sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Sussurros de imortalidade


SUSSURROS DE IMORTALIDADE

Webster, possesso pela morte,
via, detrás da pele, o crânio;
seres sem tórax se inclinavam,
rindo sem lábios, subterrâneos.

Não olhos: bulbos de narciso
pasmavam de órbitas escuras!
Sabia: a mente ronda restos
mortais, com luxos e luxúrias.

Tampouco Donne, suponho, achava
algo melhor que a consciência
no atar, pegar e penetrar;
experto além da experiência,

sabia a angústia da medula,
o espasmo do esqueleto e viu
que, no contato dado à carne,
nada aplacava o osso febril.

* * *

Grishkin é lassa: sublinhado,
seu olho eslavo se acentua;
seu busto amistoso promete,
solto, pneumáticas venturas.

O jaguar brasileiro espreita
o mico arisco e afugentado,
com eflúvio sutil de gato;
Grishkin é dona de um sobrado;

O nédio jaguar brasileiro,
em sua sombra arbórea, não
destila um cheiro tão felino
como de Grishkin num salão.

E mesmo Abstrações circungiram
seu charme; nós rojamos entre
costelas secas, porém, para
que a metafísica se esquente.

Folhetim, 06.01.85.

- T.S.Eliot; trad. Nelson Ascher

[Fotografia: Ediago Quincó]
 — 
via
Revista Ellenismos
e
Foto: SUSSURROS DE IMORTALIDADE

Webster, possesso pela morte,
via, detrás da pele, o crânio;
seres sem tórax se inclinavam,
rindo sem lábios, subterrâneos.

Não olhos: bulbos de narciso
pasmavam de órbitas escuras!
Sabia: a mente ronda restos
mortais, com luxos e luxúrias.

Tampouco Donne, suponho, achava
algo melhor que a consciência
no atar, pegar e penetrar;
experto além da experiência,

sabia a angústia da medula,
o espasmo do esqueleto e viu
que, no contato dado à carne,
nada aplacava o osso febril.

* * * 

Grishkin é lassa: sublinhado,
seu olho eslavo se acentua;
seu busto amistoso promete,
solto, pneumáticas venturas.

O jaguar brasileiro espreita
o mico arisco e afugentado,
com eflúvio sutil de gato;
Grishkin é dona de um sobrado;

O nédio jaguar brasileiro,
em sua sombra arbórea, não
destila um cheiro tão felino
como de Grishkin num salão.

E mesmo Abstrações circungiram
seu charme; nós rojamos entre
costelas secas, porém, para
que a metafísica se esquente. 

Folhetim, 06.01.85.

-  T.S.Eliot; trad. Nelson Ascher 

[Fotografia: Ediago Quincó]

