terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Sancionada por Obama, a Lei de Defesa do Casamento é alvo de críticas nos EUA‏

The New York Times
Frank Bruni

  • Pichi Chuang/Reuters
Que ano você teve, o tipo que realmente lustra uma lenda. Na Convenção Nacional Democrata, na campanha presidencial, nos muitos discursos e durante as abundantes entrevistas, você falou de modo eloquente sobre o que os Estados Unidos deveriam valorizar, assim como falou de modo inequívoco sobre a direção que deveria seguir. Tanta riqueza de convicções, tamanha fartura de palavras, exceto por duas que deveriam ter sido ditas há muito tempo: me desculpem.

Qual é sua desculpa para ter sancionado a Lei de Defesa do Casamento?

E por que, em meio a todas as batalhas da qual participou, e com toda a energia que conseguiu reunir, você não fez uma defesa mais vigorosa do casamento de mesmo sexo, especialmente diante de sua história nessa questão?

Você se preocupa com seu legado, como qualquer presidente faria. Por fazer vista grossa ao massacre em Ruanda, você apresentou uma espécie de mea culpa, e depois que Barack Obama pareceu tecer maiores elogios a Ronald Reagan do que a você, você se irritou.

Bem, a Lei de Defesa do Casamento, que diz que o governo federal reconhece apenas o casamento entre um homem e uma mulher, é uma das manchas mais feias em seu histórico, um ato incontestado de discriminação que transformou em lei o tratamento desigual a gays e lésbicas e, ao fazê-lo, validou o ponto de vista dos americanos que os veem como pessoas com menos direitos. Se nossos relacionamentos mais sinceros e comprometidos não correspondem, então nós também não. Se a forma como amamos é suspeita, então nós também somos. Não há dois modos de interpretar. Não há outra conclusão a ser tirada.

Em 1996, com uma preocupação exagerada com sua reeleição e o desejo de não ser visto como liberal demais, você colocou seu nome em um decreto execrável. E nunca assumiu plenamente isso e nem fez as correções adequadas. Já passou da hora, e é quase hora de Hillary, que está prestes a deixar o cargo de secretária de Estado, se reunir com outros membros do Gabinete e com Obama para dar seu apoio explícito ao casamento de mesmo sexo, o que ela nunca fez.

O papel dela como principal diplomata do país a desencoraja a se meter em assuntos políticos domésticos: essa é a tradição e a etiqueta. Mas a restrição em breve será retirada e eu argumentaria que ela é irrelevante; a igualdade no casamento é um assunto de direitos humanos, não de política; e ela é poderosa e amada o bastante para dizer o que quiser, pelo menos assim que deixar seu posto.

De qualquer modo ela, assim como você, se manteve de lado durante este capítulo vital da marcha de nosso país rumo a uma maior justiça social. Que vergonha, dado que nenhum outro casal foi maior dentro do Partido Democrata no último quarto de século e dado o orgulho merecido do partido em seu apoio ao casamento de mesmo sexo. Vocês dois deveriam ser uma parte mais integral desse orgulho. Vocês deveriam ser o próprio epicentro disso. É estranho e triste que não sejam.

A Lei de Defesa do Casamento é suja, em termos práticos e simbólicos. Ela nega pensão federal, atendimento de saúde e benefícios de licença médica –entre muitas outras proteções e considerações– aos casais de mesmo sexo que estão legalmente casados no crescente número de Estados que o permitem. Aos olhos da Receita Federal, esses casais são solteiros e quando um morre, o outro tem que pagar imposto sobre imóvel, por exemplo, algo que viúvos e viúvas heterossexuais não precisam.

O tratamento desigual está de modo acertado sendo contestado legalmente, e muitos tribunais federais decidiram que ele viola a cláusula de proteção igual da Constituição. A Suprema Corte pesou no final da semana passada quais desses casos pegaria, se é que o faria. Um anúncio deve ser esperado para breve. Com sorte, o mais alto tribunal do país derrubará a Lei de Defesa do Casamento, uma decisão que não criaria igualdade de casamento de costa a costa, mas mudaria o tom do debate nos Estados que estão considerando a legalização do casamento de mesmo sexo. Após sua sanção da Lei de Defesa do Casamento –que a grande maioria dos democratas no Congresso também apoiou, é preciso ser dito– sua postura defensiva frequentemente impede qualquer sugestão de arrependimento. Em 2008, você alegou que significa reescrever a história “deixar implícito que isso é de algum modo antigay”. Você evitou o assunto em seu livro de memórias de 2004, “Minha Vida”, cujas 957 páginas não incluíram qualquer menção à Lei de Defesa do Casamento, como Frank Rich notou na revista “New York” em fevereiro.

Em 2009, você finalmente disse que a Lei de Defesa do Casamento deveria ser eliminada e que apoiava o casamento de mesmo sexo, saindo à frente de muitos democratas que ainda tinham eleições com as quais se preocuparem e que ainda não viam, nas pesquisas, tanto apoio ao casamento de mesmo sexo quanto queriam ver. Mas seus comentários de lá para cá foram esparsos e sucintos: não mais do que uma declaração por escrito a favor do projeto de lei de 2011 legalizando o casamento de mesmo sexo em Nova York, seu lar desde que deixou a Casa Branca, e a mensagem de telefone gravada pedindo à população da Carolina do Norte para não aceitar a inclusão da proibição ao casamento de mesmo sexo na Constituição estadual, que acabaram aceitando.

Na convenção em Charlotte há três meses, em comentários que duraram 48 minutos, você pareceu encontrar espaço para falar sobre tudo, exceto o casamento de mesmo sexo. Obama mencionou a questão em seu discurso. Assim como Michelle Obama no dela. Mas nada de sua parte, e nenhuma defesa em particular ou evento para arrecadação de fundos para os referendos de igualdade de casamento que foram votados em 6 de novembro e eram considerados cruciais para a causa. Você representou um contraste pouco claro, indireto, para a próxima geração de porta-bandeiras democratas, como Andrew Cuomo, o governador de Nova York, e Martin O’Malley, o governador de Maryland, cujos apelos pela igualdade no casamento ressaltam uma nova realidade: nenhum democrata, nem mesmo Hillary, conseguirá uma candidatura crível à indicação presidencial do partido sem apoiá-la.

Não se deve esperar que um líder saia em defesa de toda questão importante. Ele ou ela tem que escolher. Mas sua escassez de palavras sobre o casamento de mesmo sexo neste ano é digna de nota no contexto de quanto você disse sobre muitos outros assuntos, sobre quão onipresente você esteve: capa da “Time”, capa da “Esquire”, “CNBC”, “Golf Channel”.

Também é digno de nota porque você cometeu um erro que precisa ser consertado. Eu digo isso mais com pesar do que com revolta, e com gratidão por todas as coisas que realizou durante sua presidência, que foi bem-sucedida. Você tem um gosto por política que o atual presidente não tem, poderes enormes de persuasão e um instinto para o centro. Talvez a Lei de Defesa do Casamento fosse o centro em 1996. Não é mais.

Sob o comando de Hillary, o Departamento de Estado foi mais progressista em seu tratamento aos funcionários GLS do que antes, um desenvolvimento em sincronia com sua proclamação em Genebra, no final do ano passado, que “direitos dos gays são direitos humanos” e que esses direitos são uma prioridade na diplomacia americana. Ela se dirigiu a muitos desses funcionários na quarta-feira, em um evento marcando o 20º aniversário de uma organização chamada Gays e Lésbicas nas Agências de Relações Exteriores, e ela implorou à sua plateia que “saiam dessa celebração pensando no que mais cada um de vocês pode fazer” para promover um tratamento melhor e mais justo dos gays.

