terça-feira, 21 de maio de 2013

Agricultura moderna e urbanização levam à perda da biodiversidade do solo

folha de são paulo

JIM ROBBINS
DO "NEW YORK TIMES"

The New York TimesPoucas coisas são mais vitais do que a saúde da terra. Nosso abastecimento alimentar começa lá. As plantas selvagens precisam de solo saudável para crescer bem. Os herbívoros, para que possam comer as folhas, sementes e frutos das plantas. Por fim, os predadores, para que possam comer os bichos que comem as plantas.
Um solo saudável evita doenças humanas e também contém a cura para outras enfermidades. A maioria dos antibióticos vem de lá. Os cientistas agora procuram na terra uma nova classe de remédios para enfrentar doenças resistentes a antibióticos.
Jon Hrusa/Epa
Lavoura em Moçambique; más práticas agrícolas arruinaram cerca de metade do solo superficial na África
Lavoura em Moçambique; más práticas agrícolas arruinaram cerca de metade do solo superficial na África
O solo supostamente desempenha um papel importante, mas pouco compreendido, na difusão do cólera, da meningite fúngica e de outros agentes infecciosos que passam parte do seu ciclo de vida na terra.
Novas tecnologias garantiram saltos na nossa compreensão sobre a ecologia dos solos, ao permitir que os cientistas estudem os genes de micróbios da terra e acompanhem minúsculas quantidades de carbono e nitrogênio em sua passagem por esse ecossistema.
Mas, à medida que os cientistas aprendem mais, eles percebem como sabem pouco.
Na última década, os cientistas descobriram que o "oceano de terra" do planeta é um dos quatro maiores reservatórios de biodiversidade. Ele contém quase um terço de todos os organismos vivos, segundo o Centro de Pesquisas Conjuntas da União Europeia, mas apenas cerca de 1% dos seus micro-organismos já foi identificado. As relações entre essa miríade de espécies ainda é mal compreendida.
Cientistas criaram recentemente a Iniciativa Global de Biodiversidade do Solo para avaliar o que se sabe sobre a vida subterrânea, para identificar onde ela está em perigo e para determinar a saúde dos serviços ecossistêmicos essenciais que o solo fornece.
Uma colherada de terra pode conter bilhões de micróbios (divididos entre 5.000 tipos diferentes), assim como milhares de espécies de fungos e protozoários, além de nematódeos, ácaros e algumas espécies de cupim.
"Há uma pululante organização embaixo do chão, uma fábrica com terra, animais e micróbios, cada um com seu próprio papel", disse a bióloga Diana Wall, da Universidade Estadual do Colorado, a presidente científica da iniciativa.
O ecossistema do solo é altamente evoluído e sofisticado. Ele processa o lixo orgânico, transformando-o em terra. Filtra e limpa grande parte da água que bebemos e do ar que respiramos, ao reter poeiras e agentes patogênicos. Desempenha importante papel na quantidade de dióxido de carbono na atmosfera, pois, com toda a sua matéria orgânica, é o segundo maior depósito de carbono do planeta, só atrás dos oceanos.
O uso de arados, a erosão e outros fatores liberam carbono na forma de CO2, exacerbando a mudança climática.
Um estudo de 2003 na revista "Ecosystems" estimou que a biodiversidade de quase 5% do solo dos EUA estava "sob risco de perda substancial ou completa extinção devido à agricultura e à urbanização". Essa foi provavelmente uma estimativa conservadora, já que o solo do planeta era na época mais inexplorado do que hoje e as técnicas do estudo eram bem menos desenvolvidas.
Há numerosas ameaças à vida no solo. A agricultura moderna é uma das maiores, pois priva a terra da matéria orgânica que a alimenta, resseca o chão e o contamina com pesticidas, herbicidas e nitrogênio sintético.
A impermeabilização em áreas urbanas também destrói a vida da terra, assim como a poluição e as máquinas pesadas. Uma ameaça já antiga, como a chuva ácida, continua afetando a vida subterrânea, pois deixa o solo mais ácido.
O problema é global. Em quase metade da África, por exemplo, o uso intensivo para lavouras e pastagens destruiu a camada superior do solo e causou desertificação.
O aquecimento global irá contribuir para as ameaças à biodiversidade do solo. A segurança alimentar é uma grande preocupação. O que irá acontecer com as lavouras à medida que o planeta se aquecer? Ligeiras alterações de temperatura e umidade podem ter impactos profundos, mudando a composição da vida no solo e os tipos de plantas que poderão crescer.
Algumas plantas devem gradualmente migrar para climas mais frios, mas outras podem não ser capazes de se adaptar em novos solos. "O mundo acima do chão e o mundo abaixo dele estão muito estreitamente ligados", disse Wall.
Os cientistas também estão descobrindo que um ecossistema saudável no solo pode ajudar a sustentar as plantas naturalmente, sem insumos químicos. "Quanto maior é a diversidade do solo, menos doenças surgem nas plantas", disse Eric Nelson, que estuda a ecologia do solo e das doenças na Universidade Cornell, no Estado de Nova York. Os insetos também são refreados por plantas que crescem em terra saudável, segundo ele.
O que agricultores e jardineiros podem fazer para proteger seus solos? Wall sugere não lavrar a terra, deixando que a vegetação morta se decomponha, em vez de revolver o solo com o arado a cada ano. Evitar produtos químicos sintéticos é importante. Agregar adubo, especialmente adubo de minhoca, pode contribuir para fortalecer os ecossistemas da terra.
O tema está começando a atrair a atenção merecida. Wall acaba de receber o Prêmio Tyler de Realização Ambiental, com uma dotação de US$ 200 mil, que ela diz pretender usar em pesquisas. "É a hora do show para a biodiversidade do solo", disse ela.

