domingo, 29 de junho de 2014

MARTHA MEDEIROS - Coraçãozinho

Zero Hora 29//06/2014

Quem viaja para um país exótico sempre acaba provando algum prato estranho, fora do seu costume. Nem que seja para fotografar e postar numa rede social com a legenda: sobrevivi.

Escorpião frito em Cingapura, morcego à caçarola no Vietnã, cérebro de macaco na África, sopa de cachorro na Coreia do Sul, ou mesmo uma iguaria chique e nem tão exótica, como o escargot francês – lesma, em bom português. Nada disso mata, mas produz muita cara feia. Minto: algumas refeições matam, sim – o baiacu venenoso da cozinha japonesa, por exemplo. Por mais bem treinados que sejam os chefs que se habilitam a preparar esse peixe, ainda assim 20 pessoas por ano dão adeus à vida depois de ingeri-lo.

Pois o Brasil está tendo a chance de, simpaticamente, dar o troco. Nunca recebeu tantos estrangeiros de uma só vez como no período da Copa, e essa gente toda, de tantas partes do mundo, precisa se alimentar. A caipirinha cai no agrado de todos, mas como eles estarão enfrentando os sólidos? Vatapá não mata, só nocauteia. Buchada de bode dizem que também não mata, mas duvido. E farofa de formiga costuma ser confundida com farofa de amendoim, ou seja, os gringos não devem estar passando muito trabalho no Norte e Nordeste, ao menos nada que se compare com a cena que vi de uns australianos, aqui no Sul, encarando seu primeiro coração de galinha.

“Vocês comem coração de galinha???? Oh, my God!”

Dizer a eles que chamamos carinhosamente de coraçãozinho não minimizou o asco. Entendo: eu também não ficaria comovida se me servissem um filezinho de cobra. Mas cobra é um réptil repugnante, viscoso, traiçoeiro, já a galinha é uma criatura doméstica, pacífica, rechonchuda. Mais arisca do que dócil, é verdade, mas nunca fez mal a ninguém, logo, é tenro seu coraçãozinho.

Tentaram. Mas foi como se estivessem de frente para um olho de cabra, um rabo de camundongo, o músculo de um gambá. Demonstraram absoluto pavor em comer um coração, algo que ainda estava batendo dias atrás, símbolo da paixão e da vida – mesmo de uma galinha.

Uns não tiveram coragem, outros tiveram e fizeram caretas tão repugnantes e sofridas que chegou a me dar pena: coitados, não estava sendo uma experiência cultural, e sim uma tortura impiedosa. Ok, acabou a brincadeira, vamos pedir hot dog para todo mundo – e que ninguém venha comentar as minúcias da fabricação de salsichas.

Dias atrás teve churrasco aqui em casa e vi meus dois pequenos sobrinhos devorarem um quilo de coração sem dó, com uma gula de centroavantes. Por que eles não questionam o que comem? Porque a gente só reluta diante do desconhecido. Se fosse servido um canguruzinho a vapor (que os australianos, aliás, adoram), aí teria que ter preleção antes – e nem gosto de imaginar as caretas.

TeVê

TV paga

Estado de Minas: 29/06/2014



 (Élcio Paraiso/Bendita)

Boa música Baby do Brasil é a convidada de hoje de Estúdio do Dado, às 19h, no canal Bis. No SescTV, o guitarrista argentino Pablo Passini (foto) é o artista da vez em Passagem de som e Instrumental Sesc Brasil, a partir das 21h. E na Cultura, às 23h, Fernando Faro recebe Thunderbird e Os Devotos de Nossa Senhora Aparecida no programa Ensaio.

Clássico Com música de Gustav Mahler, coreografia de Angelin Preljocaj e figurino de Jean Paul Gaultier, o balé Branca de Neve é o destaque de hoje da programação do Film&Arts, às 18h. O espetáculo é fiel ao conto de fadas escrito pelos irmãos Grimm, com algumas pequenas alterações pessoais do coreógrafo, de acordo com sua base na análise dos símbolos da história. Os bailarinos Virginie Caussin e Sergio Diaz lideram o elenco.

Saudosistas O Discovery Home & Health reservou para  hoje, às 21h30, o especial Esposas do passado. O programa acompanha a rotina nada comum de um grupo formado por quatro mulheres que moram na Los Angeles de hoje, mas vivem literalmente no passado. Para as amigas Dollie, Amber, Leslie e Shelby, a década de 1950 não passou, é um estilo de vida que pode ser recriado a qualquer momento em figurino, mobília e modelos de carros. 

Enlatados

Mariana Peixoto - mariana.peixoto@uai.com.br


Deixados para trás
Quem acompanha True blood – cujo retorno, domingo passado, não foi lá muito empolgante – deve ficar acordado até mais tarde hoje. Às 23h, na HBO, logo depois da saga dos vampiros, estreia The leftovers. A história, escrita por Damon Lindelof (um dos autores de Lost) é inspirada no livro homônimo de Tom Perrotta (no Brasil, lançado pela Intrínseca com o título de Os deixados para trás). A trama fala de pessoas que ficaram na Terra após o arrebatamento – o momento em que Jesus volta para resgatar os seus, deixando aqui quem não o aceitou como salvador. Os que permaneceram tentam entender o que ocorreu. A narrativa é centrada num grupo de pessoas do interior do estado norte-americano de Utah. Alguns se deprimem, outros se amedrontam e muitos se juntam a cultos para tentar encontrar apoio espiritual. Encabeçando o elenco, Justin Theroux, mais conhecido como o noivo de Jennifer Aniston. E também Amy Brenneman, Liv Tyler e Christopher Eccleston.

Um por todos – Mais novidade, só que no Netflix: a partir de terça-feira, o site de streaming vai disponibilizar a primeira temporada de Os mosqueteiros, versão da BBC para a clássica história de Alexandre Dumas. A temporada, com 10 episódios, começa com a chegada de d’Artagnan a Paris, em 1630, para vingar a morte de seu pai, assassinado pelo mosqueteiro Athos.

Microfone – Reality show musical que une TV e internet, o Breakout Brasil começou a produção de sua segunda temporada, no ar no segundo semestre, no Sony. Até 20 de julho, artistas e bandas podem se inscrevem no site www.breakoutbrasil.com.

Repórter-detetive – Sarah Jessica Parker vai participar de um policial em estado de gestão. Ainda sem título, o projeto vai mostrar a rotina de duas repórteres que tentam desvendar um escândalo de corrupção na polícia da Filadélfia. Desde o fim de Sex and the city, há 10 anos, a atriz só fez na TV uma participação em Glee.



De olho na telinha
Simone Castro

Juliana Paes (Catarina) é destaque da novela de pura fantasia (Globo/Divulgação)
Juliana Paes (Catarina) é destaque da novela de pura fantasia
Trama incompreendida
Dizem os números da audiência que Meu pedacinho de chão (Globo), remake de Benedito Ruy Barbosa e direção de Luiz Fernando Carvalho, registra a pior audiência de uma novela das 18h. Registro recente dá conta de que dia 19 deste mês, por exemplo, quando chegou ao capítulo 60, marcou 17,7 pontos. Cordel encantado (Globo, 2011), a título de comparação no mesmo patamar, teve 25,9 pontos. Por causa da baixa audiência, já teria sido apelidada nos corredores da emissora de “Meu ibopinho no chão”, tornando-se a piada do momento, o que é uma tremenda injustiça.

A novela é positiva sob vários aspectos. O texto, versão para o original do próprio Benedito Ruy Barbosa, exibido na emissora em 1971, segue atual. Não é possível que o telespectador não perceba, por trás daquela estética maravilhosa, que o coronel Epaminondas (Osmar Prado) repete o velho discurso dos poderosos que só pensam neles e para o povo, necas! Na fictícia Vila de Santa Fé, pequeno distrito da cidade das Antas, comandada por um prefeito corrupto, a comunidade continua sendo deixada de lado, sem contar com suas necessidades básicas. O progresso e as melhores condições de vida querem chegar com a escola de Juliana (Bruna Linzmeyer), o posto médico do doutor Renato (Bruno Fagundes) e a visão progressista e humana do candidato a prefeito Ferdinando (Johnny Massaro), não por acaso filho do astuto e ambicioso coronel.

Outro ponto diz respeito à concepção estética da novela. O diretor Luiz Fernando Carvalho é um profissional de primeira linha, mas também é um incompreendido. Em seu currículo constam trabalhos simplesmente arrasadores, como a minissérie Os Maias (Globo, 2001), as microsséries Hoje é dia de Maria (Globo, 2005) em suas duas edições, Capitu (Globo, 2008), Afinal, o que querem as mulheres? (Globo, 2010) e Subúrbia (Globo, 2012), só para citar os mais recentes. Desses, apenas Hoje é dia de Maria caiu no gosto popular. Os demais quase foram um retumbante fracasso. Uma pena para quem não aprecia novidade e trabalho de qualidade.

Meu pedacinho de chão trouxe a magia para o horário das seis, com seus animais estilizados, seu colorido abundante, seus figurinos especiais, seu cenário de sonho, sua trilha sonora comovente, seus personagens arrebatadores, suas interpretações simplesmente deliciosas. Nesse quesito – o de tirar dos atores seu melhor desempenho –, Luiz Fernando Carvalho é um craque. Basta acompanhar Juliana Paes, a Catarina, em seu momento mais expressivo na TV, talvez, sem exagero, o único em que realmente conseguiu mostrar-se como atriz, longe dos batidos tipos que apenas exploraram sua inegável sensualidade.

Na galeria dos atores que deitam e rolam na trama estão Irandhir Santos, Johnny Massaro e Gina (Paula Barbosa), esta última uma grande revelação. E nem é preciso falar nos veteranos, como Osmar Prado, Antônio Fagundes (Giácomo), Emiliano Queiroz (Padre Santo), Ricardo Blat (Prefeito das Antas), Rodrigo Lombardi (Pedro Falcão), Teuda Bara (Mãe Benta), Inês Peixoto (Dona Tereza), ambas do prestigiado Grupo Galpão, Flávio Bauraqui (Rodapé), Bruna Linzmeyer, entre outros. Destaque, ainda, para estreantes como Bruno Fagundes e Gabriel Sater (Viramundo) e, claro, as crianças Tomás Sampaio (Serelepe) e Geytsa Garcia (Pituquinha), absolutamente emocionantes. Meu pedacinho de chão, por tudo isso, é um sucesso! Só não vê quem não quer.

PLATEIA

VIVA
- Caio Ribeiro, comentarista de futebol da Globo, sensato e comedido, que entende realmente do assunto e destoa da maioria dos que ocupam o mesmo posto.

VAIA
- Uma pena que Manoel Carlos, em sua última novela, Em família (Globo), tenha perdido a mão, delirado na trama e desperdiçado o talento de bons profissionais.


Caras & Bocas
Simone Castro
simone.castro@uai.com.br

 (Ellen Soares/TV Globo)
Próxima mocinha

Leandra Leal volta à cena no papel de Cristina (foto), uma mocinha que faz de tudo pela família em Império, substituta de Em família, na Globo, a partir de 21 de julho. Depois da combativa Zélia, do remake de Saramandaia,   atriz interpreta uma personagem que supostamente é filha do milionário José Alfredo (Alexandre Nero), fruto da relação no passado com Eliane (Malu Galli). Cristina, no entanto, cresce acreditando ser filha do marido de sua mãe. A família se completa com o irmão da jovem, Elivaldo (Rafael Losso), e a tia, Cora (Drica Moraes), irmã de sua mãe, que ninguém desconfia ser um “lobo em pele de cordeiro”. Com sacrifício, Eliane, que na primeira fase será vivida por Vanessa Giácomo, conseguiu montar uma barraca no camelódromo do Rio de Janeiro. Cristina tem grande admiração pela mãe, que perdeu o marido prematuramente e faz tudo para manter a família unida. Mas tia Cora não deixará pedra sobre pedra. Uma das vilãs da trama de Aguinaldo Silva, ela foi responsável por separar a irmã e José Alfredo ainda jovens, quando pretendiam fugir. Sem que ninguém soubesse, ela seguiu a vida do dono de joalherias e montou um dossiê, inclusive com fotos. É por meio deste documento que Cristina descobre toda a história do passado da mãe, o que poderá abalar a relação das duas.

PRODUÇÃO DE BABILÔNIA
JÁ ESTÁ EM ANDAMENTO

Por falar em Império, a produção de sua sucessora, Babilônia, de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga, já está a todo vapor. Afinal, o tempo é curto, pois a trama está prevista para estrear em fevereiro de 2015. O elenco, que tem Glória Pires e Fernanda Montenegro nos principais papéis, também conta com Natália Thimberg, Daisy Lúcidi, Camila Pitanga e Letícia Sabatella.

ACERTO DE CONTAS TERÁ
UMA SEGUNDA TEMPORADA


Série do canal Multishow (TV paga), Acerto de contas já garantiu sua segunda temporada. Autor e protagonista, Sílvio Guindane está à frente dos preparativos para a nova fase da produção, que deverá entrar no ar nos primeiros meses de 2015.

ATRIZ SAI DE SERIADO, MAS
CONTINUA COM FALABELLA

Não foi em vão que Miguel Falabella abriu mão da atriz Karin Hils, de Pé na cova (Globo). No episódio de terça-feira passada, Soninja, personagem de Karin, uma das “cachorras quentes” do Irajá, foi para uma clínica fazer uma lipoaspiração em 3D, como ela explica, e volta outra. Na versão mais enxuta, a personagem agora será interpretada pela ótima Mary Sheila. Autor da série, Falabella convocou Karin Hils para o elenco de outra produção que está criando para a emissora, Sex & as nêga, uma paródia do badalado seriado norte-americano Sexy and the city e que contará também com Alessandra Maestrini, Bia Nunes e Marcos Breda, entre outros. A previsão de estreia é setembro.

AGOSTINHO MORRE E TEM
QUE SE EXPLICAR É NO CÉU


O final do seriado A grande família promete. Nos últimos episódios, Agostinho (Pedro Cardoso) passará desta para a melhor. Enviado para o céu, será julgado pelos seus atos, segundo a Central Globo de Comunicação. O julgamento será longo e ao fim, a sentença: o genro folgado de Lineu (Marco Nanini) e Nenê (Marieta Severo) deve ficar no céu ou voltar para a Terra?

VRUM TRAZ NOVIDADES DO
MERCADO AUTOMOBILÍSTICO


Você acha que entende tudo sobre carros ou é daqueles que não sabe nada? Não faz diferença. O Vrum promete agradar a todos. Hoje tem uma matéria sobre a ergonomia dos automóveis, o lançamento do Camaro conversível e os testes da BMW Nine T e do novo Honda Fit. Às 8h30, na Alterosa.

