segunda-feira, 30 de março de 2015

Janine defende programas sociais com ênfase na formação de mão de obra

Cristiane Agostine, Denise Arakaki e Beth Koike | 
30/03/2015VALOR ECONÔMICO


Escolhido para comandar o Ministério da Educação, o filósofo e professor da USP Renato Janine Ribeiro defendeu ontem a expansão do Pronatec e afirmou que os programas sociais do governo federal devem estar atrelados à educação e à formação de mão de obra para o mercado de trabalho. Em entrevista ao Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor, Janine disse também apoiar mudanças no currículo escolar e melhores salários aos servidores da área.

“A tendência do Pronatec é expandir mesmo. Tem que qualificar cada vez mais a mão de obra. Precisamos ter trabalhadores que saibam cada vez mais atender às expectativas do mercado de trabalho exigente. Toda discussão sobre competitividade e produtividade passa essencialmente pela formação da mão de obra”, disse Janine. “A inclusão social está se tornando algo que vai depender cada vez mais da educação para o trabalho e para a vida.”

Na análise do futuro ministro, a formação de mão de obra é fundamental e será “o grande gerador de recursos” para o desenvolvimento econômico e a inclusão social.
Janine foi anunciado na sexta-feira, conforme antecipou o Valor PRO, e tomará posse na próxima semana, no dia 06.

Em meio ao ajuste fiscal comandado pelo Ministério da Fazenda, Janine disse que as restrições orçamentárias representam “um grande pesar” na execução das ações da Pasta, mas não devem prejudicar investimentos na área – considerada como foco do segundo mandato, com o lema “Pátria Educadora”.
Janine terá como desafios as medidas de contenção no Fies, que reduziram o número de contratos de financiamento estudantil e dificultaram a renovação do benefício. Há problemas também no repasses de recursos do PROUNI e no custeio das universidades federais, além do fraco desempenho dos alunos do ensino infantil e médio.

O novo ministro evitou detalhar suas propostas para o Fies, ENEM e PROUNI antes de tomar posse no cargo. No entanto, disse que há convergência na sociedade sobre quais devem ser a prioridades. “A sociedade brasileira, no que tange à educação, foi convergindo cada vez mais sobre as questões que são necessárias. Então tem que mexer nos currículos, tem que melhorar a remuneração… Tudo isso tem que ser feito”, afirmou. “Agora como vai ser feito, quando vai ser feito é outra história”, disse.

Com 65 anos, o futuro ministro assume no lugar de Cid Gomes (PROS) e será o quinto titular da Educação da gestão Dilma. Professor titular de Ética e Filosofia Política na USP, Janine tem feito uma leitura crítica do governo e da presidente. Em entrevista publicada na edição deste mês da revista “Brasileiros”, analisou a conduta do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, como uma “quase intervenção tucana”, disse que o ministro é o único “indemissível” e que quem votou em Dilma “está meio estupefato pelo caminho tomado e não sabe se esta medicina mais neoliberal vai funcionar ou não”. Na entrevista, feita antes do convite para o cargo, o professor afirmou que a presidente intervém demais nos ministérios e não confia nos titulares, atacou a falta de comunicação e disse que a presidente não tem a concepção de que deve prestar contas à sociedade. Janine apontou ainda o isolamento da presidente e o descolamento dela em relação à política e às bandeiras da esquerda.

Com perfil acadêmico, diferente da ampla maioria dos ministros da Educação, é formado em Filosofia pela USP, tem mestrado pela Université Paris 1 Pantheon-Sorbonne, doutorado pela USP e pós-doutorado pela British Library. Colunista do Valor até a edição de hoje, Janine foi entre 2004 e 2008 diretor de avaliação da Capes, órgão que cuida da avaliação e eventual fechamento dos programas de pós-graduação.

Na Capes, Janine travou embates com o setor empresarial e, por conta disso, sua indicação foi recebida com receio por alguns representantes do setor de ensino superior privado. Segundo fontes do setor, o professor era contrário aos grupos privados de ensino no período em que esteve à frente da Capes. “Para o setor é uma situação delicada. Na época da Capes, havia ainda aquele ´ranço´ da universidade pública com os grupos privados. Mas isso pode ter mudado”, disse uma fonte do setor.

Na opinião do consultor especializado em educação Carlos Monteiro, o setor privado de ensino superior não deve ter ganhos relevantes com o novo ministro. “Ele tem gabarito para ser ministro, mas tenho dúvidas de como será o relacionamento com o setor privado. É um nome ligado ao PT e à Academia, que não vê com bons olhos os grupos privados de educação”, disse Monteiro. “A época em que ele esteve na Capes foi a mais difícil para aprovação dos programas de mestrado”. O consultor destacou ainda que Janine chega num momento muito complicado no setor tanto para as universidades públicas, que tiveram redução de 30% da verba, quanto para os grupos privados, que sofrem com os problemas do Fies.

Para o ex-ministro e acionista da Kroton Walfrido dos Mares Guia, a nomeação é uma boa escolha.

“Nunca conversei com ele. Mas leio os seus artigos e o considero uma pessoa muito equilibrada. Vejo como uma boa escolha”, disse.

Indo para a Educação - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico - 30/03/2015

Não é fascinante estar vivo numa época em que a educação torna possível uma riqueza de formações que nunca antes houve?

      
Em abril de 2011, as jornalistas Maria Cristina Fernandes, Denise Arakaki e Célia Franco me levaram para almoçar e me convidaram a escrever uma coluna semanal no Valor. Estes quatro anos, não deixei de contribuir uma semana sequer. Completei quase duzentos artigos nesta página, praticamente todos sobre a política brasileira. Esta é a última coluna, e digo isto com tristeza, porque foi uma experiência extraordinária: discutir nossa política sem fanatismo ou radicalismo, movido pela convicção de que o país tem agendas que demandam o diálogo, a cooperação, o empenho. Deixo a página para assumir, no dia 6 de abril, o Ministério da Educação, a convite da presidenta Dilma Rousseff. Agradeço ao jornal e aos jornalistas com quem tive contato.