Quadrinhos

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CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
ADÃO ITURRUSGARAI
BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER
ANDRÉ DAHMER
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS

HORA DO CAFÉ      LÉZIO JUNIOR
LÉZIO JUNIOR

Estudo mostra o efeito da felicidade na saúde física

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A corrente da felicidade
Uma nova pesquisa da Universidade da Carolina do Norte (EUA) conseguiu descobrir um dos mecanismos que fazem as emoções influenciarem a saúde física das pessoas. A ambição do estudo era medir o efeito da felicidade no corpo.
Os pesquisadores, liderados pela psicóloga Bethany Kok, do Instituto Max Planck para Ciências do Cérebro e da Cognição, demonstraram que emoções positivas levam a melhores conexões sociais e essas, por sua vez, melhoram a saúde física, o que aumenta a sensação de felicidade.
Para comprovar que essa "corrente da felicidade" atua diretamente no corpo, os pesquisadores mediram a atividade do nervo vago dos 65 participantes do estudo.
Esse nervo craniano tem a função de transmitir informações sobre o funcionamento do corpo para o cérebro e coordenar as respostas reflexas dos órgãos, como batimentos cardíacos, respiração e contrações musculares.
A atividade basal (com a pessoa em repouso) do nervo vago de cada participante foi medida no início e no final do estudo, que durou 61 dias.
Nesse período, metade dos participantes frequentaram uma sessão por semana de meditação da compaixão, técnica que busca o desenvolvimento de sentimentos de amor e boa vontade para consigo mesmo e com os outros (incluindo desafetos).
Durante a pesquisa, todos os participantes preencheram relatórios sobre a intensidade das emoções sentidas a cada dia, em uma lista de 20 emoções --de amor e serenidade a desprezo e ódio-- e deram notas para as suas interações sociais conforme a intimidade e a conexão que sentiram ao se relacionarem com outras pessoas.
Em artigo publicado neste mês no jornal "Psychological Science", os pesquisadores afirmam que a percepção das conexões sociais é o mecanismo que faz com que as emoções positivas melhorem a saúde física. E que técnicas de meditação como a usada no experimento são uma forma de criar esse círculo virtuoso: emoções, conexão social e boa saúde.