Bem, ela pode fazer mais. Assim como você, presidente Clinton.

Eu fui descuidado no início. O que eu e muitos outros mais queremos de você não é exatamente um pedido de desculpas. É uma participação plena –e, melhor ainda, liderança– em um movimento que segue inexoravelmente na direção certa, com ou sem você.
Tradutor: George El Khouri Andolfato      

Eu vs. robô - Luli Radfahrer


folha de são paulo
O conflito entre Apple e Google é maior que seus modelos de negócios. É um confronto de paradigmas
Apple é uma fruta. Google é um algarismo. Mordida, a maçã representa o conhecimento, o domínio da vontade humana sobre as forças da natureza. Já o número é quase desconhecido. Em seu nome original -Googol-, ele equivale a um seguido de cem zeros, um valor tão grande que desafia a compreensão.
"I", em inglês, é um pronome pessoal. Representa o ser humano em sua complexidade, mistério, inconstância e criatividade. Android é um robô. Começa grande, impreciso e identificável para, aos poucos, se tornar invisível, certeiro e onipresente.
Enquanto o indivíduo fascina por sua genialidade, o autômato não tem medo de dizer que só sabe que nada sabe, cativando a todos com sua aparente modéstia.
Os produtos da Apple beiram o fetiche. Sua interface, bem-acabada até o último pixel, nasce pronta, resistente a críticas, fechada a colaborações. Como uma fênix, se reinventará se provada errada e voltará triunfante, ignorando o passado. Sua personalidade é tão forte que provoca reações intensas e perenes, que perduram até depois da obsolescência.
O Google, ao contrário, é tão espartano e discreto que beira a invisibilidade. Muitos de seus produtos nascem e morrem em silêncio. Os que sobrevivem sofrem mudanças progressivas, alheias a versões.
As oposições entre as duas filosofias parece não ter fim: um é pessoal, o outro, anônimo. Um privilegia o design, a caligrafia e o detalhe que beira o artesanal, o outro evidencia o cálculo, a análise, as bases de dados relacionais e o processamento paralelo quase instantâneo de inteligências artificiais.
Diferentes até nas semelhanças, ambas as empresas têm sua forma particular de reinventar, valorizar e promover ideias e produtos.
O conflito entre elas, no entanto, é maior e mais significativo do que a comparação de seus modelos de negócios. O embate está mais para confronto de paradigmas, choque entre o artesanal e o industrial, o dominador e o contemplativo, o humano e a máquina.
Mas até que ponto a tecnologia é alheia à nossa espécie? Não seria ela um dos ingredientes mais essenciais do homem, manifestando a eterna irritação e insatisfação que o macaco pelado tem com o estado das coisas a ponto de procurar, sempre, mudá-lo? Não seria ela tão humana quanto as artes, com o benefício adicional de melhorar a qualidade de vida se usada com critério?
Poucos a veem dessa forma. Curiosamente, do mesmo modo que aborígenes tinham medo que as fotografias lhes roubassem as almas, gente moderna e inteligente teme que a dependência da rede ou o uso de uma prótese tecnológica lhes roube a humanidade, deixando-os isolados, lobotomizados, pragmáticos e melancólicos.
O temor não faz sentido. Até porque há nele certa hipocrisia, já que nem o mais lírico dos mortais quer sinceramente voltar ao passado, abrindo mão de energia elétrica, água corrente, zíperes, lycra, velcro, teflon e tantos outros.
Seja encarada como aliada ou inimiga, a tecnologia veio para ficar. Prodígio ou bastarda, ela é nossa filha que cresceu, ganhou identidade e demanda compreensão. Rejeitá-la faz tão pouco sentido quanto adorá-la incondicionalmente. É preciso tratá-la como adulta.

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Folha de são paulo

CHICLETE COM BANANA      ANGELI

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PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

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DAIQUIRI      CACO GALHARDO

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NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO
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BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER

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MALVADOS      ANDRÉ DAHMER
ANDRÉ DAHMER
GARFIELD      JIM DAVID

JIM DAVID

Da depressão à mania


Transtorno mental que mais provoca suicídios, a bipolaridade é uma doença progressiva que acaba comprometendo as conexões entre neurônios, mostram as últimas pesquisas
Folha de São PauloJULIANA VINESDE SÃO PAULOO transtorno bipolar é progressivo e leva à perda da função de neurônios, segundo novos estudos, liderados por pesquisadores brasileiros.
A doença, caracterizada pela alternância entre depressão e euforia (mania, como os médicos dizem), atinge 2,2% da população: são 4,2 milhões de brasileiros.
Crises bipolares não têm nada a ver com as mudanças de humor da pessoa "de lua", que passa uma manhã agitada ou se irrita facilmente.
Um episódio de mania pode durar dias ou semanas e levar a alteração do sono, perda do senso crítico e comportamentos compulsivos como comprar demais ou consumir álcool e drogas.
Como tantos outros nomes de patologias, a expressão "bipolar" é usada fora do contexto médico. "Há um entendimento errado da bipolaridade. É uma doença muito grave, com uma série de sintomas. Mudar de humor rapidamente não faz o diagnóstico", diz o psiquiatra Beny Lafer, coordenador do Programa de Transtorno Bipolar do Hospital das Clínicas de São Paulo.
BANALIZAÇÃO
A bipolaridade é a doença mental que mais mata por suicídio: cerca de 15% dos doentes se matam. Os pacientes têm um risco 28 vezes maior de apresentar comportamento suicida do que o resto da população e até metade dos doentes tenta se matar, mostram levantamentos.
"A expectativa de vida de homens bipolares é 13 anos menor e de mulheres bipolares é 12 anos menor do que a da população em geral, segundo um estudo dinamarquês. A expectativa de vida do bipolar é comparável à do esquizofrênico", diz o psiquiatra Fábio Gomes de Matos e Souza, professor e também pesquisador da Universidade Federal do Ceará.
Considerando a gravidade, os médicos todos criticam a popularização do termo.
"É banalizar a doença. Estar triste é uma coisa, estar deprimido e não conseguir sair de casa é outra", diz a psiquiatra Ângela Scippa, presidente da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar.
De acordo com as últimas descobertas científicas, as crises de euforia e depressão são tóxicas ao cérebro.
ENXURRADA NO CÉREBRO
O grupo do psiquiatra Flávio Kapczinski, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é referência na área e publicou artigos em novembro e dezembro nas revistas "Translational Psychiatry" e "Current Psychiatry Reports".
"Assim como o organismo do diabético sofre com os picos de glicemia, o cérebro de quem tem transtorno bipolar não controlado sofre com o excesso de neurotransmissores", diz Kapczinski.
As crises são acompanhadas da descarga de substâncias como dopamina e glutamato. Na tentativa de controlar o incêndio, o organismo manda para a região células protetoras. "Essas células produzem inflamação, causando a perda de conexões entre neurônios. São os achados mais recentes, nem estão publicados ainda", adianta.
Após cinco episódios do transtorno perde-se 10% do hipocampo, área responsável pela memória, estima o psiquiatra Matos e Souza.
A médio prazo, a doença fica mais grave e as crises, frequentes e fortes. O doente responde cada vez menos à medicação. "Ele passa a ter problemas de memória, planejamento e concentração, funções ligadas à parte frontal do cérebro", diz Kapczinski.

Diagnóstico do transtorno pode demorar até dez anos
DE SÃO PAULOOs primeiros surtos de transtorno bipolar surgem como crises de depressão em 60% dos casos, daí a dificuldade no diagnóstico. O transtorno aparece, em geral, até os 25 anos.
Quando a doença se manifesta como mania, os sintomas são confundidos com os de esquizofrenia (megalomania, alucinações). "O diagnóstico leva até dez anos", afirma Helena Calil, psiquiatra e professora da Unifesp.
A dificuldade de determinar a doença é comum entre os transtornos mentais, lembra Jair Soares, psiquiatra brasileiro e pesquisador na Universidade do Texas em Houston (EUA).
Não há um marcador biológico que possa ser medido em um teste. "Dependemos do diagnóstico clínico, da descrição dos sintomas pelo paciente", completa Soares.
A avaliação clínica não consegue diferenciar uma depressão bipolar de outras. "O tratamento com antidepressivo puro pode agravar a doença. É um risco. Às vezes, só assim para descobrir", diz a psiquiatra Ângela Scippa.
Os casos mais complexos envolvem crises de hipomania, uma mania leve que pode aparecer como ciúme ou irritabilidade. Sentimentos normais que, no bipolar, são exagerados e causam prejuízos à vida -essa é a fronteira entre normal e patológico.
O alerta deve vir quando a família se queixa de instabilidade: a pessoa mostra alterações visíveis e fases de normalidade. Outros sinais são: histórico familiar (80% dos casos são hereditários), alterações no sono e uso de álcool e drogas (metade dos bipolares é dependente).
HIPOMANIA LEVE
Antes, o transtorno bipolar era conhecido como psicose maníaco-depressiva e incluía casos mais graves. Agora, se discute se pessoas com depressão e hipomania leve (irritadas, ciumentas demais) devem ser tratadas como bipolares -metade dos que sofrem de depressão se enquadra no perfil. Ou seja, 10% da população.
"Já há evidências científicas para isso", defende o psiquiatra Teng Chei Tung, do Hospital das Clínicas da USP.
Para Soares, se a caracterização for expandida demais, corre o risco de abarcar gente que não se beneficiará com o tratamento. "Será que vamos tratar pacientes que, em vez de melhorar, vão piorar?", diz.
A psicoterapia aumenta a adesão ao tratamento com remédios e ajuda a pessoa a conhecer os gatilhos das crises. "É importante, mas complementar", diz Leandro Malloy-Diniz, da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia.

Retrato bipolar realista é atração em série de TV
DE SÃO PAULOCarrie Mathison, agente da CIA, é bipolar, mas não quer que ninguém saiba. Toma remédios escondido, fica sem dormir e se expõe a situações de risco, comportamentos típicos de quem sofre desse transtorno.
Interpretada pela atriz Claire Danes, Carrie é personagem da série americana "Homeland", que passa no canal FX (domingo às 23h) e ganhou o prêmio Emmy de melhor série dramática.
A doença de Carrie não está controlada. Ela se esquece de tomar remédios e entra em crises de mania ou depressão. Após um surto, faz terapia de eletrochoque.
A forma como o transtorno é mostrado está sendo elogiada pela mídia americana. O "New York Times" publicou o relato de uma bipolar dizendo que "é raro ver uma representação brilhante de como é a vida de alguém com o transtorno".
"Pesquisei muito para não retratar Carrie como louca. Isso não é ser bipolar. Ela é cheia de contradições", disse Danes ao jornal "Sunday Telegraph".

'Em crise de euforia, me achava a Mulher Maravilha'
DE SÃO PAULO"Sempre fui diferente. Na escola fazia coisas demais, era brilhante demais e, de repente, ficava triste. Passei parte da vida tentando entender por que tinha os sentimentos tão violentos.
Perto dos 40 anos, procurei uma psicóloga. Achava que era alcoólatra. Sempre bebi bastante. A bebida tinha se tornado indispensável para mim, a agonia era tanta que só bebendo melhorava.
A psicóloga foi clara: 'Você de alcoólatra não tem nada'. Pediu que eu fosse a um psiquiatra. Depois de relutar, fui e veio o diagnóstico de transtorno bipolar, aos 44.
Ainda me achava 'Mulher Maravilha'. Hoje sei que tinha crises de euforia. É convidativo ser bipolar na euforia. Mas é uma agitação falsa, você logo se dispersa ou se cansa.
Achava que ninguém era mais competente do que eu. Meu pensamento era em alta voltagem. Se uma pessoa falasse devagar, já me irritava. Enquanto eu conversava, fazia na cabeça a agenda do dia.
O médico me passava remédios, mas eu não tomava. Pensava: 'Por que vou me tratar se sou o máximo?'.
Foi um desastre, porque aí tive uma crise de depressão grave. Era empresária. Um dia, travei dentro do carro. Tiveram que me tirar de lá, me levaram para casa e eu levei dois anos para sair de novo.
Só então aceitei o tratamento. Demorou até acertar a medicação. Não cheguei a ser internada, mas não podia ficar sozinha. Meu pensamento recorrente era melhorar para poder me matar.
Depois de dois anos, me estabilizei e voltei a trabalhar. No final, não consegui. Tive de fechar a agência de eventos. Minha autoestima ficou no pé, mas eu não segurava a tensão de ser empresária.
Foi quando conheci a Abrata [associação de apoio a bipolares]. Fui forçada a ir pela médica e quando cheguei me senti em casa. Ali tinha gente como eu. A gente se identifica com os detalhes. Quando a dosagem de medicação está alta, a gente treme e derruba o café. Lá não sentia vergonha de derrubar café.
Fui voluntária por dez anos lá. Hoje trabalho em um projeto meu, para crianças com transtornos de humor. Ser produtiva de novo é ótimo.
Tive várias crises nos últimos 20 anos. Às vezes acordo triste e depois fico irritada. Sempre me controlo. Tenho faróis internos. Quando está no amarelo já fico atenta.
Sei o que me faz mal. Evito multidões, não saio à noite, não dirijo. Eu engano bem. Isso tem um custo, não é fácil, mas com toda doença é assim, tem que aprender a lidar."

'Internado no hospital, tive a convicção de que era o Rambo'
DE SÃO PAULO"Tinha problemas com depressão desde adolescente. Também vivia fases de euforia, mas achava que era normal. Você não vai ao médico quando está bem, certo?
Demorei a ir a um psiquiatra. Nas crises, ia ao psicólogo. Não queria ser rotulado como doente mental.
Com 38 anos tive uma crise profunda. Melancólico, sem força, tentei suicídio. Então fui ao médico. Tive apenas o diagnóstico de depressão e fui internado.
Saí 15 dias depois, medicado, sem desejo de morte e com a sensação que se abria nova oportunidade em minha vida. Estava dominado pelo falso bem-estar proporcionada pelos antidepressivos.
Esse efeito seria temporário: o outro lado iria surgir sob forma de alienígena.
Quando você é bipolar e toma antidepressivo pode ter um episódio de euforia. Foi o que aconteceu. Fiquei muito pior. Ousado, irresponsável.
Chutei o balde, acabei deixando a família e o emprego. Passei a gastar demais. Fui internado de novo.
No hospital, onde fiquei 30 dias, tive a convicção de que era o Rambo. Minha mente girava em uma frequência totalmente anormal, o que me dava prazer. Cheguei a fazer 2.000 abdominais em menos de uma hora, corri à exaustão, tentei pular o muro do hospital. Eu acreditava mesmo que era feito de aço.
Depois de ter mais crises de mania e ir a seis psiquiatras, chegaram à conclusão de que eu tinha bipolaridade.
Quando soube, pensei 'ah que bom, não é falha de caráter'. Foi um grande alívio.
Só fiquei estável depois de três meses de tratamento. Isso já faz uns oito anos.
Escrevi um livro abordando o tema de forma positiva. A bipolaridade tem traços interessantes. Sou mais sensível, sou carismático. Hoje minha família tem orgulho de mim. Antes, tinha vergonha.
Nunca mais tive uma crise. Eu gostava de ficar eufórico. Dizem que o bipolar está duas doses de uísque acima do resto da humanidade. Parece bom, mas a que preço?"

