sem gosto, sem tato, sem cheiro, sem risco. Vale a pena uma vida sem risco?

Agir, não. Agir é um salto sem rede. Agir é uma viagem, uma vertigem. É ficar disponível para o bem e o mal. Agir é para os audaciosos, corajosos, merecedores do lugar mais alto do pódio. Agir é para quem tem autoconfiança e, no caso de tudo dar errado, ter também o humor necessário para se consolar e seguir adiante. Agir é o mais potente afrodisíaco.


São poéticos aqueles que vivem no sonho, mas tornam-se imunes à sedução.

Especiais - Eduardo Almeida Reis

É verdade que fiz um júri e absolvi um brasileiro que tinha a mania de atirar nos traseiros das brasileiras que encontrava pelas ruas do seu bairro


Eduardo Almeida Reis
Publicação: 15/03/2015 

Invejoso das séries especiais do Jornal da Band, o Jornal Nacional produziu uma série sobre educação exibida ao longo de seis edições. Realmente, a série foi especial porque não resolveu nem minimizou os problemas da educação no Brasil e roubou audiência da rede de tevê. Na Globo deve roubar menos, porque a humanidade está de olho no capítulo da novela que vem logo depois, mas na Band a debandada do telespectador pensante deve ser total, considerando que o horário seguinte costuma ser vendido ao piedoso bispo R. R. Soares, que, entre outras virtudes, tem a de ser cunhado do bispo Edir Macedo.
Residente em Itaúna, leitora amiga mandou-me e-mail sobre diversos assuntos, destacando pequeno anúncio publicado na página 9 de nossa edição de 8 de fevereiro: “Procura-se garotas de programa evangélicas. Excelente moradia! Tratar com a senhora Ima”.
Só pode ser maldade de alguém que não goste dos milhões de evangélicos brasileiros. Considerando que nossa população ateia é da ordem de 7%, todas as garotas de programa dos 93% restantes, que não forem ateias, têm alguma religião ou mais de uma, como temos visto por aí.
Ilustre professor mineiro, muito rico, me contou que se relacionou com bela mineira evangélica, que nunca foi garota de programa. O relacionamento tinha tudo para ser um sucesso, não fosse a mania da moça de orar em voz alta antes e depois do congresso sexual, exigindo que o namorado também orasse. Convenhamos em que, orando, perde a graça.
Fator RH
Como sabe o leitor ou saberia se consultasse o Google, o fator Rh é um dos dois grupos de antígenos eritrocitários de maior importância clínica envolvido nas reações transfusionais hemolíticas e na DHRN ou eritroblastose fetal. Sua determinação, juntamente com a dos antígenos pertencentes ao sistema ABO no procedimento laboratorial denominado Tipagem Sanguínea (ABO e Rh) – ou simplesmente Tipagem Sanguínea – é obrigatória antes de qualquer transfusão sanguínea.
Acontece que não quero falar do fator Rh, mas do Fator RH, de Recursos Humanos, as duas letras maiúsculas. Faz tempo que não existe empresa sem departamento de RH, as contratações dependem do pessoal da área de RH, o assunto é sério e está sendo transformado em ciência.
O marido de dona Marisa, pernambucano que vocês elegeram e reelegeram presidente da República Federativa do Brasil, é analfabeto, boquirroto e esperto, mas em matéria de RH é muito mais que um imbecil completo. Basta ver a turminha escolhida por ele para os maiores postos do PT e adjacências. Sim, porque o Partido dos Trabalhadores não se contenta com os seus e conta com os adjacentes tipo Valdemar da Costa Neto, tão ruins quanto.
Dirceu, Rousseff, Genoíno, José Nobre, André, Gleise (ao menos é bonitinha), Gilbertinho, as ministras, Tarso e a filha do Tarso, hoje extraviada, Vicentinho, Delúbio, Vaccari, Marta Suplicy Favre – a lista é tão grande que tomaria duas páginas do jornal em letrinhas miúdas. Evidentemente, não posso perder tempo com esse tipo de gente. Ficou faltando Erenice. Que dizer de um presidente que nomeia Erenice Alves Guerra ministra-chefe da Casa Civil?