Fotógrafa obesa registra olhares críticos que atrai pelas ruas

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RODOLFO LUCENA
DE SÃO PAULO

Ela diz que não se trata de vingança. Mas parece. Dona de um "exterior incontrolável", como diz, a americana Haley Morris-Cafiero, 37, criou uma coleção de imagens em que ela ao mesmo tempo se mostra e mostra a reação das pessoas ao verem a gorda fotógrafa na rua.
Nos rostos e na linguagem corporal dos fotografados há ironia, deboche, surpresa, condenação: em uma palavra, preconceito.
"É uma experiência de caráter sociológico", diz ela, chefe do Departamento de Fotografia do Memphis College of Arts, no Tennessee. "Inverto o olhar, e o foco fica sobre as pessoas que me observam", explica Morris-Cafiero, que trabalha há quatro anos nesse projeto.
O resultado é a série "Wait Watchers" (jogo com a grafia e o som das palavras peso ""weight-- e espera ""wait--; uma das leituras pode ser: observadores do peso), que até a semana passada estava em exposição na mostra Memphis Social, na galeria Hyde, em Memphis.

Olho Gordo

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Haley Morris-Cafiero
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'Champion Ship', foto feita em Cusco, no Peru, que integra o projeto 'Wait Watchers'
São 25 painéis nos quais a fotógrafa aparece nas ruas de Memphis, Chicago, Nova York, Barcelona e Cusco fazendo coisas rotineiras: olhando vitrines, conferindo mapas, tomando um sorvete. O destaque, porém, é a reação das pessoas ao corpo de Morris-Cafiero, que não revela seu peso e diz ter problemas para controlá-lo.
O projeto começou por acaso, conta ela em entrevista à Folha, por e-mail: "Eu estava fazendo autorretratos em que me posicionava em locais que me faziam consciente de meu peso, como restaurantes ou supermercados. Montei um autorretrato em uma escadaria na Times Square (Nova York) e, quando revelei a imagem, notei que um homem zombava de mim às minhas costas. Apesar de ele estar sendo fotografado por uma bela loira, olhava para mim. Essa imagem virou 'O Anonimato Não É para Todos'. Foi em março de 2010."
Aliás, foi também por acaso que ela se tornou fotógrafa e professora na área.
Morris-Cafiero entrou na faculdade para se tornar advogada, mas as aulas lhe pareceram muito chatas, então ela acabou fazendo um curso de fotografia.
"Foi satisfação instantânea observar como produtos químicos conseguiam produzir imagens em um papel em branco", conta.
Passou por uma fase gótica: fotografava cemitérios e garotas vestidas de vampiro. "Eu queria dizer algo contra os papéis tradicionais das mulheres, mas não conhecia nem a arte nem o movimento feminista; também não sabia como dizer o que eu queria de forma que tivesse impacto", afirma.
Depois de formada, Morris-Cafiero vivia em Washington com o marido, quando ele recebeu convite para dar aulas em uma universidade em Memphis. Ela tratou de arrumar emprego na região: foi contratada para dar aulas de fotografia no College of Arts, onde trabalha há nove anos e coordena o programa de graduação.
Nas férias e horas de folga, a fotógrafa se dedica aos seus projetos pessoais. A série "Wait Watchers", por exemplo, é uma espécie de filha de um trabalho anterior, "Something to Weight" (alguma coisa a pesar), em que ela se fotografava em lugares que a lembrassem do seu peso.
"Eu uso a mim mesma nas imagens porque acredito que não posso transferir para outros as lutas internas e externas de meu corpo. Acredito que minhas questões pessoais sejam universais e acho que posso passar melhor a minha mensagem usando meu próprio corpo e não dirigindo uma modelo", diz Morris-Cafiero.
"Wait Watchers" é uma obra aberta. "Viajo o máximo que eu posso para poder capturar muitas pessoas de origens diferentes", diz Morris-Cafiero, que em julho vai fotografar em Berlim e Praga.
O Brasil está nos planos dela, mas a viagem ainda depende de recursos: "Já entrei com pedido de bolsa para financiar o projeto". Se der certo, serão dois meses capturando imagens reveladoras da visão que os brasileiros têm dos gordos.

