sábado, 29 de março de 2014

João Paulo - O século de Octavio‏

O século de Octavio
João Paulo
Estado de Minas: 29/03/2014

O mexicano Octavio Paz faz parte dos grandes intérpretes da identidade latino-americana (Gorka Lejarcegi/Divulgação)
O mexicano Octavio Paz faz parte dos grandes intérpretes da identidade latino-americana

Um homem que assumiu na carne os destinos de seu país, da poesia e de seu tempo. Que escreveu alguns dos mais importantes poemas do século 20, que refletiu sobre a identidade latino-americana com método e profundidade pouco comuns, que ajudou o Ocidente a compreender a dinâmica cultural da Índia e do Japão. Um criador alimentado pela inteligência crítica, que refletiu sobre a poesia de forma poética e que percorreu com radicalidade – não sem contradições – os tortuosos caminhos da política. Que, ao fim da vida, revelou a dupla chama do amor e do erotismo. O dono de vida tão intensa e universal, o escritor e pensador mexicano Octavio Paz (1914-1998) faria 100 anos na segunda-feira.

Numa era de excessiva tendência à especialização, Paz foi um dos raros exemplos de humanista capaz de dedicar-se a todo o espectro de interesse humano. Dono de cultura ampla e universal, era ainda dotado de curiosidade que o levava a ir da estética à política, das questões morais aos mitos, das investigações da ciência aos dilemas da arte. Além da inteligência, era também tocado pela graça da criação, com uma obra poética que influenciou escritores muito além do México, chegando ao Brasil, com destaque para os irmãos Campos. Haroldo, que colaborou em várias publicações dirigidas por Paz, foi tradutor do poeta mexicano, editando no Brasil Transblanco, a partir do longo poema Blanco.

O que chama a atenção na obra de Octavio Paz, no entanto, é exatamente a capacidade de reunir tantos interesses sob um domínio comum, quase um método pessoal, que alimenta a reflexão de poesia e a criação lírica de inteligência. Há sempre um eu, um ponto de partida, um jeito pessoal, quase confessional, de se aproximar das pessoas, das ideias e do mundo. Paz não vê o mundo de fora. Isso ajuda a entender ainda sua vocação para a política, seu interesse nas questões de seu tempo e de seu país e, no sentido mais amplo, da América Latina como uma comunidade de destinos compartilhados a partir de um passado de violências execráveis.

Ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990, de certa forma ele se tornou para o mundo um intérprete autorizado da consciência de seu país. De fato, entre as obras de Paz, a mais conhecida e influente, O labirinto da solidão, publicada em 1950, segue a linha dos livros de pesquisa da identidade nacional, com método e estilo que ainda hoje encantam e fazem pensar. Trata-se de um gênero fortemente ligado à América Latina e ao seu destino, tendo no Brasil exemplos como Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre, e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda (Silviano Santiago escreveu um livro, As raízes e o labirinto da América Latina, em que analisa de forma comparativa e complementar os ensaios de Sérgio e Octavio).

O labirinto da solidão, que ganha nova edição pela Cosac Naify, tem como propósito compreender o mexicano. O que hoje parece meio deslocado no tempo – a literatura da busca da identidade – era talvez a mais profunda das questões postas aos latino-americanos, a meio do caminho entre as próprias raízes e a inserção num mundo do qual faziam parte sempre de forma subsidiária e enviesada. Octavio Paz quer pegar com a mão os motivos históricos e psicológicos que definem o homem de seu país. Sua mais importante matéria é a herança cultural, o laço particular que une o mexicano ao seu destino. Para isso, o ensaísta escolhe seu tipo ideal, o “pachuco”, o pária, o excluído, aquele que preserva na alma o que o colonialismo tentou extirpar.

Alimentado por mitos, narrativas simbólicas e interpretação inusitada e rica, o ensaio vai operando para desfazer as máscaras que toldam a percepção do que é ser mexicano. Logo no início do livro, Octavio Paz reconhece no mexicano um homem fechado, defeso, silencioso, que tem respeito e temor de certas palavras e expressões, entre elas as chulas e os xingamentos. Para o ensaísta, o México moderno padece de uma reserva em relação às suas origens violentas, sobretudo a violação de indígenas pelo conquistador. Filhos da Malinche (a amante de Cortés e símbolo das mulheres violentadas), os mexicanos seriam fruto da violência inominável contra seus mais profundos valores humanos. A saída foi resguardar-se atrás de uma máscara. O labirinto da solidão é um instrumento feito para arrancar máscaras, ainda que das feridas jorrem sangue.

A interpretação da história real e simbólica de seu país e de seus irmãos dá ao livro uma força de revelação intelectual e de redenção política. Cada momento da história mexicana tem a dupla face da submissão (das tradições, crenças e deuses) e da revolta (por meio das rupturas reais da Independência e da Revolução Mexicana e até, em fato posterior ao livro, da revolta estudantil do fim dos anos 1960). Se há um acento político libertário, ele não foi suficiente para preservar Octavio Paz dos ataques da esquerda, que o perseguiria até o fim da vida, sobretudo por sua defesa do Partido Revolucionário Institucional, o PRI, que atravessou o século no poder.

Homem revoltado A relação de Paz com a esquerda nunca foi fácil. Sem nunca ter sido comunista, num período de alinhamento de muitos intelectuais com o partido, Paz foi crítico do stalinismo, dirigiu revistas literárias que se batiam contra a censura ideológica e defendiam o pluralismo, e nunca aceitou o dilema que parecia deixar apenas uma resposta para a contradição entre fascismo e comunismo. Sua posição, nesse sentido, talvez se aproxime da de Albert Camus e de seu “homem revoltado”, também duramente atacada. Paz foi ainda crítico dos rumos da revolução cubana (e de sua perseguição aos escritores), o que acabou por carimbar para sempre o selo de reacionário em sua identidade política.

No entanto, além das ideias, Paz deu provas de sua defesa da liberdade em atos corajosos. Em 1968, por exemplo, quando era embaixador de seu país na Índia, ele romperia com o PRI e se afastaria do cargo em razão da violenta repressão aos estudantes em Tlateloco. Sua atitude, e a coragem em levá-la a todos os debates, mostrou uma coerência que ia além das estratégias meramente partidárias ou das definições ideológicas. Nos termos de seu livro mais célebre, a revolta estudantil apontou a derrubada de mais uma máscara da violência, desta vez amparada na retórica do partido no poder. Para se manter coerente com suas ideias, Paz rompeu com a conveniência de sua situação pessoal.

A política levaria o pensador a outros esforços de interpretação da mutante realidade de seu país, da América Latina e do mundo. Em O ogro filantrópico, reunião de ensaios sobre questões políticas, Octavio Paz, no texto que dá nome ao livro, analisa as proposta de reforma política em discussão no México no fim dos anos 1970. Uma lúcida visão do autoritarismo latino-americano, em sua incapacidade de avançar até os mais simples valores da modernidade política, traz observações sobre o papel e composição do Estado que parecem escritas hoje, para situações muito próximas da realidade brasileira: “Característica notável do Estado mexicano: apesar de ter sido agente principal da modernização, ele mesmo não conseguiu se modernizar inteiramente. Em muitos aspectos, sobretudo no trato com o público e na maneira de conduzir os assuntos, continua sendo patrimonialista”.

A análise política de Paz não se circunscreveu apenas aos temas mexicanos. Tanto O ogro filantrópico como Tempo nublado trazem ensaios e artigos sobre questões referentes aos Estados Unidos, União Soviética, Irã e Israel. Num exercício de análise histórica, que amplia o olhar além da conjuntura, o ensaísta trabalhou com temas como participação dos intelectuais na arena pública, a crítica ao terrorismo e o renascimento das culturas locais.

O ensaísta Octavio Paz deixou ainda livros preciosos sobre a Índia, país em que serviu como diplomata e cuja cultura conhecia em profundidade. Escreveu sobre religião, misticismo, filosofia e, de forma desimpedida, sobre o corpo e os prazeres sob a ótica oriental, com sua alquimia sexual e cortesia erótica. Foi também estudioso atento da cultura japonesa e, sobretudo, de sua poesia, trazendo para o Ocidente um novo horizonte lírico, que dialogava com seu conhecimento da tradição e das vanguardas.

Sem nunca deixar esgotar seu interesse pelos temas da poesia e da política, da beleza e da arte da convivência, dos imperativos da estética e das cobranças da ética, Octavio Paz se debruçou ainda em estudos de antropologia e etnologia, tendo escrito um pequeno e luminoso livro sobre a obra do estruturalista Claude Lévi-Strauss, O novo festim de Esopo. Tudo que é excessivamente formal e quase impenetrável na lógica dos mitos de Lévi-Strauss se reveste de um interesse humano próximo, na busca do lugar do homem no sistema da natureza.

Amor e erotismo Depois de lançar a obra que talvez seja sua mais profunda realização, Soror Juana Inês de la Cruz – As armadilhas da fé, sobre a religiosa e poeta barroca do século 17 mexicano, misto de biografia, ensaio histórico, reflexão filosófica e pesquisa literária, Octavio Paz resolve se dedicar ao maior e mais universal de todos os dilemas, o amor. Seu livro A dupla chama – Amor e erotismo, escrito já na altura dos 80 anos, traz de novo à cena a relação sempre presente de poesia e erotismo. Passeando pela história, mitos e pela própria existência, o poeta dá as mãos ao humanista para falar do amor com quem se pacifica das tribulações da vida. O fogo da paixão e do erotismo, com sua chama vermelha, revela a sustentação do brilho azul do amor. “Pelo amor, vislumbramos nesta vida, a outra.”