Como afirmei várias vezes, aqui e na revista “Interesse Nacional”, o Brasil teve êxito em três sucessivas agendas democráticas. Chegamos à quarta. Começaram todas como projeto de uma parcela minoritária da sociedade, enfrentaram obstáculos, descrença e até mesmo repressão e mortes, para depois se tornarem parte de um patrimônio de que o Estado, a sociedade, a nação já não querem abrir mão.
A primeira foi a da democratização. Nunca tivemos uma democracia de verdade antes de 1985. Mesmo o período de ensaio democrático entre 1945 e 1964 foi turbulento, com aves de rapina ameaçando a tenra planta da liberdade. Contra a ditadura, muitos lutaram – entre eles os três presidentes mais recentes: FHC com a palavra, Lula na organização sindical, Dilma na resistência. Será por acaso que elegemos esses três combatentes da liberdade?

Na educação nem o céu é o limite


Todos eles se bateram para criar esta democracia, que é melhor do que pode parecer. O maior sinal de seu êxito está no avanço da qualidade de vida. No fim da ditadura, eram 85% os municípios brasileiros com IDH “muito ruim”. Hoje, são menos de 1%. Sem a democracia política, não teria havido esse avanço social. Foi com ela que a maioria de pobres pôde se organizar para fazer valer seus direitos.
A segunda agenda foi a vitória sobre a inflação. O mesmo cenário: décadas de corrosão da moeda, planos tentando extingui-la, finalmente, uma moeda que hoje perde menos valor em um ano do que então perdia em três dias. Restauram-se a confiança no outro e no futuro. Se o PMDB capitaneou a luta pela democracia, o PSDB assumiu a bandeira do Plano Real, que hoje pertence a todos.

A inclusão social em larga escala, como política irreversível do Estado brasileiro, foi e é a terceira agenda. É a mais difícil. Levar dezenas de milhões de brasileiros do baixo para o meio da pirâmide social, em poucos anos, é uma façanha quase sem paralelo no mundo. Falta concluí-la. Cada grupo remanescente é mais difícil de incluir. Mas é uma dívida moral que o País tem – e que o PT levantou como tema ético, desde sua fundação em 1981. No século XIX, o Brasil tinha a escravidão. Ela era nossa mancha ética, que corrompia a sociedade inteira, sobretudo os não escravos, que se beneficiavam dessa infâmia. Hoje, nossa chaga ética é a miséria – algo que não precisa, não pode, mais existir.

Se a ditadura durou duas décadas, se a inflação perdurou por tempo parecido, a exclusão beira os quinhentos anos. Começa a ser enfrentada em 1580, com os quilombos. Cinco séculos de opressão, quatro de resistência. Não venceremos esta chaga em um ano, mas derrotá-la é a prioridade ética do País.
Desde maio de 2013, com as manifestações em favor do passe livre, uma nova agenda se definiu, que eu chamo de quarta – a da qualidade dos serviços públicos. Eles melhoraram mais do que se pensa, com forte investimento em gestão. Mas a paciência da sociedade diminuiu. Daí a exigência, justificada, de educação, saúde, segurança e transportes públicos de qualidade. Daí, também, um descontentamento com bases reais, mesmo que na sua expressão uns se voltem contra o alvo errado. O Brasil tem que melhorar esses serviços. A dificuldade em consegui-lo é a má notícia. A boa notícia é que só nos falta isso – mais a inclusão social remanescente – para sermos uma democracia digna desse nome.

Sabemos hoje onde tem que se dar a ação do Estado e dos demais atores sociais e políticos. A disputa política obviamente considera diferentes rotas para chegar lá. Mas todos conhecem os indicadores. Todos sabem muito do que é preciso fazer, desde as boas práticas na gestão até os investimentos necessários, quer em material, quer em formação e remuneração de recursos humanos.

Não é fácil. Por isso o avanço educacional, que a presidenta Dilma elege como fundamento para os novos avanços sociais ao priorizar a Pátria Educadora, precisa da união de todos pela educação. O ano será difícil, devido ao orçamento. Mas não vamos pensar na educação só como o árduo e o complicado. A educação abre o mundo do saber. Conhecer é uma paixão. Por que chamamos as crianças de curiosas? Porque elas perguntam, sem parar, “por quê?”, que em latim se diz “cur”. Curioso é quem interroga por quê. Há coisa mais bela do que a curiosidade que faz os olhos dos pequenos brilharem de alegria quando aprendem algo novo? Por isso, temos de perguntar por que esta alegria depois acaba. O prazer e a festa de conhecer têm que durar a vida inteira.

Estas tarefas podem parecer complicadas, mas prefiro dizê-las complexas. O que é complexo é rico. A educação pode abrir para tantas formações, que nem o céu é o limite. Educar não é só instruir, é formar para a vida. É construir uma personalidade. É preparar eticamente. É tornar este mundo, vasto e cheio de perspectivas, um ativo de primeira grandeza. É mostrar que os problemas que traz a vida moderna são, na verdade, inúmeras soluções. Mesmo que ainda não saibamos para quê! Vejam o Facebook. É uma invenção que podia nunca ter surgido. É diferente do carro e do avião, que atendem demandas preexistentes – locomover-se depressa, voar. Não havia a demanda de comunidades virtuais antes da primeira rede social. Aí ela surge, e o que faremos com ela? Estamos descobrindo. Não é fascinante estar vivo numa época em que tudo isso é possível?


Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo