quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Sergio Malbergier


Serra elege postes

Os políticos costumam ser julgados por suas vitórias eleitorais. Mas, no caso de José Serra, as derrotas são muito mais interessantes. A de 2002, para Lula, marcou a chegada do PT ao poder central no Brasil. A de 2010, para Dilma, renovou o projeto de poder petista e reduziu a oposição ao que ela é hoje. A de 2012, para Haddad, estabeleceu uma cabeça de ponte no coração do poder tucano.
E o que acontece em São Paulo não fica em São Paulo.
A vitória petista na capital do capital foi ainda a melhor notícia que o partido poderia ter depois do julgamento do mensalão, passível de ser embalada como uma resposta dos eleitores da cidade mais inteligente do país aos implacáveis veredictos de corrupção do STF. E uma resposta qualificada, já que a vitória de Haddad é atribuída a Lula, presidente do país na época do mensalão.
Em "Entreatos", o revelador documentário de João Moreira Salles sobre a campanha presidencial de 2002, Lula explica assim sua primeira vitória sobre Serra: "Ninguém tem a base de apoio no Brasil, o alicerce que eu tenho. Tenho grande parte da Igreja Católica, os estudantes, a CUT, é muita coisa, ninguém tem isso, teve isso".
De fato, era uma base impressionante. E ela só cresceu desde então.
Apesar de seu verniz de esquerda, o PT conseguiu espertamente capitalizar os benefícios que o capitalismo trouxe ao país, o último e maior deles, pleno emprego com renda recorde em plena crise global.
Essa emergência de dezenas de milhões de brasileiros ao mercado consumidor é um fenômeno de longa duração com efeitos multidimensionais. O PT é o partido que melhor conseguiu até aqui se atrelar a ele. E assim vai longe.
Haddad, por exemplo, é muito diferente do petista "histórico" que metia medo na antiga classe média conservadora. O futuro prefeito é de classe média alta, empreendedor, descontaminado de ideologias e radicalismos do século passado. Escolhido a dedo e no dedaço por Lula, renova o partido no caminho certo.
Serra, diante dessa avalanche, até que travou um bom combate. Mas ele parece estar com frequência no lugar errado na hora errada. Elegendo os postes de Lula.
Sérgio Malbergier
Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos "Dinheiro" (2004-2010) e "Mundo" (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve às quintas no site da Folha.

Marina Colasanti - Em voo, por dinheiro

Em voo, por dinheiro  - Marina Colasanti


Estado de Minas: 01/11/2012 

Uma moça ofereceu sua virgindade em leilão, um cavalheiro nipônico deu o lance maior, o evento terá lugar em um avião em voo. O que é que nos perturba tanto nesse acontecimento?

Não pode ser o negócio em si, pois vivemos em um mundo de mercado, em que negociar é quase uma religião. Não pode ser o fato de negociar o próprio corpo, pois o corpo negociado é bem recebido em tantas bancas de revistas, em tantos cartazes publicitários, em tantos contratos pré-nupciais. Não pode ser o preço, porque em nosso universo de luxo e ostentação, US$ 780 mil para satisfazer um desejo refinado não chegam a ser uma exorbitância. Não pode ser o objeto hímen, pois já faz tempo que este é entregue ou oferecido, mais como estorvo de que a proprietária quer se livrar do que como tesouro que só cabe ao herói vencedor. Então, o que é que nos perturba?

Talvez seja o confronto com tabus que acreditávamos soterrados pela modernidade, e que de repente erguem a cabeça.

O hímen de Carolina Migliorini nada vale, física ou moralmente, para ela. Se valesse, seria precioso demais para ser posto à venda pela melhor oferta. Vale como um bem, como uma joia herdada da qual se pode abrir mão para conseguir um bom dinheiro. Mas tem, sim, valor para os homens que ergueram a mão no leilão.

Perguntei a alguns homens amigos como era fazer sexo com uma virgem. “Trabalhoso”, responderam. Algum acréscimo no prazer?, perguntei ainda. “Não”, disseram. Um deles me garantiu que nem saberia ter sido uma virgem, se ela não o informasse. Nenhum deles estava interessado na virgindade da moça, e sim na moça. Um chegou a me dizer que considerou o ato uma prestação de serviço.

Não sendo físico, o prazer é mental. É de se crer que o japonês vencedor já estivesse excitado mentalmente ao dar o maior lance. Para ele, cada limitação imposta – proibido o beijo na boca, obrigatório o uso de camisinha, tempo de ação limitado a uma hora – será um prazer a mais, precioso elemento de ritualização. A plena liberdade, a venda com porteira fechada, o “faça de mim o que quiser” banalizariam aquilo que ele fez questão de valorizar com a pilha dos seus dólares. Tenho certeza de que até preferiria que uma vestimenta ou uniforme especial fosse exigido. Assim como os toureiros vestem seu traje de luces para cravar a espada na medula do touro, ele se vestiria lenta e cuidadosamente, preenchendo com gestos precisos o longo tempo que, no voo da Austrália aos EUA, precede a única hora que lhe cabe.

Mulheres alugam o útero para gerar filhos alheios, e isso já não nos perturba, embora seja uma venda do próprio corpo bem mais complexa e completa do que apenas a venda do hímen e ponha em risco a sacralidade do ventre materno. Por que, então, torno a perguntar, tanto desconforto diante desse leilão?

Desconheço a resposta dos outros, a minha já encontrei. O que me incomoda não é a repetição da clássica cena de bordel do século 19, é o fato de essa moça de 20 anos, que se pretende moderna, reavivar o antigo sentimento masculino em relação ao hímen, sentimento que está na origem de nossa secular sujeição e que até hoje submete milhares e milhares de meninas à excisão e à infibulação. Quando ela ainda não havia nascido, mulheres de fato modernas lutaram arduamente para suprimi-lo.

O mestre - Walter Sebastião‏

Documentário mostra como Bezerra da Silva reuniu precioso repertório de clássicos que retratam o Brasil sob o olhar da periferia. Ele deu voz a um time de bambas da favela 


Walter Sebastião
ESTADO DE MINAS : 01/11/2012 


Documentário mostra como Bezerra da Silva reuniu precioso repertório de clássicos que retratam o Brasil sob o olhar da periferia

Onde a coruja dorme, documentário sobre o pernambucano Bezerra da Silva (1927-2005), será lançado amanhã. Não se trata de cinebiografia, mas de uma espécie de retrato artístico pintado coletivamente pelo próprio Bezerra e por criadores dos sambas que ele gravou. Gente como Tião Miranda, que trabalha com refrigeração; o bombeiro Pedro Botina, que ganha a vida removendo cadáveres; o carteiro Claudinho Inspiração; o camelô Popular P; 1.000tinho (sic); Walmir da Purificação; Roxinho; Adelzonilton e Nilo Dias. Essa turma compôs sucessos como Malandragem dá um tempo (“vou apertar/ mas não vou acender agora”), Candidato caô caô e Minha sogra parece sapatão.

 “As pessoas vão conhecer os compositores que fazem a glória da música de Bezerra da Silva”, afirma Simplício Neto, que dirigiu o filme em parceria com Márcia Derraik. O repertório genial veio de artistas anônimos – alguns nem são músicos profissionais. Muitas pérolas nasceram do batuque em caixa de fósforos ou em balcões de bar. “São visões da vida do brasileiro com a linguagem do samba, do humor e do protesto. Trazem o olhar das classes populares, da Baixada Fluminense e da periferia sobre temas muito atuais, como corrupção política, liberação das drogas e arrecadação de direitos autorais”, explica o diretor.

