domingo, 17 de maio de 2015

EM DIA COM A PSICANáLISE » Um pequeno grande esclarecimento

Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 17/05/2015 



Nós, humanos, penamos! Nossa humanidade nos faz diferentes dos animais, que nascem sabendo como viver guiados pelo instinto. Sem dramas de consciência como nós, dotados de linguagem e consciência pensante, os irracionais simplesmente vivem.

As crias humanas não. Precisam ser cuidadas, alimentadas e levam anos para ser lapidadas pela educação, quando o são. Primeiro, pela família, que lhes permite entender a cultura. Depois, a escola tenta completar essa educação, sempre falha, porque não aceitamos facilmente o sacrifício de nossos instintos naturais. A agressividade inata, o gosto pelo prazer, a sexualidade, o desejo edípico de amar um dos pais possessivamente e se livrar do outro – tudo isso será reprimido.

Deixar de fazer o que se quer para assumir obrigações e responsabilidades tem um alto preço, ao qual nos obriga a moral civilizada. Para suportar a vida como ela é, tornamo-nos neuróticos, na melhor das hipóteses. E não sem mal-estar. Diante de privações, frustrações e castração necessárias, muitos dos desejos primitivos devem ser esquecidos. Ou, como dizemos, recalcados. Mas eles não se esquecem de nós. Permanecem vivos no inconsciente.

Todo esse trabalho de repressão deixa rastros que chamamos sintomas. Como a febre aponta a doença, o sofrimento sinaliza as raízes inconscientes dos sintomas. Seguimos seus rastros durante o tratamento – como ocorre com a asma, as constipações, a gagueira, as dificuldades de aprendizado, etc.

Freud foi um bom investigador. Seguindo os sofrimentos, era sensível intérprete da subjetividade. A partir de seu texto sobre o narcisismo, de 1914, o eu será entendido, dessa época em diante, como objeto de possível fixação da libido do sujeito, isto é, pode ser um objeto de amor. Amor de si mesmo.

Certas partes ou funções do eu podem se separar como que por rachaduras. Se elas não se deixam notar nos indivíduos normais, aparecem abertamente nos casos patológicos, pois esses últimos nos mostram de forma exacerbada aquilo que se encontra de forma microscópica nos casos normais.

Disse Freud: se atirarmos ao chão um cristal, ele se parte, mas não em pedaços ao acaso. Ele se desfaz segundo linhas de clivagem em fragmentos cujos limites, embora invisíveis, estão “predeterminados” por estruturas do cristal. Essas estruturas são evidências da verdade esquecida, porém viva.

Além de tudo isso, o eu, mais uma vez, se divide e a uma parte dele chamamos supereu. Um vigilante juízo tirânico que nos castiga, nos obrigando ao que nem queremos, porque sabe de nossos esquecidos desejos proibidos e não se engana com a polidez adquirida pela educação.

Incapaz de perdoar os mais antigos conteúdos primitivos, ele age como se ainda os praticássemos em intenção e aplica o castigo correspondente ao ido, ao fantasiado, e não ao atual. Faz-nos repetir incansável e dolorosamente um mal-estar pelo conflito entre eu, supereu e inconsciente na forma de um sentimento de culpa moral. Pelo esquecido em estado natural, como se fôssemos livres de qualquer lapidação moralizante.

A vida em comunidade seria impossível sem os limites da lei moral, pois nos mataríamos quando desejássemos, sem nenhum remorso. Tomaríamos pela força o que quiséssemos, como as crianças, sem culpa. Sofreríamos menos? Sobreviveríamos? Viveriam os fortes como os leões. A lei é o nosso pacto garantidor. Ainda assim, alguns a recusam, ignorando a condição da sobrevivência da civilização e da espécie.

O preço que pagamos sob a égide da lei é o sentimento de culpa pelo que não recordamos, mas que se mostra por meio de sintomas. Ou por meio dos sonhos que relaxam a vigília do supereu. Isso explica a origem de muitas insônias. Quando dormimos, revelam-se distorcidos desejos condenados à luz da consciência. Por isso nos chamamos neuróticos: por esse conflito interminável em que vivemos entre a consciência, o inconsciente e o supereu. A análise é capaz de esclarecer e de nos fazer entender que não merecemos ser infelizes por eles, pois o que vale agora é o que somos e como agimos. Já pagamos o preço da vida em comum abandonando, por amor ao próximo, os instintos mais primitivos. Esse é nosso maior tributo à cultura, mesmo que de forma falha e incompleta.