Ódio no corpo - Anna Veronica Mautner

folha de são paulo

OUTRAS IDEIAS
ANNA VERONICA MAUTNER amautner@uol.com.br
Ódio no corpo
Vemos lutas nas quais ossos são quebrados e músculos, estraçalhados; há sangue por toda parte
E o corpo se faz carne, hoje objeto e alvo do mal entre nós. Na medida em que o corpo se torna carne, ele perde o caráter de sagrado. Ninguém respeita a carne. A troco do que afirmo isso?
Quero abordar de uma certa forma, para tentar me fazer entender, o tema da violência, mas violência enquanto desrespeito à estrutura corporal humana.
Cada dia mais vemos notícias sobre lutas nas quais corpos são arrebentados e esquartejados. Ossos são quebrados, músculos são estraçalhados... Há sangue por toda parte.
Esses embates corpo a corpo guardam pouca semelhança com ataques que envolvem instrumentos ou armas. Uma espada corta em linha reta, não estraçalha. Uma bala atravessa, destrói internamente.
A notícia de um jovem que levou com ele um braço arrancado em um desastre e jogou esse pedaço de corpo no rio é avassaladora. Um braço fora do corpo é uma visão draconiana.
Morrer, matar, tirar a vida --arrisco-me a dizer-- é diferente de desmanchar milhões de anos da evolução que fez o corpo humano chegar à sua forma atual. Desqualificar a forma é destruir essa transformação.
A luta nas trincheiras na Primeira Guerra Mundial também incluía desfigurações. Desfigurar inimigos um a um, face a face, é a suprema desumanidade. Quando caiu a bomba atômica, o mundo silenciou de susto. Pessoas em todos os continentes pararam. Também a energia nuclear emitida pela bomba, quando não matou, desfigurou.
Durante anos vimos fotografias dos sobreviventes deformados pela bomba atômica, mesmo que eles tivessem estado a muitos quilômetros da explosão.
Atacar a obra da evolução da espécie, estraçalhar, desfigurar, esquartejar não é contra um: é contra todos. Cada corpo é uma obra final, atual, de hoje, produzida pela natureza, passo a passo, de mutação em mutação, através dos tempos.
O ódio deforma.
Já o amor admira, adere, toca, adora a obra. O amor se dá sempre entre corpos que a natureza modelou.
Cuidado, pois, com o outro corpo à sua frente! Que nem todo o ódio do mundo seja suficiente para desmanchar o que os milênios constituíram.
Nos velórios, preservamos inteiro até o homem morto, para que seja visto em sua estrutura normal. Ele não tem mais vida, mas mantém a forma. É um homem --morto.
Porém, um homem.