    Outras ideias - Anna Veronica Mautner


    Folha de São Paulo - amautner@uol.com.br
    Dor e flor
    Há sempre um tipo de gratificação para a pessoa que suporta certos martírios 'heroicamente'
    POR QUE mulheres relutam tanto em denunciar as agressões por elas sofridas física ou verbalmente?
    Quando uma pessoa é agredida, sua autoestima é alterada e ela ocupa ao mesmo tempo dois espaços: por um lado, ela aguentou firme; por outro, foi humilhada. Uma parte dela é a forte, outra, a fraca.
    Quem comete a violência também ocupa concomitantemente dois lugares: o do agressor e o do covarde.
    Nem todo mundo precisa ser humilhado ou agredir para se sentir mais forte.
    Mas, frequentemente, encontramos esse tipo de relacionamento entre irmãos, colegas e casais que, assim, mantêm um vínculo dramaticamente incestuoso.
    A ironia, os apelidos, as gozações repetitivas, toda essa violência não física cai numa mesma categoria: a "faz, que eu gosto".
    Há sempre uma espécie de gratificação, alguma compensação, explícita ou implícita, para alguém que suporta "heroicamente" certos martírios. E a família constitui uma desculpa frequente para a perpetuação desses dramas: "Não queremos brigar durante a refeição"; "Não queremos dissolver o casamento".
    A literatura, o teatro e a telenovela descrevem esse tipo de relação à qual chamamos de "dramática". É a situação em que pessoas estão imersas em laços duradouros, mas o que funciona como amálgama da convivência é exatamente o sofrimento mútuo ou mesmo só a insatisfação de cada um.
    Olhando de perto, qualquer enredo de telenovela se baseia na vontade das personagens de se livrarem de seus cacoetes e de violências que sofrem -e na impossibilidade de conseguirem tal coisa sem pagar o preço de romper o convívio ou uma relação familiar.
    Cuidar do emprego, manter-se à frente de certos grupos também pode exigir que a pessoa suporte esse esquema sadomasoquista. Em linguagem clínica, é o nome desse tipo de relação.
    O masoquista não pode sofrer se não estiver em contato com quem lhe propicie sofrimento. E o malvado não tem dificuldade para achar quem o aguente.
    Aos casais que se mantêm unidos apesar das agressões, vamos considerar: a Lei Maria da Penha é um recurso importante.
    Mas a minoria das mulheres agredidas tem coragem de ir a público e denunciar o parceiro, seja porque aquela violência rotineira está muito instalada na dinâmica do casal, seja porque ela não está habituada a se valer da força adquirida nas últimas décadas.

      Quadrinhos [equílibrio]


      O BLOG DA MURIEL - LAERTE
      -
      AMELY - PRYSCILA VIEIRA

        Workshop 'íntimo e pessoal'


        Workshop 'íntimo e pessoal'
        Reportagem acompanha 'vivência' sobre sexualidade sagrada, mistérios femininos e a arte de amar, conduzida por professora de dança oriental no interior de SP
        Maria do Carmo/Folhapress
        A professora Dúnia La Luna (de azul) e alunas no workshop realizado em Joanópolis, interior de SP; No centro da roda, a agrônoma Mbatuya Medina, 27, incensa sua vagina
        A professora Dúnia La Luna (de azul) e alunas no workshop realizado em Joanópolis, interior de SP; No centro da roda, a agrônoma Mbatuya Medina, 27, incensa sua vagina
        Folha de São PauloIARA BIDERMANDE SÃO PAULO
        O encontro é na estação rodoviária do Tietê, em São Paulo. A previsão é de um dia quente. Vamos a Joanópolis, no interior do Estado, para participar do workshop "Íntimo e Pessoal".
        Criado pela terapeuta corporal e dançarina Dúnia La Luna, 36, o curso tem como proposta "aprofundar o prazer e a sexualidade cultivando a feminilidade sagrada".
        O tema é abstrato, mas as instruções são concretas: a participante deve ir com calças largas ou saia longa, levar biquíni e gel lubrificante.
        Os preparativos antes do curso incluem testar a força do assoalho pélvico e completar um questionário em que a aluna classifica de zero a dez o próprio desempenho sexual e seu conhecimento do corpo.
        A agrônoma Mbatuya Medina, 27, uma das seis alunas que pagaram R$ 330 pelo encontro, afirma que se deu nota dez nesses itens (no decorrer do workshop, disse que iria rever a classificação).
        Seu objetivo no curso é procurar orientação de alguém com mais experiência sobre sexualidade e "ser mulher".
        Dúnia conta que foi introduzida nos mistérios da feminilidade sagrada aos 16 anos, por sua professora de dança oriental. Aprofundou-se estudando a sexualidade da mulher na história e fazendo cursos de terapias corporais e pompoarismo.
        O workshop é feito em seu próprio espaço, a Casa Hetaira. Casa o quê? O tópico aparece na abertura das atividades, quando Dúnia fala de deusas sensuais e mulheres poderosas, como as hetairas, cortesãs da Grécia Clássica.
        SACERDOTISAS DO AMOR
        Enquanto bebemos água temperada com alecrim ("para despertar os sentidos"), ouvimos que toda mulher pode se tornar uma sacerdotisa do amor se valorizar o seu corpo e a si mesma e redescobrir o poder de sua vagina.
        A programação a seguir é o "ritual da beleza", na cachoeira. É quando os deuses da chuva aparecem no caminho das aspirantes a deusas do amor. Encaramos a lama da trilha vestidas com uma espécie de túnica longa e vaporosa cedida pela professora.
        À beira da cachoeira, é preparada uma máscara cosmética de argila, para passar no corpo e no rosto. A chuva diminui e entramos na água gelada, formando uma roda.
        "Eu mereço!", gargalha a professora Geralda de Lourdes, 47. Ela ainda não viu nada. O ponto alto da atividade é quando saímos da cachoeira e somos convidadas a incensar nossas vaginas.
        RITUAL DE DEFUMAÇÃO
        Em uma bacia de cerâmica são jogadas folhas de alecrim, guaçatonga, pétalas de rosa e lavanda. Além de purificar e perfumar, o incenso tem propriedades fungicidas, segundo Dúnia.
        Uma a uma, as alunas cobrem a bacia com a túnica e se agacham, sentindo a fumaça subir pelo corpo. "Contraia os músculos ao redor da vagina", orienta Dúnia a cada defumação íntima.
        A coisa esquenta. E dá fome. Uma bandeja de frutas é devorada no local, antes do almoço (cuscuz vegetariano).
        Enquanto digerimos a comida e as experiências recentes, Dúnia dá uma breve aula sobre anatomia genital e apresenta uma bandeja onde estão as "pérolas do prazer" dentro de conchas fechadas.
        Abre a primeira, é um cone para fortalecimento do períneo. Seguem-se bolinhas de pompoar e um vibrador. A instrutora explica os movimentos básicos do pompoarismo: contrair, sustentar, pulsar, sugar, expulsar.
        Musculatura aquecida, ela ensina a combinar os movimentos com as articulações do quadril: prender e soltar as contrações junto com ondulações da bacia.
        Antes que as alunas entrem em fadiga muscular, a professora muda o foco e demonstra manobras da massagem tântrica "lingam" (pênis em sânscrito) em um pênis de borracha.
        A jornada se encerra com movimentos e massagens inspirados na dançaterapia. As deusas estão liberadas: hora de voltar para casa.