Fotos
Um colega de faculdade, que sempre tive na conta de amigo, mandou-me fotos coloridas do último jantar de comemoração de nossa formatura. Restam 25 ou 30 colegas no Rio em condições de festejar a data e a turma tinha 300, metade no turno da manhã, metade lutando contra o sono à noite. É triste, mas é verdade: diante das fotos confirmo que a gente envelhece nos outros.
O último jantar a que compareci foi o dos 25 anos de formatura, ainda havia muita gente, as colegas mostrando fotos dos netinhos, os colegas desembargadores. Sentei-me ao lado de um desembargador muito sério, muito grave, que me disse: “Tenho lido as sentenças prolatadas pelo caro colega”. Acontece que o caro colega jamais prolatou uma sentença e encerrou sua carreira de operador do direito ao cabo de quatro dias advogando para o Sindicato dos Padeiros do Estado da Guanabara.
É verdade que fiz um júri e absolvi um brasileiro que tinha a mania de atirar nos traseiros das brasileiras que encontrava pelas ruas do seu bairro, crime pelo qual já estava preso, mas levei para me ajudar na defesa um professor de direito penal. Hoje seria facílimo absolver o atirador comparando-o ao ilustrado além-paraibano Zuenir Ventura, da Academia Brasileira de Letras, que vive escrevendo sobre a bunda de Paolla Oliveira.

O mundo é uma bola
15 de março de 1147: dom Afonso Henriques conquista Santarém aos mouros, o que não impediu Portugal de ter o lindo fado Mouraria e nos poupou o sacrifício de falar uma língua da família camito-semítica, complicada como ela só.
Em 1789, Joaquim Silvério dos Reis, que não era meu parente, entregou ao Visconde de Barbacena sua carta denunciando os inconfidentes mineiros. Em 1956, estreia na Broadway o musical My fair lady.
Em 1975, ocorre a fusão dos estados brasileiros do Rio de Janeiro e da Guanabara. Em 1990, toma posse na Presidência da República Federativa do Brasil o jovem Fernando Affonso Collor de Mello, com os resultados vistos e sabidos. Hoje é o Dia da Escola.

Ruminanças
“Não vos vinguei, esperai que vos vinguem, e sereis vingado” (Marquês de Maricá, 1773-1848).

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Na dúvida, consulte o dicionário...

EM DIA COM A PSICANáLISE » Na dúvida, consulte o dicionário... 

Quem tem família lida com um problema cuja solução, muitas vezes, está no direito


Estado de Minas: 15/03/2015 



Para Rodrigo da Cunha Pereira, as palavras têm poder. E mais: além do significado, são também significantes, isto é, para além do conceito a que correspondem, há nelas a representação psíquica do seu som, tal como nossos sentidos as percebem e a forma como são pronunciadas. Desde criança em Abaeté, Rodrigo ama as palavras e dicionários enciclopédicos ilustrados herdados dos avós.

Eles povoaram seu universo e imaginação na infância e adolescência, quando viajava através das palavras, gravuras e ilustrações. Segundo Rodrigo, pelos dicionários pode-se saber o significado de qualquer coisa. E evoca Carlos Drummond de Andrade, para quem “ali encontramos palavras em estado de dicionário”.

Na era do Google, quando não mais encontramos pessoas chamadas de enciclopédias vivas como antigamente, parece improvável que um saber tão especializado possa ser editado nesse formato. Rodrigo, no entanto, depois de 30 anos de exercício da advocacia, ou da Clínica do Direito, autoriza-se a escrever o dicionário de Direito de famílias e sucessões – ilustrado (Editora Saraiva).

A–Pereira é autor de vários livros e artigos sobre o tema. O que há de peculiar em sua nova obra é a reunião de verbetes que, além do conceito jurídico, elementos doutrinários, dispositivos e de referências normativas, lança mão também da ética psicanalítica e das linguagens poética, musical e visual.

Esses diversos campos colaboram para fazer do livro uma fonte de informação atual sobre o direito de família, que nos últimos anos passou por profundas transformações em consequência de novos costumes e das configurações da família moderna ocorridas depois do individualismo triunfante dos últimos séculos.

A obra inclui questões contemporâneas como união estável, favorecimento constitucional da adoção, uniões hétero e homoafetivas e toda gama de possibilidades que nós, seres falantes, somos capazes de vivenciar. O autor nos ajuda a compreender as complexas relações familiares, consanguíneas ou não, assim como os restos de amor que, muitas vezes, vão parar nos tribunais.

O dicionário é muito bem apresentado por Paulo Lôbo, doutor em direito civil pela Universidade de São Paulo, e pelo desembargador Lourival Serejo, que nos faz lembrar o valor do trabalho pioneiro de Rodrigo. Serejo foi feliz no preâmbulo, lembrando-nos das palavras de Elisabeth Roudinesco. “A família é reivindicada como o único valor seguro ao qual ninguém quer renunciar. Ela é amada, sonhada e desejada por homens, mulheres e crianças de todas as idades, de todas as orientações sexuais e de todas as condições”, observa a historiadora, explicando que isso se dá na expectativa de que se possa manter, como princípio fundador, “o equilíbrio entre o um e o múltiplo de que todo sujeito precisa para construir sua identidade”.

O Dicionário de direito de família e sucessões estará, com certeza, presente em estantes de magistrados, advogados, psicólogos e psicanalistas, auxiliando no entendimento de tão complexas e imprescindíveis relações.