GABI VAI ENTREVISTAR HOJE
UMA MODELO TRANSEXUAL

 (Carol Soares/SBT)

Carol Marra nasceu com o nome de Cláudio, mas aos 22 anos assumiu uma nova condição. Jornalista e produtora de moda, agora brilha nas principais passarelas do Brasil como modelo transexual. E é a convidada de Marília Gabriela no De frente com Gabi de hoje, à meia-noite, no SBT/Alterosa. Carol Marra fala sobre sua infância, carreira, as barreiras que venceu, sonhos e projetos. “Um transexual não aceita a genitália, enquanto o travesti aceita e faz uso. Aí está a diferença”, diz Carol, que contou ter decidido fazer na Tailândia a cirurgia de mudança de sexo, pois no Brasil o processo é muito burocrático. Sobre a infância, ela relembra que foi muito solitária e que para ser uma grande mulher também teve que ser um grande homem. “Percebo que, quando faço algum desfile, sou vista como uma aberração. Infelizmente, a ideia que as pessoas têm de transex e travesti é a da esquina”, lamenta. Mas Carol se diz tranquila. E revela: “Já dei alta para o meu terapeuta, porque sou muito bem resolvida”.

EM DIA COM A PSICANáLISE » Futebol, um fenômeno‏

EM DIA COM A PSICANáLISE » Futebol, um fenômeno
Estado de Minas: 29/06/2014


Nenhum outro evento em qualquer campo, seja esporte, conhecimento ou cultura, consegue arregimentar tantos corações. A Copa do Mundo no Brasil conta com a participação de 32 países e se um dia fomos chamados país do futebol, hoje o interesse por esse esporte e bons times está no mundo todo. É o mundo voltado para o futebol.

Nesses dias de Copa, vemos em manchetes de jornais de todo o mundo o grande sucesso do futebol em todas as classes e nacionalidades. É difícil entender esse alcance. Um fenômeno sociocultural que envolve a massa orientada na mesma direção, torcendo por um mesmo objetivo com um ideal comum. União que gera euforia. Mas como entender esse fenômeno?

Mais uma vez somos socorridos por Freud, que, se nem tudo explica, pelo menos dá o caminho das pedras. E sobre fenômenos de massa contribui significativamente com o artigo “Psicologia de grupo e a análise do eu” (1921). Ele analisa os fenômenos de grupo partindo das relações individuais em um âmbito restrito, as relações na família, fundadoras das relações sociais mais amplas.

Segundo Freud, nas relações com os pais, irmãos e irmãs e com uma pessoa amada, os amigos, o médico, o sujeito cai sob a influência de apenas uma só pessoa ou de um número bastante reduzido de pessoas, cada uma das quais se torna enormemente importante para ele.

Quando se fala de psicologia social ou de grupo, costuma-se deixar essas relações de lado e isolar a influência exercida sobre um sujeito por um grande número de pessoas simultaneamente, pessoas com quem se acha ligado por algo, embora sob outros aspectos e assuntos elas possam ser-lhe estranhas.

A psicologia de grupo interessa-se pelo indivíduo como membro de uma raça, de uma nação, de uma casta, de uma profissão, de uma instituição; ou como parte componente de uma multidão de pessoas que se organizaram em grupo, numa ocasião determinada, para um intuito definido.

E quando um se junta a um bando, costuma praticar atos, que geralmente, sozinho, jamais praticaria, como o vandalismo do primeiro dia de jogo na Praça da Liberdade e no Detran. Ou como os chilenos invadindo área restrita de um estádio.

Tipos de grupos que Freud estuda são a Igreja e o Exército. Ele os considera artificiais, porque uma força externa é empregada para impedi-los de desagregar-se e evitar alterações em sua estrutura. Nem sempre há livre arbítrio do sujeito na entrada ou saída e, no caso dessa última, o sujeito se defronta, geralmente, com perseguição ou severas punições.

Outro tipo de grupo são os formados pela rivalidade que produz a coesão entre os membros que, por mais que discordem entre si, se unem para defender-se, abandonando as pequenas diferenças narcísicas. Quando duas famílias se vinculam por matrimônio, por exemplo, cada uma delas se julga superior ou de melhor nascimento que a outra.

A rivalidade e agressividade com o diferente é comum ao homem, mas quando um grupo se forma, a totalidade da intolerância se desvanece, temporária ou permanentemente, dentro do grupo. Uma tal limitação do narcisismo só pode ser produzida por um laço libidinal com outras pessoas. O amor por si mesmo só conhece uma barreira: o amor pelos outros, o amor por objetos.

No futebol, vemos esse fenômeno. As disputas entre países unem cada um de seus membros pelo mesmo ideal: vencer o torneio. Esse ideal comum produz uma identificação horizontal, que abole particularidades. Uma união promove o sentimento pelo outro como um igual e remove divergências, como diz a música: “Todos juntos vamos... todos unidos na mesma emoção, tudo é um só coração”.

DOCUMENTÁRIO » Poeta da arquitetura [Sérgio Bernardes] - Walter Sebastião

DOCUMENTÁRIO » Poeta da arquitetura 
 
Filme de Gustavo Gama Rodrigues e Paulo Barros mostra a trajetória de Sérgio Bernardes, vencedor da Bienal de Veneza de 1964, que pensava o mundo de maneira muito particular 
 
Walter Sebastião
Estado de Minas: 29/06/2014


 (Debs Comunicação/Divulgação  )


Um arquiteto famoso pelo projeto de belas casas integradas à natureza, quando a palavra ecologia ainda nem era tão popular, em certo momento da vida deixa de lado a carreira bem-sucedida, inclusive fora do Brasil, e começa a desenvolver projetos visionários. Que, inicialmente, trocam a escala residencial pela metropolitana. Imagina, por exemplo, o Rio de Janeiro como microcidade autossuficiente, inclusive com relação à moeda. E, em sucessivas radicalizações, passa a pensar o Brasil, o mundo e o universo. O preço por tal aventura foi ser posto à margem e sob a tarja de utópico.

Sérgio Bernardes (1909-2009) é um representante ilustre, mas pouco conhecido, da geração que criou e recriou a arquitetura brasileira (Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e José Zanine Caldas, entre outros). Assinou projetos institucionais, residência de celebridades (é dele a casa do cirurgião plástico Ivo Pitangui), ganhou prêmios em bienais, sonhou com um mundo diferente. E viveu como quis. Ao vencer a Bienal de Veneza, em 1964, trocou o prêmio em dinheiro por uma Ferrari, que levava em suas viagens ao exterior e pilotava em autódromos.

Já estreou em algumas salas do país e deve chegar em breve a Belo Horizonte o documentário Sérgio Bernardes, de Gustavo Gama Rodrigues e Paulo Barros, que apresenta o personagem ao público. “Quem for ver o filme vai conhecer a história de um homem que bagunça a nossa cabeça. E que, por acaso, é arquiteto. Mas de fato é um poeta, um filósofo e um ser humano especial, que foi ao limite do possível”, conta o diretor Paulo de Barros. “Por ser uma metralhadora de ideias, achavam que ele era maluco. Mas o que ele diz e defende tem fundamento. E faz pensar. O caminho que as cidades e mundo estão tomando tem de ser o que estamos vendo?”, observa.

O filme é o primeiro longa dos dois diretores. “Foi uma gestação de quase quatro anos, enfrentando logística financeira complicada, imposta a quem faz cinema no Brasil. Mas mergulhar na vida de um personagem carismático trouxe prazer que supera todos os obstáculos”, garante. Mérito dos documentários, para ele, é serem aulas sintéticas sobre diversos temas ou personagens. O diretor aprova o crescimento de filmes sobre arquitetura e urbanismo, que vão chegando inclusive à TV. “São oportunidade de enxergarmos o lugar onde vivemos de outro modo. O mundo carece de soluções para a vida louca que vivemos”, observa.

