sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Poesia

da lavra de  @hapoesia


‎'Curso de Fotografia'

Podia ser
Roma,
Milão ou
Turim,
mas era São Paulo.
Pinguins urbanos,
uma fileira com pombos
bamboleia no fio de alta tensão.
Feito brinquedo equilibrista,
lembrança da infância:
duas hastes, um fio condutor,
alguns bonecos articulados.
Detalhes urbanos que
meus olhos,
feito fotografia instantânea,
registram em papel-poema.

(Marcos R. B. Lima)

o que a vida tribal pode nos ensinar


folha de são paulo
ROBIN MCKIE
DO "OBSERVER"

A tribo kaulong, da Nova Bretanha, costumava ter uma forma extrema de lidar com famílias em luto. Até os anos 50, as mulheres dessa ilha do sudoeste do Pacífico que enviuvavam eram estranguladas pelos irmãos do marido, ou, na ausência destes, por um de seus filhos. O costume não permitia outra saída. Descumprir a norma implicava desonra, e as viúvas faziam questão de pedir estrangulamento assim que seus maridos morressem.
O impacto sobre as famílias era devastador, como Jared Diamond deixa claro em "The World Until Yesterday" ("o mundo até ontem", em tradução livre), seu mais recente livro. "Em um caso, uma viúva --cujos cunhados estavam ausentes-- ordenou que o filho a matasse", ele conta.
Arquivo pessoal
O biólogo Jared Diamond na Nova Guiné
O biólogo Jared Diamond na Nova Guiné
"Mas o rapaz não suportou fazê-lo. Por isso, para envergonhá-lo e forçá-lo a executar a ordem, a viúva marchou pela aldeia gritando que seu filho não queria matá-la porque preferiria fazer sexo com ela". Humilhado, o jovem acabou por estrangular a mãe.
O estrangulamento de viúvas acontecia porque os kaulong acreditavam que os espíritos masculinos precisavam da companhia de mulheres para sobreviver no além. É uma ideia grotesca, mas certamente não é a única concepção absurda a ganhar força entre as sociedades tradicionais, afirma Diamond. Outros desses hábitos incluíam infanticídio e surtos de guerra entre vizinhos, ainda que esses exemplos sejam contrabalançados por muitas instâncias de cuidado e compaixão, especialmente quanto aos idosos, e por uma preocupação quanto ao meio ambiente que causa vergonha ao Ocidente.
"Nós virtualmente abandonamos a vida em sociedades tradicionais", diz Diamond. "Mas essa foi a única forma de vida que os seres humanos conheceram ao longo dos primeiros seis milhões de anos do planeta. Ao deixá-la de lado nos últimos milhares de anos, perdemos nossa vulnerabilidade a doenças, ao frio e a animais selvagens, mas também perdemos boas maneiras de criar filhos, cuidar dos idosos, evitar o diabetes e doenças cardíacas e compreender os verdadeiros riscos da vida cotidiana."
Diamond usa um paletó vermelho, calças xadrez, uma camisa muito bem passada e uma gravata. Com sua barba sem bigode, ele parece mais um pregador amish renegado do que um renomado biólogo. Seu livro, cujo subtítulo é "o que as sociedades tradicionais podem nos ensinar", é uma espécie de antropologia de resgate, ele explica, um esforço para salvar as últimas pérolas da vida tribal antes que ela seja destruída totalmente pela expansão das nações e Estados.
"The World Until Yesterday" é a mais recente incursão de Diamond em um campo que ele virtualmente domina --a análise biológica da história humana-- e está sendo ansiosamente aguardado por um exército mundial de leitores fiéis. Enquanto os historiadores tradicionais se concentram em tratados e sucessões, Diamond toma por tema as restrições ecológicas que influenciam o destino de um Estado ou nação específico.
Como exemplo basta o muito bem-sucedido "Armas, Germes e Aço", publicado em 1998 e que vendeu mais de 1,5 milhão de cópias. O livro foi escrito como resposta a uma pergunta básica: por que a Espanha conquistou os incas, e não o contrário? Ou, para expressar em termos mais gerais, por que as nações do Ocidente prosperaram à custa do restante do planeta?
Os historiadores tendem a evitar essa questão ou a aludir ao vigor intelectual inato e à força genética que, sugerem, caracterizam os povos ocidentais. Diamond descarta essa tese. A Europa se tornou uma base de poder porque suas nações cresceram das primeiras sociedades agrárias, surgidas no Oriente Médio cerca de 8.000 anos atrás, diz.
E a agricultura surgiu porque os animais mais domesticáveis do planeta, como ovelhas, gado e cavalos, foram encontrados nessa região. Dada a vantagem inicial assim conquistada, a Europa foi capaz de sustentar um nível de produção de alimentos que permitiu que os primeiros Estados políticos e bases de poder militar se materializassem.
Armas e aço foram inventados lá e usados para conquistar o resto do mundo. Desprovidos dessas tecnologias, os incas tinham pouca chance contra os espanhóis. Os germes --"o sinistro presente da Europa aos demais continentes"-- seguiram em seu rastro.
A mensagem do livro é simples mas politicamente controversa: não existe nada inato de superior nos ocidentais. Eles não constituem uma raça dominante. São apenas povos geograficamente privilegiados.
EXPERIÊNCIA FASCINANTE
"Armas, Germes e Aço" foi elogiado pela erudição, prosa clara e sínteses elegantes de múltiplas fontes, da arqueologia à zoologia. Um resenhista norte-americano definiu o livro como "darwinista em sua autoridade", enquanto aqui no "Observer" o descrevemos como "livro de visão e confiança extraordinárias". O trabalho valeu um Pulitzer a Diamond; foi citado incorretamente por Mitt Romney na eleição presidencial do ano passado; e gerou diversas imitações, entre os quais "Sex, Bombs and Burgers" ("sexo, bombas e hamburgers", em tradução livre), uma história dos EUA moderno por Peter Nowak.
Diamond parece confiante e em forma e, apesar de já ter 75 anos, garante que continua a realizar viagens de campo à Nova Guiné a cada ano ou dois. Por décadas, ele acampou nas florestas da ilha com as tribos locais, estudou seus hábitos e observou seus intermináveis ciclos de ataques e reconciliação.
"Foi uma experiência fascinante", ele diz, "e a motivação inicial para 'The World Until Yesterday' era compartilhar o que vi na Nova Guiné nos últimos 50 anos e o que os povos da ilha me ensinaram".
Diamond chegou a essa campo de maneira estranha. Seu pai, Louis, era um conhecido pediatra e especialista em doenças de sangue, e sua mãe, Flora Kaplan, era pianista clássica e linguista. Os dois vieram de famílias judias da Europa Oriental que escaparam dos pogroms do começo do século 20 e se radicaram em Boston, onde Diamond cresceu, o que lhe confere um melífluo sotaque da Nova Inglaterra, com vogais distendidas a ponto de estourar.
Jared seguiu os passos do pai e se formou em medicina, estudando fisiologia nas universidades Harvard e depois em Cambridge, se tornando especialista nos processos de transferência salina da vesícula humana. Ainda na casa dos 20 anos, decidiu mudar de especialidade e optou pela ornitologia, o que o levou à Nova Guiné. (Ele é autor de diversos trabalhos acadêmicos sobre os pássaros da ilha.)
Lá, logo se fascinou pelas diversas sociedades nativas e, por fim, passou a se dedicar ao campo da antropologia cultural e sociologia. No momento, é professor de geografia na Universidade da Califórnia em Los Angeles.
Desde que se mudou para Los Angeles, Diamond vem publicando os livros que lhe valeram fama popular. O primeiro, "O Terceiro Chimpanzé", saiu em 1992. O título é uma referência ao homo sapiens, descrito por Diamond como uma espécie de chimpanzé cada vez mais fora de contato com o mundo natural, especialmente desde a invenção da agricultura, "uma catástrofe da qual não nos recuperamos".
Com a chegada do cultivo de alimentos, argumenta Diamond, as mulheres ficaram sujeitas ao trabalho doméstico; povos começaram a acumular recursos e riqueza; e nossa proximidade com os animais deflagrou epidemias de doenças que ainda ameaçam nos aniquilar. "Com a agricultura vieram uma imensa desigualdade social e sexual, doenças e despotismo, que ainda amaldiçoam a nossa experiência", ele afirma. O livro lhe valeu um prêmio da Royal Society para o melhor livro científico de 1992.
Em seguida veio "Armas, Germes e Aço", e Diamond acrescentou um novo pecado aos introduzidos pelos primeiros agricultores: o colonialismo, que inclui, como já vimos, a escravização do povo inca pelos conquistadores espanhóis. Depois, em 2005, veio "Colapso: Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso".
No novo trabalho, ele tentava responder a outra questão básica sobre a espécie humana: por que algumas culturas se desintegram quando seus membros destroem o habitat que ocupam enquanto outras conseguem manter um cuidadoso equilíbrio ecológico? Por que os vikings pereceram na Groenlândia do século 16 mas os inuit prosperaram? Por que os antigos maias arruinaram sua ecologia ao abater as florestas de suas terras, assim causando a erosão do solo e a fome que resultaram no colapso de sua civilização? E, a mais pungente das questões, por que o povo da Ilha de Páscoa abateu todas as suas árvores e com isso se aprisionou no meio do Pacífico, decaindo depois para a anarquia e o canibalismo?
Ao responder a essas questões, Diamond identificou diversos fatores que ajudam a explicar o colapso das sociedades: intransigência política, mudanças no clima, perda de comércio exterior, ataques de vizinhos e degradação ambiental causada internamente. E é crucial perceber que esses fatores estão agora operando em escala mundial, ele diz. Pintado em quadro mais amplo, o destino do povo da Ilha da Páscoa pode se repetir em todo o planeta, a não ser que ajamos.
À BEIRA DA EXTINÇÃO
Não existem grandes heróis ou líderes nas narrativas de Diamond. As páginas de "O Terceiro Chimpanzé", "Armas, Germes e Aço" e "Colapso" não falam de líderes como Churchill, Hitler ou Genghis Khan. Ele escreve a história sem o aspecto pessoal, e os protagonistas humanos anônimos de seus relatos oscilam à beira da extinção em um mundo ambientalmente hostil.
Alguns antropólogos discordam da postura de Diamond quanto à falta de importância dos indivíduos no grande quadro dos acontecimentos históricos. Eles o acusam de pintar os seres humanos não como agentes conscientes, e sim como vítimas impotentes de seu ambiente, e dizem que Diamond desconsidera a importância da iniciativa humana.
Outros críticos fazem acusações mais específicas. Diversos contestam sua alegação de que os habitantes da Ilha da Páscoa foram os causadores do desastre que os exterminou. Expedições externas de captura de escravos e doenças introduzidas pelos europeus foram as verdadeiras causas do despovoamento, e não a guerra civil, e animais selvagens causaram o colapso ambiental da ilha, afirmam.
A maioria das resenhas para todos os livros de Diamond, no entanto, costuma ser favorável. Em artigo para a revista "New Yorker", Malcolm Gladwell elogiou a importância que Diamond dá a questões biológicas no estudo de culturas e sociedades. O elogio "civilizado" não é garantia de sobrevivência, Gladwell afirma. "Podemos ser pacíficos e respeitar a lei, sermos tolerantes e inventivos, dedicados à liberdade e fiéis aos nossos valores, e ainda assim adotarmos comportamento suicida do ponto de vista biológico".
