quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Culturas - Eduardo Almeida Reis

O isolamento da tribo seria perfeito se os indígenas não tivessem facões de aço e panelas de alumínio produzidos fora da aldeia


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 26/02/2015




Zapeando o televisor, dei com vídeo em que o ex-atleta Ronaldo Fenômeno e o apresentador Luciano Huck visitavam uma aldeia amazônica onde os indígenas exibem pedaços de bambu num furo do lábio inferior. Um intérprete da Funai traduzia para Luciano e Ronaldo a língua nativa e para os índios as perguntas dos visitantes. Dormiram por lá, e o grande goleador se queixava, na manhã seguinte, de que só faltou eucalipto para a sauna ficar perfeita.

Em seu programa de sábado, Luciano dizia da importância de preservar culturas como aquela que exibiu, elogiava seu amigo Ronaldo Nazário de Lima e o intérprete da Funai, que não puderam comparecer, o goleador porque estava na Europa e o funcionário público porque andava na selva sem contato com os seus superiores. Disse ainda que os índios são muito amáveis, vivem em contato com a natureza, preservam a floresta – tudo muito bonito de dizer.

O isolamento da tribo seria perfeito se os indígenas não tivessem facões de aço e panelas de alumínio produzidos fora da aldeia. Portanto, há um isolamento “relativo”, que não foi levado em conta pelo apresentador. Quando visitei os xavantes no final da década de 60, já os encontrei usando espingardas em lugar dos arcos e das flechas.

E foi só em meados dos anos 1960 que o “contato” xavante foi completado. Dois padres católicos salesianos empenhados em fazer contato com eles no ano de 1932 e uma “equipe de pacificação” do SPI, Serviço de Proteção aos Índios, chefiada por Pimentel Barbosa, em 1941, foram mortos pelos xavantes. Em 1946, chefiada por Francisco Meirelles, uma equipe do SPI finalmente conseguiu trocar presentes e estabelecer contato com um grupo xavante liderado pelo cacique Apöena. Meirelles e Apöena foram transformados pela mídia em heróis nacionais.

Visitei uma aldeia em companhia de um afro-brasileiro alto, magro, chamado Chico, que trabalhava para o grupo europeu interessado naquelas terras horríveis. Chico era conhecido em todo o Mato Grosso como grande matador de índios das mais diversas culturas. Falei da visita no meu livro Amazônia legal & ilegal. É isso aí.

Charges

No episódio Charlie Hebdo não me lembro de ter visto um só comentário sobre a qualidade dos traços dos chargistas assassinados. Eram fracos, fraquíssimos, infantis. Talvez por isso, pelas limitações dos seus traços, tenham exagerado nas críticas às religiões, à fé alheia, latim fìdes,éi ‘fé, crença (no sentido religioso), engajamento solene etc..

Charge implica traço e graça. O sujeito pode ter um traço excepcional e não será bom chargista se lhe faltar graça. Se tem graça e não tem traço deve desistir da profissão de chargista. Ou, então, apela para a crítica social, religiosa, política e pode sofrer as consequências, a retaliação criminosa que todos condenamos.

Leonardo Da Vinci, gênio completo e acabado, tinha traço excepcional e não me consta que, no papel, fosse engraçado. Como foi mestre de cerimônias na corte de Ludovico Sforza, duque de Milão, cuidando da casa e das festas, devia ser cavalheiro de bom trato, simpático, sem que fosse engraçado.

O Brasil tem uma porção de ótimos chargistas, vários trabalhando aqui no Estado de Minas. Para não ferir susceptibilidades cito um “inimigo”, que tem bom traço e muita graça, Bruno Drummond, da Revista O Globo. Não o conheço, não sei se é velho ou moço, branco, preto, mulato ou indígena, mineiro ou rondoniense, casado, solteiro ou viúvo, mas sei que é muito divertido. Ainda outro dia desenhou um atleta de sunga cercado por duas gatas de biquíni, três desenhos iguais na mesma página.

No primeiro, as gatinhas perguntam: “É verdade que você conhece o George Clooney? E o Bradley Cooper? E o Ashton Kutcher?”. No segundo, o atleta responde: “Conheço”. E no terceiro esclarece: “Eles é que não me conhecem”. Gostei muito.

O mundo é uma bola

26 de fevereiro de 364: Valentiniano I é proclamado imperador romano. Em 1815, Napoleão Bonaparte escapa da Ilha de Elba. Em 1848, proclamação da Segunda República Francesa. Francês adora segundas, terceiras, e quartas, a começar pelas primeiras-damas. Temos exemplos recentes em Paris com o presidente François Hollande, baixinho, barrigudinho, trocando de mulher como trocamos de camisas. Mil vezes o uruguaio Mujica, fiel à companheira de muitos anos. Também, com aquele sítio e aquele fusca, o máximo que pode pegar é um resfriado no próximo inverno.

Em 1935, violando os termos do Tratado de Versalhes, Adolf Hitler ordena a reforma da Luftwaffe. Em 1952, Winston Churchill, primeiro-ministro britânico, informa que o Reino Unido já tem a bomba atômica. Hoje, os britânicos se veem às voltas com a bomba demográfica dos muçulmanos, que se multiplicam feito coelhos. Em 1992, aprovada a bandeira do Daguestão, que ninguém sabe onde fica. A bandeira tem três listras horizontais: verde, azul e vermelha. Não é das mais feias. A República do Daguestão é uma subdivisão da Federação Russa, tem menos que 3 milhões de habitantes e 50.300km2, como acabo de aprender. Hoje é o Dia do Comediante.

Ruminanças

“É triste ver um país democrático transformado em cleptocrático” (R. Manso Neto).