Memórias  

Sérgio Bernardes dizia que, no futuro, as pessoas iam comprar terrenos medidos em centímetros, do mesmo jeito que hoje compramos a metros e, no passado, a medida era em hectares. A recordação vem de um animador ilustre do documentário sobre o arquiteto: Thiago Bernardes, de 39 anos, neto dele (autor, em parceira com Paulo e Bernardo Jacobsen, do projeto do Museu de Arte do Rio, o MAR). “Sérgio Bernardes inventou uma profissão: o inventor social. Que está muito além da arquitetura”, afirma Thiago, valendo-se de expressão que o avô usava para se autodefinir.

“Para Sérgio, o importante era abrir a cabeça das pessoas. Ele considerava que suas propostas poderiam não ser aceitas, mas, em algum momento, teriam de ser discutidas”, conta Thiago Bernardes. E, por isso, ele não considera preciso aplicar a palavra utópico às ideias do avô. Sérgio propôs, conta, uma espécie de seguro-habitação, que garantia a todos o direito à moradia. Cada projeto era produto de estudos. Há, na marginalidade em que Sérgio foi colocado, drama. “Mostra o que a sociedade faz com grandes pensadores: abafa, chama de maluco”, afirma, criticando imediatismos.

 Sobre como era a personalidade do avô, Thiago Bernardes conta que ele era pessoa especial. “Para ele, todo mundo era igual, tinha uma ausência de preconceitos que era fascinante. Todos que o conheceram ficaram marcados por ele. Desde o porteiro do prédio aos clientes”, afirma. “Dava a sensação de ser um homem que veio ao mundo para plantar sementinhas de mudança na cabeça das pessoas”, acrescenta, contando que o sonho de Sérgio Bernardes era uma sociedade tropical. 

Nobreza do samba Monarco lança CD‏ - Ailton Magioli

Nobreza do samba Monarco lança CD comemorativo de seus 80 anos com parcerias com o filho Mauro Diniz e canção com versos de Mário Lago. Zeca Pagodinho e Marisa Monte têm participação especial

Ailton Magioli
Estado de Minas: 29/06/2014


Baluarte da Velha Guarda da Portela, Monarco é legítimo representante da tradição do samba de terreiro (Ana Paula Migliari/Divulgação )
Baluarte da Velha Guarda da Portela, Monarco é legítimo representante da tradição do samba de terreiro

Baluarte de uma das matrizes mais ameaçadas do samba carioca – o samba de terreiro, ou de quadra; as outras são o partido-alto e o samba-enredo – Hildmar Diniz, o Monarco, se prepara para comemorar 81 anos em agosto, enquanto chega às lojas Passado e glória – Monarco 80 anos, com o qual marca, devidamente, a data redonda.

O agradecimento de Beth Carvalho (“Que beleza de música, Monarco. Que bom que você existe meu amor. Um beijo!”), depoisde interpretar Tristonha saudade, de autoria do próprio sambista, é a senha para a audição completa do disco, que ainda conta com as participações de Marisa Monte (Estação primaveril), Diogo Nogueira (A grande vitória) e Cristina Buarque (Momentos emocionais), entre outros bambas. Além da profundidade dos versos, há que se destacar o timbre belo e agradável de Monarco, espécie de “rei” da Portela.

“O que faço é o mesmo de 40 anos atrás, ou seja, o samba de terreiro com andamento normal”, diz o mestre da Velha Guarda da Portela, aproveitando para criticar o samba- enredo que, na opinião dele, também, está “corrido demais”. “Continuo compondo da mesma maneira que sempre fiz. Não faço samba corrido”, posiciona-se, salientando que, mesmo não tendo nada contra, pagode ele também não faz.

Em meio às 13 pérolas reunidas em Passado e glória, chama a atenção de imediato o samba Poeta apaixonado, com a qual Monarco abre o CD. “É o velho Mário Lago. Fiz como tributo a ele, que é o poeta apaixonado”, emociona-se Monarco, lembrando que um dos seus grandes sonhos era fazer música com o autor de Ai que saudades da Amélia, que é seu ídolo. “Já rapaz, tive a felicidade de conviver com ele, mas não consegui estabelecer a parceria. Agora, então, fiz Poeta apaixonado como tributo, usando versos do próprio Mário”, explica o sambista, que recorre a versos de clássicos como Nada além e Devolve na composição, parceria póstuma com o antigo companheiro.

“Sugeri estas estrofes e fui feliz. É o samba mais novo que há no disco”, data a própria criação, ressaltando que, em contrapartida, Crioulinho Sabú, também no repertório, tem mais de 70 anos. Trata-se do primeiro samba de Monarco que, sob influência do pai, começa a compor paródias aos 8 anos. “As rimas vêm de meu velho pai, José Felipe Diniz, que era mineiro de Ubá”, recorda. “Já a musicalidade é o dom que Deus me deu”, completa.

Com o filho Mauro Diniz, de 61, Monarco assina três composições do novo disco: Insensata e rude, A grande vitória e Horas de meditação. “Mas nós temos mais. Tem Dolores, que o Zeca Pagodinho gravou”, começa a listar a relação dos sambas feitos com o filho, que já somam cerca de 30 composições e que, em breve, deverão ser selecionadas para o repertório de um disco dos dois. Como revela, normalmente ele faz a primeira parte do samba, dando preferência a Mauro Diniz para completar a criação.

“Além de filho, Mauro é amigo. Vamos fazer um disco só com nossas canções”, afirma, orgulhoso da parceria, enquanto familiares mais jovens, como os netos João Matheus Diniz e Thereza Beatriz Diniz também fizeram questão de participar do disco do avô. Juliana Diniz, a mais conhecida das netas, que fez o musical Sassaricando, depois da estreia fonográfica foi estudar inglês nos Estados Unidos.

Em família “Como a gente já se conhece bem e tem afinidade grande, fica mais fácil”, diz Mauro Diniz a respeito do trabalho com o pai. Depois de um DVD, ele agora está por trás do CD de Monarco. “Sei os caminhos e sigo com ele”, constata Mauro, que diz ter começado a compor influenciado pelo pai.

“Comecei a fazer samba com meus contemporâneos: Zeca Pagodinho, Ratinho, Jorge Aragão”, lista Mauro Diniz, salientando que só depois da carreira consolidada foi compor com o pai. “Ele me mostra a primeira parte e eu faço a segunda e vice-versa”, conta, explicando o método de trabalho adotado pelos dois.

“Agora meu pai é o parceiro mais constante”, diz orgulhoso Mauro, lembrando que de 15 a 20 delas já foram gravadas. A simplicidade, a profundidade dos versos e a força melódica são o que mais encanta o filho em relação à obra musical do pai. “Não tem mais compositores que fazem samba como Monarco. Hoje visam mais ao lado comercial. Meu pai nem sequer grava os sambas dele, faz por amor mesmo”, diz Mauro Diniz.

Ele ressalta o fato de as escolas de samba terem criado concursos de samba de terreiro diante da ameaça de extinção do subgênero. Candeia, que já morreu, Wilson Moreira e Nei Lopes são alguns dos contemporâneos do mestre portelense, todos, felizmente, ainda na ativa.


Palavra de especialista

Nei lopes
compositor e escritor

Deus salve o Rei!

O samba carioca, matriz da música popular brasileira, nasceu entre a ocorrência das duas guerras mundiais e de diversos movimentos internos, quando o militarismo exercia forte influência na vida nacional. Daí a presença, nas escolas, de signos e elementos, como a percussão da bateria; a “evolução”; a própria denominação “escola” de samba; e a figura do “baluarte”. No vocabulário militar, “baluarte” é o sustentáculo de um reduto, a fortaleza inexpugnável. E o termo acabou se incorporando ao universo das escolas, para designar aquele indivíduo indispensável à defesa do samba, sempre ameaçado.
Em 1970, lançada em disco, nascia institucionalmente a Velha Guarda da Portela, revelando um “velha-guarda” de apenas 37 anos, o Monarco. Cantor de belo timbre e compositor de letras densas, como as reveladas em seu primeiro LP solo, de 1974, ele logo se destacou. E com o falecimento de Manaceia, em 1995, assumiu, como baluarte que é, a liderança do grupo. Memória viva de sua escola, na melhor tradição dos griôs africanos, eis Monarco, verdadeiro monarca, no esplendor de seus 80 anos. Deus salve o Rei!



Passado e glória – Monarco 80 anos
Todas as faixas
1 – Poeta apaixonado, Monarco e Mário Lago
2 – Verifica-se de fato, Monarco e Ratinho, com Zeca Pagodinho
3 – Não reclame pastorinha, Monarco
4 – Tristonha saudade, Monarco, com Beth Carvalho
5 – Insensata e rude, Monarco e Mauro Diniz
6 – Estação primaveril, Quinho e Monarco, com Marisa Monte
7 – A grande vitória, Monarco e Mauro Diniz, com Diogo Nogueira
8 – Pobre passarinho, Ratinho e Monarco, com a neta Juliana Diniz
9 – Momentos emocionais, Monarco, com Cristina Buarque
10 – Fingida, Monarco, com Tuco Pellegrino, do Batalhão de Sambistas
11 – Meu criador, Mijinha e Monarco, com o filho Marquinhos Diniz e Velha Guarda da Portela
12 – Horas de meditação, Mauro Diniz e Monarco, com o filho Mauro Diniz
13 – Crioulinho Sabú, Monarco, com os netos Thereza Beatriz Diniz e João Matheus Diniz

O sonho não acabou‏ - Mariana Peixoto

O sonho não acabou 
 
Biografia destaca momentos marcantes da vida e da obra de Paul McCartney nos anos 1970. Fora dos Beatles e em busca de linguagem pessoal, artista viveu fase hippie ao lado da mulher 

Mariana Peixoto
Estado de Minas: 29/06/2014

Paul com a terceira formação do Wings, em 1979: Lurence Juber, Linda, Paul, Steve Holley e Denny Lane, em Liverpool (Howard Barlow/ Leya)
Paul com a terceira formação do Wings, em 1979: Lurence Juber, Linda, Paul, Steve Holley e Denny Lane, em Liverpool


Em 1973, entediado com o ambiente no Reino Unido, Paul McCartney decidiu que o novo álbum dos Wings deveria ser gravado num território mais exótico. Pediu à gravadora EMI a lista dos estúdios que ela possuía pelo mundo. Havia opções como Mumbai (então Bombaim), Pequim e até mesmo o Rio de Janeiro. Mas escolheu Lagos, na Nigéria. Vivendo com Linda e as filhas numa fazenda na Escócia, em ambiente hippie-rural, esqueceu-se de se informar sobre o local.

Não sabia que o período escolhido para a empreitada era de monções. A praia que esperava pegar com a família em setembro sofria com chuvas diárias. Pior, sequer tinha consciência de que o país havia acabado de passar por uma guerra civil, então o ambiente era para lá de hostil. Pois os McCartney, mais o guitarrista Denny Laine (o baterista Denny Seiwell havia pulado fora da banda na noite anterior ao embarque para o Nigéria, copiando o guitarrista Henry McCullough, que tinha abandonado o barco semanas antes) conceberam ali seu mais importante álbum, Band on the run (lançado em dezembro daquele ano), também o mais conhecido álbum de um Beatle depois do fim da banda.

Em Man on the run – Paul McCartney nos anos 1970, o jornalista escocês Tom Doyle não busca o ineditismo (as 300 páginas da fluida leitura não trazem nenhuma revelação que vá surpreender um beatlemaníaco). O autor procura sim chegar à persona de McCartney, um músico que começa a década completamente desacreditado de si mesmo. Para Doyle, a década de 1970 foi para McCartney um período de luta e fuga. Com o fim dos Beatles – e McCartney em litígio com os ex-companheiros na Justiça – ele inicia um período difícil da vida musical. Na pessoal, o clima também é de recomeço. Recém-casado com a fotógrafa norte-americana Linda Eastman, embarca num ambiente familiar que contradizia em tudo o glamour que acompanha os rockstars.

Com narrativa cronológica, que começa com o fim dos Beatles e termina com o assassinato de John Lennon, o livro veio de uma necessidade que o autor sentiu em tirar McCartney de sua zona de conforto. Ao longo da última década, realizou uma série de entrevistas com ele e sentiu, pouco a pouco, a armadura se abrir. “Para mim, uma imagem bem diferente começava a emergir, em nítido contraste com o tesouro (inter)nacional em geral percebido como ligeiramente oportunista e hesitante que, hoje em dia, canta na abertura dos Jogos Olímpicos ou se apresenta para a rainha... Por trás de sua forte imagem desse período, como um cantor de rock suave e de olhos de Bambi, ele era na verdade um indivíduo muito mais inclinado à contracultura”, escreveu Doyle.

Linda e Paul, em 1974, momento de descontração depois dos turbulentos ensaios preliminares com a nova banda     (Corbis/Leya)
Linda e Paul, em 1974, momento de descontração depois dos turbulentos ensaios preliminares com a nova banda
Paul e Wings em 1972: turnê a bordo de ônibus com pintura psicodélica, com apresentações a 50 cents   por cabeça (Getty Images/Leya)
Paul e Wings em 1972: turnê a bordo de ônibus com pintura psicodélica, com apresentações a 50 cents por cabeça


Maconha

O recorte da biografia de Doyle não é o período mais retratado na extensa bibliografia que existe sobre McCartney, daí que o tom, por vezes romanceado da narrativa, surja como um atrativo a mais. Depois do casamento e fugindo das constantes brigas com os Beatles, Paul se refugia com a mulher e Heather (filha de Linda, que ele criou) e Mary, a primogênita do casal, para a Escócia. Ali, o quarteto viveu da maneira mais rústica possível. Sem aquecimento, numa casa de poucos cômodos, McCartney se tornou Paul, o marceneiro. Consumidor voraz de maconha, teve até uma pequena plantação em casa – quando foi levado a juízo, justificou com a cara mais levada possível que recebia sementes de fãs e não sabia que aquela era de cannabis.
Tão hippie quanto foi a primeira turnê dos Wings, que em fevereiro de 1972 rodou 10 universidades inglesas. Os músicos viajavam num ônibus de dois andares, chegavam de surpresa nos locais e faziam apresentações, a 50 cents por cabeça. McCartney admite, mais de uma vez, que foi Linda quem o salvou. A mulher, cuja atuação musical sempre foi discutível, aparece como uma figura forte que tinha consciência de sua limitação como tecladista. Mas foi a maneira que a família – que cresceu com o nascimento dos três filhos que tiveram juntos – encontrou para permanecer unida. Entre muitos erros e acertos, o retrato apresentado por Doyle humaniza o maior artista vivo do rock.

Quanto a Band on the run, passadas sete semanas de gravação em Lagos, McCartney decidiu voltar à Inglaterra, onde o terceiro álbum dos Wings foi finalizado. Escapou ileso, ou quase, da aventura africana. Teve as fitas cassete originais roubadas por um grupo armado – como eram os únicos registros existentes, teve que gravar de novo as músicas, muitas das quais se lembrou de cabeça –; precisou provar ao músico Fela Kuti, que andava com um grupo de guarda-costas, que não tinha ido à Nigéria para “roubar” uma sonoridade africana; e de sofrer um ataque de pânico numa noitada, depois do consumo exagerado de maconha nigeriana. São histórias que, quatro décadas mais tarde, dão ainda mais sabor ao seu mais importante álbum fora dos Beatles.