20 coisas incríveis sobre o corpo humano


BRIAN CLEGG

DO "OBSERVER"- Folha de São Paulo
Do DNA aos átomos que nos compõem, o corpo humano é uma maravilha científica
*
1 - APÊNDICE VITAL
O apêndice tem má fama. É geralmente tratado como uma parte do corpo que perdeu sua função há milhões de anos. Ele parece só servir para infeccionar e causar uma apendicite de vez em quando. Mas recentemente se descobriu que o apêndice é muito útil para as bactérias que auxiliam no funcionamento do nosso sistema digestivo.
Lá elas podem descansar da frenética atividade intestinal e encontram um lugar para se reproduzir, mantendo assim em bom estado a população bacteriana do intestino. Por isso, trate seu apêndice com respeito.
2 - MOLÉCULAS GIGANTES
Praticamente tudo que vemos é composto por moléculas. Elas variam em tamanho de um simples par de átomos, como uma molécula de oxigênio, até complexas estruturas orgânicas. Mas a maior molécula da natureza reside em nosso organismo --é o cromossomo 1.
Uma célula humana normal tem 23 pares de cromossomos em seu núcleo, sendo cada um deles uma única e longuíssima molécula de DNA. O cromossomo 1 é o maior deles, contendo cerca de 10 bilhões de átomos, para acomodar toda a informação codificada na molécula.
3 - CONTAGEM DE ÁTOMOS
É difícil ter uma noção de como são pequenos os átomos que compõem nosso organismo, a menos que você dê uma espiada nesse número impressionante: um adulto é composto por cerca de 7.000.000.000.000.000.000.000.000.000 (7 octilhões) de átomos.
4 - NUS EM PELO
Pode ser difícil de acreditar, mas temos em nosso corpo mais ou menos a mesma quantidade de pelos que um chimpanzé. A diferença é que nossos pelos são inúteis, pois ficam quase invisíveis de tão finos que são. Não sabemos ao certo por que perdemos nossa pelagem protetora.
Já se sugeriu que pode ter sido para ajudar os primeiros humanos a suarem com mais facilidade, ou para dificultar a vida de parasitas como piolhos e carrapatos, ou mesmo porque nossos ancestrais eram parcialmente aquáticos.
Mas a ideia mais atraente talvez seja a de que os primeiros humanos precisaram de mais cooperação ao descerem das árvores para a savana. Quando os animais são criados para cooperarem, como já fizemos com os lobos para produzir os cães, eles se tornam mais parecidos com seus filhotes. Numa fascinante experiência de 40 anos iniciada na década de 1950, raposas russas foram cruzadas para gerarem proles mais dóceis.
Ao longo desse período, as raposas adultas foram adquirindo cada vez mais o aspecto de filhotes grandes --passavam mais tempo brincando e desenvolveram orelhas caídas, caudas flexíveis e pelagem malhada. De forma semelhante, os humanos têm algumas características de macacos bebês --cabeça grande, boca pequena e, o que é mais significativo nesse caso, pelos mais finos.
5 - A EVOLUÇÃO DO ARREPIO
O arrepio é um vestígio dos nossos antecessores evolutivos. Ele ocorre pela contração de pequenos músculos ao redor da base de cada pelo, deixando os pelos mais eretos. Com uma pelagem decente, isso inflaria a cobertura sobre o corpo, colocando mais ar entre os pelos e melhorando seu isolamento térmico. Mas, como os pelos humanos são tão finos, o arrepio só serve para deixar nossa pele com um aspecto estranho.
Da mesma forma, sentimos nossos pelos se eriçarem quando ficamos assustados ou nos lembramos de algo comovente. Muitos mamíferos eriçam seus pelos quando estão ameaçados, para parecerem maiores e, portanto, mais perigosos. Os humanos costumavam ter uma defesa semelhante eriçando seus próprios pelos, mas, de novo, esse efeito visual está atualmente arruinado. Ainda sentimos a sensação do "cabelo em pé", mas não ganhamos volume visual.
6 - TRAUMA ESPACIAL
A julgar pelos filmes de ficção científica, coisas terríveis aconteceriam se nosso corpo fosse atirado para fora de uma nave espacial sem um traje adequado. Mas isso é basicamente ficção. Haveria algum desconforto, já que o ar dentro do corpo se expandiria, mas nada daquelas explosões corporais que Hollywood tanto gosta. Embora os líquidos de fato fervam no vácuo, nosso sangue é mantido sob pressão pelo nosso sistema circulatório, e ficaria tudo bem. E, embora o espaço seja muito frio, você não perderia calor de forma particularmente rápida. Como demonstram as garrafas térmicas, o vácuo é um ótimo isolante térmico.
Na prática, o que poderia matar você no espaço seria simplesmente a falta de ar. Num teste feito em 1965, ocorreu um vazamento de um traje espacial numa câmara de vácuo da Nasa. A vítima, que sobreviveu, permaneceu inconsciente por cerca de 14 segundos. O limite exato de sobrevivência é desconhecido, mas provavelmente seria de 1 a 2 minutos.
7 - COLAPSO ATÔMICO
Os átomos que compõem nosso corpo são feitos principalmente de espaço vazio, então, apesar de serem tantos, sem esse espaço você ficaria comprimido em um volume minúsculo. O núcleo, que compõe a maior parte do volume de matéria em um átomo, é tão menor que a estrutura total que poderia ser comparado ao tamanho de uma mosca numa catedral. Se você perdesse todo o seu "vazio" atômico, seu corpo caberia em um cubo com menos de 0,002 cm de aresta.
Estrelas de nêutrons são compostas por uma matéria que passou por exatamente esse tipo de compressão. Em um único centímetro cúbico de material de uma estrela de nêutrons há cerca de 100 milhões de toneladas de matéria. Uma estrela de nêutrons inteira, mais pesada do que o nosso Sol, ocupa uma esfera que tem mais ou menos o diâmetro da ilha de Wright.
8 - REPULSA ELETROMAGNÉTICA
Os átomos que compõem a matéria jamais se tocam. Quanto mais se aproximam, maior é a repulsa entre as cargas elétricas de suas partes constituintes. É como tentar juntar dois ímãs poderosíssimos, polo norte com polo norte. Isso se aplica inclusive para objetos que parecem estar em contato. Quando você se senta numa cadeira, não toca nela. Você flutua a uma ínfima distância sobre o assento, suspenso pela repulsa entre os átomos. Essa força eletromagnética é vastamente mais forte que a gravidade --cerca de 1 bilhão de bilhões de bilhões de bilhões de vezes mais forte. Você pode comprovar essa força relativa segurando um ímã de geladeira perto de uma geladeira, e soltando-o em seguida. A força eletromagnética do diminuto ímã supera a atração gravitacional de toda a Terra.
9 - POEIRA DE ESTRELAS
Cada átomo do nosso corpo tem bilhões de anos. O hidrogênio, elemento mais comum no universo e muito presente no nosso organismo, foi produzido no Big Bang, há 13,7 bilhões de anos. Átomos mais pesados, como o carbono e o oxigênio, foram forjados nas estrelas entre 7 e 12 bilhões de anos atrás, e espalhados pelo espaço quando essas estrelas explodiram. Algumas dessas explosões foram tão poderosas que também produziram elementos mais pesados que o ferro, os quais as estrelas são incapazes de construir. Isso significa que os componentes do nosso organismo são realmente antigos: você é poeira de estrelas.
10 - O CORPO QUÂNTICO
Um dos mistérios da ciência é como algo tão aparentemente sólido e evidente como nosso corpo pode ser formado por partículas quânticas de comportamento estranho, como os átomos e seus constituintes. Se você pedir à maioria das pessoas para que desenhe um dos átomos do seu corpo, elas vão apresentar algo como um sistema solar em miniatura, com um núcleo no lugar do Sol, e elétrons zunindo ao redor, como planetas. Esse foi, de fato, um dos primeiros modelos do átomo, mas percebeu-se depois que tais átomos desmoronariam num instante. Isso ocorre porque os elétrons têm uma carga elétrica, e acelerar uma partícula carregada, o que seria necessário para mantê-lo em órbita, faria o elétron emitir energia na forma de luz, caindo em espiral na direção do núcleo.
11 - SANGUE VERMELHO
Quando você vê o sangue jorrando de um corte no seu dedo, pode supor que ele é vermelho por causa da presença do ferro, assim como a ferrugem tem um tom avermelhado. Mas a presença do ferro é apenas coincidência. O vermelho ocorre porque o ferro se liga na hemoglobina a um anel de átomos chamado porfirina, e é o formato dessa estrutura que produz a cor. A hemoglobina pode ser mais ou menos vermelha, dependendo da existência de oxigênio vinculado a ela. O oxigênio, quando presente, altera o formato da porfirina, dando às células vermelhas do sangue um matiz mais vívido.