Em seu Dicionário amoroso da América Latina, o colega de Nobel, o peruano Mario Vargas Llosa, escreveu: “Paz viveu mais de 84 anos, mergulhado no turbilhão de seu tempo e devorado até o fim por uma curiosidade juvenil. Participou de todos os grandes debates históricos e culturais, movimentos estéticos ou revoluções artísticas, sempre se engajando e explicando suas escolhas em ensaios de estilo e lucidez brilhantes. Não foi um diletante nem uma simples testemunha, foi sempre atuante, apaixonado pelo que se passava ao seu redor, sem nunca temer estar na contracorrente e enfrentar a impopularidade”.

Paz é um dos maiores poetas do século 20. Foi também um de seus pensadores mais corajosos e honestos. Não se pode querer mais de um humanista: ser universal na mais pessoal das manifestações da alma e sincero no território onde a verdade é reformada a cada estação. Para Paz, poesia e política eram manifestações do homem em suas possibilidades e contradições.

O centenário é sempre uma provocação para um olhar prospectivo, para aquilo que vai permanecer além do tempo. Às vezes, no entanto, em vez de olhar o que fica de um homem, talvez seja melhor examinar como viveu, essa temporalidade que não permite mistificação. Octavio Paz foi poeta e pensador que enfrentou o labirinto da solidão com suas armas e que convida seus leitores a fazer o mesmo. Ainda que o labirinto não tenha saída.

Ética das imagens [Sebastião Salgado]

Ética das imagens 
 
Fotógrafo mineiro Sebastião Salgado refaz sua impressionante trajetória de descoberta do homem e do planeta no livro Da minha terra à Terra 
 
Ângela Faria
Estado de Minas: 29/03/2014


Sebastião Salgado traz a Belo Horizonte, em maio, seu mais recente projeto, Gênesis (Jairo Goldflus/Divulgação)
Sebastião Salgado traz a Belo Horizonte, em maio, seu mais recente projeto, Gênesis

Ninguém tem o direito de se proteger das tragédias de seu tempo”, diz o fotógrafo Sebastião Salgado em seu pequeno livro de memórias, Da minha terra à Terra (Paralela), escrito em parceria com a jornalista Isabelle Francq. Esse mineiro dedicou 40 de seus 70 anos à fotografia. Fez de Leicas e Pentaxs “armas” de uma guerrilha particular contra a injustiça social. Refugiados, trabalhadores do mundo globalizado, vítimas de atrocidades na África, movimento dos sem-terra no Brasil – não há pobres “invisíveis” no planeta Salgado. “A fotografia é uma escrita”, diz ele. Luz é linguagem.

Aos 15 anos, o mineiro Sebastião deixou a fazenda da família em Aimorés, no Vale do Rio Doce, para estudar em Vitória, capital do Espírito Santo. Ralou como todo jovem remediado, formou-se em economia, engajou-se em movimentos antiditadura militar ao lado da mulher, a arquiteta Lélia. Na mira do temido SNI, o jovem casal esquerdista teve de fugir para a França. Sebastião se apaixonou pela África, mas em vez de relatórios e números, gostava mesmo era de fotografar o continente. “Reencontrei meu paraíso”, rememora.

Com o apoio de Lélia, o jovem e promissor tecnocrata largou tudo: apê bacana em Londres, carro do ano, conforto e estabilidade para se aventurar como fotógrafo. Os dois foram morar num minúsculo chambre de bonne parisiense, sem banheiro. A França ensinou solidariedade aos jovens expatriados: banho, só na casa de amigos.

Salgado fez nus, esportes e retratos. Fotojornalista, integrou as equipes das respeitadas agências Sygma e Gamma. Foi o único a registrar o atentado que o presidente norte-americano Ronald Reagan sofreu em 1981 – o furo ajudou a Magnum, onde o mineiro trabalhou por 15 anos, a superar dificuldades financeiras. Deixou a agência para apostar no projeto Êxodos, contundente relato da brutal migração humana. Naquela década de 1990, nada menos de 200 milhões de pessoas trocavam o campo pela cidade.

Salgado dedicou seis anos a Êxodos: fotografou gente da Índia à América Latina. Testemunhou também o drama de desabrigados, acompanhou tragédias causadas por guerras e “limpezas” étnicas, suas imagens denunciaram o genocídio em Ruanda. Num campo de refugiados, dois milhões de pessoas tentavam sobreviver à guerra entre hutus e tútsis. Abalado, o fotógrafo viu o corpo atacado por seus próprios estafilococos. Teve de ir a Paris para se tratar. Mas voltou para a África.

Em 1994, ele e a mulher criaram a agência Amazons Images. Os projetos – reportagens visuais que levam anos para ficar prontas – deram origem a vários livros. Entre eles, Trabalhadores, África, Êxodos, Retratos de crianças do êxodo e Terra – frutos de parcerias com entidades humanitárias e movimentos sociais.

Trabalho do fotógrafo Sebastião Salgado: elefantes perseguidos por caçadores na Zâmbia (Sebastião Salgado/Divulgação)
Trabalho do fotógrafo Sebastião Salgado: elefantes perseguidos por caçadores na Zâmbia


Gênesis Em Da minha terra à Terra, o fotógrafo confessa: chegou a perder a esperança no homem diante das atrocidades que presenciara. Ficou deprimido. Só redescobriu o mundo ao se dedicar ao projeto Gênesis, que deu origem ao belo livro lançado no ano passado. Em maio, as fotos ficarão expostas no Palácio das Artes e no Parque Municipal, em Belo Horizonte.

Homenagem de Sebastião e Lélia ao planeta, Gênesis mostra o quanto nos faz falta a sabedoria dos animais, dos vegetais e dos minerais. Não é exagero afirmar: foi quase uma jornada bíblica. Salgado chegou a andar 850 quilômetros na Etiópia; teve os pés lavados e beijados em aldeias habitadas por gente que se diz descendente da rainha de Sabá; aguentou 40 graus negativos para registrar a vida dos nenetses, na Sibéria; rastejou para se comunicar com tartarugas e iguanas; percorreu o Saara a pé às vésperas de se tornar setentão; passou dois meses entre os índios z’oés, na Amazônia.

Para nos contar tudo isso, o fotógrafo abdicou da cor. Para ele, só o preto e branco expressa a densidade do mundo. E que não se tache de “estética da miséria” a obra de Sebastião Salgado, sobretudo os projetos que expuseram a miséria humana. “Não me venham falar de voyeurismo!”, reage o mineiro zen, acusando políticos e o Conselho de Segurança das Nações Unidas pelos assassinatos que presenciou na África. “Fiz essas imagens porque tinha obrigação moral, ética de fazê-las”, escreve.

Para ele, todos somos responsáveis. “A sociedade de consumo da qual participamos explora e pauperiza enormemente os habitantes do planeta”, defende, dizendo que é dever do cidadão se manter informado a respeito das tragédias causadas pela desigualdade. “Esse é o nosso mundo, precisamos assumi-lo”, convoca.

DA MINHA TERRA À TERRA
• De Sebastião Salgado
• Com Isabelle Francq
• Editora Paralela
• 152 páginas, R$ 24,90

Cinema e preconceito [Comédia e Musical]

Cinema e preconceito 
 
Desprezados por parte do público intelectualizado, as comédias e os musicais podem ser eficientes instrumentos de crítica social e política. Ou, apenas, um bom, saudável e necessário entretenimento
 
Lúcia Helena Monteiro Machado
Estado de Minas: 29/03/2014


O cineasta Billy Wilder, gênio da comédia capaz de reflexões finas e divertidas sobre a estupidez humana (Cartman/Reprodução)
O cineasta Billy Wilder, gênio da comédia capaz de reflexões finas e divertidas sobre a estupidez humana

Tenho observado uma espécie de desprezo pelas comédias por parte de pessoas que amam o cinema. Consideram-nas um gênero menor. Valorizam somente os filmes “sérios”, aqueles que supostamente contêm uma mensagem ou levem à reflexão.

Lendo recentemente O prazer dos olhos, de François Truffaut, encontrei o seguinte texto: “Discute-se muito a propósito do que deve ser conteúdo de um filme: devemos nos ater ao divertimento ou informar o público sobre os grandes problemas sociais do momento? Fujo dessas discussões como o diabo da cruz. Acho que todas as individualidades devem se exprimir e que todos os filmes são úteis, sejam formalistas, barrocos ou engajados, trágicos ou ligeiros, modernos ou obsoletos, em cores ou em preto e branco, em 35mm ou em super-8, com estrelas ou desconhecidos, ambiciosos ou modestos... Só conta o resultado, isto é, o bem que o diretor faz a si próprio e o bem que faz aos outros”.

Em outro trecho, completa a argumentação: “Todos os gêneros são permitidos, exceto o gênero maçante”. Eu acrescentaria: há apenas filmes bons e filmes ruins. O gênero não determina a qualidade de um filme. Há filmes que mereceram da maioria dos críticos e dos amantes do cinema o título de clássicos. Ora, o termo clássico vem do grego e quer dizer perfeito. Merecem tal classificação filmes de várias categorias: o famoso Cidadão Kane, que revolucionou o cinema; o romântico Casablanca; o musical Cantando na chuva; a comédia Quanto mais quente melhor; a ficção científica 2001 – Uma odisseia no espaço; o faroeste No tempo das diligências, além de outros que poderiam entrar nas categorias de policial ou documentário. São filmes perfeitos, que não perderam sua qualidade com o passar do tempo. Como as grandes obras da literatura, de Romeu e Julieta a Don Quixote, são eternos.

Entra aqui a questão do gosto. Cada um tem suas preferências, que devem ser respeitadas. Eu, por exemplo, não gosto de filmes com efeitos especiais. É tão banal o que se pode fazer hoje com computadores que, para mim, isso não é cinema. Reconheço ser um preconceito.

E é sobre preconceitos que estou falando. Preconceitos determinados por uma posição intelectual deformada. Ora, alguns dos filmes mais sérios que já vi são comédias. Não há nenhuma comédia do genial Billy Wilder que não contenha uma excelente crítica da sociedade e dos costumes. E nenhum de seus filmes perdeu com o tempo, porque tratam de valores humanos fundamentais e permanentes. O fato de nos fazer rir o tempo todo é apenas a maneira que ele usa para nos dizer o que quer. E ele sempre quer ir fundo nas questões importantes para a humanidade.

Tomemos A primeira página. Foi baseado numa peça de teatro escrita por Bem Hecht e fez tanto sucesso que teve quatro versões para o cinema. A de Wilder é, de longe, a melhor. Estrelada por Jack Lemmon e Walter Matthau, se passa quase inteiramente na sala de imprensa de uma delegacia. Como se situa na década de 1950, ainda não havia celulares, evidentemente. Cada repórter tinha seu próprio telefone, com o qual se comunicava diretamente com seu jornal. Um condenado à morte, na véspera da execução, depende de um provável indulto do governador. Como era época de eleição, o prefeito da cidade tinha interesse no caso.

A primeira crítica de Billy Wilder é dirigida à imprensa, hoje chamada de mídia. Quando surgia um fato novo, cada jornalista se apressava em ligar para seu jornal dando a notícia. Ocorre que a notícia, supostamente verdadeira, mudava completamente, dependendo da linha adotada pelo jornal. Será que isso acontece hoje? Claro que sim. E acreditamos piamente no que nos está sendo transmitido pelo jornal que lemos, o que nem sempre é a verdade dos fatos, mas sim a interpretação dada pela linha do jornal.

Em seguida vem o comportamento corrupto do prefeito e do chefe da polícia, que estão pensando apenas em ser reeleitos e não na justiça ou não de enforcar um pobre diabo, sem mesmo tentar saber se ele é culpado ou inocente. Fica claro no filme que o prefeito recebe dinheiro para sua campanha e oculta fatos para se livrar de problemas. É diferente hoje? A pena de morte é questionada. Um homem pode ser executado apenas para satisfazer parte da opinião publica.

A psicanálise merece do genial diretor o tratamento mais irônico do filme. O psiquiatra austríaco só é capaz de raciocinar em termos psicanalíticos os mais banais, concluindo que o condenado cometera o crime por ter complexo de Édipo. Para dar realismo às teorias, entrega ao condenado um revólver carregado para fazer a reconstituição do crime. O resultado é hilário. Vale lembrar: Billy Wilder é austríaco.

Nos comentários finais, o diretor do jornal, um corrupto que seria capaz de matar a mãe para conseguir um furo jornalístico, se aposenta e vai fazer palestras sobra a ética no jornalismo! O filme é de 1972 e, como se vê, não perdeu em nada sua atualidade.

Diversão

O preconceito contra musicais, por não serem considerados “sérios”, é outro julgamento inaceitável. Como em relação a Cantando na chuva, que tem lindas canções, excelentes números musicais, ótimas interpretações, perfeito ritmo cinematográfico... O que quererem mais? O que as pessoas têm contra a diversão?

Com a comédia ocorre o mesmo. Por que, para lembrar do ditado, recusar um remédio que não tem efeitos colaterais? Provocar o riso é arte extremamente difícil. Fazer rir sem cair no deboche, no mau gosto, na simples caricatura é uma arte só alcançada pelos gênios. O que queria Carlitos, nas suas comédias curtas, o que queriam o Gordo e o Magro, senão fazer rir? Fazer chorar com recursos piegas é bem mais fácil.

Alguns filmes que são simples comédias, sem intenções de crítica social ou política, são também excelentes. Como Os eternos desconhecidos, de Mario Monicelli, de 1958. Estrelado por Vittorio Gassman, Marcello Mastroiani e Totó, conta a história hilariante de um grupo de assaltantes que resolve roubar uma joalheria e tudo dá errado. É para rir do princípio ao fim. Foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Não ganhou porque dificilmente uma comédia ganha o prêmio. Preconceito?

Um certo intelectualismo, que anda meio generalizado, tende a desprezar filmes que não tenham o chamado “papo cabeça”, que não levantem questões existenciais, sociais ou políticas. Ora, uma boa comédia pode levantar todas essas questões simplesmente usando o riso, ou pode ser uma diversão inteligente sem perder seu valor como obra de arte.

Volto a dizer: os filmes são simplesmente bons ou ruins, seja qual for a forma pela qual atingem o público que os aprecia. Uma simples comédia pode ser genial, assim como um filme pretensioso e intelectualizado pode ser apenas maçante.

Lúcia Helena Monteiro Machado é escritora.

Antes das palavras

Antes das palavras 
 
Aracataca, cidade natal de Gabriel García Márquez, evoca a história e os fantasmas de Macondo, a localidade mítica da Colômbia onde se passa a ação do romance Cem anos de solidão 
 
Carolina Braga
Estado de Minas: 29/03/2014

 (Álvaro Delgado/Divulgação)

Aracataca, uma cidade dividida entre o passado mítico e as demandas do presente (Álvaro Delgado/Divulgação)
Aracataca, uma cidade dividida entre o passado mítico e as demandas do presente


Aracataca (Colômbia) – Na parede branca, de rodapé azul, bem ao lado da janela com grade, algumas marcas conhecidas. Twitter, YouTube, Yahoo, Skype dividem um lado da fachada. Do outro aparecem Facebook, Google. O traço é imperfeito. Estão ali pintadas à mão. Na loja do lado, outra marca globalizada. Desta vez, produto para emagrecimento. Coisa de mundo em que basta olhar para saber o que é. A bicicleta verde, velha, de guidão enferrujado, estacionada na porta, é um contraste. Sinal de tempo. E que tempo!

De uma época bem anterior à invenção desse meio de transporte de duas rodas. Imagina, então, da internet. Quando aquele lugarejo não deveria ter mais do que 20 casas de barro e taquara. Em que o mundo era tão recente que, aí sim, era preciso nomear tudo e ainda apontar com os dedos para saber exatamente do que se estava falando. Onde a invenção do gelo surgiu com o sonho de fazer dali uma cidade invernal. O calor, porém, continua infernal e ainda assim ninguém tira daquele lugar o clima de realismo fantástico.

Pois mesmo com borboletas amarelas desenhadas nas paredes coloridas, ruas de concreto, mototaxistas por todos os lados, loja de produtos chineses e venda de créditos de celular, no imaginário de quem vive em Aracataca a cidade nunca vai deixar de ser Macondo. O município no interior da Colômbia, a 255 quilômetros de Cartagena, serviu de inspiração para a vila fictícia criada por Gabriel García Márquez em Cem anos de solidão. Será Macondo para sempre, porque há uma nova geração de cataqueños preparada para cuidar disso.

“Nossa cidade entrou na história por esse grande personagem ter nascido aqui, no dia 6 de março de 1927”, explica a estudante Valéria Sofia, de 10 anos. “Foi em um domingo, às 8h30”, completou Marlys Claro, de 11. Elas sabem mais coisas sobre a vida de Gabo de cor. Sobre os livros também. Valéria tem Diário de um náufrago como predileto, enquanto Marlys prefere Cem anos de solidão. Por mais que ela nunca tenha tido a chance de chegar perto de Gabriel García Márquez – a última vez em que ele esteve na cidade a estudante tinha apenas 4 anos –, um dos cenários do livro que escolheu para a cabeceira tem a ver com a família dela. O avô de Marlys mora duas casas depois daquela em que nasceu Gabriel, o Gabo. Não há dúvidas de que é o local mais emblemático de Aracataca.

Tal como o próprio romancista descreve a sala de José Acardio Buendía, o local onde moravam os avós – o coronel Nicolás Ricardo Márquez Mejía, a quem os netos chamavam Papalelo, e a avó Tranquilina Iguarán, tratada carinhosamente de Mina, também tem uma saleta ampla e bem-iluminada. Do mesmo modo, a sala de jantar é em forma de terraço, com flores de cores alegres no corredor. A casa existe dessa forma hoje em Aracataca, porque foi totalmente reconstruída, com o apoio de Gabo. A iniciativa partiu do compositor Jorge Carrillo Gusman.

