segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Filhos do Corão e da camisinha - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico 12/01/2015

Para vencer o terror na Europa, o melhor é reduzir o público em que as organizações terroristas recrutam seus adeptos      



 Escrevo enquanto ainda não se sabe o que está por trás do atentado contra Charlie-Hebdo. Seus autores estão mortos e, por ora, se desconhece se agiram sozinhos ou a mando. Mas, independentemente da resposta a esse enigma, devemos comparar dois modos opostos de entender - e tratar - conflitos como este, que opõem uma pequena, mas ativa, franja islâmica a governos e sociedades ocidentais.

Temos duas possibilidades. Pode ter sido a ação de dois ou três perdidos na vida, ou um ato comandado por uma organização criminosa, como a al-Qaeda. A interpretação dominante determinará que política adotar. Estou convicto de que os Estados Unidos, e talvez parte dos aparelhos de segurança europeus, torcem pela segunda hipótese. O governo de Washington se treinou para lidar com inimigos tangíveis, que enfrenta pela força armada. Já os europeus, e sobretudo os franceses, estão mais formados para lidar com conflitos sociais. Exploremos as duas opções.

Há um desconforto de parte da população islâmica com os Estados europeus em que vive. Dado o volume de imigrantes muçulmanos na Europa, o Velho Continente é mais afetado por esse problema do que os Estados Unidos. Mas os europeus se envolvem menos em aventuras militares. E mais que tudo, sua postura é menos belicosa. No fim das contas, os europeus torturam menos e se relacionam melhor com as populações locais.

Os Estados Unidos adotam, faz tempo, a política do "search and destroy", buscar e destruir, perante os grandes problemas. Isto se entendia, quando seu rival era a União Soviética. Mas, desde 1989, sumiu esse grande inimigo. Passaram a ter inimigos sem rosto. Khomeini ou Saddam Hussein podem ter despertado ódio, mas eram fracos demais para substituir Stalin ou Brejnev. Duraram pouco. Houve uma sequência de ensaios e erros sobre quem seria o novo grande inimigo. Acabaram sendo dois. O primeiro são as drogas, o segundo o terror.

No caso das drogas, sabemos do desastre que foi a política dos Estados Unidos. Em vez de enfrentarem em seu chão o problema cultural que está em serem o país que mais consome drogas no mundo, decidiram guerrear os produtores. Curiosamente para o país líder do capitalismo, não quiseram enfrentar a droga do lado do consumo, no âmbito do mercado. O resultado foi óbvio: enquanto você tiver mercado para um produto, não adianta destruir a mercadoria, porque surgirá outro produtor.

A derrota dos Estados Unidos nessa primeira guerra pós-comunista ficou clara nos últimos anos. A derrota se deu, em verdade, na América do Sul. Fernando Henrique Cardoso é atualmente uma das referências mundiais a pedir a descriminalização de algumas drogas. O Uruguai liberou seu uso - um ato de Mujica, hoje o presidente mais admirado do mundo. Já houve um acordo implícito de que nenhum país permitiria drogas em seu território. Acabou esse acordo. Pode demorar até que se construa uma forma mais humana de lidar com as drogas, implicando a descriminalização das mais leves, um encaminhamento para os dramas sociais sob as quais vive a população pobre das áreas produtoras e o enfrentamento da falta de sentido na vida que leva multidões dos países ricos a só encontrar paz consumindo drogas. Mas a guerra está perdida.

Já a guerra ao terror completou 13 anos em setembro. Pode ter impedido alguns atentados em território norte-americano. Mas globalmente foi um fiasco. Foram invadidos Afganistão, Iraque e Líbia, e nenhum desses países está bem, sendo que os dois últimos se desagregaram, com um nível de violência assustador.

O que há em comum entre essas duas guerras é, justamente, serem guerras. A estratégia belicosa não deu certo. Falta discernimento a Washington para lidar com a vida social. Disso os franceses entendem melhor. Podem ter uma tendência a intervir militarmente na África que por vezes acaba mal, como 20 anos atrás, em Ruanda. Mesmo assim, compreendem melhor os defeitos das estratégias que não passam pela palavra, mas pela força.

E isso depende um pouco da resposta à pergunta inicial: o que está por trás dos atentados. Se tiver sido uma organização, se reforçará a postura belicosa. Os Estados Unidos cobrarão da França e dos países europeus que mandem tropas, que armem policiais, que invistam em informática. Tudo isso, claro, a alto custo e retirando verbas de outras áreas, sobretudo as sociais.