Bezerra da Silva teve o papel fundamental de trazer à luz essa produção. Até então, ressalta Simplício Neto, as comunidades não eram ouvidas sobre esses temas. A opção de filmar um “retrato coletivo” veio da constatação de que se ignorava quem, realmente, fez a cabeça de Bezerra da Silva.

Bezerra atuou quase como etnólogo e antropólogo: recolheu as canções de seus amigos, transcreveu-as e identificou seus autores. “Ele é um pouco curador”, resume Simplício. “Com gravador debaixo do braço, ele andou pelas comunidades, foi a lugares onde a coruja dorme, como dizem os músicos, procurando canções e autores. Esse material poderia ficar anônimo para sempre, virar folclore”, observa. O cineasta lembra que o pernambucano deixou obra inteligente, feita com talento, perspicácia e sensibilidade. “Ele era muito honesto. Inclusive, cuidou dos direitos autorais dos compositores”, elogia. O cineasta compara a ação de Bezerra da Silva à de Mário de Andrade como pesquisador e divulgador da cultura brasileira.

Onde a coruja dorme teve como ponto de partida o curta homônimo, lançado em 2001 e assinado pelos mesmos diretores, recém-formados em cinema. Quando apresentaram a ideia a Bezerra, ele reagiu rispidamente: “Elogio não enche barriga, é preciso dinheiro para filmar”. Mas apoiou o projeto quando soube que o documentário traria os compositores que ele gravou. Prêmios em editais de estímulo ao cinema permitiram a finalização e a distribuição do longa.

“Bezerra da Silva é respeitado pelo pessoal do rock e do hip-hop, que vê nele o samba contemporâneo, mas suas músicas ainda são raras nas rodas de samba. É preciso reconhecer o papel importante dele. Bezerra fez o partido-alto da Baixada”, defende Simplício Neto. “Falta a intelectualidade e a academia abrirem os olhos para essa arte. Os sambas de Bezerra devem voltar ao povo, de onde eles vieram”, completa.

 Em 1990, Bezerra da Silva veio a BH lançar o disco Eu não sou santo. Em entrevista ao Estado de Minas, explicou que suas canções eram retratos do cotidiano da favela. O cantor negou ser o inventor do estilo, recusou o rótulo de “sambandido” e criticou o pagode: “Isso não é gênero de música. Pagode é templo de povo asiático. E coisa de quem quer desmoralizar a profissão dos outros”.

Ele é o cara
Bezerra da Silva vendeu milhares de discos. Fez sucesso, mas não tocava no rádio. Tornou-se conhecido da classe média por meio de bandas como Barão Vermelho. O rapper Marcelo D2 gravou um disco homenageando sua obra. Com a caricatura do cantor que ilustra esta página, o cartunista Quinho, do Estado de Minas, venceu prestigiado salão de humor carioca. 

FALA, BEZERRA

“Fui pintor de parede, passei muita fome, dormi na obra em que trabalhava, morei no morro. Tenho medo da picareta. Então, não gravo música para a minha namorada. Gravo para comprar feijão, arroz e carne.” 

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“Ninguém queria as minhas músicas, pois eram consideradas música de vagabundo. Os compositores são pedreiros, bicheiros, camelôs, desempregados e favelados. A maioria mora na Baixada Fluminense. São pobres, mas têm o dom da inspiração.”

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“Músico brasileiro é o mais inteligente do mundo, mas é igual a mulher de zona. Tem que conseguir tantos fregueses para sobreviver que não arruma tempo para estudar.”

Sensibilidade vermelha - Rebeca Ramos‏

Ruivos têm mais chance de desenvolver melanoma, um dos tipos agressivos do câncer de pele, diz estudo 

Rebeca Ramos
ESTADO DE MINAS: 01/11/2012 

Com cabelo vermelho, sardas e aquela eterna cara de sapeca, os ruivos sabem muito bem que precisam tomar cuidado com o excesso de sol, devido à pele clara e sensível. Uma nova pesquisa, contudo, indica que a atenção das pessoas com esse fenótipo deve ser redobrada quando o assunto é câncer. De acordo com pesquisadores do Hospital Geral de Massachusetts, nos Estados Unidos, por conta de um tipo de melanina específico, a feomelanina, pigmento presente na pele e nos cabelos claros e vermelhos, elas têm mais chances de desenvolver melanomas. E o risco existe mesmo quando a exposição à radiação solar é controlada.

Segundo o dermatologista David E. Fisher, um dos autores do estudo, publicado na edição de hoje da revista Nature, o grupo de cientistas envolvidos descobriu que o pigmento vermelho nessas pessoas tem uma capacidade de promover a formação de melanoma, mesmo na ausência de exposição aos raios ultravioleta (UV). Para chegar a esse resultado eles estudaram ratos em laboratório que foram modificados para apresentar fenótipos semelhantes aos dos homens, com pelos pretos, brancos e avermelhados. 

Depois de uma série de procedimentos, notou-se que os animais ruivos tendiam a desenvolver mais o câncer mesmo com baixa exposição à radiação (veja arte). “Esse foi um resultado surpreendente para nós, porque esperávamos que o melanoma surgisse devido à fraca proteção solar e aos raios UV. No entanto, os resultados sugerem que mesmo sem exposição, o pigmento contribui para esse tipo de câncer de pele”, explica. 

O melanoma maligno (MelMal) é resultado da replicação desordenada dos melanócitos, células da pele que contêm melanina, pigmento que protege contra a radiação solar (UVB). “Embora o melanoma seja menos comum, ele é o mais agressivo e de maior mortalidade, devido à sua disseminação precoce, tanto sanguínea quanto linfática, levando a metástases a órgãos como fígado, pulmões e cérebro”, diz o oncologista Sérgio Renato Pais-Costa.

Mesmo sendo menos comum, a doença tem sua incidência aumentada a cada ano. Nos Estados Unidos, calcula-se que uma em cada 74 pessoas apresente melanomas. As autoridades do país estimam que em 2012 haverá no país 68.780 casos diagnosticados, que levarão a 10.710 mortes. “Muito tem se discutido em relação à origem da doença, principalmente sobre a irradiação solar e o fenótipo. A frequência de melanoma em pessoas de pele branca, cabelos e olhos claros é 10 vezes maior do que em negros e pelo menos sete vezes mais alta do que em hispânicos”, afirma Pais-Costa.

Gene Os resultados da pesquisa norte-americana contrariam a ideia de que todos os melanomas estão relacionados à exposição ao sol. Claro que a radiação pode ser um fator, mas não é a única causa. Pais-Costa explica que há dois tipos de melanina: a eumelanina (presente na pele escura e capaz de proporcionar maior proteção contra os raios UVB) e feomelanina (encontrada na pele clara e com menor capacidade protetora). Ambas são produzidas pelos melanócitos e estão associadas a um hormônio estimulador de melanócitos que se liga a uma proteína. “Mais recentemente, como em outros tumores malignos, a predisposição genética tem sido exaustivamente estudada. Notadamente, há associações com o gene B-RAF, proteína importante na sinalização celular que regula a proliferação, diferenciação e manutenção da sobrevida celular”, conta o brasileiro, que não participou do estudo.

Essa mutação ocorre entre 60% e 70% dos melanomas. A proteína B-RAF tem papel fundamental na proteção contra a progressão da doença em estágios iniciais. Acredita-se que o dano ao DNA e a mutação contribuam para a formação da doença, mas não se sabe ainda como esse mecanismo atua mesmo na ausência de exposição à radiação UV. É um ponto a ser melhor esclarecido, segundo David E. Fisher. “O pigmento, por meio de uma via química, parece produzir espécies reativas de oxigênio que danificam o DNA nas células da pele”, descreve o americano.

A partir das constatações, o dermatologista de Massachusetts destaca que a mensagem mais importante para as pessoas ruivas e de pele mais clara é que a proteção contra os raios UV é, sim, muito importante, mas é preciso também o acompanhamento constante de um dermatologista. “Essas pessoas devem prestar atenção à pele e procurar sempre um médico para verificar alterações suspeitas, mesmo que tenham sido cuidadosas com a exposição solar”, aconselha.

Disciplina As precauções exigem disciplina, algo que nem sempre é fácil manter. O servidor público Alex Bravim, mesmo tendo caso de melanoma na família – o avô teve a doença –, não se cuida como deveria, como ele mesmo admite. “Sei da importância de passar protetor solar, mas acabo esquecendo. Sempre sinto minha pele arder, mesmo não me expondo ao sol”, conta. Bravim relata que o rosto, cheio de sardas, sempre apresenta vermelhidão, principalmente o nariz. “Só uso proteção quando vou à praia e à piscina, mas vou tomar mais cuidado”, promete.
Para o oncologista Nilson Castro, a descoberta é relevante, partindo do princípio de que as alterações de risco verificadas nos ratos são de fenótipo análogo (correspondente) ao de humanos, com pele clara e cabelos vermelhos. “A partir da descoberta, no futuro talvez sejam desenvolvidos e aperfeiçoados compostos tópicos que induzam a síntese de eumelanina e a administração oral de antioxidantes, o que pode diminuir o risco de melanoma nos ruivos”, vislumbra. 

Essa população de risco, ele considera, tem que fazer uma checagem dermatológica com maior frequência e evitar a exposição ao sol. David E. Fisher conta que o próximo passo da pesquisa será pesquisar formas de bloquear esse mecanismo de dano ao DNA nos ruivos.

CIÊNCIA » Diferenças mínimas, mas essenciais - Marcela Ulhoa‏

Grupo internacional apresenta catálogo com 40 milhões de pequenas variações no genoma humano, sequenciadas em pessoas de várias partes do todo. Os dados serão usados na busca por de tratamentos contra doenças como o câncer, a esclerose e o diabetes 

Marcela Ulhoa
ESTADO DE MINAS : 01/11/2012 

Já faz quase dez anos que a conclusão do Projeto Genoma Humano ditou uma nova era para a ciência contemporânea. O sequenciamento genético abriu caminho para uma melhor compreensão do conjunto de informações hereditárias que formam as pessoas. Foi a partir dessa primeira referência que um grupo de pesquisadores internacionais partiu para dar um passo ainda maior. Em artigo publicado hoje na revista Nature, os integrantes do Projeto 1000 Genomas lançaram um catálogo que aponta, dentro dessa base genética comum à humanidade, os pontos em que as pessoas diferem umas das outras — variantes que representam uma fração menor a 1% do DNA. 

Os dados preliminares do trabalho, realizado por um grupo internacional de pesquisadores, foram divulgados há dois anos em conjunto pelas revistas Nature e Science. Somente agora, contudo, os cientistas refinaram o mapeamento detalhado das variáveis genéticas de 14 grupos populacionais da Europa, das Américas, do leste da Ásia e da África.

“Catalogamos a variação genética encontrada em 1.092 pessoas de todo o mundo. Estudos anteriores criaram ‘guias’ mais limitados, mas o nosso diferencial foi olhar para muitos indivíduos de muitas populações distintas”, explica ao Correio o autor principal do artigo, Gil McVean, professor da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Segundo ele, o mapeamento das variações genéticas raras pode auxiliar na compreensão de uma ampla variedade de doenças, que podem ir do câncer a problemas cardíacos. Na fase piloto, os pesquisadores tinham divulgado dados de cerca de 800 pessoas, o que havia lhes permitido mapear 15 milhões de variações genéticas. Na atualização do estudo, o número saltou para 40 milhões.

De acordo com o professor Rinaldo Pereira, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Genômicas e Biotecnologia da Universidade Católica de Brasília, ao longo dos últimos 10 anos o ser humano criou um arsenal tecnológico e metodológico cada vez mais refinado, o que possibilitou o avanço na compreensão de suas características genéticas. “No primeiro catálogo feito, acreditava-se que as doenças teriam como causa variações comuns. Com o tempo, percebeu-se que não, pois os cientistas não conseguiam encontrar alelos comuns para explicar uma série de enfermidades. Uma alternativa foi olhar então para os alelos raros”, explica Pereira, que não participa do projeto. 

Segundo ele, o catálogo atualizado permitirá que pesquisadores de todo o mundo testem a hipótese de que boa parte das doenças genéticas pode ser explicada por um conjunto de alelos raros que diferem de uma população para outra. Na prática, isso quer dizer que indivíduos hipertensos da África e da Europa podem ter uma mesma doença, porém ocasionadas por diferentes variações em seus genomas. “Esse novo estudo é uma consequência dos avanços que começaram ainda com o Projeto Genoma Humano. A partir de 2008, nós entramos na era dos genomas individuais. Brinco que não é mais o genoma humano, mas o genoma dos humanos”, acrescenta Pereira. 

A grande maioria das variações genéticas, conhecidas como frequentes, é compartilhada com diversas populações do mundo, mas acredita-se que muito da contribuição para o desenvolvimento de doenças pode vir de variantes raras de genes, encontrados somente em uma pessoa em cada 100. Além disso, a equipe por trás do Projeto 1000 Genomas descobriu que essas variações tendem a se restringir a determinadas regiões geográficas, porque normalmente surgem a partir de mutações em grupos específicos. Encontrar essas variações raras, entretanto, requer uma amostra muito grande e diversa de indivíduos e, nesse ponto, um dos maiores méritos da pesquisa é o sequenciamento do genoma completo e do exoma de mais de mil pessoas espalhadas por 14 países diferentes.

Proteínas O genoma humano é formado por 3,2 bilhões de pares de base, mas somente 2,5% deles codificam proteínas (éxons). Essa parte do genoma é chamada de exoma, e o seu sequenciamento é vital para o entendimento da base molecular e bioquímica das doenças. “É o pedaço que importa do gene, o que nos traz mais informações. Uma mudança nessa área pode causar um erro que influencia no surgimento de meles. O problema pode acontecer na hora em que o DNA está sendo duplicado ou pelo efeito de um medicamento e da radiação, entre outros fatores”, ensina o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Vasco Azevedo. Já o restante dos genes, que somam 98% do DNA, é constituído por sequências que não codificam proteínas, sendo 80% deles capazes de controlar os 2,5% codificantes.

No sequenciamento do genoma total, Gil McVean explica que sua equipe utilizou uma baixa cobertura. Os mais de 3 bilhões de pares de base são sequenciados, em média, quatro a oito vezes. Quanto mais vezes o nucleotídeo for lido, maior será a certeza de que se trata do mesmo componente. Para um sequenciamento profundo, o autor explica que o “padrão ouro” envolve 30 repetições da leitura, o que torna o processo bastante oneroso. Para contrabalancear a baixa cobertura, foi utilizado o sequenciamento populacional, um conjunto de ferramentas estatísticas e de genética de populações em que foram combinados os dados para aumentar o grau de certeza.

O catálogo genético realizado inclui 38 milhões de polimorfismos de nucleotídeo único (variações na sequência de DNA que afetam somente uma base — adenina, timina, citosina ou guanina — na sequência do genoma); 1,4 milhões de pequenas deleções e mais de 14 mil deleções largas. Deleções é a designação dada à perda total ou parcial de um segmento do cromossomo. Combinadas, essas informações podem auxiliar na compreensão genética de inúmeras doenças, como câncer, esclerose múltipla, hipertenção e diabetes. 

De acordo com McVean, alguns pesquisadores já começaram a usar os dados do projeto. “Um bom exemplo é o trabalho realizado em Oxford sobre a esclerose múltipla, em que os cientistas foram capazes de identificar a variante que aumenta o risco do indivíduo de contrair a doença. Nós entramos para caracterizar como essa variante afeta o gene e mostrados que seu efeito imita uma droga conhecida”, conta. O autor acrescenta que o próximo passo será completar o projeto sequenciando outras 1.500 pessoas de diferentes populações, incluindo importantes áreas geográficas como a Índia. Nessa etapa, o Brasil pode entrar para compor o banco de informações.

"Maratona" do Enem exige calma e descanso


ANDRESSA TAFFAREL

DE SÃO PAULO
OLÍVIA FLORÊNCIA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Cerca de 5,7 milhões de estudantes têm pela frente neste final de semana uma verdadeira maratona: o Enem 2012.
Ter de fazer o Exame Nacional do Ensino Médio mexe com os nervos de muitos jovens. E não é para menos: obter uma boa nota na prova pode garantir vaga em universidades públicas e privadas de todo o país.
Para aguentar tanta pressão, a dica de especialistas é aproveitar hoje e amanhã para descansar o corpo e a mente. Dar uma volta no parque, ir ao cinema ou ao teatro são opções de atividades leves.
"O importante é não fugir da rotina. Nada de comidas diferentes ou esportes que a pessoa não costuma praticar", orienta o psicólogo Fernando Elias José.
Aproveite a sexta para arrumar o material necessário: documento original com foto, cartão de confirmação da inscrição e caneta esferográfica de tinta preta, feita em material transparente.
"Também é bom visitar o local do exame, ver quanto tempo gasta de casa até lá. Chegar no local da prova correndo é desvantagem", lembra Alberto Francisco do Nascimento, do Anglo Vestibulares.
Já estudar de última hora não é recomendável. "Mas se de repente bater aquela dúvida sobre um assunto é melhor buscar a resposta do que ficar com aquilo martelando na cabeça. Isso só vai tirar a concentração na hora da prova", afirma Vera Lucia Antunes, coordenadora pedagógica do Objetivo.
Editoria de Arte/Folhapress
VÁ COM CALMA
Conhecido por ser uma prova extensa e que exige muita interpretação, o Enem costuma deixar os estudantes bem cansados ao final de cada dia. "É uma prova de resistência", resume Edmilson Mota, coordenador do Etapa.
Para minimizar o esforço, Vera Lucia diz que é importante ler tudo com calma, para não ter de voltar atrás.
"A primeira coisa a fazer é assinar o cartão-resposta e marcar a cor da prova nele. No final, o aluno pode estar com pressa e esquecer disso."
Segundo Mota, as questões tendem a vir em ordem de dificuldade, então não vale a pena pular perguntas.
Para o segundo dia, ele recomenda uma estratégia diferente: "Comece fazendo um rascunho da redação. Depois que fizer um tempo razoável de testes, faltando uma hora e meia de prova, mais ou menos, pega e passa a limpo. Faz diferença olhar a redação em outro momento".
Nascimento, porém, diz que o melhor é começar pelas questões. "Se você gostar do tema da redação, pode gastar muito tempo e sobrar pouco tempo para os testes."

PM acha túnel usado para levar droga à USP


PM acha túnel usado para levar droga à USP

Passagem de 15 metros de extensão ligava casa de traficante a 'boca de fumo' utilizada por alunos, segundo a polícia
Lugar foi descoberto em favela da zona oeste durante operação que prendeu dois suspeitos de matar PM da Rota
AFONSO BENITES
DE SÃO PAULO
A casa do chefe do tráfico, um imóvel onde funcionava uma refinaria de cocaína e um ponto de venda de drogas: os três locais, na favela São Remo (Butantã, zona oeste), eram interligados por um túnel de 15 metros de extensão que chega perto dos limites da Cidade Universitária.
O lugar foi descoberto ontem, sem querer, por policiais que cumpriam sete mandados de prisão contra suspeitos de matarem um policial militar da Rota em setembro.
Uma das extremidades do túnel fica a cerca de 50 metros de um muro que divide a favela da Cidade Universitária. Nesse muro, havia um buraco por onde era possível vender drogas para estudantes e frequentadores da USP.
"A pessoa não precisava nem entrar na favela. Só chegava no muro, dava o dinheiro para o 'aviãozinho' e ele voltava com a droga que ela quisesse", afirmou o coronel César Augusto Morelli, comandante do Policiamento de Choque de São Paulo.
Além de servir para transportar a droga até o usuário, o túnel era utilizado como rota de fuga pelos criminosos.
Nesses três locais, os policiais apreenderam 75 tijolos e 403 trouxinhas de maconha, 146 pinos de cocaína, 11 cartelas de LSD, 92 vidros de lança-perfume, quatro armas, dois coletes à prova de balas e rádios portáteis.
No banheiro de um dos imóveis, os traficantes instalaram uma banheira de hidromassagem aos pés de uma TV de tela plana. "É normal o traficante querer demonstrar um requinte, uma riqueza, que a população da comunidade não tem", diz Morelli.
Jaime de Oliveira, 28, suspeito de tráfico, foi preso. Com ele, a PM achou R$ 10 mil, um carro Audi, uma pistola, relógios e telefones roubados. Segundo a polícia, ele era gerente da "boca de fumo" e subordinado ao chefe do tráfico, Vanderlei Gouveia do Nascimento, o Madu, 30.
Nascimento não foi encontrado. Ele era um dos alvos dos sete mandados de prisão contra suspeitos de matarem o policial da Rota André Peres de Carvalho, 40, a tiros de fuzil no dia 27 de setembro.
A operação de ontem resultou na prisão de Filizanio dos Santos Pacheco, 23, o Fefê, e Antonio Pereira Soares, 32, o Tonhão. O primeiro é acusado de clonar dois carros que foram usados na fuga dos assassinos. O outro é suspeito de investigar para os demais membros do bando qual era a rotina do policial da Rota.
Até ontem à noite, a polícia ainda não tinha prendido outros quatro suspeitos do assassinato do PM: Marcelo dos Santos de Oliveira, 37, Cláudio Francisco de Oliveira, 39, Daniel dos Santos, 30, e Mauro dos Santos de Oliveira.
Folha não localizou os advogados dos sete homens que estão sendo investigados.