12 - DIFUSÃO VIRAL
Surpreendentemente, nem todo o DNA útil em nossos cromossomos vem dos nossos ancestrais evolutivos --parte dele foi emprestado de outro lugar. Seu DNA inclui os genes de pelo menos oito retrovírus. Esses são um tipo de vírus que aproveita os mecanismos celulares de codificação do DNA para dominar uma célula. Em algum momento da história humana, esses genes foram incorporados ao nosso DNA. Esses genes virais no DNA atualmente desempenham funções importantes na reprodução humana, embora sejam inteiramente alheios à nossa ancestralidade genética.
13 - OUTRAS VIDAS
Em termos apenas de contagem de células, há mais vida bacteriana dentro de você do que vida humana. Você tem cerca de 10 trilhões de células próprias, mas dez vezes mais bactérias. Muitas das bactérias que consideram você como seu lar são amistosas, no sentido de que não fazem mal. Algumas são benéficas.
Na década de 1920, um engenheiro americano investigou se os animais poderiam viver sem bactérias, na esperança de que um mundo livre de bactérias seria mais saudável. James "Art" Reyniers dedicou sua vida a montar ambientes onde animais pudessem ser criados livres de bactéria. O resultado foi claro. Era possível. Mas muitos dos animais de Reyniers morreram, e os sobreviventes precisavam consumir ração especial. Isso ocorreu porque as bactérias intestinais ajudam na digestão. Você pode existir sem bactérias, mas sem a ajuda das enzimas produzidas por essas bactérias em seu intestino você precisa consumir alimentos com mais nutrientes do que numa dieta comum.
14 - INVASORES DE CÍLIOS
Dependendo da sua idade, é bastante provável que você tenha ácaros nos cílios. Essas minúsculas criaturas vivem em células cutâneas velhas e no óleo natural (sebo) produzido pelos folículos capilares humanos. São geralmente inofensivas, embora possam causar uma reação alérgica em uma minoria de pessoas. Os ácaros dos cílios geralmente crescem até um terço de milímetro e são quase transparentes, então dificilmente você os verá a olho nu. Mas coloque um cílio ou pelo de sobrancelha sob um microscópio e você os encontrará, já que eles passam a maior parte do tempo bem na base do pelo, junto à pele. Cerca de metade da população humana os possui, uma proporção que cresce entre as pessoas mais velhas.
15 - DETECTORES DE FÓTONS
Seus olhos são muito sensíveis, capazes de detectar alguns poucos fótons de luz. Se você procurar numa noite muito clara do Hemisfério Norte a constelação de Andrômeda, encontrará uma pequena luz embaçada, quase invisível a olho nu. Se conseguir distinguir aquele minúsculo borrão, estará enxergando à maior distância humanamente possível sem auxílio da tecnologia. Andrômeda é a galáxia grande mais próxima da nossa Via Láctea.
Mas "próxima" é um termo relativo no espaço intergaláctico --a galáxia de Andrômeda fica a 2,5 milhões de anos-luz de distância. Quando os fótons de luz que atingem nosso olho iniciaram sua jornada, não havia seres humanos. Ainda estávamos por evoluir. Você está observando uma distância quase inconcebível, e olhando para um passado de 2,5 milhões de anos atrás.
16 - SENTIDOS ADICIONAIS
Apesar do que provavelmente lhe disseram, você tem mais do que cinco sentidos. Eis um exemplo simples: coloque a mão a alguns centímetros de um ferro quente. Nenhum dos seus cinco sentidos pode lhe dizer que o ferro irá queimá-lo. Mas você pode sentir à distância que o ferro está quente, sem tocá-lo. Isso ocorre graças a um sentido adicional --os sensores térmicos da sua pele. Da mesma forma, conseguimos detectar a dor e saber se estamos de ponta-cabeça.
Outro teste rápido: feche os olhos e toque o seu nariz. Você não está usando os "cinco grandes" sentidos para encontrá-lo, e sim a propriocepção. Esse é o sentido que detecta onde cada parte do seu corpo se encontra em relação às demais. É um metassentido, combinando o conhecimento que seu cérebro tem a respeito do que seus próprios músculos estão fazendo, e uma sensação ligada ao tamanho e formato do seu corpo. Mesmo sem usar seus cinco sentidos básicos, você pode guiar uma mão para tocar inequivocamente seu nariz.
17 - IDADE REAL
Assim como uma galinha, sua vida começou num ovo. Não uma coisa volumosa e com casca, mas mesmo assim um ovo --ou melhor, um óvulo. No entanto, há uma diferença significativa entre um óvulo humano e um ovo de galinha, com um efeito surpreendente sobre a sua idade. Os óvulos humanos são minúsculos. Eles são, afinal de contas, apenas uma única célula, e tem habitualmente em torno de 0,2 mm de diâmetro --mais ou menos o tamanho de um ponto final impresso. Seu óvulo foi formado na sua mãe --mas o surpreendente é que ele foi formado quando ela era um embrião.
A formação do seu óvulo, e da metade do seu DNA proveniente da sua mãe, pode ser considerada o primeiríssimo momento da sua existência. E isso aconteceu antes da sua mãe nascer. Digamos que sua mãe tinha 30 anos quando teve você, então se pode dizer que no seu 18º aniversário você já tem mais de 48 anos de idade.
18 - INFLUÊNCIA EPIGÊNICA
Estamos habituados a pensar nos genes como sendo o fator controlador que determina o que cada um de nós é fisicamente, mas os genes são apenas uma pequena parte do nosso DNA. Os outros 97% eram considerados lixo até recentemente, mas agora percebemos que a epigenética --os processos ocorridos fora dos genes-- também tem grande influência sobre o nosso desenvolvimento.
Algumas partes atuam para controlar os "interruptores" que ligam e desligam os genes, ou para programar a produção de outros compostos cruciais. Durante muito tempo, foi um quebra-cabeça entender como cerca de 20 mil genes (bem menos do que algumas variedades de arroz) bastavam para especificar exatamente como seríamos. A percepção agora é de que os outros 97% do nosso DNA são igualmente importantes.
19 - AÇÃO CONSCIENTE
Se você é como a maioria das pessoas, irá localizar sua consciência mais ou menos atrás dos olhos, como se houvesse uma pessoinha sentada lá, dirigindo o autômato muito maior que é o seu corpo. Você sabe que não existe de fato uma pequena figura lá, puxando as alavancas, mas sua consciência parece ter uma existência independente, dizendo ao resto do corpo o que é preciso fazer.
Na realidade, grande parte do controle vem do seu inconsciente. Algumas tarefas se tornam automáticas com a prática, de modo que você não precisa mais pensar nas ações básicas. Quando isso acontece, o processo é assumido por uma das partes mais primitivas do cérebro, próxima do tronco cerebral. No entanto, mesmo uma ação claramente consciente, como apanhar um objeto, parece ter alguns precursores inconscientes, com o cérebro sendo "aceso" antes que você tome a decisão de agir. Há uma considerável discussão a respeito de quando a mentalidade consciente desempenha o seu papel, mas não há dúvida de que devemos muito mais ao nosso inconsciente do que costumamos admitir.
20 - DELÍRIO ÓPTICO
A imagem do mundo que "vemos" é artificial. Nossos cérebros não produzem uma imagem da mesma forma que uma câmera de vídeo. Em vez disso, nosso cérebro constrói um modelo do mundo a partir de informações fornecidas por módulos que mensuram a luz e a sombra, as bordas, a curvatura e assim por diante. Isso simplifica a tarefa cerebral de preencher o ponto cego, a área da sua retina à qual o nervo óptico se conecta, onde não há sensores. Isso também compensa os rápidos movimentos espontâneos dos olhos, chamados movimentos sacádicos, criando uma falsa imagem de visão estável.
Mas o outro lado desse processo é que ele torna nossos olhos fáceis de serem enganados. A televisão, o cinema e as ilusões de óptica funcionam ao enganar o cérebro a respeito do que o olho está vendo. Também é por isso que a Lua parece ser muito maior do que é e variar de tamanho: o verdadeiro tamanho óptico da Lua é semelhante ao de um buraco aberto por um furador, quando seguro à distância de um braço.
Tradução de RODRIGO LEITE.

E continuam se esquecendo do povo... -SÉRGIO TOSTES


O GLOBO - 01/02/2013

Estamos às vésperas de serem eleitos dois
políticos, digamos, polêmicos, para presidir
as duas Casas do Congresso. Ambos
tiveram mandatos conferidos pelo povo.
Mas um deles, para não perder o próprio mandato
de senador, foi obrigado, em passado recente,
a renunciar à presidência da Casa. Com relação
ao outro, foram apresentadas documentações
indicando o uso de prerrogativas funcionais para
obter vantagens para si mesmo ou para pessoas
que lhe são muito próximas. É, pois, indispensável
indagar: estão eles à altura dos cargos a que
estão se candidatando?

A palavra mandato deriva da raiz latina mandatu,
que significa delegação e confiança. Pergunta-
se: esses dois parlamentares continuam a
ter a delegação e a confiança irrestritas do povo
brasileiro para presidir as Casas incumbidas de
elaborar as leis aplicáveis a toda a população, e
mais, se situarem na linha direta de sucessão à
Presidência da República?

A esse propósito, tornou-se fato corriqueiro — e
nem parece mais causar indignação — que servidores
públicos se transformem em homens ricos durante
o exercício de mandato popular. É possível
que tenham enriquecido de forma digna. Mas essa
presunção é iuris tantum, ou seja, o oposto pode ser
provado. E não é só no Legislativo que isso acontece.
Também no Executivo e no Judiciário, e até em
empresas públicas vinculadas ao Executivo.

A Constituição Federal não cria regras distintas
de tratamento para cidadãos comuns e cidadãos
especiais. O Executivo Federal dispõe de
um instrumento prático e efetivo para demonstrar
que, no âmbito fiscal, essa dicotomia não
existe. A Receita Federal constantemente verifica
(e está muito bem aparelhada para isso) as variações
da renda dos cidadãos brasileiros. Examina
também os sinais exteriores de riqueza, a
sua compatibilidade com os recebimentos auferidos
e, por óbvio, toma as providências cabíveis
quando esses recebimentos não são legítimos.
Todos são iguais perante a lei, como estabelece a
Carta Magna. Portanto, não há base para tratamento
diferenciado entre patrícios e plebeus.

A Secretaria da Receita Federal é órgão do Ministério
da Fazenda, este subordinado à Presidência
da República. A reinstauração da moralidade
pública e privada requer apenas um passo,
que, contudo, depende da vontade política da
autoridade máxima do País. Como ninguém coloca
em dúvida sua honradez e seu caráter, ressoa
a pergunta: por que não o faz

A verdadeira luta - Carlos Heitor Cony


Há 165 anos, o Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels consagrava como lei determinante da história a luta de classes. E as classes, esquematizadas ao limite, reduziam-se a duas: a do capital e a do trabalho. A aventura (ou a tragédia do homem) era condicionada pelos atritos ou pela dominação descarada entre uma e outra. Paradoxalmente, tal conceito pecou pelo exagero e pela simplificação.
É possível que em 1848, e até há pouco tempo, a sociedade tivesse apenas duas classes marcadas por interesses conflitantes. Hoje, além das duas tradicionais, representadas historicamente pelo capital e pelo trabalho, surgiu uma nova classe que, pouco a pouco, assume a "pole position" e torna-se a dominante. A do jovem.
Não adianta demonizá-lo, como o fazia Nelson Rodrigues, taxando-o de "uma besta". Muito menos de divinizá-lo, como alguns movimentos nascidos a partir de 1968, achando que a pedra de toque da ética, do gosto e do comportamento é apenas o que eles pensam, querem e consomem.
Até meados do século 20 não havia tempo para ser jovem. Saía-se da infância (onde tudo era mais ou menos proibido ou permitido) e entrava-se na fase adulta, numa pré-maturidade responsável e antecipada decorrente da universidade, do primeiro emprego, do serviço militar ou do casamento precoce.
A faixa que mediava as duas idades era pejorativamente chamada de "cachorro maluco", cujo emblema era o adolescente com o rosto coberto de espinhas e as mãos calejadas de masturbação. Não tinha hora nem vez. Se comprava uma roupa, ela teria de ser necessariamente provisória, pois a cada mês o jovem espichava. O mesmo valia para os sapatos e as ideias. Mais tarde, eles teriam direito a roupas, sapatos e ideias definitivas.
Acontece que, sem muita consciência do que estavam fazendo, no início eles apenas lutavam pelo direito de serem levados a sério. Pouco a pouco tornaram-se uma classe, com uma consciência especifica, uma ética e uma estética próprias.
Enquanto os adultos cada vez mais se isolavam em seus condomínios fechados, em suas casas abastecidas de TV a cabo, os jovens ficaram gregários, procurando-se uns aos outros até com um certo desespero, para juntos consumir --e como são os grandes consumidores da vida moderna, eles ditam o que a indústria, o comércio e o lazer devem produzir e ser.
Não adianta reclamar se vamos a um restaurante careta e pedimos um prato mais sofisticado. Há que se contentar com o hambúrguer e o saquinho de batata frita. Na loja de discos, pedir um CD clássico causa estupor ao gerente, que nunca ouviu falar em Schumann ou em Mahler. Por que não levar uma Lady Gaga que faz tanto sucesso e provoca tanto engarrafamento?
Na base da pirâmide pela expressão numérica, o jovem empurrou o vértice não exatamente para cima, como seria lógico. Empurrou para os lados. O adulto desconfia que está sobrando. E mais tempo fica em casa, agarrado a valores que cada vez valem menos.
Certa vez, comentei com o Ruy Castro a ignorância da massa consumidora dos jovens no que diz respeito à música popular brasileira. Examinando uma lista das cem melhores produções do repertório nacional, elaborada por um plenário de jovens até 21 anos, verifiquei que a música brasileira começara com Elis Regina. Antes dela, nada existia. Nem Carmem Miranda, nem Noel Rosa, Lamartine Babo, Ary Barroso, muito menos Dalva de Oliveira, Elizeth Cardoso, Dorival Caymmi.
Ruy me corrigiu: Elis Regina também já era, o "Fiat" de nossa música popular é Ivete Sangalo. Isso já faz tempo, é possível que a própria Ivete seja contemporânea das Guerras Púnicas e da Marcha Triunfal de "Aída".
Bem, nada a fazer a não ser tocar os burros para frente, e não faltam burros na praça, a começar pelos cronistas e assemelhados, como o autor deste texto.
Eu era ainda jovem, quase criança, quando aprendi na Bíblia --que lá em casa era mais uma decoração na estante do que um objeto de leitura-- uma frase mais antiga do que o Manifesto Comunista de Marx e Engels, mais antiga do que as Guerras Púnicas, Elis Regina e Dalva de Oliveira. A frase era curta em palavras, mas longa em conteúdo: "o número de imbecis é infinito".
Mais tarde, aprendi a frase em latim: "Stultorum numerus infinitus est". E além de infinitos, criaram a verdadeira luta de classes que continuará por séculos e séculos.
Carlos Heitor Cony
Carlos Heitor Cony é membro da Academia Brasileira de Letras desde 2000. Sua carreira no jornalismo começou em 1952 no "Jornal do Brasil". É autor de 15 romances e diversas adaptações de clássicos.

Ministra da Justiça da França 'rouba a cena' com discurso pelo casamento gay e enfurece conservadores‏


Hélène Bekmezian

  • Thomas Samson/AFP
    Christiane Taubira é ministra da Justiça da França Christiane Taubira é ministra da Justiça da França




A cena mais surpreendente não ocorreu no Palais Bourbon. São 20h de terça-feira (29), os deputados abriram oficialmente os debates sobre o projeto de lei "casamento para todos" há quatro horas e a sessão foi suspensa para o jantar. Do lado de fora, bem ao lado da Assembleia, na praça Édouard-Herriot, há entre 200 e 300 pessoas, ajoelhadas, protegidas por atentos policiais da tropa de choque. Elas rezam.


"Eu peço a Deus que esse projeto de lei não seja aprovado", diz pelo megafone o pregador desta vigília organizada sob a luz tênue dos postes pelo movimento católico integrista Civitas. Ele recita "Santa Maria mãe de Deus, rogai por nós, pobres pecadores". Os fiéis repetem em coro.


Em frente, no restaurante Le Bourbon, jantam juntos os dois únicos deputados da UMP [União por um Movimento Popular] a terem assumido publicamente a posição a favor do casamento homossexual: Franck Riester e Benoist Apparu, que aprecia com ironia – e com um sorriso – "essa musiquinha ambiente para o jantar". De volta à câmara, esses dois não se largarão mais. Assim como durante a sessão da tarde, eles permanecem sentados lado a lado, solidários na luta, os únicos da direita a não aplaudirem os oradores de seu grupo.


Apesar de Hervé Mariton e de Philippe Gosselin, principais protagonistas da oposição a esse texto, bastante envolvidos desde o começo nos trabalhos em comissão, a direita hoje só tem olhos para Henri Guaino. O deputado do departamento de Yvelines, que descobriu ter um fervor contra o "casamento para todos", teve a honra de defender a primeira moção de rejeição da direita – houve duas delas, rejeitadas, como esperado. Um belo meio de reconquistar popularidade junto a seus colegas, que lhe processavam por ilegitimidade no início da legislatura (além disso ele deixou a câmara pouco depois, e não voltou mais).


Emprestar de André Malraux seu tom para falar na tribuna é eficaz, e um verdadeiro desafio conseguir dizer "espermatozoides" no tom do ex-ministro da Cultura de Charles de Gaulle. Declamar slogans como "o casamento não é um direito, é uma instituição" só pode empolgar uma direita plantada em sua visão tradicional da família.


E voltar a falar desses "franceses simples e dignos" contrários ao casamento homossexual – ele já os havia mencionado durante seu primeiro questionamento ao governo no dia 15 de janeiro – diante de um governo que, segundo ele, só lhe respondeu com um "cale-se!", é garantir para si um belo sucesso entre a oposição. "Actors Studio!", lhe lança várias vezes a esquerda, que se uniu para ridicularizar o ex-redator de discursos de Nicolas Sarkozy, que em sua defesa garante: "Não, eu não terei vergonha quando meus filhos, meus netos lerem as palavras que usei neste debate".


Com os ouvidos atentos, uma mulher bate nervosamente com os dedos no balaústre que separa a plateia, lotada. Quinze anos depois de ter brandido uma bíblia aos prantos durante debates sobre os pactos de união civil, foi como simples espectadora que Christine Boutin assistiu aos debates sobre o casamento.


Do outro lado da câmara, em pé acima das fileiras da UMP e também vestida de branco, Frigide Barjot a encara. Mas a militante dos anti-casamento gay não parece tão tensa quanto a presidente do partido democrata-cristão, que cerra os pulsos enquanto fala a ministra da Justiça, Christiane Taubira, em preâmbulo aos debates. É o máximo que ela consegue exprimir: o público na plateia não pode emitir nenhuma manifestação partidária.


Já os deputados se manifestaram em voz alta durante a fala da ministra da Justiça. Após um início tímido, com Taubira pronunciando seu discurso sem olhar anotações, revelou seu talento de oratória, com sua voz sempre calma, lenta e determinada. Foi em uníssono que os deputados socialistas responderam "Nada!" quando ela perguntou: "O que o casamento homossexual tirará dos casais heterossexuais?" "Ridículo! É de chorar!", responde a direita, que em seguida repetirá à imprensa que "não é Badinter que quer", em referência ao discurso do ministro da Justiça pela abolição da pena de morte.


Já a maioria está encantada, eletrizada, e solta retumbantes aplausos. No Twitter, os deputados socialistas se derramam em elogios: "Taubira fantástica", escreve Razzy Hammadi, "tremendo discurso", comenta Bernard Roman, "que prazer e que orgulho ouvir o discurso de Christiane", concorda Jean-Marie Le Guen.


Ausente da sessão de perguntas ao governo que precedeu o debate, a ministra não assistiu às primeiras ofensivas da direita. Em seguida, ao longo do debate, a UMP foi aos poucos se vendo prensada, constrangida e às vezes obrigada a passar mais tempo negando ter qualquer homofobia do que desenvolvendo seus argumentos.


Como Hervé Mariton, que, sentado de pernas e braços cruzados na primeira fileira, fez uma objeção para perguntar se "se dizer enojado é uma maneira respeitosa de iniciar o debate". "Não moleste cada orador que vem à tribuna!", acabou se enervando o presidente Claude Bartolone, diante de suas falas intempestivas.


Em defesa do deputado do departamento de Drôme, deve-se dizer que os deputados do Partido Socialista não se contiveram quando ele inaugurou a discussão geral para a direita. Quando na tribuna ele perguntou no seu tom educado, "posso lhes contar uma anedota?", a resposta brotou dos bancos socialistas: "Não!" Mas algumas horas antes, o presidente da bancada do PS, Bruno Le Roux, havia avisado: "Nós previmos cerca de 200 horas de possíveis discussões." Na quarta-feira (30), para manifestar a opinião da UMP, entraram na disputa as duas figuras de proa do partido, Jean-François Copé e François Fillon.
Tradutor: Lana Lim        

Anne Hathaway tira proveito de uma cena de "Os Miseráveis"

folha de são paulo

Atriz se credenciou ao Oscar pela sequência em que canta a música 'I Dreamed a Dream'
RODRIGO SALEMENVIADO ESPECIAL A NOVA YORKAnne Hathaway, 30, é a grande favorita ao Oscar de melhor atriz coadjuvante por uma única sequência de "Os Miseráveis", de Tom Hooper.
Nela, Anne canta "I Dreamed a Dream", a canção mais famosa do musical. Ao longo da cena, ela vai se esfacelando emocional e fisicamente com a personagem, Fantine, a mulher que precisa vender o corpo para sustentar a filha.
"Não procurei por fatos tristes da minha vida para compor essa sequência. Só lembrei da pesquisa que fiz sobre escravidão feminina", revela a atriz, que cortou o cabelo e perdeu 12 quilos para o papel.
"Tenho uma regra: se não cresce de volta, então não tire. A única coisa que eles não podiam fazer era arrancar meus dentes", brinca a vencedora do Globo de Ouro e do prêmio Sindicato dos Atores.
"Se você não está disposta a cantar feito uma idiota e perder peso, então o papel não vale a pena", afirma.
Mas ela sabia que valia. Quando tinha sete anos, Anne viu sua mãe, Kathleen Ann, interpretar Fantine na versão teatral americana de "Os Miseráveis", nos anos 1980.
"Eu não imaginaria que a história voltaria para minha vida", diz a atriz.
Acostumada a cantar desde pequena, estudou na prestigiada escola de artes Vassar, em Nova York, e soltou a garganta em "Uma Garota Encantada" (2004).
Em 2006, virou estrela com "O Diabo Veste Prada". "Eu estava tão nervosa que não me permiti aproveitar a experiência", lembra-se Anne. "Aprendi que precisava lutar contra esse sentimento de insegurança. Se eu estava ali, era porque tinha algum mérito."


CRÍTICA MUSICAL
Com grandes interpretações e canções, filme é longo demais
RICARDO CALILCRÍTICO DA FOLHAPoucos gêneros cinematográficos esbarram tanto nas idiossincrasias de críticos e espectadores quanto o musical clássico -e, mais especificamente, as adaptações de blockbusters da Broadway para o cinema.
Tomemos o caso da vez: "Os Miseráveis". Para quem fica arrepiado só de pensar em personagens que soltam a voz sem motivo aparente, as quase três horas de cantoria ininterrupta e, em geral, lacrimosa do filme serão uma sessão de tortura.
Essa parcela do público sentirá uma estranha empatia com os sofrimentos de Jean Valjean (Hugh Jackman) - que já na primeira cena precisa carregar um enorme mastro sozinho- e Fantine (Anne Hathaway) -que tem os dentes arrancados sem anestesia.
Mas, para aqueles que têm Times Square como uma meca, "Os Miseráveis" é tudo que pediram ao Alá dos musicais: grandes interpretações, grandiosas canções, grandiloquentes cenários.
A esses, a ideia de que a máxima miséria deve ser retratada com a máxima opulência jamais parecerá contraditória, personagens que precisam solfejar cada nuance de seus sentimentos nunca serão excessivos.
Para quem gosta de um Fred Astaire aqui, um Gene Kelly acolá, mas tem alergia a qualquer tipo de pompa -como este crítico-, "Os Miseráveis" será simplesmente um filme longo, muito longo.

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    CHICLETE COM BANANA      ANGELI

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    PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

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    NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

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    MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
    ADÃO ITURRUSGARAI
    MALVADOS      ANDRÉ DAHMER

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    GARFIELD      JIM DAVIS

    JIM DAVIS

    HORA DO CAFÉ      ALVES

    Alves

    Charge - Benett

    folha de são paulo

    Moto contínuo (Jorge Mautner ) - Mariana Peixoto


    Tema de documentário em cartaz , Jorge Mautner milita na poesia, na música e na preparação do Brasil para a Copa de 2014. Aos 72 anos, o "ex-maldito" está de volta aos palcos 

    Mariana Peixoto
    Estado de Minas: 01/02/2013 
    Jorge Mautner e seu violino se tornaram ícones para a nova geração, fã do clássico Maracatu atômico


    Depois de uma sessão especial do documentário Jorge Mautner – O filho do Holocausto em Londres, Heitor D’Alincourt, que codirigiu o longa-metragem com Pedro Bial, ouviu de espectadores que aquele filme deveria ser ficção, pois uma pessoa como a retratada na tela não poderia existir. Aos 72 anos, Mautner se diverte com tal comentário. “Sou simultâneo. Vivo essa simultaneidade atráves da poesia, da música e da arte. É a infância que deflagra tudo, o que sou hoje é uma continuidade desse processo.” Tal afirmativa vem ao encontro da maneira como são retratadas as sete décadas de vida do poeta, escritor, violinista, compositor, cineasta, artista plástico e cantor – criador múltiplo rotulado, com certo equívoco, de “maldito”. 

    O filme entra em cartaz no circuito comercial – em BH, infelizmente, serão apenas duas sessões, no BH Shopping – depois de participar de festivais nacionais e estrangeiros. O documentário tradicional – com narrativa cronológica e linear alicerçada por depoimentos e imagens de arquivo – tem seu lado transgressor tirado do próprio personagem título. O título, por sinal, veio do livro O filho do Holocausto (2006), em que Mautner relata sua infância e juventude (de 1941 a 1958). Para as gerações que o conheceram a partir da regravação de Maracatu atômico feita por Chico Science e Nação Zumbi (de 1996, foi a primeira de uma série de novas versões de cantores e bandas que vêm relendo, com respeito e autoralidade, a obra de Mautner), o filme é obrigatório, pois lança luzes sobre a obra de um artista que nem sempre recebeu o reconhecimento devido.

    Colocando a música em primeiro plano – a trilha sonora foi lançada no final de 2012 –, o documentário traz as principais canções de Mautner (Lágrimas negras, O vampiro, Olhar bestial e Tarado, entre outras) gravadas em pocket show com a banda formada por Pedro Sá (guitarra), Kassin (baixo), Domenico Lancelotti (bateria) e Berna Ceppas (teclados e efeitos), além de Nelson Jacobina, o parceiro de Mautner por 40 anos, que morreu em 31 de maio. Também participaram Caetano Veloso e Gilberto Gil, figuras essenciais para sua carreira e companheiros no exílio londrino durante a ditadura militar. A parte musical é intercalada com narrativa documental.

    Candomblé O título O filho do Holocausto remete à origem de Mautner. Nascido no Rio de Janeiro, ele é filho de um judeu austríaco que chegou ao país para escapar da perseguição nazista. Se a primeira infância foi carioca – “A babá me colocava para dormir ouvindo tambores do candomblé”, lembra ele –, dos 7 aos 14 anos o músico viveu em São Paulo. “Minha mãe se casou de novo.  Num misto de amor e ódio com meu padrasto, que fazia bico nas rádios Record e Tupi, eu ficava ouvindo Jackson do Pandeiro e Aracy de Almeida”, relembra. Seu primeiro livro, Deus da chuva e da morte, foi escrito quando ele tinha 15 anos. Mas só em 1962 o aluno expulso de Dante Alighieri, tradicionalíssimo colégio paulistano, veria essa obra publicada (posteriormente, ela lhe renderia o Prêmio Jabuti). Naquela época, Jorge já havia dado os passos iniciais como compositor (O vampiro é dessa safra). 

    O músico foi parar no Partido Comunista e passou um período em Nova York até chegar a Londres. Nesse cenário, rodou o filme O demiurgo (1972) e se envolveu com os tropicalistas – Caetano e Gil se tornaram seus parceiros desde então. O filho do Holocausto acaba dialogando com outros dois documentários, também da safra de 2012, que giram em torno do Tropicalismo: Tropicália, de Marcelo Machado, já lançado, e Futuro do pretérito: Tropicalismo now!, de Francisco César Filho e Ninho F. Moraes, ainda inédito no circuito comercial. 

    “O Tropicalismo foi o apogeu do amálgama de que falou, em 1823, o José Bonifácio, sobre as diferenças entre povos e culturas no Brasil. Temos a cultura mais original do planeta, nossa história é resultante do romantismo, das culturas indígena e negra”, continua. Incansável, ele segue em plena atividade. Depois da morte de Jacobina, coautor de Maracatu atômico e Lágrimas negras, o cantor passou um período sem fazer shows, mas já voltou a se apresentar. Em formato mais intimista, Mautner empunha seu violino ao lado do maranhense Glad Azevedo; com banda, é acompanhado pela Tonno, de Bem Gil.

    Para além da música, o agora consultor do Ministério dos Esportes para a cultura pretende “irradiar a ideia do amálgama de que falava José Bonifácio” para o período da Copa do Mundo. Quem assistiu à versão de Macaratu atômico apresentada pelo rapper BNegão no encerramento dos Jogos Olímpicos de Londres não tem dúvida: Jorge Mautner sabe do que está falando. 

    JORGE MAUTNER,  O FILHO DO HOLOCAUSTO
    Direção: Pedro Bial e Heitor D’Alincourt
    O filme está em cartaz às 19h30 e às 21h40, no BH 1. Excepcionalmente no domingo, haverá apenas a sessão das 21h40. Classificação: 10 anos
    Jacobina e Mautner em cena do documentário


    “No último show dele, em Jacareí (interior de São Paulo, durante reunião dos Pontos de Cultura), demos um bis de 45 minutos. Imagine, ele estava no quarto ano de uma metástase violenta. O Nelson tomava metadona, tinha muitas dores e, durante quatro anos, participou de tudo: show, disco da Orquestra Imperial, a série Oncotô?, da TV Brasil. Participava da militância no Partido Verde, Partido Comunista, UNE, ONGs. No palco, as dores passavam, era impressionante. O Nelson morreu horas depois daquele show. No voo, durante a volta para São Paulo, no meio da dor, ele conseguia rir. Eu o provocava dizendo: ‘Vocês, verdes, vão deixar a gente sem luz’. O Nelson vai estar sempre comigo, é insubstituível, uma pessoa samurai. A música que fizemos para o disco da Orquestra (Fala chorando) diz assim: ‘Lágrimas são páginas/ Cheias de palavras que você/ Não pode mais continuar falando/ Porque a memória emudece a tua voz/ E então você fala chorando.’ 
    É uma música também sobre a morte.”

    >> Jorge Mautner, sobre o parceiro Nelson Jacobina, falecido em maio de 2012

    Facebook renascentista - Roberta Machado‏


    Estado de Minas: 01/02/2013 
    Quando Mark Zuckerberg criou, em 2004, o que viria a ser a maior rede social do mundo, muito do trabalho dependeu de complexos cálculos matemáticos que ele mesmo criou. O conceito do projeto, no entanto, pode não ter sido tão original assim. Um amplo trabalho de pesquisa sobre as academias de ciência italianas dos séculos 16 e 17, feito por instituições britânicas, mostra que alguns dos costumes do Facebook já eram moda entre grandes pensadores do movimento renascentista.
    De acordo com as análises de materiais produzidos nessas academias, grandes mentes, como Galileu Galilei, o pai da ciência, e Elena Cornaro Piscopia, a primeira doutora em filosofia do mundo, gostavam de compartilhar trabalhos, usar apelidos e registrar ilustrações com seus grupos de amigos. Um hábito não muito diferente dos internautas de hoje, que compartilham vídeos e fotos, expõem suas ideias em textos e adotam outros sobrenomes, seja por convicção política ou por brincadeira.
    A relação entre as redes sociais e os cientistas foi apontada pela Royal Holloway University, de Londres. Em conjunto com a British Library e da Reading University, a instituição examinou publicações feitas por antigas academias de pensadores da Itália entre os anos de 1525 e 1700. A análise das obras mostrou que os estudiosos recebiam apelidos irônicos nessas organizações, que funcionavam como um canal de comunicação exclusivo – assim como era o Facebook no início, quando foi criado unicamente para uso pelos estudantes da Universidade de Harvard.
    O estudo teve início em 2006, quando o Facebook ainda não havia chegado à Europa, e teve resultados inesperados. O que começou como um simples registro de nomes e títulos se tornou uma base de dados virtual que mais parece uma verdadeira rede social de renascentistas. “Quando começamos nosso projeto, queríamos ter uma lista completa dos livros relacionados a cada academia italiana, e decidimos conectar instituições a obras literárias e pessoas, dando detalhes curtos de cada envolvido”, explica Simone Testa, pesquisador do projeto. “Nos vimos criando essa base de dados, conectando pessoas de diferentes cidades e academias.”
    Além de grandes descobertas científicas, essas mentes brilhantes compartilhavam músicas, peças de teatro e poemas, um costume que persiste até hoje, na web, por meio de links que levam a serviços como o YouTube e o SoundCloud. “Podiam ser reuniões com propósitos sérios ou não. Elas podiam ser formais e ter estatutos e leis, ou ser bem espontâneas”, resume Simone. Os acadêmicos ainda dividiam cartas, notícias e discursos, muito similares aos depoimentos e posts que movimentam as timelines todos os dias. Os interesses dos grupos, que eram em sua maioria formados por jovens sem emprego formal, variavam de literatura e ciências a polícia, filosofia e música.
    Os grupos tinham nomes satíricos como Intronati, palavra italiana que identificava os maiores filósofos como pessoas de pensamento confuso, ou Gelati, que rotulava de “gélida” uma turma de acadêmicos que iniciava uma série de discussões calorosas sobre o mundo cultural de Bolonha. Os nomes dos membros não eram diferentes, como o próprio Galileu Galilei, que era conhecido na academia dos Ricovratis como L’Abbattuto (“o abatido”, em italiano).

    Ideia antiga Para o antropólogo digital Juliano Spyer, as redes sociais não nasceram com o surgimento da internet, e muito menos com o Facebook. “Rede social, para as ciências sociais, é a rede de relacionamentos que qualquer pessoa tem. Esse termo existe há mais de um século”, lembra o especialista. “A internet, na verdade, não tem a ver com futuro, ela mostra apenas como a gente adora conversar. Há semelhanças entre esse sistema de comunicação dos acadêmicos antigos e o Facebook, da mesma maneira que há semelhança entre chats e conversas de bar, entre SMS e telegramas.”
    Antes de existirem o botão de curtir e as linhas do tempo, aponta Spyer, a humanidade já se relacionava em tribos indígenas e outros círculos que expunham a intimidade às vezes de forma mais indiscreta que os perfis on-line. “Um jeito interessante de ver o Facebook e as redes sociais em geral é pensando no quanto eles estão nos levando de volta a um tipo de sociabilidade anterior à que a gente se acostumou a viver recentemente”, compara.


    Hoje, a divulgação é on-line

    Algumas das academias italianas renascentistas, como os Ricovratis ou os Linceis, ainda existem, e lentamente se adaptam à modernidade, tendo criado páginas no Facebook – apesar de ainda não muito populares e contarem com poucas curtidas dos internautas. Por outro lado, grupos científicos mais recentes já têm perfis bastante ativos, que usam a internet para divulgar notícias, pesquisas, fotos e curiosidades para os estudiosos e para o público comum. “Conheço vários acadêmicos importantes que se comunicam intensamente via Facebook. Da mesma maneira que a internet já não é um playground de nerds e geeks, as redes sociais já não são o pátio da escola de adolescentes”, avalia Juliano Spyer.
    A página da Academia Brasileira de Ciências (ABC), por exemplo, tem 2.117 fãs, e recebe polegares para cima ou compartilhamentos para cada post que publicou desde fevereiro de 2011, quando entrou na rede. O material veiculado – em sua maioria notícias do grupo – não é tão sigiloso ou revolucionário quanto as descobertas dos pensadores do século 16, mas tem ajudado a divulgar o trabalho da entidade e a despertar o interesse pela ciência. “Há grandes diferenças, mas há na essência um objetivo comum: fazer circular o conhecimento” resume Elisa Oswaldo-Cruz, chefe da Assessoria de Comunicação da ABC e responsável pela página. O grupo, que tem também uma conta com mais de 5 mil seguidores no Twitter, pretende ainda criar páginas no Instagram e no YouTube em breve.
    Outro exemplo de sucesso nas redes é a California Academy of Sciences, que já acumula 67.288 seguidores no Facebook. A página serve como uma vitrine, na qual internautas podem ver fotos de pesquisadores trabalhando com fósseis ou animais, além de serem informados sobre interessantes fatos científicos e vídeos gravados no zoológico e no museu da instituição. “É uma plataforma em que podemos continuar a conversa com visitantes depois que eles visitaram o museu, compartilhando informações sobre o que ocorre por trás das cenas”, comenta Amie Wong, gerente de marketing da instituição.
    A página foi lançada em 2005, quando a maior parte das empresas e grupos ainda duvidavam da credibilidade das mídias sociais. “O cenário da mídia social está em constante mudança com novas redes e diferentes tendências, então a estratégia da academia evoluiu com essas mudanças”, observa Amie. “Os métodos, o meio, a tecnologia e o alcance podem ter mudado, mas a curiosidade intelectual e a sede por conhecimento dos cientistas e dos entusiastas por ciência não mudaram.” (RM)