Mas, se os assassinos forem perdidos na vida, a questão será como resolver a sensação de exclusão que leva tantos jovens franceses - ou europeus, ou mesmo norte-americanos - de cultura muçulmana a procurar um novo sentido para suas vidas. Um sentido que alguns milhares encontraram no integrismo islâmico.

Lembrando Godard, que dizia da juventude francesa logo antes de 1968 que eles eram "os filhos de Marx e Coca Cola", os de hoje são filhos do islamismo e da modernidade capitalista. Mohammed Atta, um dos assassinos das Torres Gêmeas, lia pornografia. Um dos autores do atentado de Paris fumava haxixe. Nada disso bate com o registro integrista. Mesmo assim, esses híbridos culturais tentaram rejeitar uma parte de sua cultura dual para ficar só com aquela que lhes desse certezas, identidade, pertencimento.

Na Europa, é óbvio que se deve atacar as organizações terroristas, mas a prioridade tem de ser estancar o recrutamento de jovens semi-europeus para suas fileiras - e para a iniciativa individual de atos micro de terror. Isso somente se conseguirá valorizando-se a mestiçagem cultural, que é a condição verdadeira do público passível de ser seduzido pelo terror. Esse sentido, armas inteligentes e supercomputadores jamais darão.


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Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Roraima - Eduardo Almeida Reis

Atesto, de ciência própria, que médicas veterinárias batavas são namoradas da melhor supimpitude


Eduardo Almeida Reis
Estado de MInas: 12/01/2015



Sempre que há notícia de Roraima, a tevê nos mostra Rondônia no mapa, sinal de que a rapaziada, em geografia, está pior que o philosopho. A última foi o troca-troca de governadores mostrando que os roraimenses andam com inveja do Império Romano.

De meia em meia hora, os tribunais eleitorais estadual e federal cassam, empossam e tornam a cassar governadores de Roraima inspirados no ano 68 d.C., conhecido pela história como Ano dos Quatro Imperadores. Depois do suicídio do imperador Nero, seguiu-se um breve período de guerra civil, a primeira guerra civil romana desde a morte de Marco Antônio, em 31 a.C. Entre junho de 68 d.C. e dezembro de 69 d.C., Roma testemunhou a ascensão e queda de Galba, Otão e Vitélio, até a ascensão final de Vespasiano, fundador da Dinastia Flaviana.

Esse período de guerra civil tornou-se emblemático nos distúrbios políticos cíclicos na história do Império Romano. A anarquia política e militar criada pela guerra civil teve sérias implicações, como a eclosão da Revolta dos Batavos. No Brasil, séculos depois, Vespasiano virou município mineiro e Batavo, marca de produtos lácteos, enquanto no planeta é adjetivo e substantivo masculino relativo a ou indivíduo dos batavos, povo germânico que na Antiguidade se fixou no delta do Reno, onde hoje estão os Países Baixos. Atesto, de ciência própria, que médicas veterinárias batavas são namoradas da melhor supimpitude.

Sumiço
Na quinta-feira, 27 de novembro, o médico Roberto Gomes, de 67 anos, foi a São Paulo para lançar na Assembleia Legislativa a segunda edição de um livro seu. Dia seguinte, fechou a conta no hotel em que estava hospedado e deixou seus pertences no guarda-volumes do estabelecimento com o celular e saiu para passear. Só tinha passagem de avião de volta para Vitória (ES), onde mora e trabalha, marcada para a tarde de sábado. A partir daquela sexta-feira, ninguém mais teve notícias do doutor Roberto. A polícia paulista informou à imprensa que, entre agosto e outubro do ano passado, 2.614 pessoas desapareceram na Grande São Paulo. Parentes e amigos do médico fizeram buscas em todos os hospitais e albergues, aventando a hipótese de um surto provocado por antialérgico muito forte que ele estava tomando. Quatro dias depois, o assunto foi esquecido pela mídia ocupada com o Congresso de cócoras, como se fosse grande novidade.

A esmagadora maioria dos brasileiros ainda se põe de cócoras para fazer cocô e a base aliada de dona Dilma, ao continuar de cócoras, fatura milhões de reais num decreto chantagista. Nos Anos de Chumbo (sic), o desaparecimento de pessoas era atribuído ao governo militar presidido por oficiais generais tão burros, que saíram pobres de Brasília. Nos Anos Dourados da democracia, continuam desaparecendo pessoas, mas nunca supus que em três meses, só na Grande São Paulo, pudessem sumir duas mil seiscentos e quatorze.