    Aprendendo violão com neurociência - Suzana Herculano-Houzel

    folha de são paulo

    NEURO
    SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@gmail.com
    Aprendendo violão com neurociência
    Não dá para praticar técnica e velocidade ao mesmo tempo: os dedos hesitam; mas o desafio é parte da graça
    Não que eu precisasse de mais uma atividade para encher meus dias. Mas, quando a oportunidade surgiu, eu a agarrei: estou aprendendo a tocar violão clássico, um velho sonho meu --e aproveitando para usar a meu favor todos meus conhecimentos sobre a neurociência do aprendizado.
    Primeiro, para não desanimar antes de começar, achando que, aos 40 anos, já sou velha demais para a empreitada. Muito pelo contrário: tenho uma vantagem enorme sobre meus filhos, outros alunos do mesmo professor, com seus cérebros novinhos.
    Com a minha bagagem de quinze anos de estudo formal de música, ler partituras, ainda mais com uma pauta só, é trivial. E os anos de prática no piano me deram uma boa coordenação motora e, mais importante ainda, ensinaram meu cérebro a fazer coisas diferentes com as duas mãos sem grandes problemas.
    Ainda assim, o repertório de movimentos aprendidos com o piano não incluía puxar cordas e dedilhá-las com o polegar, nem fazer "hammer-ons" e "pull-offs" com os dedos da mão esquerda. Como chegar lá?
    Começamos, meu professor e eu, avaliando o que eu já sei fazer ao violão e onde eu quero chegar. A partir daí, recebo toda semana exercícios novos, progressivamente mais difíceis. Uns são simples de ler e exigem apenas prática, prática e prática até o cérebro aprender o que fazer com os dedos; outros exigem quebrar a cabeça para descobrir onde no braço do violão dará para tocar todas aquelas notas ao mesmo tempo.
    Ter método é fundamental. Não dá para querer aprender técnica e velocidade ao mesmo tempo: os dedos hesitam, esbarram, tropeçam, atropelam-se nos arpejos. Há que se começar devagar para aprender o dedilhado e acelerar aos poucos, metodicamente.
    Mas o desafio é parte da graça e me mantém motivada. Num arroubo de otimismo ainda maior que o meu, o professor me propôs na terceira aula aprender a tocar "Astúrias", de Albeniz --simples e lindíssima, mas cheia de notas repetidas a toda velocidade, muito além das minhas capacidades.
    Atrevida que sou, resolvi tentar --e estou não só me divertindo como gratamente pasma com o que já consigo fazer. Com isso, minha motivação está nas alturas. Se sobram 15 minutos antes de ir para o trabalho, tiro meu violão do estojo já de manhã e passo o dia antecipando poder tocar um pouquinho mais de "Astúrias" no fim do dia...

    Rosely Sayão

    folha de são paulo

    Escolas congeladas
    Nossas instituições de ensino estão mais interessadas em rankings do que em ideias criativas
    Recebi duas mensagens de professores que vão nos ajudar a pensar a respeito do que acontece com as escolas que os mais novos frequentam desde bem cedo. Dois profissionais de educação, distantes entre si em alguns aspectos e muito próximos em outros, vão nos conduzir em nossa conversa de hoje.
    A primeira mensagem veio de um jovem professor, tanto de idade quanto de profissão. Formado há poucos anos, ele diz que tem muitas ideias diferentes para sua prática docente e as usa para melhor compreender os alunos que frequentam a escola hoje, mas que se sente muito desestimulado em seu trabalho.