A mesma questão controversa embasa todo o trabalho de Diamond: a crescente dissonância entre a humanidade e o mundo natural. Ele descreve como pequenos grupos de seres humanos --variando de algumas dezenas a algumas centenas de caçadores-coletores-- sobreviveram a diversas eras glaciais, se mantiveram próximos da natureza e ainda assim conseguiram conquistar o mundo. "Acredito que as poucas tribos e bandos de nômades que restam no planeta tenham muito a nos ensinar", ele diz, é essa crença que inspira seu novo livro.
Alguns costumes tribais, como o estrangulamento de viúvas, certamente não farão falta. "Não devemos romantizar as sociedades do passado", ele diz. "Há coisas horríveis que devemos evitar, mas coisas maravilhosas que precisamos imitar".
A criação de filhos é num bom exemplo. Longe de serem duros para com as crianças, muitas tribos e grupos adotam atitudes fortemente permissivas. "Quero dizer permissivas a ponto de não existirem punições para as crianças em caso algum. Se uma mãe ou pai bate em uma criança, entre os pigmeus da África, isso serve como justificativa para um divórcio. Essas sociedades não permitem punição física. Se uma criança brinca com uma faca afiada e a aponta para os outros, ninguém reprime. Elas se cortam em certas ocasiões, mas a sociedade calcula que é melhor que a criança aprenda do modo mais difícil desde cedo na vida. Elas são autorizadas a fazer suas escolhas e a seguir seus interesses".
Diamond tem filhos gêmeos, Max e Joshua, ambos eram tratados como homenzinhos pelos pais. "Permitimos que fizessem o que queriam, na medida do possível, e nunca batemos neles", diz Diamond. Mas permitir que seus filhos desenvolvessem os interesses que escolheram teve consequências inesperadas. Aos três anos, Max desenvolveu uma paixão por cobras, e a casa dos Diamond terminou abrigando mais de 150 répteis e anfíbios.
De sua parte, Joshua transferiu seu amor inicial pelas borboletas às pedras e depois aos campos de batalha da guerra civil americana e da Segunda Guerra Mundial. "Eu o levei a Guam certa vez", relembra Diamond com carinho. Hoje, Joshua está estudando Direito e Max é chefe de cozinha. "O ponto crucial é que permitimos que seguissem seus caminhos. Aprendi isso com os povos da Nova Guiné".
Diamond estudou sociedades tradicionais na África, América do Norte, América do Sul, Ártico e Ásia, mas a maioria de suas análises se baseia na observação de seu campo de trabalho científico mais comum, a Nova Guiné, o que não deixou de ter suas tribulações. Muitos anos atrás, Diamond conta ter conhecido um aldeão chamado Daniel Wemp que revelou ter organizado uma guerra de clãs na Nova Guiné a fim de vingar a morte de um trio.
De acordo com Diamond, depois de três anos e 30 mortes, o alvo de Wemp, um homem chamado Isum Mandingo, foi atacado e ficou paralítico. Diamond relatou a história em artigo para a "New Yorker", e sofreu um processo por difamação no qual Wemp e Mandingo solicitavam US$ 10 milhões em indenização.
Uma investigação conduzida por Rhonda Roland Shearer, viúva do biólogo evolutivo Stephen Jay Gould e editora do iMediaEthics, site de notícias sem fins lucrativos, concluiu que o artigo da "New Yorker" estava eivado de erros, que Wemp não havia organizado uma guerra de clãs e que Mandingo havia sido ferido em um ataque não relacionado, quando estava defendendo sua terra. A investigação dela alega também que Wemp temia por sua vida devido ao artigo de Diamond, e que isso tinha motivado o processo.
De sua parte, Diamond e David Remnick, o editor da "New Yorker", negam vigorosamente as afirmações de Shearer. A história deles contava com cuidadosas anotações realizadas por Diamond ao longo do trabalho, e seu texto havia sido confirmado rigorosamente por um dos mais experientes revisores e pesquisadores da revista, acrescentou Remnick.
Mesmo assim, Shearer afirma que "nem Diamond e nem os checadores da 'New Yorker' estudaram mapas dos distritos políticos, conversaram com os missionários da área, contataram o governo local ou verificaram registros dos tribunais, polícia ou hospitais locais, ou conversaram com o principal especialista na antropologia da região, Paul Sillitoe, a fim de confirmar a história que Diamond havia obtido de uma única fonte. Nosso relatório revelou que Diamond citou e acusou de homicídio pessoas a quem nunca viu. Ele agora escreve que omitiu ou alterou nomes para proteger seus informantes, como requer a prática antropológica".
O caso provocou o interesse das publicações científicas, mas não foi adiante. Diamond pisca e mostra uma expressão dolorida quando menciono Rhonda Shearer. "Uma pessoa distinta sobre a qual me recusarei a comentar", ele resmunga. O caso de Wemp e Mandingo foi retirado por consentimento mútuo depois da morte do advogado que os representava, mas agora há a indicação de que um novo processo judicial acontecerá. Não há menção à história de Wemp em "The World Until Yesterday", apesar de sua relevância para a tese de Diamond. A cautela parece ter prevalecido.
VINGANÇA
No livro de Diamond, a vingança desempenha papel importante. No Ocidente, quando uma pessoa é roubada ou ferida em uma agressão, o Estado --na forma da polícia-- assume a responsabilidade por identificar e punir o culpado. As sociedades tradicionais adotam posição muito diferente. Ofensas menores são resolvidas pelo pagamento de uma indenização --porcos são moeda corrente na Nova Guiné-- ou por uma festa na qual o restabelecimento de relações amistosas é celebrado.
Para as ofensas mais sérias, entre as quais homicídios, uma família procura fazer alianças com outras que a ajudem a localizar e matar quem tenha assassinado um de seus parentes. Isso em geral causa resposta igual por parte da família do homicida, e o processo se repete. O sistema impessoal de justiça que vigora no Ocidente parece muito melhor, dessa perspectiva.
Mas isso tem um custo, diz Diamond, mencionando o exemplo da família de sua mulher, Marie. O pai dela, Jozef Nazel, era judeu, e nasceu em Klaj, perto de Cracóvia, na Polônia. Durante a Segunda Guerra, ele foi capturado pelos russos e mais tarde recrutado para o Exército soviético. Nazel sobreviveu à Guerra, se tornou oficial e, em 1945, liderou um pelotão de soldados que foi a Klaj à procura de sua família.
Descobriu que seu pai havia sido enviado a um campo de concentração quando os nazistas chegaram. No entanto, sua mãe, irmã e uma sobrinha sobreviveram escondidas por mais dois anos até que uma gangue local as matou, acreditando que, por serem judias, deviam ter ouro.
Jozef identificou a gangue e, armado de revólver, encarou o homem que havia matado sua mãe, irmã e sobrinha --mas não conseguiu atirar. Estava cansado de ver pessoas se comportando como animais, contou mais tarde. O assassino foi entregue à polícia local e libertado um ano depois. Jozef viveu atormentado pela culpa o resto de sua vida, por não ter salvado sua família ou a vingado como deveria. A cada noite, antes de dormir, ele se lembrava da mãe e da irmã, e de ter permitido que o homem que as matou escapasse, fato que admitiu à família apenas perto dos 90 anos de idade, diz Diamond. "Ele viveu esse tormento em silêncio até perto de morrer".
O destino de Jozef é uma consequência, se bem que extrema, da vida em um Estado moderno. Homicídios e roubos são assunto de polícia para nós porque essa é a maneira mais eficiente de lidar com um crime. Como resultado, a vingança é vista como socialmente inaceitável e é reprimida severamente. "Mas é uma emoção básica, na companhia do ódio, amor, raiva e ciúme, e se uma pessoa é instruída a reprimir esses sentimentos, como aconteceu com o meu sogro, o resultado pode ser amargura persistente pelo resto da vida. Essa é uma consequência infeliz da justiça de Estado, e precisamos ajudar as pessoas que a sofrem. Não damos importância suficiente aos sentimentos daqueles que foram privados à força do convívio dos entes queridos".
Ou considere a questão da velhice. "A maioria das sociedades tradicionais propicia aos idosos uma existência muito mais satisfatória do que fazemos, e permite que vivam seus anos finais cercados pelos filhos, parentes e netos", diz Diamond. "Os velhos são úteis como fonte de conhecimento, porque essas sociedades não têm livros. E muitas vezes são os melhores em fazer ferramentas, cestos, cerâmica e armas. No Ocidente hoje --com a nossa cultura da juventude-- parecemos ter desaprendido a obter valor de nossos idosos".
Existem exceções. Tribos nômades, especialmente as do Ártico ou de regiões desérticas, ocasionalmente matam ou abandonam as pessoas mais velhas quando enfrentam escassez de comida. Também podem encorajá-las ao suicídio, uma norma sombria que é levada a extremos não apenas entre os kaulong mas também pelo povo das Ilhas Banks, no Pacífico, onde os idosos pedem aos amigos que os enterrem vivos para pôr fim ao sofrimento, e pelos chuckchi, que vivem no canto nordeste da Ásia e costumavam encorajar os idosos a permitir que fossem estrangulados, com a promessa de que isso lhes valeria tratamento preferencial no outro mundo.
Sim, parece bastante sombrio, admite Diamond, mas é fruto de uma lógica cruel: o suprimento de comida é limitado e o que mais eles podem fazer quando os recursos se esgotam? Permitir que seus filhos morram de fome?
Por fim há a questão dos riscos cotidianos, tópico que os ocidentais modernos tiraram do contexto, na opinião de Diamond. "Preocupamo-nos com os perigos de eventos que matam muitas pessoas de uma vez: quedas de aviões, explosões em usinas nucleares, ataques terroristas. Mas a probabilidade de que sejamos mortos em um evento como esse é absolutamente desprezível".
Em contraponto, as pessoas de sociedades tradicionais se preocupam com riscos locais em pequena escala. "Em uma viagem à Nova Guiné, eu queria montar uma tenda sob uma árvore morta. Meus guias acharam que eu tinha enlouquecido. Ela podia cair e me matar durante a noite. Argumentei que era um risco pequeno mas depois percebi que, se você passa a vida na floresta, esses pequenos riscos se acumulam. Na vida ocidental, é o mesmo, e vale a pena lembrar que, se você tropeçar na banheira ou na calçada, pode quebrar a bacia. Para alguém da minha idade, isso pode representar o fim da vida, ou pelo menos da locomoção autônoma. Da mesma forma, acidentes de automóvel podem representar perigo genuíno".
"Por isso deveríamos aprender com os povos da Nova Guiné e nos preocuparmos mais com chuveiros, calçadas e carros e nem tanto com quedas de aviões ou ataques terroristas. É claro que meus amigos norte-americanos me acham maluco, mas, como gosto de lembrar a eles, ainda estou aqui".
Tradução de PAULO MIGLIACCI.
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Nelson de Sá - Batizada nos EUA, publicidade nativa divide opiniões

FOLHA DE SÃO PAULO

Parte dos publicitários afirma que prática do ambiente digital usa modelo do 'merchandising' em novelas
NELSON DE SÁDE SÃO PAULOComeçou em setembro, quando Fred Wilson, célebre investidor de capital semente ("venture capital") que apostou no Twitter e no Tumblr, falou em "native monetization" (monetização nativa ou natural) durante uma palestra em Nova York. Ele descrevia a qualidade da publicidade digital que é "natural à experiência" de um site.
A imagem se espalhou pelos meios publicitários americanos, com a expressão "native advertising" (publicidade nativa ou natural) se transformando na marca da suposta nova era da propaganda.
Não que alguém consiga descrever exatamente do que se trata -ou sequer afirme ser, de fato, uma novidade.
As descrições começam falando o que não é "native advertising": não é publicidade que interrompe a experiência que o consumidor tem no site. Não é "banner", por exemplo, o anúncio fixo. Mas valeria para reportagens patrocinadas, como passou a fazer regularmente o site da revista "The Atlantic", talvez o modelo mais citado.
Além das experiências com conteúdo editorial, feitas em sites como "BuzzFeed" e "Gawker", os maiores exemplos de "native ads" vêm das redes sociais: histórias patrocinadas no Facebook, "promoted tweets", vídeos patrocinados. No conjunto, diz a consultoria BIA/Kelsey, deve movimentar US$ 3,85 bilhões em quatro anos, nos EUA.
"NÃO É NOVO"
Como outros publicitários brasileiros procurados, Rafael Ferrer, da DM9 Rio, demonstra que o "hype" já chegou ao país, inclusive quanto à diferença de opiniões que suscita.
"Eu sou mais da linha de que não é efetivamente novo", diz ele. "A gente está dando nome a uma forma que já existe e está sendo adaptada para o ambiente digital."
Remetendo ao debate americano, ele afirma que "merchandising" é prática antiga e disseminada nas telenovelas brasileiras, por exemplo, e poderia ser classificado como "native advertising".
Também os chamados "publieditoriais" na imprensa, anúncios publicitários que procuram mimetizar a forma de reportagens.
Na mesma linha, Marco Gomes, do Boo-Box, que reúne perfis de rede social, sites e blogs para ações publicitárias pagas, afirma não ver novidade. "É uma coisa que a minha empresa faz desde 2006. O interessante é os anunciantes darem atenção a isso, porque pode fazer o mercado crescer, surgirem novas técnicas etc."
ENTRETENIMENTO
Talvez o maior acontecimento em "native advertising" no país, com o vídeo dos pôneis malditos, o publicitário Igor Puga, da agência digital ID, avisa que "o assunto é muito cinzento" e defende ponderação "antes de tomar partido sobre ser uma opção legítima e engajadora" ou só "um ressignificado fútil e óbvio de publieditorial".
Propõe, nesse sentido, separar veículos de comunicação das redes sociais. Estas são "ambientes neutros, ferramentas de marketing direto e relacionamento que ganham relevância pela enorme escala, mas nenhuma delas produz conteúdo, portanto não empresta credibilidade nenhuma para a construção de marcas comerciais".
Para Puga, produzir conteúdo ou atuar como curador de conteúdo é "um erro" a ser evitado pelo anunciante.
"Por motivos simples: há editores e pauteiros melhores e mais bem preparados na imprensa", assim como "há agregadores mais rápidos e assertivos do que uma marca de roupa ou margarina possa desenvolver."
Em suma, "a opção que parece mais inteligente é a de gerar entretenimento, não produzir conteúdo". Ainda que "algumas iniciativas de entretenimento passem pela produção de algum conteúdo, ele se torna meio e não fim", evitando a comparação negativa com os provedores de conteúdo tanto na imprensa como na internet.

    Quadrinhos

    FOLHA DE SÃO PAULO

    CHICLETE COM BANANA      ANGELI

    ANGELI
    PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

    LAERTE
    DAIQUIRI      CACO GALHARDO

    CACO GALHARDO
    NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

    FERNANDO GONSALES
    MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
    ADÃO ITURRUSGARAI
    MALVADOS      ANDRÉ DAHMER

    ANDRÉ DAHMER
    GARFIELD      JIM DAVIS

    JIM DAVIS
    GARFIELD      JIM DAVIS

    JIM DAVIS

    Charge

    FOLHA DE SÃO PAULO

    CHARGE

      O calmante virou febre - Luciane Evans‏

      Estudo revela que mais de 15 milhões de comprimidos de Rivotril foram distribuídos pelo SUS em apenas 10 cidades mineiras em 2012. Uso abusivo do tarja preta para insônia e ansiedade preocupa médicos

      Luciane Evans
      Estado de Minas: 25/01/2013 
      Tristeza, ansiedade, insônia e angústia sem motivos aparentes têm tornado muita gente dependente de um medicamento tarja preta com índice de dependência maior ou semelhante ao álcool e à cocaína. Levantamento inédito do Sindicato dos Farmacêuticos de Minas Gerais (Sinfarmig), obtido com exclusividade pelo Estado de Minas, aponta que o uso de Rivotril, cujo princípio ativo é o clonazepam, explode na rede pública das 10 cidades avaliadas, que consumiram juntas mais de 15 milhões de comprimidos distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2012. Chama a atenção o consumo em cidades pequenas, como Bonfim, na Grande BH, onde só no ano passado foram distribuídos 70 mil comprimidos para os pouco mais de 6 mil moradores, uma média de 10 para cada. 

      A realidade acende o alerta na classe médica, que tenta encontrar justificativas para os dados que vão desde falta de tolerância das pessoas em lidar com as frustrações até a prescrição equivocada dos médicos. A droga, prescrita a quem sofre de ansiedade, insônia e depressão, é a tarja preta mais consumida no Brasil. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), só em 2011 foram 18,45 milhões de caixas com 30 comprimidos (553 milhões de pílulas) vendidas nas farmácias particulares no Brasil, um aumento de 36% em relação a 2010. Cada uma pode custar até R$ 10.

      Por se tratar de medicação controlada, só é adquirida com receita. “Os dados da Sinfarmig se referem aos remédios distribuídos pelo SUS, não contemplam as compras feitas em farmácias privadas. Por isso, a situação é perigosa. Trata-se de um consumo expressivo e um grave problema de saúde pública que merece a atenção das autoridades”, afirma o diretor do sindicato, Rilke Novato Públio, acrescentando que as doses causam dependência e efeitos colaterais, como sonolência, dificuldades no processo de aprendizagem, perda da memória e até parada cardíaca. 

      “Se me tirarem essa droga, não dormiria nunca mais. Sou viciada”, avisa Luciana Vieira, de 34 anos, moradora de Bonfim, na Grande BH. Desde 2007, quando apresentou sintomas de depressão, ela toma o remédio. “Não conseguia dormir, ficava ansiosa e muito triste. Desde então, tomo dois comprimidos toda noite”, conta. Ela diz que há algum tempo a medicação passou a não fazer efeito e o médico optou por outros antidepressivos associados ao Rivotril. “Aqui na cidade todos tomam. Não temos muito o que fazer, não há lazer para nós”, reclama Luciana, preocupada com efeitos da medicação. “Outro dia, não sentia mais os meus braços.”

      Nelson Parreiras Lara, de 57, também morador de Bonfim, conta que há seis anos toma a medicação e tem aumentado o uso. Hoje toma quatro por dia. Ele mostra os pés inchados, que, segundo ele, são resultado dos comprimidos. 

      Preocupada com a realidade, a recém-empossada secretária municipal de Saúde, Rose Marie Marques, diz que vai estudar o assunto a fundo. “A quantidade de consultas para a psiquiatria também é alta. É curioso tantas pessoas usarem uma medição forte como essa”, desconfia. 

      Demanda Em Piedade dos Gerais, a demanda por Rivotril aumenta 10% a cada ano, segundo a Secretaria Municipal de Saúde. Esta semana, os comprimidos estavam em falta no único posto de saúde da cidade, mas havia a medicação em gotas. “A demanda é alta. Mais de 70% dos moradores são dependentes da medicação”, lamenta o secretário de Saúde de Piedade dos Gerais, Vicente Nicodeno dos Santos. Os profissionais de saúde dizem estar de mãos atadas. “O número é bem maior. Sabemos que pacientes passam medicações para os vizinhos e amigos. Além disso, há os que compram em farmácias até sem receita”, alerta a farmacêutica Simone Amorim. Segundo ela, uma caixa com 30 comprimidos é suficiente para um mês, “mas poucos tomam uma pílula por dia. Geralmente, são três ou quatro.” 

      São pessoas dependentes há muito tempo. “Não temos o que fazer. Se tirarmos a medicação, é possível que tenham um surto”, comenta o clínico geral do município, Geraldo Carlos Caixeta. 

      “Piedade dos Gerais é tranquila, mas há uma ansiedade, uma tristeza”, comenta Graça Francisco de Jesus, de 64 anos, que há sete anos toma os comprimidos. “Meu filho, Rômulo, de 9 anos, teve diagnóstico de depressão. Os médicos receitaram Rivotril, e ele está dormindo bem e não chora tanto”, conta Gesiane de Oliveira, que durante a gravidez diz ter tido depressão. “Aqui, quase todo mundo tem.”

       Explosão de consumo em BH Sindicato prevê duplicação de uso de Rivotril este ano, com distribuição de 17 milhões de pílulas pela rede pública. Para especialista, remédio é mais viciante do que álcool e cocaína 
      Luciane Evans
      Se por um lado, a ociosidade é apontada como um dos motivos para a explosão do uso de Rivotril em municípios menores, por outro, nos maiores, como BH e Santa Luzia, o estresse, somado a diagnósticos equivocados, pode ser o grande vilão. E a tendência, segundo previsão do Sindicato dos Farmacêuticos de Minas Gerais (Sinfarmig), é um aumento significativo do consumo da droga neste ano. Só em Belo Horizonte, onde, segundo o levantamento da entidade, foram distribuídos 8,6 milhões de comprimidos no ano passado pela rede pública, uma média de 3,7 comprimidos por habitante, a expectativa é de que esse consumo chegue a 17 milhões, quase nove pílulas para cada belo-horizontino. 

      “É, certamente, um número alto”, reconhece, preocupado, o terapeuta comunitário da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Luciano Carneiro de Lima. Ele, juntamente com uma equipe do Programa de Saúde da Família (PSF) da capital, fez, em 2009, uma monografia para o curso de especialização na área, em que constatou que a maioria dos pacientes que usa benzodiazepínicos, classe de medicamentos da qual o Rivotril faz parte, não se lembra por que começou a usar a medicação e não recebeu orientação médica para o uso. “O remédio deveria ter dia certo para começar e terminar. O ideal é o profissional de saúde começar com uma dose alta e ir diminuindo”, diz. 

      Na opinião do especialista, a realidade da capital reflete um tormento da sociedade. “Vivemos em um mundo cada vez mais consumista, as pessoas procuram soluções rápidas e estão pouco tolerantes às frustrações. Por sua vez, os médicos não sabem dar outras respostas, pois muitos saem despreparados das faculdades e ao verem um paciente chorando em seus consultórios logo prescrevem a droga”, critica. 

      A observação é também a do assessor técnico em saúde mental da Secretaria de Estado de Saúde e diretor da Associação Mineira de Psiquiatria, Paulo Repsold: “Há ginecologista, clínico-geral e outros especialistas que prescrevem o clonazepam”. 

      Na família do advogado Lourenço Rabelo, de 26 anos, morador de BH, todo mundo usa. “Minha mãe, meu padrasto, irmão e meus tios. E todos estamos tranquilos. Comecei a tomar Rivotril há seis meses, por causa da ansiedade e da insônia. Com a medicação, consigo dormir e acordo bem disposto”, conta.

      A preocupação de Paulo Repsold é que o remédio vicia muito rápido. “Ele é mais fácil de viciar do que o álcool e a cocaína. O paciente não pode largar a medicação de uma hora para outra, pois entra em síndrome de abstinência.” 

      Outro alerta do especialista é que o Rivotril pode representar um tratamento para depressão pela metade. “Ele não é um antidepressivo, mas atua associado aos que são. No entanto, ao medicá-lo para tratar a doença, há o risco de a depressão não estar sendo tratada. Para a doença, vai funcionar como analgésico, assim, a pessoa continua deprimida, sem concentração, mas está tranquila e calma”, alerta. 

      Barato Em Santa Luzia, o consumo também é alto. No total, 1, 6 milhão de comprimidos distribuídos em 2012,   média de oito para cada morador. A farmacêutica Maria Cristina Senra Toledo, de 53, diz tomar o Rivotril desde abril de 2012. “Trata-se de um medicamento mais barato e que traz uma solução rápida. Estou passando por um momento de depressão e quando passei a tomar o remédio consegui dormir. Sei que estou mais esquecida, mas sem ele não durmo.” 


      O QUE É

      DEFINIÇÃO: O clonazepam, o Rivotril, é um benzodiazepínico que tem como principais propriedades a inibição de funções do sistema nervoso, com ação anticonvulsivante, alguma sedação, relaxamento muscular e efeito tranquilizante. 

      INDICAÇÕES: As principais indicações são para crises epilépticas, transtornos de ansiedade e afetivo bipolar, fobia social, depressão em fase inicial de tratamento, tratamento da síndrome das pernas inquietas, vertigem e sintomas relacionados à perturbação do equilíbrio, como náuseas, vômitos, pré-síncopes ou síncopes, quedas, zumbidos e distúrbios auditivos.

      EFEITOS COLATERAIS: Depressão do sistema nervoso central, como sonolência, dor de cabeça, irritabilidade, perda do equilíbrio, náusea, falta de concentração, perda da memória, perda da voz, movimentos dos braços e pernas, coma, visão dupla, dificuldade para falar, aparência de “olho vítreo”, fraqueza muscular, depressão respiratória, fala mal articulada, tremor, letargia, formigamento, alteração da sensibilidade nas extremidades. Há também distúrbios psiquiátricos como alucinações, histeria, insônia, tentativa de suicídio, ataque de ansiedade e risco de parada cardíaca. 

      Luiz Carlos Mendonça de Barros

      FOLHA DE SÃO PAULO

      Ser pessimista é moda hoje
      O noticiário mostra sinais claros de normalização do funcionamento das principais economias
      De volta ao Brasil, chocou-me o ambiente muito negativo que encontrei entre analistas e investidores. E esse negativismo não está restrito à economia brasileira. Também o mundo, na opinião média, vive ainda dias difíceis e o futuro apresenta-se muito incerto e perigoso.
      Um novo padrão parece estar sendo construído na mídia internacional nestes primeiros dias do ano novo: cada notícia positiva que aparece nos meios eletrônicos de comunicação é seguida por uma qualificação sobre os riscos que pesam ainda sobre 2013.
      Entretanto, para mim, o noticiário recente mostra sinais claros de normalização do funcionamento das principais economias do mundo.
      Chamo a atenção do leitor da Folha para a expressão "normalização das atividades econômicas" que utilizei. Essa qualificação é crítica para explicar minha posição otimista sobre o futuro próximo.
      O entendimento que tenho sobre a dinâmica de longo prazo das economias de mercado pode-se resumir ao seguinte: elas têm uma vocação na direção do crescimento, embora desvios dessa rota possam acontecer de tempos em tempos.
      Nesses momentos, é importante enfrentar o pânico e, posteriormente, estabelecer políticas corretas de normalização das atividades. O resto é questão de tempo e paciência.
      É uma receita desenvolvida com clareza por John Maynard Keynes e que vem sendo enriquecida por outros economistas e pensadores ao longo das últimas décadas.
      Um testemunho clássico em relação a essa tendência das economias de mercado de crescer no longo prazo é dado pela atitude de Warren Buffett, um dos investidores de maior sucesso no mercado internacional de ações nos últimos 50 anos.
      Sua empresa de seguros, instrumento principal de seus investimentos, tem sempre uma posição otimista em relação ao futuro das empresas em que investe seus recursos.
      Mas voltemos à lógica da minha posição de otimismo. A crise financeira que vivemos a partir da quebra do Lehman Brothers segue o padrão clássico das grandes rupturas que podem atingir as economias de mercado. A diferença, em relação a outras que ocorreram no passado, foi sua intensidade e por ter vindo acompanhada de uma crise de solvência da dívida pública em alguns países do mundo desenvolvido.
      Por isso, a recuperação da funcionalidade dos mercados tem sido mais lenta. Mas, ao longo deste ano, nos EUA, ela vai acontecer de maneira clara, com o crescimento podendo chegar a 3% anuais no segundo semestre. Na Europa, apenas em 2014 teremos a volta sistêmica da funcionalidade da economia.
      A China, outra peça importante para a economia brasileira, também mostra sucesso no reequilíbrio de seu crescimento, com menor dependência das exportações para o Primeiro Mundo. Na quinta-feira passada, foi publicado um índice que projeta a atividade industrial nos próximos meses e que aponta para a retomada do crescimento a uma velocidade de mais de 8% ao ano.
      Também no Brasil encontrei um pessimismo generalizado com nosso futuro, com a maioria dos analistas chamando a atenção para os riscos do binômio inflação elevada e crescimento baixo.
      Pouca importância tem sido dada para alguns indicadores positivos divulgados recentemente.
      O primeiro foi o volume recorde de investimentos estrangeiros no país no ano passado, com a entrada de mais de US$ 65 bilhões.
      Outro foi a informação que veio do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Pesquisa organizada por uma consultoria internacional com diretores de multinacionais colocou o Brasil como o terceiro mercado de maior potencial para o crescimento de seus negócios, atrás apenas dos EUA e da China.
      Ainda acho que vamos assistir no Brasil à normalização dos investimentos, nos próximos meses, permitindo que nosso crescimento convirja na segunda parte do ano para nossa velocidade de cruzeiro, que é de 3,5% anuais. Mas a restrição de oferta em alguns mercados sensíveis e a cultura da indexação devem manter a inflação como a grande ameaça nos próximos meses.
      Espero que o governo entenda a importância de ancorar novamente as expectativas dos agentes econômicos em relação ao comportamento futuro dos preços.

      Tudo por um marido - Mariana Peixoto‏

      Há 200 anos era publicado o romance Orgulho e preconceito, de Jane Austen. Com várias adaptações para o cinema, livro ainda mobiliza fãs, que se reúnem em seminário em BH 

      Mariana Peixoto
      Estado de Minas: 25/01/2013 
      “É uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro, de posse de boa fortuna, deve estar atrás de uma esposa.” Fora de contexto, tal frase poderia afastar a leitura do que viesse a seguir. Pois seria essa uma verdade universal no ano de 2013? Mas a questão aqui é que tal frase pertence a uma outra época. Foi escrita no final do século 18 e é o trecho de abertura de Orgulho e preconceito, livro mais conhecido de Jane Austen e um dos maiores clássicos da literatura inglesa. Foram 16 anos para que a obra, finalizada, fosse publicada: a primeira edição chegou às livrarias britânicas em 28 de janeiro de 1813. 

      Duzentos anos depois, a história de amor, envolvida em uma aura de intolerância e esnobismo,  de Elizabeth Bennet e Fitzwilliam Darcy ainda arrebanha fãs em todo o mundo. Hoje e amanhã, por exemplo, um grupo de pessoas vai se reunir no Memorial Minas Gerais Vale para debater o livro. “Noventa e cinco por cento dos participantes são mulheres”, afirma Adriana Zardini, fundadora e presidente da Jane Austen Brasil, organizadora do encontro, que está em sua quarta edição. Só de inscritos antecipadamente, foram computadas 85 pessoas, número que deve crescer com os interessados que devem aparecer na hora das palestras no espaço da Praça da Liberdade. Parte dos participantes é de fora do estado: vem gente do Rio de Janeiro, Pernambuco, Distrito Federal, Amazonas, Paraíba e Rio Grande do Sul.

      “Serão apresentações de trabalhos (que vão de Orgulho e preconceito em formato de mangá ao tipo de homem que mr. Darcy representa) de estudantes de letras, alunos do ensino médio e professores. Possivelmente eles serão editados na nossa primeira publicação”, continua Adriana, professora de língua inglesa que já traduziu, para diferentes editoras, Razão e sensibilidade, Mansfield Park e Emma. Em 2008 ela criou o blog Jane Austen Brasil, o primeiro em língua portuguesa, que, no ano seguinte, virou uma sociedade (que atende pela sigla Jasbra). Desde então, vem sendo promovidos encontros anuais: já ocorreram edições em Ouro Preto, Rio e Recife. 

      O interesse sempre crescente pela obra de Austen se deve muito às constantes adaptações cinematográficas (ver detalhe). Na Inglaterra, que promove, sempre em setembro, festival dedicado à escritora – em Bath, onde existe um centro cultural dedicado a ela –, o Correio Real Britânico vai lançar selos comemorativos do bicentenário. Como fonte de inspiração, Orgulho e preconceito vem servindo para uma série de produtos, uns bem acabados, outros de gosto bastante discutível. 

      Na semana passada, no Festival de Sundance, foi exibido Austenland. Comédia romântica inspirada no livro homônimo que trata de uma nova-iorquina de 30 e poucos anos que, obcecada por Orgulho e preconceito e desiludida com sua morna vida amorosa, pega suas economias e vai para um parque temático na Inglaterra dedicado, é claro, a Jane Austen. Seu objetivo é encontrar seu próprio mr. Darcy. O longa-metragem da diretora estreante Jerusha Hess vem ganhando repercussão também porque a produtora do filme é Stephenie Meyer, autora da saga Crepúsculo. 

      Sexo e zumbis Duzentos anos depois, Elizabeth e Darcy não cansam de surpreender e renderam uma comédia de humor negro: Orgulho e preconceito e zumbis, de Seth Grahame-Smith, que tem promessa de virar filme. Bem menos engraçado (na verdade, quase infame) é Cinquenta tons do sr. Darcy, que, aproveitando a febre Cinquenta tons de cinza, tenta fazer uma paródia cheia de situações picantes e grosseiras. 


      4º ENCONTRO NACIONAL DA JASBRA

      Hoje, das 8h às 12h30, e amanhã, das 13h30 às 18h, no Memorial Minas Gerais Vale, Praça da Liberdade, s/nº, esquina com Rua Gonçalves Dias, (31) 3343-7317. Entrada franca. Informações:www.janeaustenbrasil.com.br.  


      Orgulho e preconceito em…

      • Filmes
      Como livro mais importante de Jane Austen, Orgulho e preconceito tem várias versões para cinema e televisão. Em longa-metragem, a primeira versão é de 1940, com Greer Garson e Laurence Olivier (que veio como segunda opção, já que a preferência da MGM era por Clark Gable) como o casal Elizabeth Bennet e Fitzwilliam Darcy (foto). Vencedor do Oscar de direção de arte, o filme, em preto e branco, dirigido por Robert Z. Leonard, teve como roteirista Aldous Huxley, autor de As portas da percepção (1954), livro que se tornou um clássico para a geração dos anos 1960, por falar das experiências do autor, grande entusiasta do uso do LSD.

      No decorrer dos anos, houve várias minisséries, uma italiana (de 1957) estrelada por Virna Lisi. As mais conhecidas são duas versões da BBC, uma de 1980 e outra de 1995. Essa última traz Colin Firth como mr. Darcy, papel que ele revisitaria, de certa forma, nos dois filmes inspirados no best-seller Bridget Jones. Voltando ao cinema, não há como negar que o longa de Joe Wright (2005), com Keira Knightley e Matthew Macfadyen como o casal central, hoje campeão de reprises na TV, apresentou a obra maior de Austen a uma nova geração de fãs. Todas essas versões buscam remontar à época em que o romance é ambientado, na Inglaterra do final do século 18 e início do 19. Há outras, no entanto, que levam a narrativa para outro tempo e espaço. É o caso de Bride & prejudice, a versão de Bollywood para a narrativa de Austen. 


      • Livros
      No Brasil, a primeira edição de Orgulho e preconceito foi publicada em 1940 pela Editora José Olympio. A tradução, do escritor Lúcio Cardoso, é a mais conhecida no país (houve edições da Ediouro, Civilização Brasileira, Abril, Círculo do Livro). Outro grande escritor que se debruçou no clássico de Jane Austen foi Paulo Mendes Campos, que traduziu a obra em 1970. 

      Com edições de bolso (da L&PM e Best Bolso), o livro teve ainda uma edição bilíngue no Brasil (Landmark, de 2008). Outras versões do livro são encontradas em novas traduções das editoras Paulus e Martin Claret. A mais nova edição, com tradução de Alexandre Barbosa de Souza, foi publicada há dois anos pela Companhia das Letras/Penguin em que o romance é antecedida por um estudo do crítico britânico Tony Tanner.
      Jane Austen

      A romancista Jane Austen viveu 41 anos (1775-1817). Nascida em Steventon, Hampshire, de uma família da burguesia agrária, levou para seus seis romances publicados a própria situação e ambiente. Começou a escrever no final do século 18, mas seu primeiro livro a ser editado foi Razão e sensibilidade, em 1811. Além de Orgulho e preconceito, publicou, em vida, Mansfield Park (1814) e Emma (1815). Postumamente, em 1818, foram lançadas as primeiras edições de A abadia de Northanger (seu único romance gótico) e Persuasão. Ainda que a busca por um bom casamento norteie todos os seus livros, Austen nunca se casou.