        Maconha faz mal, sim - Suzana Herculano-Houzel


        NEURO
        SUZANA HERCULANO-HOUZEL - suzanahh@gmail.com

        Folha de São Paulo
        Acho burrice torrar o cérebro em troca de um barato, mas isso deve ser decisão pessoal de cada um
        AS REVISTAS vivem requentando matérias sobre a maconha, sempre com um tom defensivo, ignorando evidências cada vez mais numerosas: "maconha não faz mal". O pior é que cada vez mais jovens acreditam nisso.
        Mas tenho esperanças de que desta vez a coisa mude. Primeiro, porque um estudo com usuários holandeses mostrou que o consumo pesado de maconha está associado com a redução do tamanho do hipocampo.
        Quanto maior o consumo, menor o hipocampo -o que leva a crer que esses usuários estejam matando seus neurônios, dado o efeito tóxico conhecido do princípio ativo da maconha sobre os neurônios dessa estrutura, fundamental para a formação de novas memórias.
        E segundo: um lindo estudo feito na Nova Zelândia, capitaneado pela americana Terrie Moffitt, acaba de mostrar que o uso continuado da maconha iniciado ainda na adolescência está de fato associado à redução de memória, de habilidade matemática, de linguagem, de QI -enfim, de todas as habilidades testadas.
        O estudo, que explorou o rico banco de dados coletados ao longo de 38 anos sobre todos os 1.037 habitantes da cidade de Dunedin nascidos entre 1972 e 1973, comparou as habilidades cognitivas dos participantes em várias idades, desde antes de qualquer uso de maconha até o presente.
        Os não usuários e aqueles que começaram a usar maconha somente depois dos 18 anos não tiveram perda significativa de QI ou de habilidades cognitivas.
        Mas os participantes que usaram maconha desde antes dos 18 anos sofreram uma redução de mais de 10% no QI e perdas até mais graves de memória. Pior: quem parou de fumar maconha depois de adulto não reverteu a perda. O estrago já foi feito na adolescência.
        Acho que esses estudos, somados ao corpo já significativo de estudos anteriores, deixam claro: maconha faz mal, sim. Essa é uma constatação fundamental em tempos que favorizam a legalização dessa droga, e Moffitt e seus colegas fazem um apelo claro por campanhas de divulgação nesse sentido e para encorajar o uso "só mais tarde".
        Aproveito para registrar que sou contra a simples descriminalização da maconha, mas defendo a legalização desta e, aliás, de todas as outras drogas formadoras de vício.
        Acho profunda burrice torrar o cérebro em troca de um barato -mas isso deve ser decisão pessoal de cada um -e sem financiar a violência que causa problemas para os outros.

          Quem vai ficar com as crianças? - Rosely Sayão


          Folha de São Paulo
          Passar mais tempo com os filhos durante as férias escolares transformou-se em problema para os pais
          TENHO RECEBIDO mensagens de pais -de mães, principalmente- que comentam as consequências que as férias escolares dos filhos provocam em suas vidas, levantam questões e manifestam dúvidas sobre o que fazer com as crianças durante o recesso.
          Muitos deles perguntam se faz mal para a criança frequentar a escola nessa época, já que muitas delas oferecem recreação e cursos extracurriculares para a criançada ter o que fazer ou com quem ficar enquanto os pais trabalham.
          Outros questionam se a criança precisa mesmo passar tanto tempo sem ir para a escola, sem encontrar seus colegas, sem ter atividades diferentes para realizar com seu grupo.
          Há também os que reclamam. Vou citar uma leitora que, magoada, contou que havia planejado fazer um cruzeiro em meados do semestre próximo, mas que, como não encontrou alternativa para o filho, teve de renunciar ao passeio e marcar suas férias para o mês de janeiro, sem direito de viajar sozinha.
          Alguns pais perguntam a partir de qual idade a criança pode ir para um acampamento, outros querem dicas do que inventar para os filhos fazerem em casa, perguntam se devem manter rotina, hora de sono, tempo no videogame ou computador, escola de esportes etc.
          Há dúvidas de todo tipo. Então, vamos ajudar a esclarecê-las antes de refletir a respeito do tema.
          Ir para a escola quando a maioria dos colegas não está lá não deve ser muito agradável para crianças, não acha, leitor? Além disso, deixar sua casa quando não é necessário -as crianças sabem o significado de férias- é custoso para elas.
          Descansar dos adultos que trabalham na escola, do ambiente físico, das regras que lá existem, tais como hora de se alimentar, de trocar de roupa etc., é revigorante. Você não gostaria de passar dias de suas férias em seu local de trabalho, não é verdade?
          À escola a criança vai para aprender. Mesmo no ciclo da educação infantil, o brincar da criança é diferente e promove o aprendizado. Nem sempre sabemos dizer o que ela está aprendendo, mas que aprende, aprende. E isso é exaustivo. Por isso, a criança precisa de férias escolares, mesmo quando pequena.
          Ter filhos significa ter de renunciar, mesmo que temporariamente, a diversas coisas. Reclamar não é produtivo, já que o desejo de ter filhos foi dos próprios pais.
          É recente essa ânsia dos adultos de criar programação para os filhos. Eles mesmos podem fazer isso, mas só se tiverem tempo para o ócio. Claro que, depois de viver apenas com os adultos dirigindo suas atividades, eles estranharão um pouco, mas vão aprender o quanto é valioso serem donos de seu tempo, de suas escolhas, da ordem de seus afazeres.
          Por último, vale a pena pensarmos nos motivos que levaram muitos pais a tratar as férias dos filhos como um problema. Talvez, seja difícil saber o que fazer com as crianças sem a mediação dos horários rígidos e dos compromissos da agenda escolar. Talvez, seja mais difícil ainda conviver com os filhos por períodos maiores do que os pais estão acostumados.
          A partir de quando ficar com os filhos em casa transformou-se em um problema? Desde o momento em que ter filhos passou a ser uma ideia diferente da de acompanhar a vida de uma criança, cuidar dela, dedicar-se a ela, ficar disponível para o que possa acontecer; desde que passamos a querer viver com filhos do mesmo modo que vivíamos antes de tê-los. A partir do momento em que nossa vida desobrigada deles parece ser muito mais sedutora.
          Por que temos filhos?

          BBB de bebês


          Programa forma duplas de mães e filhos, com no máximo dois anos de idade, para competições gravadas na TV; vencedor vai ganhar R$ 100 mil
          "Mais Você"/TV Globo
          Participante do reality show do programa "Mais Você" durante competição
          Participante do reality show do programa "Mais Você" durante competição
          Folha de São Paulo 
          MORRIS KACHANIDE SÃO PAULOApós fazer o pior tempo, 12 minutos e 18 segundos, em uma prova que requeria encher três mamadeiras, trocar a fralda de um boneco, acertar três vezes a cestinha de basquete e responder quanto era 45 vezes 12 e dividido por 9, Patrícia desabafou: "Eu fico muito nervosa".
          Ela é uma das participantes do reality show que entrou no ar há oito dias no programa "Mais Você", de Ana Maria Braga, na TV Globo. "Estava pensando muito na minha filha na hora das provas, ela não estava bem. Eu não conseguia raciocinar."
          O papagaio Louro José, eterno companheiro da apresentadora global, retrucou: "Parecia que você estava passeando. É uma competição. Tem que correr, mulher!"
          Patrícia e outras seis mães, todas com seus filhos, de um a dois anos de idade, competem numa espécie de Big Brother. A propósito, o "Mais Você" faz parte do núcleo dirigido por Boninho, também responsável pelo BBB.
          A dupla vencedora (mãe e filho) ganhará R$ 100 mil e terá o direito de estrelar a próxima campanha de um fabricante de pomadas.
          Na atração, as atividades se concentram numa casa de 10 mil m² no Rio de Janeiro com brinquedoteca, berçário, parquinho, pediatra e enfermeiro 24 horas, entre outros.
          Mães e filhos ficam hospedados em um hotel e vão à casa para o jogo. Só as mães participam das gincanas.
          Mas os filhos as acompanham na casa, com direito a "videocassetadas" e birras no ar, além de encontros com especialistas como nutricionista infantil e educador.
          CHIQUEIRINHO
          No primeiro paredão, que lá se chama "chiqueirinho" [como eram chamados os cercadinhos para bebês], quem levou a pior foi a dupla Nataniele (mãe) e Fernanda (filha), do Maranhão. Nataniele apareceu dizendo: "Quero brigar por minha filha". Mas ao saber que o voto popular a excluíra do programa, ela chorou tanto, com todos os bebês por perto e na mesma sala, que não conseguiu falar. Duas mães a abraçaram e a consolaram.
          Um dia antes, Ana Maria havia dito no ar: "Foi uma delícia vê-las brigando pelos R$ 100 mil e pelo filho de vocês, enfim, pela participação".
          Isabella Henriques, diretora do Instituto Alana, considera o programa, que termina na semana que vem, de "péssimo gosto".
          "Sabemos que os primeiros anos são decisivos na formação de uma pessoa. O ambiente de competição e o clima de estresse entre as mães é determinante", diz.
          Para a psicóloga e colunista da Folha Rosely Sayão, o programa "demonstra como os adultos têm usado a criança a seu bel-prazer".
          Nessa idade, de acordo com Rosely, "a criança é indefesa. É o aparato externo que lhe dá segurança -o pai, a mãe, sua própria casa, e não um cenário com desconhecidos e ainda por cima cercado de câmeras. Imagino que as birras vão aumentar", afirma.
          "O que me impressiona é as mães acharem que estão fazendo tudo pelo filho."
          PONDERAÇÕES
          A Globo diz que o quadro é um projeto comercial desenvolvido para um fabricante de pomadas, com tratamento artístico da emissora.
          O fabricante, a Procter & Gamble, afirma que o programa é "respaldado por um de grupo de especialistas a fim de preservar o bem-estar e saúde dos bebês que acompanham suas mães participantes do game".
          Afirma ainda que os horários dos bebês pautam a dinâmica das gravações, e que cada um "alimenta-se da mesma forma como já fazia na sua casa".
          Este não é o primeiro reality envolvendo bebês no país. Entre julho e agosto, o programa "Hoje em Dia", da Record, exibiu o quadro "Superando o Primeiro Mês", retratando o cotidiano de três famílias, com direito a cenas de parto e da primeira noite em casa. Não havia premiação.

            MARIA ESTHER MACIEL » Ainda Nova York‏

            Tudo é demais da conta, tudo é um excesso de tudo 


            Estado de Minas: 04/12/2012


            Nova York é uma cidade inesgotável. O mundo todo está ali dentro, fervilhante. O tempo acaba sendo pouco para quem se propõe a percorrer seus lugares mais interessantes. A sensação é de que as horas voam, como em nenhuma outra cidade. Seu tempo é do agora mais imediato, mais vivo. Os apelos se multiplicam a cada momento, a cada esquina. Tudo é demais da conta, tudo é um excesso de tudo. Não há muito espaço para a contemplação e o devaneio, a não ser dentro dos museus e em áreas verdes, como o Central Park. Ainda assim, é tanta coisa para ver nesses espaços, é tanta gente que neles circula, que fica difícil devanear.

            Quando lá cheguei para uma temporada de pesquisa literária, estava com um roteiro de passeios em mãos, que pretendia seguir nas horas de folga. Uma lista de compras também, pois queria aproveitar a viagem para comprar presentes de Natal. Mas quem disse que consegui levar meus planos adiante? Se eu fosse visitar os lugares do roteiro, não teria tempo para as lojas. E vice-versa. Acabei preferindo a primeira opção, mesmo porque as lojas estavam impossíveis, de tanto movimento. Além do mais, não tenho muito talento para escolher coisas em meio a um labirinto de possibilidades. Fico atordoada diante das prateleiras e das inúmeras seções de produtos. E acabo por não comprar nada. É sempre assim. Para agravar a situação, ainda peguei a tal black friday, a sexta-feira infernal. O melhor que fiz nesse dia foi abandonar as ruas, ir caminhar no Central Park até as pernas doerem e depois me sentar num café-restaurante para observar o entorno. Aliás, foi nessa hora que vi uma das cenas mais divertidas da viagem: um casal de jovens louros e falantes comendo ostras com catchup.

            A região em que fica a Universidade de Nova York, na parte baixa de Manhattan, foi uma boa descoberta. Nunca tinha ido lá antes. Deu vontade de morar lá por uns meses. Ou anos. Os prédios todos da universidade estão integrados ao espaço urbano, já que não é um câmpus fechado. Isso torna o ambiente acadêmico mais animado e cheio de vida. Outros bairros próximos são igualmente atraentes, como o Soho, Greenwich Village e Chelsea, onde vi prédios interessantíssimos e visitei galerias impactantes. Caminhando pelo Soho, dá para chegar também a Chinatown, bairro cheio de ótimos restaurantes orientais.

            Ainda tive tempo para ir ao Museu Guggenheim, onde está aberta a exposição Picasso black and white, só com trabalhos monocromáticos do artista: um conjunto impressionante de obras em preto, branco e mais de 50 tons de cinza. Vale também conferir as novas aquisições de arte contemporânea desse museu, que, por si só, já é uma obra de arte. Deu para conhecer também a monumental Biblioteca Pública de Nova York, embora de forma superficial, pois é impossível percorrer tudo numa só visita. O prédio é uma maravilha e nos dá a sensação de estar num palácio. Ou, para os aficionados em livros, num paraíso.
            Não consegui ir, desta vez, ao Brooklyn. Disseram-me que andar de bicicleta pela ponte é uma aventura e tanto. Mas como choveu no dia em que havia planejado esse passeio e não tinha muito mais tempo, deixei para a próxima vez. Que seja logo, pois a lista das coisas que não fiz lá só cresceu.

            Tereza Cruvinel - O astral tucano‏

            A presença de destaque na festa tucana foi a de Fernando Henrique, que volta a se mover com desenvoltura na arena partidária 

            Estado de Minas: 04/12/2012
            Aproveitando um dos piores momentos do governo, marcado por um escândalo e uma decepção com a economia, o PSDB fez ontem um de seus melhores encontros. Diante de mais de 500 prefeitos eleitos, reunidos para receber diretrizes políticas e apoio técnico para a governança, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o presidente do partido, deputado Sérgio Guerra, lançaram a candidatura do senador Aécio Neves à Presidência da República, apontando-o como nome consensual e portador das qualidades para a empreitada.

            O noticiário on-line destacou muito ontem o fato de Aécio ter, aparentemente, tangenciado a candidatura, afirmando que ainda é cedo e que a hora ideal para um lançamento será “no amanhecer de 2014”. E mais: “Antes da candidatura a presidente, temos que apresentar ao Brasil uma nova agenda para os próximos 20 anos”. Mas, no fundo, o que houve foi um jogo bem combinado. Os dirigentes lançaram seu nome ao partido, preparando sua eleição para a presidência da sigla, o que lhe servirá de carruagem vistosa para transitar até 2014, acumulando forças para a disputa. Aécio, por sua vez, fez o discurso da cautela, evitando se expor ao sereno e aos ataques muito antes da hora. Não é mineiro por acaso.

            Uma ausência e uma presença chamaram a atenção. O ex-governador José Serra não participou porque está nos Estados Unidos, em compromissos pessoais. Sabe-se, porém, que Serra observa a massaranduba do tempo admitindo até mesmo afastar-se do partido. A presença de destaque na festa tucana foi a de Fernando Henrique, que volta a se mover com desenvoltura na arena partidária. Dela andou afastado, entre outros motivos, porque nos últimos 10 anos, o do reinado de Lula, o PSDB não fez uma defesa consistente de seu legado. E Serra é quem mais poderia tê-la feito, por ter sido o candidato do partido nas disputas mais importantes deste período. Em entrevista, FHC fez-lhe os elogios de praxe, mas sugeriu que ele agora se dedique mais às conferências, ao debate e à reflexão. Em conversas com tucanos, arrancou risadas ao comparar ex-presidentes a vasos chineses: são bonitos, mas como são muito grandes, ninguém sabe onde colocá-los. Mas o PSDB, pelo visto ontem, já reservou um bom lugar para seu vaso chinês na nova fase. É o que o sugere o deputado Marcus Pestana, quando diz: “A renovaçao do PSDB não deve ser etária. Tanto é que, aos 81 anos, Fernando Henrique é a nossa cabeça mais jovem, a mais antenada com o século 21. Sua presença mais intensa na vida partidária não traduz um olhar para o passado mas em direção a novos e possíveis horizontes”.    

            Algumas
            A deputada Rose de Freitas avisou a seu partido, o PMDB: vai até o fim com sua candidatura a presidente da Câmara, disposta a bater chapa com o líder de seu partido, Henrique Eduardo Alves. Ela calcula existirem quase 200 deputados que não votariam nele.

            Já o deputado Julio Delgado, do PSB, está matutando sobre a orientação do presidente de seu partido, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos: “2013 é ano de ajudarmos a presidente Dilma”.

            Do senador Fernando Collor (PTB-AL) sobre o relator Odair Cunha (PT-MG), que retirou um jornalista e o procurador-geral do relatório final da CPI do Cachoeira: “Ele vai ter que nos explicar como foi que, em poucas horas, suas convicções sofreram tão grande alteração”. O relatório desidratado será apreciado amanhã para moribunda CPI.

            Eles dão o tom - Ailton Magioli‏

            Wagner Tiso assume direção musical do show Carta de amor, de Maria Bethânia, depois de 30 anos da parceria da cantora com Jaime Alem. Outros profissionais falam sobre a função 

            Ailton Magioli
            Estado de Minas: 04/12/2012
             Com prazer e um pouco de temor. Assim Wagner Tiso recebeu o convite para fazer a direção musical do novo show de Maria Bethânia, Carta de amor, com o qual a cantora baiana, o maestro mineiro e banda chegam ao Palácio das Artes no fim de semana. “Já fiz música para teatro, mas arranjos e direção de música mais teatral ainda não havia feito”, justifica Wagner, que substitui o paulista Jaime Alem, que ficou 30 anos à frente da banda de Bethânia.

            A troca de diretores musicais não é uma prática muito comum entre os medalhões da MPB. Além de Maria Bethânia, Roberto Carlos, por exemplo, é fiel ao maestro Eduardo Lages há três décadas e meia. Chico Buarque trocou Cristóvão Bastos por Luiz Cláudio Ramos em 1989, com quem vem trabalhando em discos e shows. Cristóvão, por sua vez, foi trabalhar com Edu Lobo. Nos bastidores do showbizz tupiniquim circulam histórias divertidas envolvendo diretores musicais, cantoras e cantores. A mais pungente delas, segundo reza a lenda, não por acaso, envolvendo a pimentinha Elis Regina.

            Segundo relata Toninho Horta no documentário biográfico A música audaz de Toninho Horta, feito pelo diretor Fernando Libânio em plena turnê do disco Ela, na década de 1970, durante uma apresentação em Limeira (SP), a cantora gaúcha demitiu toda a banda no palco, no encerramento do show. “Senhoras e senhores, quero aproveitar para apresentar e agradecer aos amigos e grandes músicos que me acompanham, já que esta é a última apresentação que faço com a banda, para a qual peço uma salva de palmas”, teria dito Elis, para a surpresa de alguns.

            “Na hora, a ficha não caiu de imediato”, recorda o também guitarrista Nelson Angelo, lembrando do fato de que, naquele período, ainda não havia a figura do diretor musical em cena. Nelson Motta (que Elis namorava) escolhia o repertório com ela e os músicos se responsabilizavam pelos arranjos. “Mas houve quem já tocava com ela há mais tempo que não ficou satisfeito com a atitude”, acrescenta Nelson Angelo. 

            Toninho Horta diz que, apesar da surpresa, atitudes do gênero acabaram se tornando algo normal. “Afinal, os cantores têm direito de mudar de banda”, justifica o guitarrista, citando como exemplo a saída do maestro Letieris Leite da Orquestra Rumpillezz, da banda da cantora Ivete Sangalo. “Às vezes não dá para prever. Para se tornar diretor musical de alguém há de haver intimidade e parceria”, explica o guitarrista, que teve uma curta experiência na área com Maria Bethânia, além de dirigir orquestras e outros solistas.

            Para Jaime Alem fica um pouco difícil falar no assunto, depois da saída recente da banda de Bethânia. “Foi uma relação de 30 anos, que não envolvia apenas o aspecto profissional”, reconhece o maestro paulista. “Claro que posso falar, sem sombra de dúvidas, da escolha muito boa que ela fez para me substituir”, prossegue Jaime Alem, elogiando Wagner Tiso. A necessidade de renovação, na opinião do maestro paulista, é característica do meio e atingiu inclusive ele, que, durante os 30 anos de trabalho ao lado da cantora baiana também teria passado por isso. “Aprendi muita coisa com Bethânia e ela comigo também”, aposta Jaime Alem, lembrando que além de dirigir, Bethânia o teria ensinado a roteirizar shows. 

            Harmonias Wagner Tiso lembra que, como Maria Bethânia sabia muito bem o que queria – unir a reconhecida qualidade musical mineira à baiana –, ele se encaixou bem ao trabalho com a cantora no show Carta de amor. “Bethânia trata com muito respeito o trabalho e a carreira. É uma pessoa doce e educada, firme naquilo que quer para seus shows”, elogia Wagner, admitindo ser normal o solista reclamar, apoiar e até sugerir mudanças na direção musical do show.

            “Meu objetivo é colorir as ideias de Bethânia”, afirma Wagner Tiso, admitindo que a partir de sua marca registrada – os arranjos, repletos de harmonias que funcionam como contracanto – ele consegue conciliar a mineiridade com a baianidade. Por contrato, ele e Maria Bethânia estarão juntos pelo menos até abril, quando está previsto o encerramento da turnê.

            Ao comparar a musicalidade mineira com a baiana, Wagner Tiso lembra da leveza do grupo Novos Baianos, em contrapartida ao peso harmônico do Som Imaginário, que ele integrou. “Em Minas, são as montanhas, a introversão, enquanto na Bahia é a praia, a coisa mais solta, o que acaba refletindo na música’’. 

            Antes de Maria Bethânia, o maestro havia trabalhado em discos com os também baianos Gilberto Gil e Gal Costa, com quem fez o disco Acústico. Não por acaso, além de abrir e encerrar o novo show com música de Milton Nascimento (Canções e momentos), Bethânia incluiu as versões instrumentais de Cais e Maria, Maria no intervalo entre o primeiro e o segundo atos. Há quem jure que a intenção dela era também cantar as duas, que, no entanto, não teriam rendido resultado esperado pela cantora e pelo diretor musical.



            Ciranda

            Jaime Alem foi, por 30 anos, diretor musical de Bethânia, que hoje está com Wagner Tiso, que já trabalhou com Gal e Gil. Cristóvão Bastos toca hoje com Edu Lobo, depois de dirigir musicalmente shows de Chico Buarque, que hoje trabalha com Luiz Cláudio Ramos. Já Toninho Horta, que participou de discos de Chico e Gal, foi músico de Elis Regina, que o demitiu no palco ao fim de uma turnê. Quem não tem do que reclamar é Eduardo Lages, que é diretor musical de Roberto Carlos há 35 anos.

            Em clima de colaboração 

            Mulheres de Atenas , do disco Meus caros amigos, de 1976, foi o primeiro arranjo completo feito pelo maestro carioca Luiz Cláudio Ramos para Chico Buarque. “Mas desde a época do show de Chico com Maria Bethânia, no Canecão, já trabalhava harmonia com ele”, recorda Luiz Cláudio, no posto de arranjador, diretor musical e maestro do cantor e compositor desde 1989. “A função básica do diretor musical é colaborar, procurar mostrar da melhor forma o que o compositor quer”, diz o maestro, lembrando que alguns dos intérpretes são também compositores.

            “Chico é compositor, já Maria Bethânia não”, compara Luiz Cláudio Ramos, que também trabalhou por muitos anos com o Quarteto em Cy. No caso de Chico, ele acredita que tenha havido uma empatia muito grande entre eles. “As nossas cabeças são parecidas. A minha concepção harmônica é parecida com a dele, mas como estudei mais e tenho mais prática com isso, em alguns momentos tento ajudar, dando sugestões”, acrescenta o maestro, lamentando o fato de o músico não ter reconhecimento no Brasil.

            “Claro que o diretor musical acaba ganhando maior visibilidade”, reconhece, “mas acho que o ensino da música no Brasil é muito deficiente. Isto é importante nesta nova fase do país, com melhor distribuição de renda. Os maiores incentivadores para a inserção social são a arte e os esportes”, prega Luiz Cláudio Ramos, violonista, guitarrista, compositor e arranjador, irmão do cantor Carlos José, atualmente à frente da Sociedade Brasileira de Administração e Proteção dos Direitos Intelectuais (Socinpro).

            CIÊNCIA » Pensamento preciso - Bruna Sensêve‏

            Movimento com ajuda de próteses neurais %u2013 que permitem comandar máquinas apenas com a mente %u2013 fica mais eficiente. Pesquisa pode criar membros mecânicos mais precisos 
             

            Bruna Sensêve 
            Estado de Minas: 04/12/2012


            Brasília – A capacidade de mover algo apenas com o poder da mente está cada vez mais próxima do homem. Não se trata do desenvolvimento de poderes paranormais, mas da aplicação da mais pura ciência. Graças a próteses implantadas no cérebro, macacos – animais comumente usados em pesquisas desse tipo – já conseguem controlar máquinas e cursores em uma tela apenas com o pensamento, sem precisar mexer um só músculo. Agora, um algoritmo desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Stanford, nos Esatdos Unidos, promete tornar esse tipo de mecanismo muito mais preciso. A pesquisa, publicada recentemente na revista Nature Neuroscience, aponta que, no futuro, quando essa tecnologia for aplicada ao homem, o movimento imaginado por uma pessoa poderá ser realizado por uma máquina com a mesma habilidade de um membro humano.

            O professor de engenharia elétrica, bioengenharia e neurobiologia em Stanford Krishna Shenoy, junto da equipe liderada pelo pesquisador Vikash Gilja, partiu de mecanismos já existes para conseguir duplicar o desempenho do dispositivo, aproximando sua performance à de um braço real. O sistema consiste em um chip de silício implantado no cérebro que registra potenciais ações mecânicas ainda no processamento da atividade neural. Esses sinais são, então, enviados por uma matriz de sensores para um computador. A frequência com que as ações em potencial são geradas fornece as informações essenciais para que o computador, processando o algoritmo, consiga estabelecer a direção e a velocidade do movimento pretendido pelo usuário.

            Chamado de ReFIT-FK (sigla para Intenção de Feedback Recalibrada, em tradução livre), o papel do algoritmo é decodificar os sinais cerebrais. A ideia é que ele possa, futuramente, ajudar pessoas com dificuldades de movimento ou paralisia total de membros do corpo. Isso será possível porque, mesmo nessa situação, os neurônios de um indivíduo continuam a funcionar normalmente, e as células que controlam o movimento ainda disparam informações elétricas como se estivessem tentando realizar a ação. Munidos dessa informação, neuroengenheiros e cientistas do mundo todo, inclusive do Brasil, trabalham há alguns anos no desenvolvimento de próteses implantáveis que possam medir esses sinais e se moverem no lugar dos músculos inativos.

            “Essas descobertas podem levar a um desempenho e robustez muito melhores das próteses implantadas em pessoas com paralisia, algo que estamos buscando ativamente como parte dos testes clínicos com a plataforma BrainGate”, adianta Shenoy, que pretende iniciar testes clínicos utilizando o sistema recém-desenvolvido. 

            Rápido e duradouro Além de a velocidade ter sido duplicada com o uso do novo algoritmo, a precisão é um dos maiores diferenciais do programa. Assim como na relação entre o olho humano e a mão, o ReFIT-KF consegue fazer ajustes em sua rota no momento em que a executa. “O movimento real do braço ocorre por um sistema de controle neuromotor que tem consigo a ação, sua validação e sua correção, caso não esteja correto em um primeiro momento”, explica Marcos Pinotti, coordenador do Laboratório de Pesquisa Aplicada em Neurovisão (Lapan), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

            Para entender melhor, é preciso imaginar o momento em que o maior desejo de uma pessoa é acertar um perturbador mosquito durante a noite. “Se você tentar acertá-lo de uma vez, não vai conseguir. É preciso ir se aproximando aos pouquinhos, pois ele está voando aleatoriamente. Ou seja, otimizando sua trajetória no momento em que a realiza e não antes de executá-la”, continua Pinotti. Segundo ele, essa mesma lógica faz com que o dispositivo criado em Stanford se torne muitas vezes mais preciso que os anteriores. A otimização é feita em cada movimento e não na trajetória por completo.

            Com o objetivo de testar o ReFIT-KF, os pesquisadores passaram a macacos a tarefa de dirigir um cursor para um alvo na tela do computador. Primeiramente, o experimento foi feito com o uso de um mouse e, depois, somente com o controle da mente (veja infografia). O caminho do cursor do ponto de partida ao alvo era reto e direto, atingindo seu objetivo duas vezes mais rapidamente que os sistemas anteriores, entre 75% e 85% da velocidade alcançada quando braços reais foram utilizados. Tamanha agilidade é resultado de uma decisão arriscada dos cientistas. Eles abandonaram métodos tradicionais do campo.
            Atualmente, a maior parte da pesquisa em próteses neurais trabalha com a diferenciação de neurônios individualmente. Uma vantagem seria a criação de uma compreensão detalhada das células nervosas que controlam o movimento do braço, por exemplo. A escolha da equipe por pequenos grupos de neurônios, no entanto, trouxe um benefício não previsto: uma maior longevidade no desempenho dos sistemas. Registros de dispositivos anteriores trazem a crença de que, depois de seis meses ou um ano, eles já não podem interpretar com precisão o movimento pretendido pelo cérebro. O ReFIT, segundo o artigo, está funcionando muito bem e por mais de quatro anos após o implante.