Fato
A 736,2 quilômetros de Belo Horizonte, pela BR-040, fica a capital de um país notabilizado pelos atos ardilosos, enganosos, de má-fé, com o intuito de lesar ou ludibriar outrem, ou de não cumprir determinados deveres. Um país que falsifica marcas, produtos industriais, documentos e o mais que possa falsificar, de agrotóxicos a combustíveis, diplomas, carteiras e até drogas, que não têm o grau de pureza desejado pelos dependentes. País especializado na exportação de drogas puríssimas escondidas em peças de madeira, na introdução clandestina de mercadorias estrangeiras sem o pagamento dos devidos tributos na alfândega, em fraudar concorrências, licitações, concursos e o mais que se possa imaginar, sem prejuízo do inimaginável.

Pois muito bem: este país utiliza urnas eletrônicas em suas eleições e acredita na inviolabilidade dos equipamentos utilizados, quando é sabido que no resto do planeta os hackers, em português ciberpiratas, invadem os mais sofisticados sistemas militares e políticos. Diante disso, não é de admirar que os habitantes do referido país acreditem piamente nos poderes milagrosos das toalhinhas empapadas do suor daquele pastor que transpira abundantemente.

O mundo é uma bola
12 de janeiro de 1431: tem início em Rouen o processo contra Joana D’Arc, acusada de bruxaria.
Em 1616, Francisco Caldeira Castelo Branco, nascido no Crato, distrito de Portalegre, Portugal, funda a cidade de Belém do Pará.

Em 1759, Sebastião José de Carvalho e Melo, secretário de Estado do rei dom José I, manda expulsar os jesuítas de Portugal. Algo deveriam aprontar os jesuítas nos países em que se meteram, porque viviam sendo expulsos.

Em 1807, parte da cidade de Leyden, na Holanda, é destruída pela explosão de um navio mercante que transportava pólvora.

Em 1816, por lei do governo francês, toda a família Bonaparte é afastada da França.

Em 1865, o marquês de Caxias assume o comando supremo das forças aliadas na Guerra do Paraguai.

Em 1896, o médico Henry Louis Smith faz o primeiro exame de raios X depois de dar um tiro na mão de um cadáver. A chapa mostrou a bala alojada no defunto.

Em 1923, lançamento nos Estados Unidos da revista Time.

Ruminanças
“Os romanos tinham pouca vida interior porque não usavam botões” (Mário Quintana, 1906-1994).

Como Einstein mudou o mundo

Um século atrás, cientista alemão concluía a teoria geral da relatividade, responsável por transformar a maneira como a física enxerga a realidade. A façanha consumiu anos de trabalho do gênio, que apresentou a base de suas ideias em 1905, com a publicação da fórmula e=mc²


Paloma Oliveto
Estado de Minas: 12/01/2015



Já se passou uma década desde o que ficou conhecido como annus mirabilis, o “ano do milagre”. Em 1905, um rapaz alemão de cabelos muito pretos e cacheados saiu da obscuridade para revolucionar a física, apresentando, em um artigo de apenas três páginas, o conjunto de letras e números mais famoso do mundo. Agora, em 1915, sua aparência está mais próxima da imagem icônica do cientista maluco. Ele ainda é jovem — 36 anos —, mas começa a ficar grisalho. A fórmula e=mc² está consagrada nos círculos acadêmicos e Albert Einstein é um respeitado professor universitário e diretor do Instituto Kaiser Wilhelm, em Berlim.

Seu casamento está destruído. De Zurique, onde a ex-mulher, Mileva Mari, se refugiou com os filhos, os pequenos Hans Albert, 11 anos, e Eduard, 5, enviam cartas suplicando por uma resposta que demora a chegar. Einstein desconfia que Mileva é quem dita as missivas. Além disso, ele está doente do estômago e ocupado demais, terminando um trabalho que vai mudar, para sempre, a compreensão que se tem do Universo.