    PASQUALE CIPRO NETO


    Haddad e o "adéquam"

    O senhor da língua é o uso; um dicionário é (ou deveria ser) o cartório da língua, isto é, registra o que é uso
    NO ÚLTIMO debate entre José Serra (PSDB-SP) e Fernando Haddad (PT-SP), realizado na sexta passada, o petista disse ao tucano algo parecido com isto: "Professor não é reciclado nem treinado. Essas palavras não se adéquam ao educador. O educador tem sua formação inicial...".
    No sábado, a Folha publicou matéria sobre o debate e deu destaque a uma declaração de cada candidato. A de Haddad foi justamente essa, mas... Mas o jornal grafou "adequam" (sem acento agudo no "e"), ou seja, não foi fiel ao que efetivamente disse Haddad. O que o jornal publicou se lê com tonicidade no "u".
    No domingo, ao voltar da escola em que voto, liguei o rádio do carro e ouvi alguns dos programas em que se falava das eleições. Num deles, um veterano e querido jornalista se referiu justamente à declaração de Haddad destacada pela Folha e disse que o ex-ministro da Educação errou ao empregar a forma "adéquam". "O verbo é defectivo", disse ele.
    Pois chegamos ao busílis, ou seja, ao xis do problema. "Adequar" é mesmo verbo defectivo? E o que é um verbo defectivo? Vamos por partes. É defectivo o verbo de conjugação incompleta, isto é, aquele que não se conjuga em todas as formas. Um bom exemplo é "reaver", que deriva de "haver" ("reaver" = "haver outra vez") e só se conjuga nas formas em que o verbo "haver" apresenta a letra "v". O presente do indicativo de "reaver", portanto se resume a "nós reavemos, vós reaveis". O presente do subjuntivo é simplesmente zero, já que esse tempo se faz a partir da primeira do singular do presente do indicativo, que, como vimos, é zero.
    E "adequar"? Se o caro leitor procurar esse verbo em gramáticas e dicionários publicados há algum tempo, verá que ele aparece como defectivo (o presente do indicativo se limita a "nós adequamos, vós adequais"). Se procurar na última edição do "Aurélio" (2010), verá a mesma informação, mas, se procurar na primeira edição do "Houaiss" (2001) e na última (2009), verá outra coisa. Nas duas edições, o "Houaiss" dá o verbo como completo ("eu adéquo, tu adéquas, ele adéqua, nós adequamos, vós adequais, eles adéquam", no presente do indicativo).
    Na primeira edição, o "Houaiss" para por aí; na segunda, acrescenta a seguinte informação: "As formas rizotônicas também ocorrem com a tonicidade na vogal '-u-': 'adequo, adequas, adequa' etc., conjugação mais corrente em Portugal".
    Como já afirmei diversas vezes neste espaço, o senhor da língua é o uso; como também já afirmei várias vezes, um dicionário é (ou deveria ser) o cartório da língua, ou seja, registra (e não determina) o que é uso, tomando por base os diversos registros da língua (o formal, o informal etc.). O dicionário não deve determinar o que pode ou não pode ser usado; deve registrar o que é usado e indicar em que caso ocorre o uso. É por isso, por exemplo, que são tolos certos julgamentos sobre o registro e as definições de certos vocábulos (lembra-se do caso da palavra "cigano"?).
    Resumo da ópera: de fato, em tempos passados não se registrava o emprego de certas formas do verbo "adequar" no padrão formal da língua. De uns tempos para cá, no entanto, o falante (letrado ou não) parece entender o verbo como completo. Não é por acaso, por exemplo, que um homem culto e letrado como Fernando Haddad empregou a forma "adéquam" (foi assim que ele pronunciou; a Folha errou porque não foi fiel à emissão de Haddad).
    Se você prefere a tradição da língua, continue considerando defectivo o verbo "adequar", porém não torça o nariz para formas como "adéquam" ou "adequam", que já encontram respaldo nas variedades cultas da língua. É isso.

    Fernando Reinach


    O rato que troca a pele pela vida

    01 de novembro de 2012 | 2h 05
    Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo
    Você já tentou pegar uma lagartixa pelo rabo? Na hora que você agarra o rabo e vai levantar a lagartixa, ela solta o rabo e sai correndo. Você fica com o rabo na mão e cara de trouxa. É assim que ela escapa dos predadores, entrega o rabo e preserva a vida. O mais interessante é que o rabo regenera ao longo de semanas e rapidamente a lagartixa fica como nova, pronta para reagir a outro ataque.
    Outros répteis, como as salamandras, podem deixar para trás uma perna inteira. Semanas depois, uma perna nova aparece no lugar. Nos últimos cem anos, esses processos que ocorrem em répteis têm sido investigados detalhadamente. A esperança dos cientistas era não só entender como a perda e a regeneração ocorrem, mas talvez utilizar esse aprendizado para tentar melhorar o processo de cicatrização no ser humano.
    Não seria ótimo se fosse possível induzir a regeneração de membros perdidos? Lula teria de volta seu dedo e talvez a história do Brasil tivesse se desenrolado de outra maneira.
    Foi descoberto nas últimas décadas que o processo de regeneração dos répteis é muito diferente do que ocorre nos mamíferos. E apesar de hoje entendermos muito bem como isso funciona nas lagartixas e salamandras, esse conhecimento não foi útil no tratamento de seres humanos.
    Mas agora a esperança voltou ao coração dos cientistas. É que os habitantes do Quênia, na África, costumam comentar que uma espécie de rato do deserto seria capaz de deixar para trás sua pele quando abocanhada por um predador. A pele ficaria na boca do predador e o bichinho sairia correndo sem a pele, que se regeneraria em poucos dias.
    Ratos e camundongos são mamíferos e sua pele é muito semelhante à de seres humanos. Por isso, um time de pesquisadores dos EUA se aliou a cientistas de Nairóbi para ir ao deserto, achar os ditos ratos, capturar uma colônia e verificar se a história era verdadeira.
    Armadilhas foram colocadas no deserto e os ratos (Acomys kempi e Acomys percivali) foram capturados. Mas bastou um cientista colocar a mão na gaiola e agarrar o rato da mesma maneira que agarramos um rato de laboratório para descobrirem que a população do Quênia sabia do que estava falando. As fotos são impressionantes. Você agarra o rato e parece que está agarrando um sabonete molhado coberto por uma fina folha de papel liso. Você fica com a pele do rato e ele escapa por entre os dedos, como os malditos sabonetes nos escapam no chuveiro.
    Estudo. Capturados os ratos, começou o estudo. Foi observado que eles podem perder até 60% da pele que cobre o corpo, até a que cobre o rabo. Trinta dias depois, estão de pele nova, sem cicatrizes, sem áreas com falta de pelos ou qualquer outra evidência do susto que passaram na boca do predador.
    Os cientistas então começaram a estudar as características da pele. Observaram que a pele de um rato de laboratório, em comparação, é 20 vezes mais elástica. Se você tentar esticar a pele desses ratos do deserto, em vez de esticar, ela se rompe. E, para romper a pele de um rato comum, seria necessária uma força 77 vezes maior.
    Quando os cientistas observaram a pele dos ratos do deserto no microscópio, constataram que ela é composta dos mesmos elementos das peles dos ratos de laboratórios ou dos humanos, mas em proporções distintas. Além disso, ela é fracamente conectada com o tecido que está na camada de baixo, uma propriedade também encontrada na pele de algumas raças de cachorro.
    Os primeiros estudos indicam que o truque para conseguir essa regeneração rápida, sem infecção ou vestígios, deve-se a uma série de fenômenos, todos presentes na nossa pele, mas que nesses ratos são regulados de maneira muito mais sutil. Primeiro, existe muito pouco sangramento quando a pele se solta, portanto as famosas cascas de ferida (lembra do seu joelho quando tinha 10 anos?) não se formam. O tecido de baixo da pele forma uma camada protetora e a pele intacta, na periferia da lesão, contrai-se e cobre a maior parte da ferida rapidamente. Logo depois, as células da pele intacta começam a migrar da parte intacta para a superfície da lesão e ela é rapidamente recoberta. O mesmo ocorre com as células que vão formar os novos folículos capilares e em 30 dias o rato está novo em folha.
    Esses estudos estão ainda na sua infância. Afinal, é o primeiro trabalho científico que analisa o que acontece nesses ratos. Mas todos estão animados. Parece que os fenômenos são todos muito semelhantes aos que ocorrem em seres humanos. A esperança é que seja possível aprender com os ratos do Quênia algum truque que permita melhorar o tratamento em seres humanos.
    É assim que funciona a ciência. Uma observação casual de um fenômeno da natureza (algum carnívoro abocanhando um rato nos desertos do Quênia) leva à investigação experimental detalhada do fenômeno (cientistas medindo e descrevendo o processo de perda e regeneração) e, com um pouco de sorte, pode resultar em uma tecnologia que nos permita controlar uma pequena parte do mundo natural (acelerar a cicatrização de feridas em seres humanos).
    Infelizmente, como essas três etapas muitas vezes estão separadas por dezenas de anos, é difícil para a pessoa que teve sua ferida curada em poucos dias apreciar a contribuição de um queniano que viu um rato escapar da boca de um predador.
    * BIÓLOGO
    MAIS INFORMAÇÕES: SKIN SHEDDING AND TISSUE REGENERATION IN AFRICAN SPINY MICE (ACOMYS). NATURE, VOL. 489 PÁG. 561,  2012

