quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Divisão de doações revela lista fechada informal - Cristian Klein

Valor Econômico - 09/01/2014

A possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar o fim das doações de empresas para campanhas eleitorais causa apreensão entre políticos - que afirmam temer ficar sem dinheiro para fazer propaganda - mas pode aumentar ainda mais o peso das cúpulas partidárias, caso estas decidam aproveitar a mudança para aprovar, no Congresso, a criação de um grande fundo de recursos públicos para financiar as disputas eleitorais.

Levantamento feito pelo Valor Data, com base nas prestações de conta das eleições de 2010, aponta os diferentes perfis de distribuição do dinheiro arrecadado pelas direções nacionais de PT, PMDB, PSDB e PSB, e indicam a existência de uma espécie de "lista fechada informal". Ou seja, o modelo de votação apontado como consequência quase que natural ao fim do financiamento privado já seria praticado, de forma mais branda e por outros meios, pelas cúpulas partidárias oligarquizadas.

Na lista fechada, o eleitor só vota nas legendas e os dirigentes partidários é que determinam a ordem dos candidatos que serão eleitos. Se a sigla conquistar, por exemplo, cinco vagas para deputado federal, os cinco primeiros da lista preordenada garantem o mandato. Esse modelo de votação tem sido apontado como uma pré-condição à adoção do financiamento público exclusivo de campanha.

No Brasil, a distribuição desigual para os candidatos do tempo de propaganda eleitoral, no rádio e na TV, e das doações financeiras é um dos instrumentos mais utilizados pelas cúpulas para terem algum controle sobre quem será eleito.

O líder do PMDB na Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (RJ), confirma e defende o tratamento diferenciado. "Você não pode comparar o padrão de quem está na cúpula com quem não é. A cúpula realmente é uma coisa que não é normal. Você não pode correr o risco, por exemplo, de numa eleição, eu e o Henrique [Alves, presidente da Câmara], que somos os dois maiores expoentes [do PMDB] na Casa, não sermos eleitos. Não podemos nos expor tanto. Então, o partido acaba assumindo o ônus de ter que ajudar mais", diz.

Na eleição de 2010, no entanto, Cunha e Alves não figuraram entre os que foram mais beneficiados com repasses da direção nacional. Isso se explica, afirma o deputado, porque a doação neste caso foi indireta, feita para o diretório estadual do PMDB no Rio de Janeiro. Entre os quatro partidos analisados, o PMDB é o segundo cuja direção, proporcionalmente, mais repassou recursos para diretórios e comitês estaduais (31,5%), atrás do PSB, cuja maior fatia - 37,8% - foi para estas instâncias.

O PT nacional distribuiu quase metade do dinheiro (49,6%) para campanhas de candidatos ao Legislativo (deputados federais, estaduais e senadores), muito acima do PMDB (35,3%), PSDB (19%) e PSB (18,8%). A outra metade foi para a campanha de Dilma Rousseff à Presidência (16,65%), para candidaturas e direções de outros partidos (14%), para os concorrentes petistas a governador (12,9%) e diretórios e comitês estaduais (6,9%), a menor proporção nas sete categorias e entre os quatro partidos.

É um contraste com o PSB, cujo traço marcante em 2010 foi o seu fortalecimento no plano regional, ao eleger seis governadores. Por outro lado, mesmo as doações para campanhas a deputado federal da sigla refletem a estratégia estadual na hora de alocar os recursos. Entre os mais beneficiados na lista fechada informal do PSB destacam-se vários candidatos do Espírito Santo, onde o partido buscava - e conseguiu - eleger Renato Casagrande como governador. "Tinha que ajudar o Casagrande, propiciar uma base [política] para ele", afirma Alexandre Cardoso, que renunciou ao quinto mandato de deputado federal ao se eleger prefeito de Duque de Caxias (RJ), em 2012. Cardoso era presidente do PSB fluminense, mas saiu e está sem partido, depois de discordar da candidatura do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, à Presidência da República.

Para o prefeito, a distribuição dos recursos de campanha pela cúpula "é uma decisão orgânica do partido, em que ele vê qual o candidato que pode melhor representá-lo". "Essa é uma decisão que mostra o seguinte: o partido tem esse poder, mesmo com a verba pública. Quem ganhar verba pública, vai botar onde ele quiser", diz, referindo-se à possibilidade de se adotar o financiamento exclusivamente público de campanha a partir da decisão do STF. A votação no Supremo foi interrompida por um pedido de vista, quando quatro ministros já haviam proferidos votos favoráveis à derrubada das doações de empresas, proposta por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O julgamento será retomado neste ano e mais dois votos favoráveis - entre os sete que restam - já formarão a maioria.

Alexandre Cardoso, que recebeu R$ 50 mil da conta nacional do PSB, lembra que sua campanha não esteve entre as mais beneficiadas porque ocorreu no Rio - Estado onde, afirma, os custos de se chegar ao eleitor são mais baixos - e porque já era tida como vitoriosa. A direção, neste caso, argumenta, tende a priorizar e reforçar candidatos em situações mais difíceis, de acordo com levantamento de pesquisas eleitorais.

O deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) segue a mesma linha, mas pondera que a relação custo/benefício pode levar o partido a ajudar um candidato que já tenha uma estrutura e uma articulação melhor de campanha. "Vamos supor um camarada que possa ter 200 mil votos. É interessante para o partido que ele desenvolva esse potencial. O custo/benefício do voto dele é mais barato do que um cara que tem pouco. O pequeno não resolve em três meses. Campanha é tiro curto", afirma.