Dois anos depois de o escritor ganhar o Nobel de Literatura, o autor do hino de Aracataca decidiu procurá-lo para propor a reconstrução de sua memória no município. “Busquei em Cartagena, no jornal El Universal, em que ele tinha trabalhado, até conseguir localizá-lo.” Como conta Gusman, Gabo vibrou com a ideia, enviou arquitetos de outros locais para conhecer o terreno. A casa reproduzida tal qual está registrada na lembrança hoje abriga o Museu Gabriel García Marquez.

A arquitetura segue o modelo antigo e os móveis e objetos que ali estão são exemplares da mesma época, porém não são originais. Gabriel García Márquez saiu de Aracataca aos 8 anos e nunca mais voltou a morar ali. No primeiro capítulo da autobiografia Viver para contar, ele narra a viagem que fez com a mãe ao lugarejo, na tentativa de vender a casa. Para Gusman, a inauguração do museu coincidiu com um movimento nas escolas de Aracataca de valorização da literatura de García Marquez.

“Houve um empoderamento de algo que se desconhecia e parecia utópico. Hoje as crianças já conhecem a literatura dele, inclusive têm uma disciplina dedicada a isso”, explica Gusman. O trabalho na sala de aula surgiu em um momento em que a relação entre o escritor e a cidade precisava ser vista de outro modo. Andava meio estremecida.

Contraste Se a nova geração de Aracataca hoje demonstra orgulho ao falar sobre García Márquez, os mais velhos sempre deixam transparecer certa mágoa do escritor. “Gabo não para aqui, mas é uma pessoa muito correta. Há uma quantidade de histórias sobre ele, umas boas outras más. Prefiro as boas”, despista o pedreiro Daniel Molina, enquanto compra uma sacola lotada de bananas verdes. Entre uma conversa e outra sobre as plantações de banana, Molina dá mais detalhes. Ele diz que há quem culpe o escritor por Aracataca não ter evoluído.

“Quando ele veio aqui, não consegui chegar perto, mas meu irmão foi o motorista do carro no qual ele andava. Contou que Gabo ficou superorgulhoso. Ele não pensava que Aracataca ia crescer tanto. Os políticos locais é que têm culpa de o povoado ainda estar atrasado. García Márquez queria que tivesse desenvolvido”, defende o pedreiro Victor Meriño. Assim como Daniel Molina, ele acha exagerada a cobrança dos veteranos.

Há mesmo ainda muita simplicidade e dificuldade no modo de viver por lá. À parte o tempo úmido e quente, nem água encanada é uma realidade para todos os moradores. Por isso, é comum que no banheiro das casas se encontrem grande galões. Apenas por um momento do dia a água pinga dos canos. É hora de encher o reservatório para depois tomar banho, escovar os dentes e lavar as mãos. Tudo de cuia. 

Se o município ainda necessita de infraestrutura básica para quem vive ali, imagine para receber visitantes. É praticamente inviável. O único albergue que existia em Aracataca fechou há poucos dias. Era mantido por um europeu, que, inclusive, adotou por conta própria o sobrenome de Buendía, tal como os herdeiros de Aureliano, personagem de Cem anos de solidão. Tem restaurante, repleto de referências ao personagem ilustre, mas ainda com estrutura muito caseira.

“Tem pessoas que são ressentidas pelo fato de Gabo não vir mais aqui. Para quê? Um Prêmio Nobel nascido em Aracataca é a mais bonita representação da cidade no mundo todo”, defende a professora Dora Osório. “Somos de Aracataca e queremos que este lugarejo fique melhor, tenha melhores ruas e outras condições. Gabriel já fez o que podia. Ganhou o Nobel e já nos fez aparecer internacionalmente”, completa a também professora Yadira.

O escritor Gilberto Tejeda credita a ausência de García Márquez em Aracataca ao enorme assédio. Gabo é um homem de hábitos simples, tal como seus conterrâneos, como diz Tejeda. “Aracataca é um lugarejo onde todos os escritores, pintores e poetas são silvestres, como as borboletas amarelas.” Com um livro que ele mesmo editou debaixo do braço, o cataqueño garante que ali é um lugar onde o incrível parece realidade. “Gabo narra isso com uma clareza impressionante. Aracataca tem muita história para contar. Leve este livro e leia-lo”, diz, entregando o exemplar de Los amores de um cabron soñador.

*A repórter viajou com a bolsa de jornalismo cultural oferecida pela Fundación Gabriel García Márquez para el Nuevo Periodismo Iberoamericano. 

Orelha

Orelha
Estado de Minas: 29/03/2014

Documentário de Eduardo Coutinho ganha edição com direito a inéditos (Sesc SP/Divulgação)
Documentário de Eduardo Coutinho ganha edição com direito a inéditos

Filme e livro


Chega hoje ao mercado nova edição do DVD do documentário Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho (1933-2014). O lançamento inclui dois filmes inéditos do realizador, produzidos pelo Instituto Moreira Salles em parceria com a Videofilmes: Sobreviventes de Galileia (Brasil, 2013) e A família de Elizabeth Teixeira (Brasil, 2013). Além desses dois filmes inéditos, o DVD conta com uma faixa comentada, com a participação de Eduardo Coutinho, Eduardo Escorel, montador do filme, e Carlos Alberto Mattos, crítico de cinema. Como parte integrante do material, foi produzido um livreto de 74 páginas com um depoimento de Coutinho e seleção de críticas publicadas no Brasil e no exterior à época do lançamento do filme, nos anos 1980.

Clássico hindu

Um caso raro no mercado brasileiro: a edição bilíngue português/sânscrito. Trata-se do lançamento do livro Da palavra, do filósofo e gramático Bhartrhari, que viveu no século 6 a.C. Considerada fundamental para a cultura escrita hindu, a obra continua sendo lida e muito citada entre os indianos até os dias atuais. O autor entrelaça com tranquilidade diferentes temas, como ética, filosofia e linguística, adotando divisões conceituais muito diferentes das ocidentais. Pela Editora Unesp.

Brasil em Bolonha

O ilustrador brasileiro Roger Mello foi o ganhador do Prêmio Hans Christian Andersen deste ano, considerado o Nobel da literatura infantil, na categoria ilustração, pelo conjunto de sua obra. O anúncio foi feito na Feira do Livro Infantil de Bolonha, na Itália. Roger é o primeiro ilustrador brasileiro a ganhar o troféu. Na categoria autor, o Brasil já havia sido contemplado com Lygia Bojunga, em 1982, e Ana Maria Machado, em 2000. A autora premiada foi a japonesa Nahoko Uehashi.

Pai e filhos

O psicanalista Renato Mezan lança ainda este mês pela Companhia das Letras a coletânea de ensaios O tronco e os ramos – Estudo de história da psicanálise. O autor enfrenta uma das grandes questões do campo dos estudos psicanalíticos: a relação entre Freud e seus seguidores. Mezan analisa a correspondência do pai da piscanálise com seus discípulos diretos – Ferenczi, Abraham, Jung e Fliess –, além de levar o debate às gerações seguintes, com autores como Winnicott, Melanie Klein, Bion e Lacan.

Duas vezes Beatles

Mais livros sobre os Fab Four chegam ao mercado brasileiro. Pela Verus, chega Love me do – 50 momentos marcantes dos Beatles, do jornalista Paolo Hewitt. Uma biografia da banda, recheada de fotos, em 50 momentos definidores, do nascimento do grupo, nos anos 1960 à década de 1990. Já a Editora SM tem como objetivo o público infantojuvenil com o álbum em quadrinhos Os Beatles, de Mick Manning e Brita Granström.

Sarau poético

Bruno Brum e Leo Gonçalves são os convidados de hoje do programa Sarau no Memorial, em sessão dupla, às 11h e às 13h. Ambos comemoram 10 anos de lançamento dos livros de sua autoria, Mínima ideia e Das infimidades. O sarau terá ainda leitura de poemas de Leopoldo Maria Panero, uma das vozes mais inovadoras da poesia espanhola contemporânea; dos norte-americanos Jerome Rothenberg e Allen Ginsberg; e do argentino Juan Gelman. No Memorial Minas Gerais Vale, na Praça da Liberdade.

Lançamento

A Editora UFMG e a Ateliê lançam dia 31 o livro Edição e revolução – Leituras comunistas no Brasil e na França. Jean-Yves Mollier e Marisa Midori Deaecto fazem palestra sobre o tema da publicação, em mesa-redonda coordenada por Luiz Carlos Villalta. No auditório Professor Baesse, na Faculdade de Filosofia e Ciências da UFMG, câmpus Pampulha. Às 19h. 

O espelho e o fantasma - Mariana Peixoto

O espelho e o fantasma
Mariana Peixoto
Estado de Minas: 29/03/2014


Em Olhe para mim, de 2001, Jennifer Egan parece antecipar a moda das  celebridades   que tomaria conta do mundo (Pieter M. van Hattem/Divulgação)
Em Olhe para mim, de 2001, Jennifer Egan parece antecipar a moda das celebridades que tomaria conta do mundo

Não fosse o Pulitzer de ficção por A visita cruel do tempo (2011), dificilmente Olhe para mim (2001), segundo romance da norte-americana Jennifer Egan, chegaria ao Brasil. Dez anos separam os dois livros. E 13 separam o lançamento nos Estados Unidos de sua publicação no país. As duas questões devem ser levadas em conta, ainda que não interfiram na leitura. Mudam, no entanto, a perspectiva.

Assim como em A visita..., a autora entrelaça histórias de diferentes personagens numa narrativa que chega a um final surpreendente. Em Olhe para mim, há duas Charlotte. A primeira, a protagonista, é Charlotte Swenson, modelo de 35 anos que mente ter 28. De Rockford, cidade parada no tempo nas redondezas de Chicago, radicou-se em Nova York. A carreira promissora não chegou a lugar algum e Swenson, que buscou a vida inteira o reconhecimento, sofre um acidente de carro.

Oitenta parafusos de titânio depois, ela se recupera. Mas seu rosto, ainda que não aparente as sequelas, está irreconhecível. A mulher que sonhava com a sala espelhada (termo cunhado por ela) agora é um fantasma. Paralelamente a essa narrativa, é apresentada a adolescente Charlotte Metcalf. Moradora de Rockford, ela é filha da melhor amiga de infância da Charlotte modelo. Aos 16 anos, não se parece em nada com a mãe. Sem a beleza dela, vive escondida atrás de pesados óculos de grau. Não é vista até se relacionar com um homem mais velho, misterioso, que também se relacionou com a Charlotte mais velha.

A narrativa da protagonista é ambientada, em sua maior parte, em Nova York. A da adolescente é em Rockford. Mesmo que se encontrem rapidamente, em uma situação que aparenta não ter qualquer grande significado, as duas mulheres estão ligadas através de personagens secundários que serão definitivos para o rumo de suas vidas. Por meio de observações ácidas, as personagens enxergam sua própria invisibilidade perante o mundo.

A Charlotte mais velha, a despeito da tragédia, continua buscando imagem e dinheiro. Vive numa Nova York cínica como ela, que é capaz de cortar modelos e fazê-las sangrar em busca de “realidade”. A mais jovem tenta não se acomodar. Não quer ser diferente, e sim igual a outras tantas. Egan coloca essas personagens em cenários que marcaram a década passada e, ainda hoje, conduzem a sociedade contemporânea.

Primeiramente, antecipa as redes sociais, reality shows e ânsia pela celebridade. Vale lembrar que a autora levou seis anos para concluir a narrativa, que veio a cabo justamente no período em que as iniciativas estavam nascendo – o Big Brother original é de 2000, o Facebook de 2004 e o Twitter de 2006. Com a carreira de modelo arruinada, Charlotte cria sua própria identidade on-line. E o grande trauma americano, a ameaça terrorista, aquele que frequenta escolas e está presente no cotidiano, é traduzida na figura de um só homem, que se relaciona com as duas Charlottes.

 Diante desse cenário, fosse lido na época de seu lançamento, Olhe para mim teria uma força maior. Nos dias atuais, o romance se vale de suas próprias qualidades, da prosa fluida e dos personagens bem construídos. Não se presta a fazer o retrato de uma época, como o hoje um tanto datado Psicopata americano, de Bret Easton Ellis. Mas ainda consegue causar impacto.

OLHE PARA MIM

• De Jennifer Egan
• Editora Intrínseca, 432 páginas
• R$ 29,90 (impresso) e R$ 19,90 (e-book).

Almanaque com a cara do Brasil‏ - Carlos Herculano Lopes

Almanaque com a cara do Brasil 

Revista Souza Cruz, que circulou de 1916 a 1935, ganha antologia em sete fascículos temáticos, com organização de Marcio Debellian 
 
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 29/03/2014

 (Revista Souza Cruz/Reprodução)


Uma das mais interessantes revistas brasileiras de cultura e comportamento da sua época, a Souza Cruz, que circulou de 1916 a 1935, no Rio de Janeiro, totalizando 211 edições, acaba de ter sete números relançados. Quem esteve à frente da produção foi o agitador cultural Marcio Debellian, que antes já havia organizado, entre outros, o livro Maneira de ser, sobre a cantora Marina, e a antologia de contos Liberdade até agora, com Eduardo Coelho.

Para levar adiante o projeto de trazer novamente a público, mesmo que parcialmente, uma amostra da Revista Souza Cruz, que no início circulava mensalmente e depois de dois em dois meses (das 211 edições, só não conseguiram localizar 13 dos originais), Debellian contou com a colaboração de Silvia Rebello e Daniel Nogueira. Cada um dos números reeditados foi apresentado por pensadores brasileiros contemporâneos, como Adriana Lunardi, Antonio Carlos Secchin, Francisco Bosco, J. Roberto Whitaker, Marcia Tiburi e Miguel Jost.

Ainda de acordo com Marcio Debellian, como o material recolhido era muito extenso – e praticamente impossível publicar toda a coleção –, optaram por dividir o conteúdo em fascículos temáticos mais recorrentes na publicação. Ou seja: poesia, literatura, crônicas, publicidade, questões relacionadas ao universo feminino, no fascículo “Mulher”, e às artes visuais, no fascículo “Galeria”. “A antologia traz ainda o fac-símile da primeira edição da revista para que todos possam entender o ponto de partida dessa história”, conta Debellian.

Para o organizador da coleção, a ideia de trazer novamente à tona a Souza Cruz para que as novas gerações pudessem ter conhecimento da importância da publicação surgiu quando ele estava organizando uma antologia de contos. No decorrer da pesquisa, encontrou um conto de Lima Barreto que vinha com o seguinte rodapé: “Publicado originalmente na Revista Souza Cruz.” A partir de então, resolveu correr atrás e viu que “era um rico universo a ser explorado”.

No seu período de glória, a Revista Souza Cruz, que foi criada pelo empresário e mecenas Albino Souza Cruz, fundador da companhia que leva seu nome, chegou a circular em todo o país com tiragem que atingia 70 mil exemplares, um feito e tanto para a época. E entre os colaboradores contava com nomes ilustres como Manuel Bandeira, Augusto dos Anjos, Di Cavalcanti, Lima Barreto, Andrade Muricy e Horácio Cartier. A publicação coincidiu também com um dos momentos mais importantes para a cultura brasileira no século passado, a Semana de Arte Moderna de 1922.

Para a filósofa e romancista Márcia Tiburi, que escreveu a apresentação do número dedicado à mulher, quem vier a ler a Revista Souza Cruz décadas depois de sua publicação com certeza irá se divertir. “Poderá também espantar-se com as diferenças que experimentamos atualmente em relação aos costumes do começo daquelas primeiras décadas do século 20, quando as mulheres ainda viviam reclusas em seus lares, vitimadas por uma certeza quanto a papéis femininos muito, mas muito diferentes de papéis masculinos”, registra.

Revista Souza Cruz, antologia (1916-1935)
Organização de Marcio Debellian
Informações: www.revistasouzacruz.com.br

TeVê

TV PAGA » Sim, senhor capitão 

Conhecido por interpretar o médico conquistador de Grey's anatomy, Eric Dane vai estrelar a série The last ship. O papel como Tom Chandler permite a ele se afastar do estereótipo do galã 

Raquel Lima
Estado de Minas: 29/03/2014


Eric Dane (C) fala sobre The last ship ao lado da atriz Rhona Mitra e do produtor Steve Kane, na Califórnia (Lucy Nicholson/Reuters)
Eric Dane (C) fala sobre The last ship ao lado da atriz Rhona Mitra e do produtor Steve Kane, na Califórnia


Los Angeles (EUA) – O norte-americano Eric Dane, de 41 anos, é como um post popular nas redes sociais: basta aparecer para ganhar corações e polegares em riste. A persona que o californiano exibe o aproxima do interlocutor como se ele fosse um vizinho ou um parente. Nos estúdios Midia City, onde a série The last ship está sendo rodada, o ator falou sobre o novo projeto. A estreia foi marcada para o segundo semestre, informa o canal pago TNT.
Eric dedicou sete anos à TV, ficou conhecido como o doutor bonitão Mark Sloan da série Grey’s anatomy (Sony) e fez papéis em longas como Marley e eu (2008) e Burlesque (2011). “Depois de 140 episódios de Grey’s... e com meu segundo bebê a caminho, queria uma folguinha para ficar em casa. Afinal, trabalhei duro. Mas Michael Bay me falou sobre The last ship. Honestamente, foi um dos melhores pilotos que já li”, contou.

O cineasta Michael Bay, produtor-executivo da nova série do TNT, pesou na decisão de Eric de interromper as “férias” iniciadas na temporada de Grey’s anatomy de 2012. Encantado com o roteiro, o ator aceitou embarcar no novo projeto.

Apesar de não esconder sua falta de vocação militar, Dane vem de uma família ligada aos quartéis. “Adoraria que The last ship tivesse nove, 10 temporadas. Em termos de consultoria, estética e produção, nunca soube de um seriado como esse. A melhor locação ficava em San Diego, no mar, em um destróier da Marinha. Vi manobras reais com torpedos, foi uma experiência inesquecível”, revelou.

Nos últimos quatro meses, filmar os 10 episódios da primeira temporada exigiram empenho do californiano. Eram cinco dias de trabalho por semana, com jornada diária nunca inferior a 12 horas. Na época de Grey’s..., ele gravava apenas dois ou três dias por semana – mas, também, não era o protagonista da trama, passada no Hospital Seattle Grace.

ALQUIMISTA “Sou fã do Michael Bay. Vi o primeiro Transformers, além de Armagedon e Pearl Harbor. Ele é um alquimista da câmera em movimento, tem olho afiado para a ação. Dirigiu as cenas do piloto em pleno Ártico, e elas ficaram a cara dele. Os cenários são gigantescos: não é apenas uma explosão, mas uma explosão real, com pessoas caindo de um helicóptero”, diz o empolgado Dane.

O papel de capitão Thomas Chandler possibilitou-lhe estrear em produções do gênero. “No filme Marley e eu, persegui um cachorro pela praia. Até então, essa foi toda a ação que interpretei”, diverte-se. Anos a fio na pele do cirurgião plástico Mark Sloan, o McSteamy (ou McQuente) de Grey’s anatomy, fizeram com que a atenção dos telespectadores se voltasse para a inegável beleza e a voz rouca de Eric Dane.

“Não me incomodo em falar sobre McSteamy, pois ele me trouxe até aqui. Mas sempre procurei personagens antiMcSteamy. Busco constantemente interpretar na contramão do estereótipo. Tom Chandler é totalmente oposto a Mark Sloan”, avisa.

Rapaz de família



Casado com a atriz Rebecca Gayheart e pai de Billie Beatrice e Georgia Geraldine, Eric Dane sofre ao ter de se separar delas. Meio “culpado”, conta que já chegou a passar quatro meses sem vê-las.

“Há dias em que saio de casa de madrugada, minhas filhas ainda estão dormindo, e volto quando elas já estão dormindo. Não gosto disso”, revela.

Eric confessa: não é daqueles pais que compensam a distância dos filhos com a tecnologia. “Fui a última pessoa a ter um Blackberry. Minha mulher comprou um para mim. Não sou uma cara tecnológico, não me envolvo em redes sociais, deixo a minha caixa de entrada de e-mails lotar. Sempre tenho vontade de telefonar em vez de mandar mensagens”, conclui.

A jornalista viajou  a convite da Turner

TV paga



Cara a cara com o terror

O A&E exibe às 22h Guerra ao terror (foto), um mix visceral de ação e suspense que ilustra, na medida do possível, a dura realidade dos soldados americanos no Iraque, que tinham como tarefa a missão de desarmar bombas. O roteiro é do repórter de guerra Mark Boal, também autor de No vale das sombras. A cineasta Kathryn Bigelow captura a tensão dessa guerra com seu estilo documentarista e balanceia esse realismo de modo que o espectador se sinta como um verdadeiro correspondente, mas também explora o que Hollywood tem de melhor em matéria de efeitos especiais.


FUGIR DA LOUCURA
PODE SER INÚTIL

A HBO estreia às 22h a comédia Gente grande 2, com Adam Sandler e Kevin James.
Depois de retornar, agora
com sua família, à sua cidade natal, Lenny descobre que às vezes não adianta fugir...
A loucura sempre dá um jeito de encontrá-lo.

MURILO BENÍCIO FALA
SOBRE SEUS PLANOS

O ator Murilo Benício é o entrevistado do Cinejornal, às 21h, no Canal Brasil. O ator – que tem 12 longas no currículo, em 20 anos de carreira – disse que estará na próxima novela das sete, da Rede Globo, e contou ser um cinéfilo fã de nomes como Al Pacino e Robert De Niro. Sobre sua estreia na direção, com uma adaptação de O beijo no asfalto, de Nelson Rodrigues, Benício disse que já tem elenco formado com Débora Falabella, Stênio Garcia, Otávio Muller e
Fernanda Montenegro.

VALE A PENA VER
DE NOVO NO VIVA

Em reprise no Canal Viva, às 13h30 e à 0h, a novela Água viva mostra que Lourdes (Beatriz Segall) está magoada com Alfredo (Fernando Eiras) porque ele demorou a voltar de uma recepção, mas ele logo a acalma. Heitor (Carlos Eduardo Dolabella) procura Celeste (Arlete Salles) e diz que a carta que Miguel (Raul Cortez) recebeu só pode estar dentro de um dos videocassetes que chegaram até ele na
véspera da morte. Janete (Lucélia Santos) desliga o telefone na
cara de Marcos (Fábio Júnior)
sem dar explicações. No quarto de Lígia (Betty Faria), Heitor e Celeste procuram os videocassetes de Miguel.

CASO VERDADE
CHOCOU OS EUA

O canal Bio exibe, a partir das 23h30, mais um episódio da série Fúria assassina, que relembra um caso que abalou os Estados Unidos. Em 1974, um homem que se identificou como o estrangulador BTK (Bind, Torture, Kill, que em português significa Amarrar, torturar, matar) deu início a uma matança no Kansas que durou duas décadas. Ele chegou a matar 10 pessoas, sempre despistando a polícia. Depois de 13 anos ressurgiu, enviando uma carta perturbadora à mídia, o que finalmente possibilitou sua captura um ano depois (em 2005). O caso é tão instigante que virou filme em 2005 – Caçada ao assassino BTK –, dirigido por Stephen Kay.

POLICIAL PALESTINO
DOMINADO POR ISRAEL

Como é a vida de um agente do departamento de polícia palestino que mora em uma cidade controlada pelas forças israelenses? Assim é a história de Nidal Aka Abu As’ed, retratada no documentário O policial invisível, que o +Globosat exibe às 23h. Aos 41 anos, Nidal é pai de nove crianças e, apesar das dificuldades diárias, tem sonhos. Por isso, está sempre em busca de uma luz no fim do túnel. O documentário explora a dura realidade que o personagem enfrenta ao viver sob constante pressão e medo, sem deixar que a situação afete sua família.


CARAS E BOCAS » Um cara normal

Simone Castro
simone.castro@uai.com.br


Danilo Gentili é sabatinado em quadro de mulheres hoje, no Programa Raul Gil  (Rodrigo Belentani/SBT)
Danilo Gentili é sabatinado em quadro de mulheres hoje, no Programa Raul Gil

No “Elas querem saber”, quadro do Programa Raul Gil, hoje, no SBT/Alterosa, o convidado é o humorista Danilo Gentili, atração da emissora à frente do talk show The noite. Thammy Miranda, Val Marchiori, Penélope Nova e Dani Bolina encostam o cara na parede e, afiadas, disparam perguntas, algumas até indiscretas. Para começo de conversa, perguntado por Thammy se já pegou alguma famosa, Danilo responde convicto: “Nunca peguei nenhuma famosa. Só gosto de mulher normal”. Ela o elogia: “Você é um cara alto, bonito. Não que eu esteja te cantando”. E o humorista manda: “Você está me chamando de boneco de posto?”. Já Val Marchiori entrega: “Uma ex dele me disse que ele prefere jogar videogame”. Sem se fazer de rogado, Danilo responde: “Eu prefiro o videogame porque depois que termina o jogo não preciso ficar conversando com ele”.

O apresentador esclarece também que “as piadas que eu conto fora da TV são um milhão de vezes mais pesadas”. E adverte: “Só é meu amigo quem sabe ser zoado.

Eu mesmo muitas vezes sou o primeiro a ser zoado no programa”. Ainda em relação ao The noite, Danilo comenta sobre um dos concorrentes no horário, o Programa do Jô (Globo), e se sai bem do que seria uma saia justa diante da clara pergunta capciosa: “O clássico nunca foi ultrapassado”.


ELIANA FALA SOBRE
A SEPARAÇÃO AMANHÃ

Em seu programa no SBT/Alterosa, amanhã, a apresentadora Eliana vai falar sobre sua separação do músico João Marcello Bôscoli. Ela agradecerá o apoio que tem recebido do público. De acordo com a revista Contigo! desta semana, fonte próxima do ex-casal disse que uma traição foi o estopim para o rompimento, há quatro meses, só divulgado na semana passada. “João deu uma pisada de bola e ela descobriu”, contou a amiga. O ex-casal tem um filho, Arthur, de 2 anos.

CHEF TIRA SATISFAÇÃO
COM SUPOSTA RIVAL

Nos próximos capítulos de Em família (Globo), uma cena promete. Cadu (Reynaldo Gianecchini), cada vez mais irritado com a proximidade de sua mulher, Clara (Giovanna Antonelli), e Marina (Tainá Müller), procurará a fotógrafa para tirar satisfação. Antes, em um encontro entre os três, será grosseiro com a moça. Clara pedirá desculpas à chefe e elas quase trocarão o primeiro beijo.

MAIS UM REFORÇO DE
PESO EM ÓTIMA SÉRIE

Para os fãs de The blacklist, exibido no Brasil pelo canal Sony (TV paga), uma boa notícia. Segundo o site TV Guide, o ator Linus Roache, de Vikings, vai engrossar o elenco nos últimos episódios da atual temporada, a segunda.
Na história, ele será Kingmaker, assassino extremamente frio, cruel e influente, que mantém ligações com políticos de todo mundo e, assim, consegue manipulá-los a seu favor. A série acompanha a vida de Red, personagem de James Spader, o criminoso mais procurado do mundo. Depois de se entregar ao FBI, ele passa a delatar os bandidos com os quais  já trabalhou. 