    O problema é que os colegas não só não reconhecem o potencial contido nas novas formas de ensinar e de se relacionar com os alunos como também não aceitam mudar seu modo de pensar. Esse jovem professor está com medo. Medo de se transformar em um docente semelhante aos seus colegas e, dessa maneira, perder a paixão pelo ato de ensinar.
    A outra carta veio de uma professora já aposentada. Ela contou que, durante os 25 anos em que esteve em sala de aula, trabalhou incansavelmente para que seus alunos entendessem que é preciso cuidar do espaço comum --a sala de aula e os demais ambientes escolares-- porque é o território de todos. Além disso, dedicou grande parte de seu tempo para ensinar a boa convivência.
    Ela afirmou ter conseguido bons resultados com os alunos. Mas, contou, por mais que tentasse influenciar seus colegas, nunca alcançava êxito com eles. E ela se cansou tanto que adoeceu.
    Dois depoimentos bem semelhantes de dois professores diferentes apontam para uma questão que parece estar invisível há muito tempo: o congelamento da escola. E essa situação tem uma relação íntima com quem não é professor, mas tem filhos na escola, em qualquer nível, e também com quem nem sequer tem filhos.
    Temos lido muitas notícias a respeito da educação. É impossível ignorar o que vem sendo insistentemente dito: uma característica importante para se estimular nos alunos é a criatividade do pensamento e da ação.
    A aprendizagem ocorre de modo mais consistente no coletivo e em ambiente colaborativo. O ensino da convivência pública e do papel do colega é fundamental --a formação da atitude do estudante determina em grande parte seu aprendizado. E os professores têm mais êxito em seu trabalho quando participam plenamente da equipe no espaço escolar.
    Criatividade, coleguismo, cidadania, trabalho em equipe? Certamente todas essas palavras estão presentes nos chamados projetos político-pedagógicos de todas as escolas. Mas, na prática, o que vemos é uma escola que todo dia faz tudo sempre igual, que ignora a participação verdadeira dos alunos, que desestimula a formação da equipe profissional.
    Nossas escolas estão muito mais interessadas na competitividade, no planejamento do professor, mesmo que seja burocrático, na massificação, tanto dos docentes quanto dos alunos. E você sabe, caro leitor, por que ela permanece assim congelada? Porque nossa sociedade assim o quer.
    Não é verdade que valorizamos o espírito competitivo incentivado nas escolas? Que damos a maior importância aos rankings baseados em avaliações? Que apreciamos nomes imponentes de métodos pedagógicos praticados e que acreditamos que é frequentando escolas que agem dessa maneira que o futuro dos mais novos será melhor?
    É assim que garantimos o congelamento da escola. E é assim, também, que vamos, aos poucos, apagando o brilho e a paixão de docentes (existem muitos deles que, como os professores citados, querem fazer diferente).
    Eles necessitam de muita coragem para não ceder à tentação de se acomodar no congelamento que a escola propõe e precisam de nossa ajuda. Vamos apoiá-los?