MAN ON THE RUN: PAUL MCCARTNEY NOS ANOS 1970
. De Tom Doyle
. Editora Leya, 352 páginas, R$ 49,90

 (Leya/Reprodução)



Trecho

“Talvez, estranhamente, um dos elementos mais agradáveis para Paul em tudo isso foi receber o cachê da banda, metade do valor arrecadado com os ingressos, depois da apresentação, um saco de moedas de 50 centavos, que depois foi igualmente distribuído pelo cantor entre os músicos. Em virtude do fato de, após assinar com a NEMS, de Brian Epstein, em janeiro de 1962, os Beatles jamais terem lidado com dinheiro vivo que ganhavam por suas apresentações, isso era uma emoção inesperada. Foi a primeira vez em 10 anos que Paul viu dinheiro depois de um show, e ele gostou do aspecto ‘dignidade do trabalho’ do músico disso, sentindo-se como ‘Duke Ellington dividindo o dinheiro’ com sua banda.” (Sobre o primeiro show dos Wings, em 9 de fevereiro de 1972, no refeitório da universidade de Nottingham, norte da Inglaterra)

Em forma

Nesta semana, Paul McCartney reapareceu em vídeo disponibilizado na internet para informar aos fãs que está muito bem. Em maio, ele ficou internado em Tóquio, onde faria shows da turnê Out there, Recuperando-se de um vírus, também teve que adiar a parte norte-americana da turnê. Aos 72 anos recém-completados, McCartney adiou os shows nos EUA para setembro e outubro. “Venham nos ver, que nós veremos você, sentindo bem e rock’n’rollin”, finalizou ele, antes de emendar um air guitar.

Band of the run, de Paul McCartney e Wings, um clássico de 1973   (Emi/Reprodução)
Band of the run, de Paul McCartney e Wings, um clássico de 1973


Discografia no período

. Paul McCartney
McCartney (1970)
McCartney 2 (1980)
Tug of war (1982)

. Paul e Linda McCartney
Ram (1971)

. Paul McCartney e Wings
Red rose speedway (1973)
Band on the run (1973)

. Wings
Wild life (1971)
Venus and Mars (1975)
Wings at the speed of sound (1976)
Wings over America (1976)
London Town (1978)
Wings greatest (1978)
Back to the egg (1979)

Eduardo Almeida Reis - Contratos‏

Brasileiros submetidos a condições parecidas com as da escravidão nunca souberam o significado de análogo


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 29/06/2014



Não sei onde anda a escritora Patrícia Secco, especializada na modificação do português de Machado de Assis, que ainda não fechou contrato com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para simplificar os termos do trabalho dos ilustres fiscais empenhados na descoberta de brasileiros submetidos a condições análogas às da escravidão. Trocar “análogas” por “parecidas” vale contrato de R$ 2 milhões.

Cá entre nós, que ninguém nos ouça: brasileiros submetidos a condições parecidas com as da escravidão nunca souberam o significado de análogo, em nosso idioma desde 1695, do latim analògus,a,um 'proporcionado, simétrico, análogo, semelhante'.

Escravo no Brasil foi associado à cor da pele, mas a palavra nos chegou através do latim medieval slavus, sclavus, do grego bizantino sklábos, sklabénós 'eslavo', mais tarde 'escravo, cativo'. E o eslavo é branco. Fazendeiro durante séculos, conheci os senhores fiscais do antigo Ministério do Trabalho, hoje do Trabalho e Emprego, como se fosse admissível, no mundo civilizado, emprego sem trabalho, mas no Brasil é. E são centenas de milhares de patrícios apaniguados, outra palavrinha difícil, aqueles que são favoritos, protegidos, afilhados, seguidores de um partido que não preciso dizer qual é.

Ainda bem que os operosos fiscais do MTE não pintaram aqui no pedaço doméstico para descobrir servidora em condições análogas. Motivo: cor da pele. A do patrão é branquíssima, ao passo que a da comadre é pardacenta. No item jornada de trabalho, que vai das 9h às 16h nos dias de expediente espichado, não creio que a analogia se caracterize. Enquanto ao mais, a gente vai vivendo e se divertindo com as palhaçadas inventadas pelo país grande e bobo.

Credulidade

Crédulo pra dedéu, acredito em tudo que vejo e ouço na TV, ainda quando a informação me pareça estranha. Acreditei, por exemplo, na notícia de que também nos Estados Unidos as igrejas têm isenção de impostos. Pensei que fosse coisa de Quinto Mundo, mas parece que existe nos quatro primeiros. Cabe a pergunta: por que, diabo, os ateus trabalhamos e pagamos impostos, enquanto as igrejas têm isenção?

Afinal, em quatro ou cinco dias, pagando cerca de R$ 500, todo brasileiro pode montar uma igreja. Dois repórteres da Folha registraram a sua em poucos dias e gastaram exatos R$ 418. Aí, você tem uma igreja registrada, aluga um galpão e começa a faturar livre de impostos.

Levando jeito, inventa uma toalhinha benta com o seu suor, dízimos em cobrança bancária, desencapetamento total, acusa de irreligião umbandistas e candombeiros (veja Candomblé VIP no Google) e a sua igreja fica rica, riquíssima, bilionária. Você pode morar num palácio com torneiras de ouro, como existe um em Belo Horizonte, mas o dinheiro, o palácio, as torneiras são da igreja.

Já me hospedei nas casas de amigos muito ricos, sei que podem ser bonitas e confortáveis, mas bom mesmo é o cantinho da gente com os nossos pertences, ainda que modestos. Como resolver o problema da transferência do dinheiro da igreja para o seu bolsinho de pastor?

É a coisa mais fácil do mundo. Você compra em seu nome uma rádio, várias rádios, uma retransmissora de tevê. Já sabe onde tirar o dinheiro: dos dízimos. Portanto, a rádio é sua, pastor Fulano de Tal, com CPF, tudo bonitinho. A partir daí, a igreja passa a alugar horários na sua emissora a preços estratosféricos. Você, pessoa física, paga os impostos e fica bilionário. Há exemplos e são muitos.

O mundo é uma bola

29 de junho de 1613: um incêndio destrói o Globe Theatre, em Londres, onde Shakespeare encenava suas peças. Noite dessas, na TV, um especialista em Shakespeare contou coisas interessantíssimas sobre o teatro londrino e o gênio britânico. No Globe Theatre, os espectadores levavam laranjas para cortar ao meio e botar sobre os respectivos narizes. Função: abafar o cheio de urina e fezes que havia no teatro, onde as pessoas faziam suas necessidades. Não havia banheiros: tudo era feito no piso da plateia. Shakespeare tinha dois textos para a mesma peça. Um popular para entendimento da patuleia, outro rebuscado que representava nos palácios para a nobreza e a família real.

Em 1845, com a chegada dos colonos alemães, fundação da Imperial Colônia de Petrópolis. Mês passado, subi de automóvel a velha Serra de Petrópolis pela milésima vez. A vegetação continua muito bonita, mas a pista, com aquela sucessão de curvas, é insuportável. Hoje é mão única, mas ainda peguei o tempo da mão dupla.

Em 1951, Joseph Ratzinger (futuro Bento XVI) é ordenado padre. Em 1995, a explosão de um shopping em Seul, capital da Coreia do Sul, mata 502 pessoas. Em 1996, no Morro da Igreja, município de Urubici (SC), registrada a temperatura de -17,8 graus, a mais baixa do Brasil.

Ruminanças

“Antes de se casar, procure saber se o seu amor é biodegradável, ecológico, taxa zero, pode ser pré-pago e tem dotz, a sua segunda moeda” (R. Manso Neto).