    SUS terá droga 'três em um' contra HIV


    SUS terá nova combinação de medicamentos contra a Aids

    JOHANNA NUBLAT
    DE BRASÍLIA

    A partir do ano que vem, a rede pública de saúde vai passar a oferecer duas novas formulações contra a Aids.
    São os chamados três em um e dois em um, comprimidos que reúnem três ou dois remédios já ofertados separadamente no país. A vantagem é reduzir o número de comprimidos tomados pelos pacientes e aumentar a adesão ao tratamento.
    A oferta dessas fórmulas foi anunciada ontem pelo ministro Alexandre Padilha (Saúde). Esses e outros 18 produtos passarão a ser produzidos no país por meio de transferência de tecnologia.
    Dos 18, quatro são novidade para o SUS: o fator 8 recombinante (contra hemofilia), o rituximabe contra artrite reumatoide e as vacinas contra a hepatite A e a catapora (incluída na tetraviral).
    Com as transferências de tecnologia para 12 laboratórios públicos, o Ministério da Saúde afirma que vai economizar R$ 940 milhões ao ano.
    Segundo Sérgio Frangioni, presidente da empresa que produz as duas fórmulas contra a Aids, a intenção do governo é oferecer os comprimidos a cerca de 100 mil dos 250 mil pacientes em tratamento.
    Apesar do anúncio, as drogas estão em processo de registro pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) -passo necessário para o uso do remédio no país.
    A previsão é um custo de R$ 100 milhões no primeiro ano de compra -pelo acordo, o governo compra o remédio do laboratório por pelo menos cinco anos, até passar a ter produção própria.
    ATRASOS
    O ministro Padilha afirmou que o público-alvo das duas fórmulas contra o HIV será anunciado em dezembro e que os remédios serão oferecidos no início de 2013.
    "A grande mudança é simplificar para o paciente. Essa é a nova fronteira do tratamento contra a Aids."
    O infectologista Artur Timerman, do Hospital Edmundo Vasconcelos, classifica como fundamental o aumento da adesão ao tratamento pela reunião dos medicamentos em um comprimido.
    Mas o médico critica a demora para a incorporação dos remédios, que, segundo ele, estão disponíveis em fórmulas semelhantes no mundo há cerca de cinco anos.
    "O Brasil, infelizmente, está ficando um pouco para trás. O programa de Aids tem grandes méritos, mas tem demorado para incorporar os novos avanços", disse ele.
    Outros países, diz Timerman, estão com medicamentos mais modernos, com até quatro substâncias.
    Na semana passada, o ministério anunciou a incorporação do maraviroque, um antirretroviral usado por pacientes que não tiveram sucesso com outros remédios.
    E, em agosto, a pasta anunciou que iria antecipar o início do tratamento contra a Aids, oferecendo medicamentos a pessoas com o sistema imune menos prejudicado.
    Editoria de Arte/Folhapress

    Árvore evolutiva reúne todas as aves do mundo


    DE SÃO PAULO

    O mundo abriga 9.993 espécies conhecidas de aves e, pela primeira vez, todas elas foram reunidas numa única e portentosa "árvore genealógica" por uma equipe internacional de cientistas, cujo objetivo é desvendar os padrões que guiaram a evolução desses animais.
    O estudo, publicado no site da revista científica "Nature", combinou dados de DNA com análises mais tradicionais, que levam em conta a anatomia dos bichos, para traçar a árvore evolutiva das espécies de aves.
    Walter Jetz/Divulgação
    Um calau-de-crista branca, ave dos trópicos africanos
    Um calau-de-crista branca, ave dos trópicos africanos
    Segundo a equipe, liderada por Walter Jetz, da Universidade Yale (EUA), os dados mostram que a diversificação dos ancestrais das aves de hoje explodiu inicialmente há cerca de 50 milhões de anos.
    A partir daí, uma série de "invenções" evolutivas --como as adaptações características dos beija-flores e dos papagaios, por exemplo-- facilitaram o surgimento de linhas muito diversificadas, algumas "apenas" 5 milhões de anos atrás.
    Os cientistas verificaram também que os grupos de aves que viviam em locais sujeitos a surtos constantes de mudança climática ou em ilhas tendiam a passar por mais episódios de formação de novas espécies. As regiões do planeta campeãs nesses processos são as Américas do Norte e do Sul e certas regiões da Ásia.

    Areia de Marte ou do Havaí?



    Divulgação Nasa/JPL
    Areias de Marte em iluminação natural do planeta (à esq.) e como seriam vistas na Terra
    Areias de Marte em iluminação natural do planeta (à esq.) e como seriam vistas na Terra
    DE SÃO PAULO - A primeira análise química do solo de Marte concluída pelo jipe-robô Curiosity revela que a areia do planeta vermelho lembra a que pode ser encontrada no Havaí.
    A informação foi divulgada ontem pela Nasa, que controla as atividades de pesquisa do Curiosity. A sonda fez a análise após recolher amostras numa área apelidada de Rocknest, repleta de areia e poeira.
    Para demonstrar o paralelo entre os solos marciano e havaiano, o jipe usou um aparelho que lança raios X sobre a amostra. A interação dos raios com a estrutura de cristais do solo ajuda a determinar a estrutura interna dos minerais.
    Com isso, foi possível determinar que o solo de Rocknest é feito de basalto degradado, assim como se vê no Havaí.