JUNTOS NA TV

Os atores Antônio e Bruno Fagundes (foto), pai e filho, vão trabalhar juntos pela primeira vez na TV. Eles estão no elenco da novela Meu pedacinho de chão (Globo), remake de Benedito Ruy Barbosa dirigido por Luís Fernando Carvalho, que estreia em 7 de abril, em substituição a Joia rara. Fagundes vai emendar uma novela na outra, já que vem de Amor à vida. Rumores de bastidores davam conta de que ele teria aceitado o papel por causa do filho. Na coletiva de lançamento da novela, anteontem, no Rio de Janeiro, o ator desmentiu os boatos. “Quando fui chamado para a novela, ele já estava. Já fizemos umas cenas. Ele é muito experiente. Fez muito teatro e acompanhamos o trabalho um do outro, assim como acompanho os dos meus amigos”, contou. O veterano ator, que vai interpretar Giácomo, o dono da venda em Vila Santa Fé, afirmou ainda que “trabalhar com o filho não é dividir a cena, é multiplicar”. Bruno, que faz sua estreia na telinha no papel do médico forasteiro Renato, não gosta de comparações por causa do sobrenome famoso. Em recente entrevista, ele disse: “Acho essa comparação completamente burra. Ele tem de profissão o dobro do que tenho de idade. É meu primeiro trabalho na televisão, meu pai já fez 55 novelas”. No teatro, pai e filho estiveram juntos nas peças Vermelho e Tribos.  

ARNALDO VIANA » 1964: o mamoeiro‏

ARNALDO VIANA » 1964: o mamoeiro 

A prisão não o assustou nem o surpreendeu. Sabia que cedo ou tarde seria apanhado 
 
ARNALDO VIANA
Estado de Minas: 29/03/2014




Tonhão era nome de luta. Moreno, forte. Diante de um copo de cerveja, na mesa daquela bar dos anos 1970, um olhar vago, indecifrável. Não estava ali. A mente vagava por paredes sujas e rabiscadas de celas congestionadas, por porões escuros e fedorentos. Caiu nas mãos da polícia da repressão em um dia qualquer, depois de uma reunião com os companheiros socialistas do MR-8, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro. O 8 lembrava o dia do ano de 1967 em que forças militares bolivianas prenderam Che Guevara, para assassiná-lo 24 horas depois.

A prisão não o assustou nem o surpreendeu. Sabia que cedo ou tarde seria apanhado. Enfrentou o pau de arara, as sessões de choques elétricos, a tortura psicológica. Sentiu a razão esvair-se. A emoção se concentrou no ódio ao golpe. Mas não se rendeu. Escondeu a certeza e falou do que não existia. Mas quem não falava ali poderia falar em outro lugar. E numa noite também qualquer saiu encapuzado, arrastado, e jogado no fundo de um camburão. Acordou no dia seguinte em um cubículo fétido de um quartel militar. E apanhou mais, muito mais nas mãos de profissionais da brutalidade. E se calou de vez. Já não sentia dor e nem sabia se ainda tinha lágrimas. Mas as tinha.

Um mês depois ganhou o pátio para o banho de sol. Reencontrou companheiros. Alguns de furtivos encontros em aparelhos clandestinos. Eram irmãos de batalha. De volta à cela, a solidão do cárcere, o sedentarismo. Resolveu o ócio com uma conversa rápida no pátio. Que tal uma horta? Proposta aprovada. Fez parte da comissão que foi ao oficial-diretor pedir autorização. “Sem ferramentas. Cavem com as mãos”, disse o militar. Não foi fácil. O esterco, encomendado a um dos sentinelas, custou caro, mas os canteiros ficaram bonitos. O dinheiro vinha do 8, por meio de raras visitas de parentes de um ou outro companheiro. Brotaram alface, couve, jiló, rúcula, tomate, pimenta malagueta, salsa, cebolinha…

Uma manhã, uma convocação. Todos ao pátio, perfilados diante da horta. Do meio da guarda saiu um tenente, espigado, botas engraxadas. Sem nem sequer olhar para baixo, subiu nos canteiros e ficou andando de um lado a outro ditando novas normas na prisão. Os tenros caules pareciam estalar sob as solas das botinas. Estalavam dentro dos cérebros prisioneiros. O rosto de Tonhão se contorceu um pouco quando juntou às recordações a lágrima descendo a face esquerda. Era quente como sangue. Nada na horta ficou de pé.

Lembranças, lembranças. De repente, os olhos de Tonhão se avivaram ali, naquela mesa de bar. Bebeu um gole da cerveja. Um sorriso quase imperceptível abriu-lhe os lábios. Pensou no saquinho de sementes que sobrara dos tantos que encomendara à guarda, a custo de muito dinheiro, para a horta pisoteada. Nem se lembrava mais de como conseguira o pequeno vaso que encheu de terra recolhida dos canteiros. Plantou. Os brotos romperam a terra. Era preciso sacrificar os mais fracos. Havia lugar só para um. Todas as manhãs, passava uma das mãos entre as grades e com um pequeno espelho, comprado de um dos sentinelas, lançava raios de sol sobre a planta para que ela cumprisse seu papel. Vieram as primeiras flores. Esperou os frutos, sem ansiedade, que vieram não muito grandes.

O doce da fruta trouxe-lhe paz, as folhas verdes reativaram a autoestima, o caule, as flores reorganizaram a razão. Já não havia medo. Por momentos, Tonhão chegou a esquecer a causa. Só por momentos. É que, de repente, entendeu que uma luta não se faz de ódio, mas de motivos. Uma manhã ainda qualquer, levado à sala do oficial-diretor, soube que seria libertado. Deixou o mamoeiro aos cuidados de um companheiro e ganhou a rua. E ali, naquela mesa de bar, a incerteza se ainda havia um mamoeiro na prisão. Engoliu o resto da cerveja e murmurou: “Era apenas um mamoeiro”. Levantou-se e caminhou. O 8 o esperava. A luta não podia parar.

Pergunta do Negão: Que perspectiva trazem ao país grupos que evocam décadas de exceção, incompreensão e truculência?. 

CINEMA » Morre Ricardo Miranda‏

CINEMA » Morre Ricardo Miranda
Carolina Braga

Estado de Minas: 29/03/2014


O cineasta Ricardo Miranda montou o longa-metragem A idade da Terra (Túlio Santos/EM/D.A Press - 28/1/14)
O cineasta Ricardo Miranda montou o longa-metragem A idade da Terra


Defensor da pesquisa de linguagem e da necessidade de trabalhos mais autorais para as telas, o diretor e montador Ricardo Miranda deixa seu nome marcado na história do cinema brasileiro como um homem de ideias radicais, fiel à experimentação. Ele morreu ontem, aos 64 anos, no Rio de Janeiro.
Montador de A idade da Terra (1980), de Glauber Rocha, nos últimos tempos Ricardo se dedicava a dirigir os próprios projetos. Paixão e virtude (2014), seu último longa, estreou em janeiro na Mostra de Cinema de Tiradentes. Ele já trabalhava o roteiro de Natureza morta, a terceira parte da trilogia Inquietante estranheza.

Nascido em Niterói, Miranda iniciou a carreira artística em 1968. Amor, carnaval e sonhos (1972), de Paulo César Saraceni, foi o primeiro longa montado por ele, que trabalhou com os diretores Luiz Rosemberg Filho (Crônicas de um industrial), Ivan Cardoso (O segredo da múmia), Joel Pizzini e Paloma Rocha (Anabazys) e Helena Ignez (A canção de Baal). Em 1991, dirigiu seu primeiro longa de ficção, Assim na tela como no céu, apresentado em festivais nacionais e estrangeiros.

Em 2011, Ricardo concluiu Djalioh, longa de ficção premiado na Mostra do Filme Livre 2012. Em parceria com o antropólogo Carlos Alberto Messeder, escreveu o livro Televisão – As imagens e os sons: no ar do Brasil. Ele era professor da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro. O corpo do cineasta será enterrado hoje no Cemitério São João Batista, na capital fluminense.

Para melhorar a corrida‏

Para melhorar a corrida 

Equipe da Ufla desenvolve testes que identificam o limite em que corredores, amadores e profissionais, começam a ter esgotamento nas reservas de energia. Método ajuda a programar atividade sem sobrecarregar o organismo 
 
Paulo Henrique Lobato
Estado de Minas: 29/03/2014



Não há no Brasil um número oficial de participantes de corridas de rua, mas certamente esse é um dos esportes que mais vem atraindo adeptos. E a ciência tem tentado contribuir para melhorar o desempenho de atletas profissionais e amadores com várias pesquisas. No Sul de Minas Gerais, equipe coordenada pelo professor Sandro Fernandes da Silva, do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Lavras (Ufla), desenvolveu testes que identificam o limite em que corredores começam a ter grande esgotamento nas reservas de energia, o que ajuda atletas – profissionais e amadores – a evitar lesões.

Para desenvolver o estudo, o professor e sua equipe aplicaram testes em 17 voluntários. A intenção foi analisar a relação entre a velocidade crítica (Vcrit) e o limiar anaeróbico (LAn), usado para apurar modificações causadas durante uma temporada de treinamento. O LAn pode ser determinado por meio do comportamento do lactato sanguíneo. Este, por sua vez, é a resposta metabólica do organismo ao esforço progressivo. Trata-se, como explica Sandro Fernandes, de uma transição entre os sistemas energéticos.

“O objetivo do estudo foi verificar a correlação entre as velocidades de testes de campo (Vcrit e LAn) propostos para identificar um dos principais parâmetros de controle de treinamento, que é o LAn. Testamos que – por meio de um teste de campo para avaliar o comportamento do lactato sanguíneo, durante um teste progressivo – é possível determinar o LAn. Isso evidencia a importância do estudo, pois são poucos protocolos que determinam o LAn a partir de testes de campo verificando o aumento do lactato sanguíneo durante um exercício triangular”, conclui Sandro Fernandes no artigo “Comportamento dos parâmetros de controle de treinamento aeróbico durante testes de campo”, assinado em parceria com outros especialistas.

Há muitas formas de se avaliar o limiar aeróbico, entre elas a chamada máxima fase estável fixa (2 ou 4 mmol), lactato mínimo e a do limiar anaeróbico individual, conhecida pela sigla IAT. Na prática, o IAT é a cinética individual de lactato durante um teste, como explica o professor. Já a Vcrit é um método indireto para determinar em seu procedimento que os testes devem durar entre dois e 20 minutos, usando superfícies planas. Também é importante um intervalo de no mínimo 20 minutos entre as duas corridas. Para saber a velocidade média (Vcrit), basta reduzir o tempo do primeiro teste do segundo. “O limiar anaeróbico individual representa o comportamento entre a taxa de produção e remoção do lactato durante o esforço progressivo, além de não sofrer grande influência nas variações encontradas nos protocolos, como tempo de duração e aquecimento prévio”, informa o professor, que também é integrante do grupo de pesquisa e estudo em respostas neuromusculares.

DESEMPENHO

Métodos usados para medir como está a performance da pessoa na corrida
» Limiar do lactato
Para avaliar o limiar de lactato, os indivíduos realizaram seis séries de 1.000 metros correndo, com esforços de 75% a 100% do melhor tempo, com um intervalo de um minuto. Após a realização do esforço, foi realizada uma coleta sanguínea no lóbulo da orelha para verificar o comportamento do lactato sanguíneo. Tais coletas ocorreram logo após o estímulo.

» IAT
Para identificar o limiar anaeróbico foi usado o método visual proposto por Baldari & Guidetti, cujo critério empregado aponta o limiar para o segundo aumento no valor da Lac de pelo menos 0,5mmol.L-1 a partir do valor anterior, onde o valor para o segundo aumento foi maior ou igual ao do primeiro aumento. Esse método possibilita encontrar o IAT, identificando os valores para velocidade e frequência cardíaca em cada estágio.

» Vcrit
Foram executados dois testes em pista de atletismo de 400 metros de carvão, um teste de 3.000 metros e um teste de 5.000 metros, com um intervalo de 24 horas entre eles, onde os sujeitos deveriam percorrer essas distâncias no menor tempo possível. A Vcrit foi determinada por meio do coeficiente angular da reta de regressão linear entre a distância e os respectivos tempos.

» Consumo máximo
de oxigênio (VO2 máx)
Foi realizado o teste de campo de 2.400 metros, onde os indivíduos deveriam percorrer essa distância na maior velocidade possível.

» Estatística
A estatística usada foi uma comparação de médias e desvio padrão para identificar o ponto onde ocorre o limiar de lactato. Adotou-se uma análise de percentual para verificar a que porcentagem a Vcrit e a velocidade de LAn estavam do VO2 máx. Para comparar a correlação entre as velocidades no limiar de lactato, a velocidade crítica e a velocidade de VO2 máx, foi aplicado o teste de correlação bicaudal de Pearson.

Fonte: artigo “Comportamento dos parâmetros de controle de treinamento aeróbico durante testes de campo”

Daqui para o futuro
Próximos passos
A equipe coordenada pelo professor da Ufla Sandro Fernandes da Silva prepara outra pesquisa. “O próximo passo é a influência do horário no dia em que são feitos os exercícios. Na verdade, o que determina nosso ritmo é a nossa temperatura corporal. Temos um pico melhor, em teoria, no período da tarde. Mas é importante ressaltar que cada indivíduo tem o seu relógio biológico”, diz o cientista. 


Prescrição de treinamento individualizado

Publicação: 29/03/2014 04:00

O problema é que os testes para obter o LAn são caros, pois exigem deslocamentos dos atletas aos laboratórios. Os pesquisadores da Ufla, porém, fizeram os testes com os voluntários na pista de atletismo da universidade. Depois de os voluntários fazerem os testes físicos, a equipe de estudiosos procedeu a uma coleta sanguínea no lóbulo da orelha dos atletas amadores. A primeira gota foi desprezada nos testes, que foram analisados no lactímetro Accusport por meio do método chamado fotometria de reflexão.

A avaliação do lactato sanguíneo permite determinar o limiar anaeróbico de cada atleta. Em outras palavras, pode-se prescrever o treinamento do corredor em quantidade ideal tanto para o aumento do desempenho quanto para se precaver de lesões. “A velocidade crítica é uma boa estimuladora para prescrever o exercício. Acima da Vcrit ou do LAn, você tem uma dificuldade maior de realizar o exercício, gasta mais energia. Por exemplo, se minha Vcrit é 15km/hora, dá três minutos por quilômetro. Se ele faz um treinamento em 3,2 (minutos) por quilômetro, ele pode realizar o treinamento mais vezes por semana. Agora, se ele fizer um treinamento de 2,5 (minutos) por quilômetro, ele está correndo acima da velocidade crítica. Então, ele gasta muita energia. Ele precisa de 48 horas a 72 horas para se recuperar do treino. Caso não respeite o intervalo, a probabilidade de lesão será maior”, alerta o coordenador do estudo.

Direito cultural dos necessitados‏

Direito cultural dos necessitados


Diego de Oliveira Silva
Defensor Público Federal
Mestre em direito ambiental e desenvolvimento sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara
Estado de Minas: 29/03/2014


A luta dos defensores públicos pelo direito das pessoas carentes tem ganhado, diante da paulatina sensibilização das autoridades, repercussão legislativa importante, não obstante ainda muito lenta. Nesse sentido, foram editadas leis que garantiram, por exemplo, a legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar ações coletivas e a autonomia da instituição. Também nesse contexto, a Lei Complementar 132/2009 acrescentou, entre as suas funções institucionais, a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos culturais dos necessitados.

Tais tarefas ganham no atual estágio de desenvolvimento da sociedade, no entanto, complexidade ainda maior, reduzindo as possibilidades de atuação efetiva. Com efeito, nos encontramos diante de um período histórico conhecido, entre outros nomes, como pós-modernidade, marcado pelo apego à razão técnico-científica, pela privatização e pelo consumismo.

As características desse período histórico legam à sociedade um desenvolvimento cada vez mais degradador e socialmente excludente. No entanto, a resposta atualmente difundida aos problemas criados por esse paradigma é o maior apego à ciência e ao mercado, aumentando esses problemas.

Assim, as classes exploradas ficam excluídas das decisões sociais, diante da impossibilidade de acesso ao conhecimento técnico e de participação no mercado. No entanto, a sedução pelo mercado e a ideia de que a única verdade possível seria aquela apresentada pela ciência faz com que tais classes ignorem a exploração e reconheçam as suas razões.

É, portanto, projeto da pós-modernidade a omissão da tensão entre classes, perpetuando a exploração social e o desenvolvimento excludente e degradador. O sucesso desse projeto não seria possível sem a difusão da cultura de massas e da distorção do sentido dos dreitos humanos.

Nesse passo, não obstante haja atualmente uma aparente defesa intransigente da ideia dos direitos humanos nos mais diversos contextos, na realidade, a maioria das pessoas é apenas objeto de discurso de direitos humanos e não sujeito de tais direitos.

Confirmando tudo o que foi exposto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 130/DF, afirmou que a liberdade de expressão estaria perfeitamente garantida quando os meios de comunicação em massa “formassem a opinião pública”. Assim, para o órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, a cultura do povo poderia ser perfeitamente oprimida e omitida pela cultura de massas e pelos interesses das classes beneficiadas e, ainda assim, os direitos humanos estariam sendo preservados e defendidos.

Mesmo sem uma análise mais detida das determinações constitucionais a respeito do tema, bem como da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, do Estatuto da Igualdade Racial, do Estatuto do Idoso, da Lei Rouanet, entre outras, concluímos que a imposição cultural e a omissão da cultura do povo não são o verdadeiro caminho apontado pela legislação para a promoção dos direitos humanos, mesmo que seja difícil convencer o Judiciário disso.

As dificuldades, no entanto, nunca impediram a Defensoria Pública de buscar o cumprimento de suas obrigações, e não a impediriam na atribuição de defender os direitos humanos e promover o direito cultural dos necessitados.

Assim, se o caminho judicial não é o mais eficiente no presente caso, outros estão sendo buscados, tais como a articulação da Defensoria Pública com os mais diversos movimentos sociais. Assim garantiremos que o povo será ouvido por meio de sua cultura, apresentando soluções eficientes para os problemas e mostrando o caminho para a superação de um paradigma excludente e degradador.