Zona Mista

ZONA MISTA
Kelen Cristina
Estado de Minas: 29/06/2014


 (Kelen Cristina/EM/D.A Press)
 Torcida uniformizada
Os jogadores tiveram apoio maciço dos familiares nas cadeiras do Mineirão. Namorada de Neymar, a atriz Bruna Marquezine estava acompanhada da irmã craque, Rafaela. Atenciosa com os fãs, não se negou a tirar fotos e se juntou aos torcedores nos cânticos. O lateral-direito Daniel Alves teve direito a torcida uniformizada (foto), formada pelo pai, Domingos; a mãe, Lúcia; a irmã, Lucy; o irmão, Júnior; e a afilhada, Ana Luiza. Todos vestiam uma camisa com a foto do jogador e os dizeres: Daniel Alves, orgulho de Juazeiro. A família está viajando pelo Brasil para assistir aos jogos da Seleção, e, segundo Domingos, espera seguir na estrada por muito tempo. “Vamos a todas as partidas, até a final no Maracanã”, afirmou o pai do lateral, apostando que os comandados de Felipão estarão na briga pela taça no Rio, em 13 de julho.


Fotos em vez de vaias
Seis anos depois de ter sido duramente hostilizado no Mineirão – era o técnico da Seleção Brasileira que empatou sem gols com a Argentina, pelas Eliminatórias para a Copa de 2010 –, Dunga retornou ao Gigante da Pampulha como comentarista de uma TV mexicana e constatou que sua popularidade melhorou um pouquinho. Pelo menos desta vez, em vez das vaias e dos gritos de “burro”, ele ouviu pedidos para fotos, sobretudo de voluntários e seguranças que trabalhavam no estádio. Atendeu todos na maior simpatia, mas não quis conceder entrevista aos “colegas” da imprensa.


Atração de farda
Dois integrantes da polícia do Chile devidamente fardados viraram atração turística na esplanada do Mineirão antes da partida pelas oitavas de final da Copa. Os carabineros (como são chamados) foram abordados por torcedores chilenos e brasileiros de todas as idades e não se negaram nenhuma vez a posar para fotos. Oito militares vieram ao Brasil para garantir a segurança da Roja, acompanhando a delegação nos treinos e jogos. Os policiais brasileiros não ficam atrás – também estão sendo muito requisitados por estrangeiros para fotografias –, especialmente as mulheres do pelotão.


Chilena desinibida
Jhendelyn Núñes, modelo de 25 anos, fez a festa de muito marmanjo ontem à tarde no centro de imprensa do Mineirão. Contratada por um canal de TV chileno para atuar na cobertura da Copa, ela já chamava a atenção ao desfilar num short branco curto, mas empolgou-se ainda mais quando foi cercada por um grupo de jornalistas, ávidos por fotos. Sem a menor inibição, a garota levantou a blusa para mostrar que usava um top alusivo à bandeira de seu país, provocando uma barulhenta reação na ala masculina.


Cartilha falha
As cervejarias que patrocinam a Copa do Mundo bem que tentaram dar uma força na campanha para  emplacar novos cânticos para a Seleção, além do batido “eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. Antes da partida, foi distribuída na esplanada do Mineirão uma espécie de “cartilha” com sugestões de músicas para serem cantadas durante o jogo. Um animador até puxou algumas rimas no microfone, direto de um dos estandes mais badalados, num ensaio informal. Nada disso, no entanto, adiantou. Nenhum “hino” novo pegou e o “eu sou brasileiro…” continuou sendo entoado dentro do estádio, embora sem muita empolgação.


BOMBANDO
“Assistindo a este jogo da Colômbia, acho que já tenho meu jogador favorito na Copa do Mundo! Claro que o nome dele ajudou. #10 #James”

LeBron James (@KingJames), ala do Miami Heat, rasgando elogios a James Rodríguez, autor de um golaço sobre o Uruguai ontem


“Avançamos às quartas de final! Um enorme obrigada a James! Até aqui, o melhor do Mundial! Ospina, espetacular!!”
Shakira (@shakira), que parece já ter superado a tristeza pela eliminação do marido, o zagueiro Piqué, com a Seleção Espanhola, e volta toda a sua torcida para a terra natal


“James... Que golaço! Peito/voleio… Eu disse a ele que ele seria a estrela desta Copa do Mundo”
Rio Ferdinand (@rioferdy5), zagueiro inglês, que está trabalhando como comentarista no Mundial

COPA.BR - NA REDE » Feito com recorde no Twitter‏

NA REDE » Feito com recorde no Twitter

Shirley Pacelli
Estado de Minas: 29/06/2014



Goleiro brasileiro logo virou sensação nas redes sociais  (reprodução da internet)
Goleiro brasileiro logo virou sensação nas redes sociais
 Ave, César: salvou a Seleção, o sábado e até o próximo feriado dos torcedores brasileiros. Herói da partida entre Chile e Brasil, o goleiro Julio Cesar mereceu todas as 60 mil menções (dados do Topsy) no Twitter logo após o fim do jogo no Mineirão. No microblog a alegria era tanta que os usuários não conseguiram chegar a um consenso. Durante os pênaltis as hashtags #vamojulio e #juliocesar ficaram nos Trending Topics (TTs) do Brasil na rede social.

Depois da vitória apertada, os brasileiros tuítaram #valeujuliocesar e #juliocesarobrigadoguerreiro. Outros termos como “now or never” (agora ou nunca) e “eu acredito” também viraram tendência no Twitter. Ousados, os atleticanos conseguiram subir para o TTs nacional a hashtag #saovictor, fazendo referência ao abençoado terço que Julio Cesar ganhou de Victor, goleiro reserva da Seleção, que atua no Galo. Segundo eles, o empréstimo do objeto sagrado, responsável pela boa sorte mineira na Libertadores 2013, foi providencial.

Com ajuda ou não dos céus, Julio Cesar foi reverenciado na web. Montagens diversas circularam pela rede. A mais óbvia delas trazia o goleiro como o poderoso imperador romano, em sua versão estátua de granito. O jogador também ganhou um meme à la Ganesha, com seis braços. Outro mais divertido o comparava ao Buzz Lightyear, personagem do filme Toy Story. O chavão “Ao infinito e além”, de Buzz, se tornou bastante apropriado para o momento da emocionante defesa e classificação do Brasil.

A modelo Gisele Bündchen também entrou na onda dos memes e compartilhou no seu Twitter uma montagem de Julio Cesar, como uma muralha, esperando pelas bolas de um canhão. A imagem ressignificou o viral que antes trazia o goleiro mexicano Ochoa, estrela da partida contra a Seleção Brasileira na primeira fase da Copa. Muitos internautas bem-humorados também compartilharam o meme do goleiro “salvador de feriados”.

PICO O pênalti que classificou o Brasil para as quartas de final gerou o maior pico de posts da história do Twitter. Segundo a empresa, fora 388.985 tuítes por minuto, superando a edição deste ano do Super Bowl, grande final da liga de futebol americano dos Estados Unidos, com 381.605. A partida entre Brasil e Chile também bateu recorde: foi a mais tuítada da história da Copa 2014, com 16,4 milhões de posts.

CRôNICA » Xô, Minerazo! -Arnaldo Viana‏

O furor da onda amarela não conseguiu fazer o time brasileiro afinar o futebol, mas deu poder ao goleiro Júlio César para espantar do Mineirão o fantasma de 1950
Arnaldo Viana
Estado de Minas: 29/06/2014



"O campeão voltou..."