    JANIO DE FREITAS


    As notícias venceram
    Não importa a continuação das negaças; o governo de SP não resistiu à pressão das evidências noticiadas
    TÃO PRÓXIMAS e tão opostas. O Rio fazia o máximo de sensacionalismo, inclusive com falsificações, nos seus anos críticos de violência urbana. São Paulo procurou esconder e negou sua presença entre os Estados onde, nos últimos 30 anos, foi ou é mais virulenta a epidemia da criminalidade. O governo paulista persiste no erro, de consequências sempre graves.
    É recente a abertura de espaço na imprensa rica de São Paulo para ocorrências criminais e problemas da segurança paulista e, mais ainda, paulistana.
    No Rio, o sensacionalismo leviano, e muito infiltrado de objetivos políticos, atrapalhou os esforços intermitentes de ação governamental contra a disseminação da violência, e afundou a cidade e sua imagem em mitologias destrutivas.
    Em São Paulo, a longa omissão jornalística, por mera vaidade provinciana, deixou sua contribuição para a insegurança continuada, ou mais do que isso.
    A omissão jornalística dos assuntos de dimensão social resulta na omissão das pressões políticas e administrativas implícitas no jornalismo. Não por outro motivo foi sempre tão fácil para o poder político, décadas após décadas, preservar no Brasil as desigualdades sociais em todas as suas muitas formas, sem complacência nem sequer com as mais perversas.
    Na atual onda paulista de homicídios, já em setembro o seu número na capital chegou a mais de 102%, ou 144 mortes, acima do havido em setembro do ano passado, com 71 mortes.
    O governador Geraldo Alckmin e seu secretário de Segurança, Antonio Ferreira Pinto, negaram a onda, negaram conexão entre assassinatos, negaram motivação de algum bando.
    O secretário chegou a estabelecer em apenas 40 os criminosos integrantes de organização.
    Em outubro, na mesma cadência do aumento dos homicídios diários a repetidos picos, governador e secretário negaram-lhes maior anormalidade e algum problema na segurança governamental.
    Daí, o governo paulista foi para a desculpa final, aquela a que só resta penetrar no ridículo: o aumento do índice de crimes deve-se à mobilidade das motos e à falta de combate ao crime, pelo governo federal, nas fronteiras. Mas antes da atual onda de homicídios as motos já eram como são, e a situação nas fronteiras já era o que é.
    Já não importa a continuação das negaças. O governo não resistiu à pressão das evidências noticiadas.
    Admita-o ou não, lançou-se em uma operação em áreas de favelas que desmente todas as suas recusas a ações conectadas na onda de homicídios e, portanto, intencionais por parte de um dos bandos (ou facções, ainda na velha maneira de não admitir que São Paulo tenha bandos).
    Cada região assolada pela epidemia de criminalidade requer estratégias e táticas adequadas às condições locais.
    O que tem alcançado êxitos no Rio não é, necessariamente, o procedimento a ser aplicado a problemas alheios. Mas um fator adotado no Rio é indispensável a todos: a recusa a subterfúgios, sempre interesseiros ou temerosos, e o reconhecimento franco da realidade. Até porque a população sabe o que a aflige e não cai nas tapeações de governantes.

      Vera Magalhães


      PAINEL

      Cadeia nacional
      Apesar das reiteradas manifestações federais oferecendo ajuda a São Paulo no combate ao crime, o governo paulista se queixa de pelo menos quatro tentativas malsucedidas de obtenção de recursos no setor. Entre julho e setembro do ano passado, o Estado teve rejeitados pedidos de recursos para aquisição de equipamentos de informática, transporte e capacitação de pessoal para seu sistema prisional, que abriga líderes de facções envolvidas na onda de assassinatos em curso.
      -
      Guerra... Nos pedidos negados, o Departamento Penitenciário Nacional alegou contingenciamento orçamentário ou documentação em desacordo com normas do Ministério da Justiça.
      ... de versões Para interlocutores de Geraldo Alckmin, as negativas contradizem o ministro José Eduardo Cardozo, que tem reafirmado disposição em cooperar nas áreas de inteligência e suporte aos presídios.
      Bis Alckmin deve convidar José Serra para ocupar a Secretaria de Desenvolvimento, retribuindo gesto do ex-governador após a eleição de 2008. A tendência é que Serra rejeite a oferta, mas sugira nomes para a pasta, de orçamento robusto. Alberto Goldman encabeça a lista.
      Navalha Após mudar o visual " mullet"com Celso Kamura, Fernando Haddad diz que vai voltar a cortar o cabelo no barbeiro de seu bairro. "Não tenho dinheiro para bancar o Kamura", brinca.
      Instagram Circula no Bandeirantes foto do chefe de gabinete da CDHU, Guilherme Ribeiro, abraçado a Haddad na festa da vitória sobre Serra. O assessor da estatal paulista de Habitação é da cota de Paulo Maluf (PP).
      Videoteca Ex-diretor da Dersa na gestão Serra, Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, diz que votou em Haddad e começou a distribuir 400 DVDs com cópias de seu depoimento à CPI do Cachoeira.
      Não vai... Dilma Rousseff disse ontem, em conversa com ministros, que não fará nenhuma mudança na Esplanada até o fim do ano. A presidente também afirmou que não pretende promover reforma ampla no primeiro escalão nem a médio prazo.
      ... rolar Eventuais mexidas para acomodar aliados serão feitas só depois das eleições das Mesas da Câmara e do Senado. Sobre os nomes ventilados até agora, Dilma diz que só quem fala sobre escalação da equipe é ela.
      Lá e cá O tucano Aécio Neves (MG) sai em defesa do DEM, aliado vital a seu projeto presidencial: "ACM Neto foi o gigante da eleição. Até porque enfrentou campanha de baixa estatura", diz, em alusão ao ataque de Dilma ao prefeito eleito de Salvador.
      DNA Guido Mantega (Fazenda) afirma que não reivindica a autoria da decisão de parcelar o DPVAT. O ministro diz que concede de bom grado o crédito do projeto ao governador Eduardo Campos (PSB-PE), que vinha apontando "plágio" de sua ideia.
      Agora vai? Passada a eleição, o PT quer retomar a discussão do marco regulatório das comunicações na Executiva do partido, que ocorre hoje. A ideia é, a partir de críticas à cobertura do mensalão, levar o projeto adiante.
      Cabresto O secretário de Comunicação do PT, André Vargas, nega relação com o julgamento no STF, mas diz que mecanismos como direito de resposta são meios de "controlar excessos'' e defender "a honra'' de políticos.
      Túnel do tempo Em exposição do PT montada na Câmara com painéis dos anos 90 até hoje, José Dirceu é citado como deputado atuante no combate à corrupção.
      -
      TIROTEIO
      "O Detran precisa cassar a CNH de Serra: ele trombou com dois postes e continua dirigindo como se nada tivesse acontecido."
      -
      CONTRAPONTO
      Genealogia do voto
      Os irmãos Arselino e Jair Tatto, vitoriosos na disputa por vagas na Câmara paulistana, viraram o centro das atenções durante café da manhã oferecido por Fernando Haddad a aliados, domingo. Ao encontrar a dupla, Lurian Cordeiro da Silva, filha do ex-presidente Lula, disse:
      -Olha, vou trocar meu sobrenome. Acho que tenho mais chances de me eleger sendo da família Tatto que da família Lula da Silva...
      Além dos vereadores, a "dinastia Tatto" conta com dois deputados: o estadual Enio e o federal Jilmar, todos com base eleitoral na zona sul de São Paulo.