Zarattini foi o candidato a deputado federal que recebeu o quarto maior repasse do PT nacional: R$ 1,2 milhão. Nem todo o dinheiro, no entanto, foi arrecadado pelo partido. Parte desse total - cujo valor exato o parlamentar afirma que precisaria pesquisar - veio de doações que ele próprio conseguiu com empresários.

É a chamada doação oculta, pela qual os doadores preferem depositar na conta do partido, para evitar uma vinculação direta com o político. Zarattini conta que o PT cobra um "pedágio" de 5% dos candidatos que utilizam a conta do partido para receber dinheiro de empresas. O PMDB não cobra a taxa, afirma Eduardo Cunha. Já no PSDB, o percentual oscilaria entre 5% e 10%, diz o deputado federal e ex-tucano Walter Feldman (PSB-SP), eleito pela legenda em 2010. "Nunca questionei isso porque acho que tem funções partidárias também importantes", diz.

Feldman afirma que há vários tipos de doações - embora para a opinião pública prevaleça a ideia de que quase todas sejam doações ocultas de empresários. Essa noção pressupõe que todo recurso repassado por instâncias partidárias foi arrecadado pelos candidatos. "Tem várias fórmulas. Eu me lembro que, na minha campanha, vários empresários disseram: 'Walter, eu quero dar para o partido. Eu vou pedir para o partido te dar, mas eu quero pelo partido, não quero uma relação direta. Eu disse: 'Tá bom'. Agora, acho que tem alguns empresários que dizem o seguinte: 'Vou dar para o partido e gostaria que você distribuísse para três ou quatro deputados, sem citar nomes. Mas eu gostaria que você desse porque eu já dei para o majoritário e também gostaria de dar para o proporcional. Veja aí os nomes que vocês acham mais interessantes. Só nos informa depois para a gente poder saber", conta.

Eduardo Cunha acrescenta: "Às vezes nem informa". O parlamentar também afirma que tem um "pouco de tudo" nos métodos de financiamento dos empresários: doações ocultas para os candidatos e recursos que vão, de fato, para a agremiação. "Tem aqueles que dizem: 'Vocês dão para quem vocês [do partido] acharem melhor'. Eu diria que é meio a meio essa distribuição [de recursos para candidatos e para a direção do partido]. Partido são todos nós. Todos da cúpula ajudamos a trazer para todo mundo também, quando é o caso. Às vezes, pede para todos, é assim que sempre funcionou", diz.

Cunha afirma que os critérios de distribuição da direção nacional para os candidatos são muitos e incluem, além da influência na cúpula, fatores como o tamanho do eleitorado, se o tipo de campanha que o filiado costuma fazer é mais ou menos barato e a capacidade de arrecadação. Ao ser questionado porque a deputada Rose de Freitas (PMDB-ES) foi a segunda mais beneficiada em 2010, o parlamentar responde: "Tem candidato que tem mais dificuldade de captar sozinho. Então pede mais ajuda. Outros conseguem se virar sozinhos". Rose, que já ocupou a primeira vice-presidência na Câmara, arrecadou R$ 935,9 mil, dos quais R$ 650 mil vieram da direção nacional; R$ 100 mil, do comitê financeiro estadual para presidente da República; e R$ 59.680 foram doados por ela mesma, o que perfaz 86% do total.

Ex-tesoureiro do PSDB e ex-ministro no governo Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Jorge afirma que os repasses não seguem um "processo lógico" e acontecem no "calor da campanha". "Não tem um critério matemático, depende do momento político, do momento da campanha, da influência na direção partidária. Depende de mil coisas. O Estado também pode ter importância. Por exemplo, quando o cara está num Estado onde o nosso partido só pode fazer um candidato e está na bica [de se eleger]", diz.

A ajuda do partido, no entanto, muitas vezes chega apenas no fim da campanha, com grande conflito pelos recursos. É o que ressalta Zarattini, ao lembrar que as decisões no PT são tomadas por um grupo estreito da comissão executiva nacional e o tesoureiro. "Tem pressão pra caramba, briga demais. Todo mundo vai lá chorar: 'Me ajuda aqui'. Ainda mais na reta final", afirma.

O petista conta que as empresas costumam doar apenas nas últimas semanas, "o que é mais cruel", porque o candidato não consegue estruturar bem sua campanha no início, devido à falta de previsibilidade. "É anarquia total, caos, desespero. Mas eu imagino que na cabeça dos caras [empresários] funcione assim: 'Se eu faço a doação em julho, ele [o candidato] vai voltar em setembro [querendo mais]'", diz. A lógica funciona tanto para os candidatos quanto para os partidos. "Na reta final é que tem esse recurso que vem mais pelo partido, mas no primeiro e no segundo meses é sufoco. Precisa arrancar leite de pedra", diz.

Walter Feldman compara as doações de partidos para determinados candidatos à distribuição desigual do tempo da propaganda no rádio e TV. "É evidente. Tem os candidatos prioritários. Isso também aparece na propaganda eleitoral. Tem alguns que tem mais tempo de TV, são puxadores. No financiamento é igual. E isso é feito em reuniões fechadas, nunca em Executiva. É o Estado-maior. O partido sabe aqueles que têm melhores condições ou quem está precisando de um reforço adicional porque tem menos chance, tem uma história que pode representar melhor o partido e a defesa dos interesses políticos, das bandeiras", diz.