Tarde linda. A torcida canarinho nunca se divertiu tanto como ontem no parque de diversões montado pelos patrocinadores da Copa, na esplanada do Mineirão. Espera longa para tirar fotos com o Fuleco, aglomeração na sala dos espelhos daquela marca que vende talco para bumbum de neném, só para sair com o rosto pintado com as cores da bandeira, e fila no tropeiro, agora com etiqueta mineira. Tudo muito amarelinho, animado de dar gosto. Tudo Brasil, Brasil. A galera entrou em campo sem arriscar palpites ousados. Conhece o time que tem e entrou no estádio disposta a regê-lo. Como um maestro. Mas a missão de ditar o ritmo em campo não era do Oscar? Que Oscar?

Hino a todos os pulmões e o maior hit das arquibancadas: “O campeão voltou, o campeão voltou, o campeão voltou…”. O coração explodindo. Minerazo, aqui não! O time logo entrou no ritmo, com Neymar dedilhando cordas com talento e David Luiz batendo bumbo. Um bumbão. Tanto bateu que brilhou no complemento do acorde puxado por Thiago Silva. E a galera regendo: “Eu, sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor…”. Time e torcida em sinfonia. Mas (coisa ruim é um mas), o Hulk tropeçou feio no contrabaixo. Só então perceberam-se dois pontinhos vermelhos se inflamando no meio da onda amarela: “Chi, chi, chi; lê, lê, lê!”. Era o empate. Mesmo assim, ainda era cedo para sentir ameaça de Minerazo.

"CChi-Chi-Chi-LE-LE-LE..."

O meio-campo de uma orquestra não é feito de violas, de violinos? Era querer muito de Luiz Gustavo, Fernadinho e Oscar. Deram de desafinar. Quando um escorregava no dó, outro se atrapalhava com o ré. O som não chegava com qualidade a Neymar e ele passou a fazer solo. Interessante como o desarranjo de uma orquestra contamina o maestro. A arquibancada desandou. De um lado, o hino; do outro, sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor. A toada seguiu nesse ritmo até o fim do primeiro tempo.
 No começo do segundo tempo, a dúvida. No Maracanazo, em 1950, o carrasco do Brasil foi o uruguaio Ghigghia. E se o jogo de ontem terminasse em Minerazo, quem seria o Ghigghia? Candidato não faltava. E nenhum era chileno. Poderia ser o próprio Daniel Alves, o Marcelo (xiiii!), o Hulk, o Luiz Gustavo, o Fred, o Fernandinho… Um Ghigghia tipo Judas. E o técnico, o dono da orquestra? Tirou um violinista com cara de tocador de tambor e botou outro. Tirou um pianista com jeito de soprador de tuba e botou outro. Não deu arranjo. No banco, o cavaquinho do Bernard doido para mudar o ritmo. E o técnico nem olhava para ele. Que técnico?

A sombra do Minerazo crescia. Estava nas mãos da galera a batuta para evitar a tragédia. Ela reagiu e deu o tom certo para o tímpano de Júlio César. “Moral pro cara, sabe?”. Ele pegou certinho o tom e as notas. Espantou a catástrofe. A torcida agradeceu e ele nunca ouviu nada igual na carreira, na solidão dos arcos. E, pela primeira vez nesta Copa, o Brasil tem dois heróis: o goleiro e a massa canarinho. O espetáculo da arquibancada continua prevalecendo no Mineirão. Ainda bem! Xô, Minerazo.

"Júlio César, Júlio César..."

COLUNA DO JAECI » Na sorte e nas mãos de Júlio César

COLUNA DO JAECI » Na sorte e nas mãos de Júlio César
"O Mineirão está lindo. Levou 10 com louvor, mas também sofreu com o futebol ruim"


Jaeci Carvalho
Estado de Minas: 29/06/2014



Um time medíocre, venho dizendo. Sem jogadas, criatividade e poder ofensivo. Mais parece um bando, mal distribuído e treinado. A maior esperança, Neymar, só joga contra equipes pequenas. E olhem que o Chile nunca foi do mesmo nível, mas bastou um pouco de organização para complicar. Da sorte, porém, Felipão jamais poderá reclamar. No último chute chileno, a bola explodiu no travessão, levando a disputa da vaga para os pênaltis. E aí brilhou a estrela de Júlio César, com duas defesas belíssimas. Era a consagração de um goleiro execrado nos últimos quatro anos pela falha contra a Holanda em 2010, que ajudou a eliminar o Brasil. Fico feliz por ele, um cara exemplar, de boa família e ótimo profissional. Só acho que Victor vive melhor fase. Mas quem vai contestar o herói da classificação às quartas de final? Ele já foi vilão, agora é herói e tem a confiança de 200 milhões de brasileiros.

Na saída do Mineirão, encontrei Marcos Uchoa, correspondente da Globo em Paris. Amigo de longa data, ele brincou: “Se me botar nesse time, jogo mais do que muitos aí”. Retruquei: “Eu também”. Oscar é muito ruim. Willian, pior ainda. Hulk até que atuou bem, mas também acrescenta pouco. Restam os zagueiros, o goleiro e Neymar, que tem DNA para ser craque, embora, quando marcado, não faça gracinha, não dê chapéu e não apareça. Ele tropeçou na bola várias vezes e não deu aquelas arrancadas, como fez contra o fraco Camarões.

Estou feliz pela vaga, mas só. Felipão deve olhar para o banco e pensar: “Que besteira não chamar R10 e Robinho. Contar com Ramires, Oscar e Willian é perda de tempo”. Mas o que importa é que estamos nas quartas. Vamos jogar em Fortaleza, onde a torcida é pura festa. Por falar em torcida, os mineiros deram show e apoiaram sempre. Fizeram sua parte e empurraram o time nas penalidades. Sim, leitores e leitoras, pode parecer inacreditável, mas o Brasil se classificou contra o Chile nos pênaltis. O futebol mudou, não tem mais bobo, como dizem os treinadores. Bobo é quem paga R$ 2 mil por um ingresso na mão de cambista para ver futebol tão ruim.

Comentei com um amigo a diferença entre o jogo de ontem e a semifinal de 1998 contra a Holanda, também decidida nos pênaltis, em Marselha: 1 a 1 no tempo normal, 0 a 0 na prorrogação. Nas penalidades, Taffarel fez como Júlio César ontem. Vibramos ontem, embora eu continue achando que não vamos longe. Poderemos vencer na sexta-feira e voltar ao Mineirão no dia 8. Aí, a parada será contra Alemanha ou França. Mas a sorte de Felipão é impressionante. Se Deus é brasileiro, como dizem, o papa é argentino, e, para nossa sorte, só podemos cruzar com os hermanos na final. Como não acredito que cheguemos, vamos bater palmas para eles ou para os alemães. Eu sempre disse: a decisão será Alemanha x Argentina.

O Mineirão está lindo. Levou 10 com louvor, mas também sofreu com o futebol ruim. Já escrevi: nem Ronaldo, Ronaldinho ou Romário se consagrariam nessa equipe. A bola não chega e o coitado do Fred sofre. Felipão trocou seis por meia dúzia. Jô também não suportou a incompetência de Oscar.

Pena que logo na Copa na nossa casa tenhamos time tão previsível e sem inspiração. Quem sabe ele cresça em Fortaleza e nos dê mais confiança? É difícil escrever uma coluna mostrando nossos erros e fragilidade. Mas é a minha função. Vamos torcer, só nos resta isso. Se não der certo, teremos feito nossa parte. Como cantou boa parte da torcida: “Ah, eu acredito”. Quem sou eu para duvidar dela?.

Vamos aos trancos e barrancos. Podemos comemorar, sim. Afinal, faltam somente três jogos para o objetivo maior. A caminhada será árdua e longa. Um pouquinho mais de sorte nos manterá vivos. Júlio César, obrigado por nos manter na Copa. Ontem você apagou o vilão de 2010.