        Charge


        Charge


        TENDÊNCIAS/DEBATES


        ALBERTO ROLLO

        A (in)justiça eleitoral

        A Ficha Limpa trouxe absurdos jurídicos capazes de fazer corar um primeiranista de direito, e a ação da Justiça Eleitoral piora a situação. Veja o caso de Osasco
        Cada vez mais, a Justiça Eleitoral vem se tornando restritiva no exame da participação dos candidatos.
        Sou de uma época em que a Justiça Eleitoral homenageava a participação. Na dúvida, o registro do candidato era aprovado e deixava-se ao povo o direito da livre escolha.
        Em momento recente da evolução da lei eleitoral, criou-se um artigo, por lei ordinária, restringindo a participação de candidatos, quando qualquer restrição sobre o tema só poderia ser feita por lei complementar. A diferença é que a lei ordinária exige o voto só da maioria dos parlamentares presentes, enquanto a lei complementar exige a maioria dos votos de todos os parlamentares.
        Por criação jurisprudencial, desrespeitando lei de regência sobre o tema, passou a ser decidido pelo Judiciário Eleitoral que a não aprovação de contas de campanha era suficiente para impedir candidatos de participarem do processo eleitoral.
        O advento da Lei da Ficha Limpa trouxe consigo alguns absurdos jurídicos capazes de fazer corar qualquer primeiranista de qualquer faculdade de direito pelo país.
        Houve momento em que não se estabeleceram enquadramentos para casos futuros, mas situações passadas. O candidato condenado a três anos de inelegibilidade em 2004, tendo cumprido a pena em 2007, não pôde se candidatar em 2012. Desprezou-se a coisa julgada e a pena cumprida.
        A leitura atenta da Lei da Ficha Limpa até exibe algo a favor dos candidatos: a nova redação da alínea "g" do artigo 1º, inciso I. Na redação original, ela entendia inelegível o candidato que tivesse cometido alguma irregularidade, alguma improbidade relativa às contas de gestão. A nova redação exige improbidade tenha cometida por ato doloso.
        Entretanto, o Judiciário Eleitoral, além de avocar-se o direito de dizer, à margem de outras opiniões, quem praticou ato de improbidade, passou a julgar se tal ato era doloso ou não, desprezando os legitimados para propor ação acerca do tema.
        Para entender, vale observar um caso exemplar: o julgamento do registro do candidato Celso Giglio, que terminou por impedir o registro de sua candidatura. Ele havia tido seu registro deferido pela Zona Eleitoral de Osasco, mas teve seu registro indeferido pela Corte Eleitoral Paulista e pela Corte Superior Eleitoral.
        As contas de gestão da Prefeitura de Osasco do ano 2004, relativas a esse candidato, haviam sido desaprovadas pelo Legislativo local, em clara manobra política para torná-lo inelegível. Tal desaprovação foi remetida ao Ministério Público local, para as providências devidas.
        O promotor concluiu que não deveria propor ação por inexistir ato de improbidade. O Conselho Superior do Ministério Público Paulista, com a legitimação ativa para propor ação por improbidade contra Giglio, arquivou o procedimento, pois "ações de improbidade devem ser para casos relevantes. Devem ser apenas para casos sérios, de evidente intuito de causar prejuízo ao erário; o que não se verifica no presente caso".
        O Judiciário eleitoral, porém, arvorou-se o papel de acusador, invadindo a seara do Ministério Público. A Corte Superior Eleitoral, após o pleito, contrariando a disposição inicial da Constituição que dá todo o poder ao povo, determinou que Giglio, mesmo com 10 mil votos a mais do que o segundo colocado, está impedido de exercer o poder -apesar de não ter cometido, como disse o Ministério Público paulista, nem ato de improbidade, quanto mais com a prática de dolo.
        Esse é caso em que o julgamento eleitoral substituiu a vontade do povo. Tenho plena consciência da posição politicamente incorreta aqui assumida. Mas não abro mão do direito de opinar de acordo com minha consciência, após 48 anos de exercício na área do direito eleitoral.
          EDUARDO DE CARVALHO ANDRADE
          TENDÊNCIAS/DEBATES

          A volta do perfeito fracassado brasileiro

          Brincar com a inflação no Brasil é um crime, o BC dá cervejinha a um ex-alcoólatra. E favorecer setores da indústria só atende a lobbies, não ao desenvolvimento
          Os desenvolvimentistas ficaram longe do comando da política econômica no país da volta das eleições livre até o fim do governo Lula, com exceção do relâmpago governo Itamar e suas políticas pró-fusquinhas.
          Nesse período, talvez justamente por causa disso, o país conseguiu realizar dois importantes avanços: econômico, com a estabilidade macroeconômica, e social, com uma melhora na distribuição de renda e no padrão de vida do brasileiro médio.
          Mas, no governo Dilma, infelizmente eles voltaram. Não é difícil entender como conseguiram, mas é fácil ver que é algo a se lamentar.
          De fato, com a crise mundial, vários governos passaram a adotar políticas impensáveis há pouco tempo.
          O governo suíço estabeleceu um piso para a sua moeda. O Fed (banco central americano) escolhe setores a serem beneficiados através da compra de papéis diretamente no mercado. O governo americano assumiu a gestão de empresas para evitar a falência. O governo argentino persegue consultorias com previsões de inflação diferentes das oficiais, expropria empresas e impõe controles comerciais e cambiais.
          Parece que, de repente, todos os experimentos econômicos, por mais esdrúxulos, são permitidos para substituir o fracasso do mercado. No Brasil, os desenvolvimentistas voltaram com o seu receituário para resolver os problemas do país.
          Eis: basta desvalorizar a moeda, reduzir a taxa de juros para padrões internacionais e com isso obter maiores taxas de crescimento, mesmo com a inflação mais alta. Basta escolher os setores da indústria a serem beneficiados com crédito subsidiado, aumento das alíquotas de importação, redução selecionada de impostos, estabelecimento de um mínimo de conteúdo nacional na compra governamental.
          Voltar com essa mesma combinação de políticas fracassadas no passado é esquecer as lições da história.
          Em primeiro lugar, o Banco Central do Brasil deveria continuar com um único mandato: baixa inflação.
          Num país com tradição de taxas de inflação elevadas, brincar com a inflação é um crime. É oferecer uma cervejinha para um ex-alcoólatra. É arriscar com a volta da indexação da economia, com consequências nefastas para os ganhos sociais dos últimos anos. Política monetária simplesmente não é capaz de gerar crescimento econômico sustentado.
          O argumento de que até o país mais desenvolvido do mundo, os EUA, tem um duplo mandato para a política monetária (e que portando deveríamos imitá-lo) é um equívoco.
          Os EUA estão em guerra contra a depressão econômica. Numa guerra vale muita coisa. Mas essa certamente não é a situação brasileira.
          Desenvolvimentistas se inspiram nas experiências asiáticas para justificar a escolha de setores prioritários da indústria. Mas mesmo os burocratas considerados mais competentes do mundo, os japoneses, escolheram, em geral, empresas "losers" em vez de "winners" na implantação da sua política industrial. Na Coreia, os setores beneficiados não registraram taxas de crescimento da produtividade maiores do que os demais, e várias empresas beneficiadas simplesmente faliram. Uma leitura mais apropriada é que os países foram bem sucedidos apesar da intervenção dos seus burocratas.
          Mesmo que burocratas asiáticos soubessem escolher os setores de forma apropriada, os nossos não sabem. A nossa experiência atesta que quem se beneficia das benesses governamentais, em geral, são empresas grandes, com poder de pressão e lobby, e em setores com déficit comercial, sem relação com eficiência.
          Quem paga a conta são os consumidores e os produtores (que se tornam ineficientes), obrigados a comprar, respectivamente, produtos e insumos caros e de baixa qualidade.
          O peruano Álvaro Vargas Llosa escreveu os livros "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano" (Bertrand Brasil) e "A Volta do Idiota" (Odisseia), este se referindo ao retorno do velho populismo na região, com Hugo Chávez, Evo Morales e Néstor Kirchner. O termo é ofensivo, talvez apropriado para os políticos. No caso dos desenvolvimentistas, cabe lamentar a volta do perfeito fracassado brasileiro.