A essa altura, Einstein é um cientista consagrado entre os pares, mas o grande público desconhece suas ideias. Ele só se tornará uma celebridade mundial em 1919, quando um eclipse solar comprovará a teoria geral da relatividade, concluída quatro anos antes. É sobre esse trabalho que o jovem alemão está debruçado no conturbado momento da separação. Há pelo menos três anos, Einstein persegue uma equação para exprimir um conceito de gravidade jamais postulado pela ciência: a força que rege o fenômeno de curvatura espaço-tempo. E o físico não é o único a buscar essa fórmula. Ele está em uma corrida contra David Hilbert, um matemático alemão que, após acompanhar as ideias de Einstein, resolveu, ele mesmo, solucionar o mistério gravitacional.

Enquanto os dois quebram a cabeça com cálculos improváveis para o resto da humanidade, é bom voltar no tempo e se acomodar em Berna, capital da Suíça, onde um Einstein de 26 anos trabalha no escritório de patentes, enquanto conclui seu doutorado em física. Depois de publicar a tese Uma nova determinação de dimensões moleculares — dedicada ao amigo e matemático suíço Marcel Grossmann —, Einstein enviou quatro manuscritos à revista científica Annalen der Physik (Anais de Física), sendo que três deles foram publicados ainda em 1905. Esse é um dos periódicos mais antigos de que se tem notícia, inaugurado em 1799 — e ainda em circulação, editado atualmente pela Wiley.
O fascículo 6 do volume 322 da Annalen der Physik traz o primeiro deles: Uma visão heurística a respeito da produção e da transformação da luz. No texto, Einstein propõe que a radiação eletromagnética consiste de fótons, uma partícula elementar. A teoria explicava o efeito fotoelétrico, descoberto por Henrich Hertz no século anterior, mas somente elucidado pelo físico alemão. Por trás desse fenômeno, estão, por exemplo, os sistemas automatizados de iluminação, as portas que abrem e fecham sozinhas e os alarmes que ligam e desligam sem precisar que alguém aperte um botão. De imediato, o texto não despertou comoção entre cientistas, que, na verdade, torceram o nariz para sua teoria. Mais tarde, ela forneceria a base da hoje tão badalada física quântica. Embora o prêmio Nobel, que ele recebeu em 1921, seja pelo conjunto da obra, esse trabalho, em particular, pesou na escolha do nome de Einstein.

Em seguida, ainda no mesmo volume da revista, foi publicado Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento. Nesse artigo, Einstein delineia os princípios da relatividade especial, que versa sobre “objetos integrantes de diferentes sistemas coordenados movendo-se em velocidade constante relativa para cada um”. Em outras palavras, o clássico exemplo de uma pessoa dentro do trem, observada por outra, do lado de fora. Com o trabalho, o físico oferece uma nova interpretação sobre a concepção do espaço e do tempo. Pouco depois, também no volume 322, é publicado A inércia de um corpo depende de seu conteúdo energético?. Pela primeira vez, o mundo vê a fórmula e=mc².

Início Einstein não foi um sucesso imediato. “Por oito anos, ele foi consumido pela tensão entre a gravidade newtoniana e a estrutura espaço-tempo da relatividade especial. No início, ninguém valorizou o seu trabalho. De fato, ‘um antigo amigo’, Max Planck (físico alemão, considerado o “pai da física quântica”), aconselhou-o a parar de perseguir essa ideia, ‘porque, em primeiro lugar, você não terá sucesso, e, mesmo se tiver, ninguém vai acreditar em você’”, relata o físico indiano Abhay Vasant Ashtekar, diretor do Instituto de Física Gravitacional e Geometria da Universidade de Pensilvânia e autor do livro Revisiting the foundations of relativistic physics (Revisitando as fundações da física relativística, sem tradução no Brasil). Felizmente, Einstein ignorou o conselho e revolucionou a ciência.

“O nome de Einstein, de fato, tornou-se sinônimo de ciência. Se você perguntar a uma criança como um cientista se parece, ela vai desenhar um ‘doido’ com cabelo branco e espetado”, observa Brian Schwartz, professor de física da Universidade de Nova York. “O ‘ano do milagre de Einstein’, de muitas formas, inaugurou a era moderna, com seus pontos de vista discordantes e chocantes para as verdades estabelecidas”, diz. “Em 1905, Sigmund Freud também publicou seu ensaio Chistes e suas relações com o inconsciente; Pablo Picasso mudou da fase azul para a rosa; James Joyce completou seu primeiro livro, Dublinenses. Ainda assim, ninguém repensou as verdades universais de forma tão profunda quanto Eisntein”, decreta o escritor científico Richard Panek, autor do livro The 4% Universe (O Universo 4%, sem tradução no Brasil).