Na lista do PSB, a terceira mais beneficiada foi a mãe de Eduardo Campos, Ana Arraes, que renunciou ao mandato após ser eleita pela Câmara, em 2011, ministra do Tribunal de Contas da União. O primeiro foi Júlio Delgado, a quem Campos confiou, neste ano, a presidência do diretório de Minas Gerais, até então comandado pelo ex-ministro Walfrido Mares Guia, próximo dos petistas e simpático à reeleição de Dilma Rousseff.

TeVê

TV paga



Estado de Minas: 09/01/2014



 (PBS/Divulgação)

Mundo animal


Produção original da PBS, a rede de TV pública dos Estados Unidos, o documentário A vida secreta dos patos (foto) estreia hoje, às 17h, no canal +Globosat. O programa mostra algumas das 120 espécies de patos, revelando fatos inéditos sobre como vivem esses animais, de tamanhos e comportamentos tão diferentes.

Marés e ondas podem  gerar energia elétrica


No NatGeo, às 20h, a série Obras incríveis vai tratar de um assunto curioso: a energia oceânica. Três equipes de engenheiros estão em uma corrida para aproveitar o que pode ser a forma de energia limpa mais poderosa: as marés e as ondas, a força dos oceanos. Os pesquisadores acreditam que podem resolver uma parte da necessidade mundial por energia e estão testando três máquinas diferentes projetadas para serem colocadas na água e converter a energia dos oceanos em eletricidade.

Fawcett se mete a falar  de fé e espiritualidade


Concebido e apresentado por Fausto Fawcett e dirigido por Marcelo Santiago, o programa Sombrio 40º vai desenvolver um tema interessante: “A fé que fere é a fé que será ferida”. O episódio inédito vai falar obviamente de espiritualidade. A antropóloga Paula Sibilia comenta o assunto num passeio sobre a ilusão e os meios para se encontrar a fé, usualmente através dos templos religiosos. No Canal Brasil, à meia-noite.

Tainha na brasa? Arroz  de garoupa? Huumm…

No canal GNT, às 20h, vai ao ar uma edição especial de verão do programa Tempero de família, com Rodrigo Hilbert indo a Laguna, Santa Catarina, seu estado natal, para apresentar novas receitas. Entre as delícias estão o arroz de garoupa e a tainha na brasa, entre outros pratos praianos.

Veja como é a vida em  uma vila de pescadores


Continuando o giro pelo Brasil, o SescTV leva o assinante até Majorlândia, no Ceará, para mostrar como vive uma família de artesãos e como é o cotidiano de uma casa cearense em uma vila de pescadores, em mais uma edição do programa Coleções, às 21h30. A renda labirinto e as garrafas coloridas de areia estão entre os destaques do artesanato local.

Stiller pode perder um amigo, mas não a piada


Ben Stiller vai fazer hora extra hoje no Universal Channel, que emenda dois de seus filmes: as comédias Starsky & Hutch – Justiça em dobro, às 20h, e Duplex, às 22h. Na mesma faixa das 22h, o assinante tem mais oito opções: Teus olhos meus, no Canal Brasil; Sequestro no espaço, no Max Prime; Frida, no Studio Universal; Magnólia, no TCM; Psicopata americano, na MGM; Corpo fechado, no Telecine Action; A invenção de Hugo Cabret, no Telecine Fun; e Um tiro na noite, no Telecine Cult. Outras atrações da programação: Meu nome não é Johnny, às 22h30, no FX; Transformers – O lado oculto da Lua, também às 22h30, na Fox; e Separados pelo casamento, às 22h35, no Megapix.



CARAS & BOCAS » Felizes para sempre?

Maciel (Kiko Pissolato) e Pilar (Suzana Vieira) terão vida de casados em Amor à vida (Raphael Dias/Globo)
Maciel (Kiko Pissolato) e Pilar (Suzana Vieira) terão vida de casados em Amor à vida

Como na vida real, Susana Vieira prefere parceiros mais jovens e bonitos. Afinal, ela não é nada boba, né mesmo? Em Amor à vida, na Globo, o escolhido de sua personagem Pilar é o chofer Maciel (Kiko Pissolato), já aceito pelo filho dela, Félix (Mateus Solano), e agora com a bênção de Paloma (Paolla Oliveira) para entrar para a família de papel assinado. Na próxima terça, o personagem vai dizer à futura enteada que quer se casar. “Paloma vai apoiá-lo, e ele e Pilar vão assinar um documento de união estável. Não será um casamento tradicional, mas sim uma celebração na mansão. Algo como um jantar”, conta Pissolato. “Ele fará questão da separação total de bens para provar à família que age por amor”, completa o ator.

Sem a ajuda do sogro,  Gigi retorna à pobreza

Outra que arranjou marido mais jovem em Amor à vida foi Gigi (Françoise Forton). O casamento com Ignácio (Carlos Machado) será já na semana que vem, mas com uma condição nada boa para ela: o marido ficará pobre. Crente de que, apesar de ter perdido toda a sua grana em um investimento malsucedido, o marido seria sustentado pelo pai milionário Rubão (Francisco Cuoco), Gigi cairá do cavalo ainda na lua de mel. Para desespero de Gigi, ela vai ter que voltar a vender quentinhas para sustentar a casa.

Chiquititas tenta, mas  não supera Carrossel

A novela Chiquititas ainda não conseguiu alcançar os bons índices de audiência de sua antecessora no SBT/Alterosa, o fenômeno Carrossel, mas está quase lá. De acordo com a emissora, a média de audiência da trama até aqui é de 11 pontos, um a menos do que a anterior. Os produtores da novela estão se mexendo para levantar a audiência da trama de Iris Abravanel, dirigida por Reynaldo Boury. Um bom termômetro do sucesso de Carrossel será medido sábado, com a estreia da série Patrulha salvadora, com quase todo o elenco da novelinha original.

Jornalismo denuncia  a epidemia das drogas


No Conexão repórter desta noite, à 0h15, no SBT/Alterosa, o jornalista Roberto Cabrini vai mostrar o drama de meninos que vivem acorrentados e mantidos como prisioneiros em suas casas por suas próprias mães para que continuem afastados das drogas. Como ressalta a assessoria do canal, “imagens arrebatadoras, depoimentos chocantes e contundentes”.

Mallu Magalhães dá  canja na TV Cultura

Fernando Faro entrevista hoje a jovem cantora Mallu Magalhães, em mais um programa Ensaio, às 23h30, na Cultura (TV paga) – a atração vai ao ar também pela Rede Minas nas noites de domingo, com reprise às terças-feirae e aos sábados. Mallu fala do início da carreira aos 15 anos, das influências musicais e do casamento com o músico Marcelo Camelo.

Música e dança

Mais uma da TV Brasil. A emissora, que pode ser sintonizada no canal 65 UHF, mostra hoje o encontro da apresentadora Liliane Reis com o percussionista Marcos Suzano e a cantora portuguesa Maria Mendes. Suzano ensina sua técnica de tocar pandeiro ao contrário, enquanto Maria Mendes, considerada uma das mais promissoras vozes do jazz europeu, revela suas referências brasileiras , além de divulgar seu primeiro disco, Along the road. A atração destaca também o trabalho do dançarino Tiago Sousa e da professora Sonia Destri, diretora da Companhia Urbana de Dança. Às 18h, no programa Estúdio móvel.

VIVA

A Band retoma hoje a exibição da série The walking dead, em sua terceira temporada. Para quem curte a moda de vampiros, lobisomens e zumbis, é um prato cheio

VAIA

Apesar do ritmo lento da trama, Amores roubados (Globo) revela o voraz apetite sexual de Leandro (Cauã Reymond). Desse jeito, amanhã ele já terá pegado até o Osmar Prado.

Marina Colasanti - A diferença no olhar‏

A diferença no olhar
Marina Colasanti

Estado de Minas: 09/01/2014


Catherine Deneuve interpreta a protagonista de road movie rodado na França (Esfera/Divulgação)
Catherine Deneuve interpreta a protagonista de road movie rodado na França

Começou a batalha do Oscar, os canhões já estão posicionados, vem aí chumbo grosso. Os filmes indicados só serão anunciados no dia 16, mas as apostas já estão correndo e, como manda a estratégia de mercado, os seis mais cotados chegarão pontualmente aos nossos cinemas entre janeiro e fevereiro. Mas na lista que aí vai há um fator que merece um segundo olhar.

O lobo de Wall Street marca a quinta dobradinha de Martin Scorsese dirigindo Leonardo DiCaprio. É um retrato do mundo econômico traçado pela história de um investidor da bolsa.

Trapaça conta as artimanhas de um trapaceiro de carteirinha, que servem ao diretor David O. Russel para recriar o clima dos anos 1970 nos EUA. O trapaceiro é Christian Bale.

Nebraska nos traz a história de um homem que, em busca de um prêmio, pretende cruzar os EUA a pé. Bruce Dern é dirigido por Alexander Payne.

Em Ela, Joaquin Phoenix faz o papel de um escritor que se apaixona por um computador. Quem dirige é Spike Jonze.
12 anos de escravidão é a produção modesta da vez, grande favorito à estatueta de melhor filme. Dirigido pelo inglês Steve McQueen, baseia-se na história verdadeira do violinista Solomon Northup, negro livre que foi sequestrado e vendido como escravo na Louisiana. Chiwetel Ejiofor faz o papel principal.

Inside Llewyn Davis, dos irmãos Coen, usa a saga de um cantor pop decadente para retratar o universo folk dos EUA nos anos 1960.

Alguma mulher no pedaço? Alguma grande protagonista? Alguma diretora? Alguma história centrada em mulher? Há uma só nesta disputa, e tudo indica que não ganha. É Sandra Bullock, que na megaprodução Gravidade faz o papel de uma astronauta perdida no espaço. Ou seja, uma ficção científica, e uma mulher valente, mas sem rumo.

Quando a história pretende ser séria, quando Hollywood quer retratar uma época, um fenômeno social, um ponto de mudança, o faz por meio dos homens. São eles que nos contam a história e nos dizem como a fizeram. É o olhar masculino que torna válida a narrativa. As mulheres continuam limitadas ao papel de coadjuvantes. Até no amor uma mulher pode ser substituída por um computador, nem sequer um avatar, nem sequer uma boneca inflável de vaga semelhança. Uma máquina basta.

Tenho ido muito ao cinema nestes dias para escapar de alucinante sensação térmica. Domingo, fui ver o último filme de Catherine Deneuve, Ela vai. Duas mulheres – a diretora é Emmanuelle Bercot – nos levam por estradas da França, sem nenhum compromisso aparente, num road-movie que avança atendendo um desejo ou um chamado.

Podemos desdobrá-lo em vários conteúdos.

Há um belo discurso sobre o envelhecimento, tecido por diversas personagens. E um outro, duplo, sobre envelhecimento e beleza, da protagonista e da atriz, da personagem fictícia e da mulher real que a encarna, prolongado por um comovedor encontro de ex-misses regionais francesas convidadas para uma foto oficial.

E há um discurso sobre relações familiares, atritos e encontros, amores.

Como em um quadro impressionista, vai sendo desenhada a vida rural da França, com os pequenos centros, a política modesta, o grande almoço ao ar livre sob as árvores, os copos de vinho. Isso também é história, isso também é o social. A diferença está apenas no olhar.

Eduardo Almeida Reis-Idosos‏

Idosos 
 
No Rio de Janeiro dos anos 1960 havia, em Botafogo, um edifício apelidado Butantan, porque concentrava consultórios dos cobras em medicina 
 
Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 09/01/2014




Todo maior de 50 anos, meu caso, é um sobrevivente de imbecilidades que hoje assustam católicos, evangélicos, budistas, muçulmanos, judeus, anglicanos e ateus. Pergunto ao pacientíssimo leitor: você já ouviu falar de pneus frisados? Pois é: a gente mandava frisar os pneus. E os carros daquele tempo já alcançavam velocidades expressivas. Quando o pneu ficava careca, muita gente mandava frisá-lo. Procedimento de consistia em fazer risquinhos no restinho na borracha (careca, lisinha) e nas lonas que ficavam por baixo. Dizia-se: o pneu é frisado, mas é muito bom. Ou não se dizia nada e o sujeito comprava o Fusca de segunda mão, com os pneus cheios de lindos risquinhos, para descobrir em pouquíssimo tempo que estava na lona. Comprei um Fusca assim, de gente conhecida, e com ele fiz minha primeira viagem de lua de mel. Sobrevivi sem furos ou derrapagens à viagem de 337 quilômetros, mas fui obrigado a comprar pneus novos na cidade de destino. Pneus custavam uma fortuna. Talvez por isso muita gente mandasse frisá-los.

Ciências médicas

No Rio de Janeiro dos anos 1960 havia, em Botafogo, um edifício apelidado Butantan, porque concentrava a maioria dos consultórios dos cobras em medicina. Regionalismo brasileiro, adjetivo e substantivo de dois gêneros, cobra é o que se diz de perito em determinado assunto ou especialidade. Surpresa para o anoso e andejo philosopho foi constatar que a capital de todos os mineiros também conta com um Butantan, que atende pelo nome de Serpentário – quatro mesas encarreiradas na lanchonete do Hospital Felício Rocho, onde almoçam os cobras da medicina mineira, iluminados pela beleza de Lívia Neffa, residente de cirurgia plástica, sorriso doce e encantador, primeiro lugar na avaliação de primeiro ano (R1) pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Como que siderados pela colega de profissão, almoçam por lá os doutores João Batista Gusmão, coordenador do CTI cirúrgico, Caetano de Souza Lopes, coordenador da angiologia, pecuarista e silvicultor abaeteense, Jamil Abdala Saad, coordenador de hemodinâmica, que já me fez um cateterismo há séculos, constatou que a tubulação estava boa e me obrigou a fugir do hospital (depois de pagar a conta), quando me disseram que não podia fumar um charuto no quarto “por causa do oxigênio”. Ora, bolas: tem oxigênio no ar aqui do apê e não vou me privar dos charutinhos. Almoçam, ainda, os doutores Marconi de Oliveira Ruas, cirurgião cardiovascular, que já examinou, a meu pedido, um filhinho da Paula, morena mineira que me prestava serviços domésticos em BH, um dínamo para trabalhar, feroz como ela só. Num ônibus de turismo, quando um gaiato passou a mão em sua filha de 12 anos, dona Paula atracou-se com o engraçadinho, foi contida pelo atual marido e comeu, literalmente, comeu um dos dedos de seu marido e senhor. E o doutor Cláudio de Azevedo Salles, amigo de velha data, também leitor do EM. Não se aplicam ao Serpentário os versos de Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865–1918), in Via Láctea: “Não têm faltado bocas de serpentes,/ (Dessas que amam falar de todo o mundo, / E a todo o mundo ferem, maldizentes) / Que digam: Mata o teu amor profundo!”. Em vez de matar, os cobras salvam vidas e ainda nos fazem o favor de pagar a conta do almoço na lanchonete, cujo cozinheiro não é nenhum Ducasse, mas dá para o gasto sob a batuta do professor doutor José Carlos Ribeiro Resende Alves, cirurgião plástico que há 15 anos me fez um queixo à Kirk Douglas e é, em favor algum, o brasileiro mais culto que conheço.

O mundo é uma bola

9 de janeiro de 1154: Sintra recebe foral de dom Afonso Henriques. Foral, diacronismo antigo, significava legislação elaborada por um rei com o intuito de regulamentar a administração de terras conquistadas e que dispunha ainda sobre a cobrança de tributos e quaisquer outros privilégios. Em 1693 um terremoto atinge cerca de 60 aldeias e povoados da Sicília, matando mais de 50 mil pessoas, naquele tempo gente à beça. Em 1768, o inglês Philip Ashley apresentou em Londres o primeiro circo moderno, com acrobatas, palhaços e animais treinados. Conheço gente que pronuncia acróbatas e acabo de confirmar que o substantivo de dois gêneros também está dicionarizado. Em 1822, o príncipe regente dom Pedro teria dito: “Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto: diga ao povo que fico”. Foi o Dia do Fico, mas há que sustente que sua alteza, na hora, não disse nada: pigarreou e ficou no pigarro. Em 1863, inauguração do primeiro trem subterrâneo do mundo, o metrô de Londres, então com sete quilômetros. Por falar em metrô, como anda o de Belo Horizonte? Em 1872, Guerra do Paraguai, assinado o tratado de paz entre o Brasil e o Paraguai. Hoje é o Dia do Fico.

Ruminanças

“A ausência de alternativas torna a mente espantosamente clara” (Henry Kissinger).

Aids Só a camisinha não é suficiente‏ - Bruna Sensêve

Só a camisinha não é suficiente 
 
Para fechar o cerco à Aids, especialistas defendem ampliação do uso do coquetel preventivo e se debruçam sobre diversas pesquisas. Brasileiros testarão vacina em primatas até julho 
 
Bruna Sensêve
Estado de Minas: 09/01/2014


O americano Timothy Brown pode ser visto como um homem de muito azar e de muita sorte. Conhecido como o “paciente de Berlim”, ele protagonizou o primeiro relato de cura total do HIV. Soropositivo, tomava o coquetel contra o vírus quando foi diagnosticado com uma leucemia não relacionada à primeira doença. Brown foi submetido a dois transplantes experimentais de células-tronco, em que o doador foi escolhido pela compatibilidade genética e por apresentar uma mutação que faz com que as células não exprimam o conector CCR5, usado pelo HIV para se infiltrar e se propagar no organismo. Depois da cirurgia, realizada na capital alemã, o vírus não voltou a se replicar em Brown. A história tornou-se o primeiro sinal de uma possível cura. Desde então, como mostra a última matéria da série do Estado de Minas sobre a história da Aids, centenas de estratégias são testadas em centros de pesquisa, onde é cada vez mais forte a máxima de que a erradicação desse mal passa primeiramente pela interrupção da transmissão.

A redução da incidência de infecção pelo HIV tem sido uma prioridade para o controle da Aids em todo o mundo com uma estratégia inicial de prevenção baseada na mudança de comportamento, como a fidelidade a um único parceiro, o uso de preservativo e o acesso a equipamento de injeção esterilizado. Os especialistas, porém, defendem novas abordagens para frear o número de novos casos. “Chamamos a atenção para métodos que possam ir além da camisinha. Ela continua extremamente importante, mas deve haver alternativas”, frisa Dulce Ferraz, coordenadora do Núcleo de Apoio a Gestão de Projetos da Fiocruz Brasília  e pesquisadora do Núcleo de Estudos para a Prevenção da Aids (Nepaids/USP).

Segundo a também analista de gestão em saúde, mais de 80% das brasileiras infectadas por ano tiveram contato com o vírus por meio de relação heterossexual. “Precisamos encontrar maneiras de combinar esse método de barreira com outros. A camisinha é segura e sem riscos de reações adversas, mas, eventualmente, pode ser mais viável na vida de algumas pessoas usar outra forma de prevenção que negociar o uso do preservativo com o parceiro”, analisa.

Entre as opções citadas pela especialista, está a profilaxia pós-exposição (PEP). No caso, os medicamentos antirretrovirais são usados de forma emergencial para evitar a infecção quando há uma exposição acidental, voltada para pessoas que correm algum risco direto por ter um parceiro sorodiscordante ou com sorologia desconhecida, por exemplo. “Corro para o serviço de saúde e tenho a possibilidade de usar durante 28 dias a combinação de antirretrovirais que pode evitar a instalação de uma infecção pelo vírus circulante. É mais ou menos a lógica da pílula do dia seguinte”, explica.

A estratégia está implantada no Brasil e é usada há décadas no mundo para evitar a transmissão da mãe para o bebê durante a gestação, o parto e a amamentação, além da exposição ao vírus por profissionais de saúde. Um desdobramento desse método é a profilaxia pré-exposição (PrPE). Pessoas em condição de vulnerabilidade, como homens que fazem sexo com outros homens, travestis, transexuais, usuários de drogas e indivíduos em situação de rua, tomariam a combinação de antirretrovirais previamente. “É a lógica do outro contraceptivo, a pílula hormonal oral. Eu tomo porque eu sei que vivo situações de exposição em que nem sempre consigo usar camisinha. Então, opto por ter essa proteção medicamentosa.”

Dulce cita estudos que mostram a eficácia da circuncisão  para a proteção de homens, mas considera distante da realidade brasileira, já que recomendada para situações epidemiológicas muito diferentes. “E não existe evidência segura de que a circuncisão seja protetora nesse tipo de relação.”replicação No início, achava-se que os princípios de proteção para o HIV seriam semelhantes aos de proteção contra outras doenças virais, como a hepatite B e a poliomielite. Bastaria estimular a formação de anticorpos que o problema estaria resolvido. Diversos estudos desde o começo da infecção mostraram que os cientistas subestimavam o inimigo. O HIV tem habilidades extraordinárias para escapar das defesas do corpo muito além do imaginado. Dois grupos de pesquisa brasileiros estão debruçados sobre a tarefa de impedir a replicação do vírus em humanos, desenvolvendo estratégias promissoras.

No ano passado, foi anunciado o início dos testes em macacos rhesus de uma das frentes brasileiras para a imunização contra o HIV. A abordagem, desenvolvida pela equipe liderada por Edecio Cunha-Neto, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Instituto de Investigação em Imunologia, difere de tudo que foi feito no exterior. O projeto foi patenteado como HIVBr18 e reúne outros dois pesquisadores, Jorge Kalil e Simone Fonseca. Tem como principal diferencial o enfoque nas regiões do vírus que são comuns às variações sofridas por ele.

Cunha-Neto explica que o HIV tem uma alta taxa de mutação, fazendo com que cada soropositivo carregue micro-organismos diferentes. Segundo o cientista, esse fator é um dos principais entraves para o desenvolvimento de uma vacina universal contra o vírus. Por isso o interesse por pesquisá-lo. O imunizante desenvolvido por Cunha-Neto mira as células do paciente e busca desencadear resposta imunológica  com o estímulo dos linfócitos T CD4 – células do sistema imunológico que são alvo do HIV. Já foram feitos testes bem-sucedidos em camundongos e, no primeiro semestre de 2014, quatro primatas do Instituto Butantan passarão pelas primeiras verificações que levarão ao vetor que disparará a melhor resposta imune.

Já Myrna Bonaldo, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), participa, com mais quatro brasileiros, do trabalho do pesquisador norte-americano David Watkins, da Universidade de Miami. A equipe usa como foco as células T CD8, associadas ao processo de controle da carga viral que se dá nos chamados “controladores de elite”. Esse grupo é formado por indivíduos que naturalmente conseguem limitar a replicação do HIV no organismo.

Com essa restrição, a infecção não evolui para a Aids, mesmo com a presença do vírus. As células T CD8, no processo imunológico, matam as T CD4 infectadas para prevenir que as últimas repliquem o HIV. Myrna suspeita que esse é o mecanismo encontrado nos controladores de elite, e o desafio está em entender como essas células citotóxicas podem impedir o desenvolvimento da doença.

Esperança renovada

Os resultados divulgados em 2009 do maior teste de vacina contra o HIV apresentaram nível de eficácia de 31% em uma combinação de duas vacinas. O experimento, chamado RV144, foi realizado com mais de 16 mil participantes na Tailândia. Ainda com dados animadores, o trabalho não atingiu a eficácia necessária para garantir seu uso fora de testes clínicos.

Teste nacional

Como forma de reduzir a incidência da enfermidade, um estudo inédito no país será iniciado em 2014 para testar a profilaxia pré-exposição (PrEP). O trabalho visará a população vulnerável e mais exposta ao risco de infecção pelo HIV. A pesquisa demorará cerca de três anos para ser concluída, mas, durante o primeiro um ano e meio, será feita em quatro centros: dois no Rio Grande do Sul, um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro. 

Ritmos diferentes de desenvolvimento mental‏ - Roberta Machado

Ritmos diferentes de desenvolvimento mental Segundo estudo, na adolescência, o cérebro das mulheres costuma passar por um processo de reorganização e amadurecimento mais cedo que o dos homens 

Roberta Machado
Estado de Minas: 09/01/2014


As meninas têm pressa. É normal que, durante o início da adolescência, as garotas sejam mais altas que os colegas do sexo oposto, exibindo também características de um físico precoce, contrastante em comparação com os corpos ainda infantis dos meninos da mesma idade. Embora a vantagem não dure muito tempo, não são raras as representantes do sexo feminino defensoras da teoria de que essa vantagem temporária na corrida do crescimento resulte também no desenvolvimento de um cérebro feminino mais maduro que o masculino antes mesmo da idade adulta. Como qualquer debate sobre diferenças de gênero, esse também é coberto de controvérsias.

Uma nova pesquisa vem colocar mais um ponto a favor da tese do amadurecimento feminino: de acordo com estudo feito por cientistas do Reino Unido, Alemanha e Coreia, o processo de refinamento das conexões neurais realmente se intensifica mais cedo na cabeça das mulheres do que na dos homens.

“Ao longo da vida, o cérebro não só ganha volume, ele amadurece de uma forma que possa alcançar eficiência e um funcionamento estável”, explica Sol Lim, pesquisadora da Universidade de Newcastle, no Reino Unido. Ao mudar as conexões de lugar e remover as que têm pouca utilidade, o órgão se torna mais eficiente e passa a se concentrar nos estímulos essenciais ao seu funcionamento. Embora esse processo tenha início nos primeiros anos de vida, é na adolescência que ele se intensifica. E isso acontece primeiro nas mulheres. Os homens, de acordo com a pesquisa assinada por Lim e colegas, levam alguns anos para atingir o clímax do amadurecimento cerebral.

A pesquisa examinou as imagens cerebrais de 121 voluntários de ambos os sexos, entre 4 e 40 anos. Ao tentar entender como os neurônios melhoram seu poder de comunicação ao longo da vida, os cientistas notaram um fenômeno naturalmente seletivo que ocorre em homens e mulheres. As sinapses curtas, concentradas em áreas especializadas, passam por anos de intensa transformação, sendo removidas, reforçadas, enfraquecidas e refeitas. Já as ligações mais longas, que unem o órgão como um todo, costumam ser preservadas.

Desapego Essa dinâmica recém-descoberta, chamada pelos estudiosos de desapego preferencial, é o que garante a integridade dos pensamentos e da coordenação motora de todas as pessoas, mesmo durante essa faxina cerebral. “É surpreendente, já que poderia haver outras formas de as conexões mudarem”, aponta Marcus Kaiser, professor de neuroinformática na Universidade de Newcastle e coautor do trabalho. Algumas das hipóteses consideravam a possibilidade de o cérebro contar um número considerável de longas conexões descartáveis, ou mesmo com um mecanismo que fosse capaz de compensar a reforma neural. “Em vez disso, a quantidade exata de conexões de longa distância existem desde o início, e elas permanecem estáveis durante o desenvolvimento”, resume Kaiser.

Os pesquisadores ressaltam que os atalhos que conectam os diferentes módulos e hemisférios do órgão são mais difíceis de se estabelecer e são também fundamentais para o desempenho cognitivo. Somente integrando a área motora e a sensível à dor se torna possível desenvolver, por exemplo, o reflexo que faz uma pessoa mover a mão quando toma um choque elétrico. Defeitos nesse tipo de conexão já foram encontrados em distúrbios como autismo, epilepsia e esquizofrenia.

O estudo não tinha como foco inicial mensurar a diferença do desenvolvimento masculino e feminino, por isso os pesquisadores não são capazes de apontar com precisão a diferença de idade para a aceleração de maturação. O artigo, contudo, afirma que os garotos só apertam o passo do refinamento cerebral “vários anos” depois das meninas, quando o processo de amadurecimento feminino já está em um estágio avançado.

Kaiser lembra que outros estudos mostram que garotas se desenvolvem mais cedo durante a adolescência, o que inclusive justificaria, para alguns pesquisadores, a tendência mais acentuada que os rapazes têm de se envolver em crimes e em acidentes automobilísticos em comparação com garotas da mesma idade. “Garotas têm um período similar de risco aumentado anos antes”, ressalta o neurocientista.


Ambiente Especialistas, no entanto, lembram que o processo não é igual para todas as pessoas, e que esse amadurecimento precoce pode não se manifestar em todas as meninas. “Apesar de haver um padrão geral nesse processo de desenvolvimento, ele não é igual para todas as pessoas. O ambiente é fundamental na organização do nosso cérebro. Estimulações adequadas em diferentes períodos do desenvolvimento são críticas nesse processo de maturação”, opina Carlos Tomaz, professor de neurociências da Universidade de Brasília (UnB).

Para Tomaz, que não participou da pesquisa, estudos que comparem culturas em que o papel da mulher é diferenciado podem ajudar a entender melhor a ação do meio no desenvolvimento mental feminino (leia Três perguntas para). “É preciso comparar quem teve as mesmas oportunidades. Porque, na verdade, nós humanos somos bem iguais, mas quem não é amamentado e depois é mal alimentado, por exemplo, não vai se desenvolver da mesma maneira”, concorda Jorge Quillfeldt, professor responsável pelo Laboratório de Psicobiologia e Neurocomputação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Para o pesquisador, a diferença entre homens e mulheres é clara e, em grande parte, estimulada pelos hormônios responsáveis pela reprodução. “Não precisa de ciência para mostrar isso”, acredita Jorge Quillfeldt, que também é secretário-geral da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento. “Mas acho que há milhares de outros fatores que podem ser responsáveis por isso. Há razões evolutivas, biológicas, celulares, eletrofisiológicas e também, aqui, de conexões”, completa.

Três perguntas para...
Carlos Tomaz,
professor de Neurociências da Universidade de Brasília

Como podemos descrever esse processo de maturação do cérebro?
Ao nascermos, nosso cérebro ainda não está completamente formado, tanto do ponto de vista estrutural quanto funcional. Ao longo dos anos, até as duas primeiras décadas de vida, algumas células cerebrais vão desaparecer e outras vão se formar. Dessa forma, as conexões neurais vão se reorganizando, a fim de se tornarem mais eficientes com relação às demandas do ambiente. O nosso cérebro e sua relação com o comportamento precisa ser visto como uma via de duas mãos, em que o cérebro influencia o nosso comportamento, e esse modula o nosso cérebro. Assim sendo, o meio ambiente é fundamental nessa relação simbiótica.

O artigo afirma que um processo de reorganização ocorre mais cedo em mulheres do que em homens. Isso confirmaria a ideia de que as mulheres amadurecem mais cedo?
Diferenças de gênero são evidentes do ponto de vista comportamental. Isso, em parte, é reflexo da diferenciação cerebral entre homens e mulheres. Não resta dúvida de que essa diferença ocorre em função das pressões ambientais, como o papel esperado para cada gênero. Ademais, não podemos esquecer o papel dos hormônios sexuais no desenvolvimento cerebral. E, na mulher, esse efeito tem aparecido mais cedo, até mesmo como resultado das pressões sociais, que fazem com que a criança se torne mulher mais cedo.

Essas mudanças só ocorrem num ritmo diferente dos cérebros de ambos os gêneros ou o processo também é diferenciado para homens e mulheres?
Elas ocorrem em ritmo diferente. Em geral, na mulher, há um maior desenvolvimento de circuitos no hemisfério esquerdo. Isso a predispõe às habilidades relacionadas mais a esse hemisfério. Por exemplo, estudos realizados em nosso laboratório têm demonstrado maior ativação do hemisfério esquerdo de mulheres em reposta à estimulação emocional visuoespacial e verbal. Mas é importante lembrar que o cérebro é também moldado pelo meio ambiente, por aspectos sociais, educacionais e culturais.