      Saiba mais sobre spams no estilo 'aumente seu pênis'

      folha de são paulo

      JULIANA CUNHA
      COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

      Quem tem experiência com a internet acha difícil crer que alguém ainda caia em spam --anúncios desagradáveis que atolam caixas de e-mail. Mas tem quem caia.
      "Acontece que, a cada dia, a rede recebe novos usuários: gente que pegou o bonde andando e precisa aprender em pouco tempo o que usuários antigos levaram anos para compreender. Esse é o público prioritário do spam", diz Finn Brunton, professor de ciência da informação na Universidade de Michigan.
      Das mensagens enviadas diariamente, 90% são spam, segundo Brunton, autor de "Spam: A Shadow History of the Internet" (spam: uma história obscura da internet, sem previsão de lançamento aqui), publicado nos EUA há duas semanas.
      Os "spams farmacêuticos" --com serviços e produtos ligados a saúde e bem-estar--correspondem a 21% do volume diário de 30 bilhões de spams, diz o relatório "Internet Security Threat Report", da Symantec, fabricante do Norton antivírus.
      A fórmula aposta na esperança e na desinformação.
      "Sei que é muita ingenuidade, mas tem tanta coisa que hoje é possível e na minha época não era que, para mim, tudo é plausível. Se você me dissesse há dez anos que dava para reduzir o estômago de alguém, eu daria risada", diz a professora aposentada Marília Ferreira, 63.
      Marília afirma que, desde que passou a usar a internet, em 2004, já teve dados do cartão roubados e comprou mais de uma dezena de produtos que, em suas palavras, "não entregavam o que prometiam". Ela caiu no "redutor japonês", por exemplo, que prometia diminuir o tamanho do nariz, e nas pílulas que fariam cabelo branco voltar a nascer escuro.
      Leia abaixo as explicações sobre alguns dos apelos mais clássicos e insistentes do gênero "spam farmacêutico".
      AUMENTA, MAS MENTE
      Alguém acha mesmo que se fosse viável fazer crescer o genital masculino por R$ 29,90 a empresa responsável pelo negócio seria anônima?
      "Aumente seu pênis" é o spam mais famoso e renitente. Desde o ano 2000, quando famílias ainda tinham e-mails compartilhados, até hoje, pessoas de todos os sexos e comprimentos penianos recebem o apelo.
      O truque já foi usado para mandar vírus. Hoje, por trás da maioria dos e-mails há a venda de equipamentos de sucção a vácuo que aumentam o fluxo de sangue no membro, simulando uma ereção. O pênis cresce durante o procedimento, mas logo volta ao tamanho original.
      "Apesar de ser uma enganação, não traz consequências negativas", diz Carlos Márcio Nóbrega de Jesus, professor de urologia da Unesp.
      O pior é uma cirurgia oferecida na rede. "Há quem se submeta a um corte no ligamento suspensor para que o pênis fique dois centímetros maior quando flácido", diz o urologista. Além de o pênis operado só crescer em estado flácido, ele volta ao tamanho dois meses depois:com a cicatrização, a base do órgão volta a colar-se ao púbis.
      "Depois dos 18, o pênis para de crescer em largura e comprimento. Não há nada que se possa fazer para ajudar quem não está satisfeito com o seu", reforça Nóbrega.
      Outro spam promete aumentar o pênis com exercícios e ainda resolver ejaculação precoce. O produto? Um kit de livros não científicos.
      "Há uma visão equivocada sobre ejaculação precoce. Só é precoce se dura menos de dois minutos após a penetração", explica o médico.
      Para aumentar o período de latência são usados antidepressivos, cirurgias de redução de sensibilidade e medidas comportamentais indicadas por urologistas.
      É bem na parte das "medidas comportamentais" que os livros dizem atuar. "São dicas de pessoas que supostamente tiveram o problema e se curaram com truques malucos", afirma Nóbrega.
      A reportagem tentou ouvir as firmas responsáveis pelas promessas. Nenhuma quis dar sua versão. Os sites consultados foram: aumenteseupenis.org; duremais.com e aumenteseupenis7cm.com.br
      SEDUÇÃO BESTIAL
      Um dos truques favoritos dos spams farmacêuticos é manipular pesquisas científicas para dar aquela pequena exagerada nas conclusões.
      É o caso do perfume com feromônios --substâncias secretadas por vários animais e algumas plantas que permitem a comunicação entre membros de uma espécie.
      "Na maioria das vezes, os feromônios são voláteis e usados para a atração de parceiros sexuais e acasalamento" explica Evaldo Vilela, professor de biologia animal da Universidade Federal de Viçosa e membro da Academia Brasileira de Ciências.
      Mariposas fêmeas liberam odores carregados de feromônios que atraem machos a quilômetros de distância. Não é nosso caso. "Pesquisadores alemães identificaram nas narinas humanas estruturas receptoras de substâncias voláteis", diz Vilela.
      A partir dessa descoberta surgiu o mito de que os humanos também têm seu comportamento sexual influenciado por feromônios, o que nunca foi comprovado. "Honestamente, acho inverossímil que seja um dia. Estímulos sexuais humanos são mais ligados à visão e à linguagem verbal", diz Vilela.
      Nem por isso empresas como a americana Marilyn Miglin deixam de vender perfumes com feromônios sintéticos alegando que eles potencializam o poder de sedução.
      "Testes promovidos pela marca confirmaram a eficácia do produto", diz a empresa, informando que cumpre as leis e está dentro das normas por "não fazer falsas promessas" e devolver o dinheiro a clientes insatisfeitos.
      "Apresentamos o tipo de pesquisa e o raciocínio científico por trás do desenvolvimento dos produtos e deixamos que clientes decidam segundo seu próprio discernimento, uma vez que não há pesquisas conclusivas que digam que humanos não liberam feromônios para atrair parceiros", rebate a marca.
      É O FIM DA PAPADA?
      E o spam que vende aparência dez anos mais jovem e o fim da papada, que tal?
      O aparelho custa menos de R$ 300 e promete, em dois minutos diários, tonificar os músculos do rosto e do pescoço. A eficácia é quase zero.
      "O platisma, músculo que sustenta a região da papada, é superficial. Quando essa área fica caída a culpa é da pele, não do músculo", diz Suzy Rabello, dermatologista do Hospital Bandeirantes.
      Conhecido como "Neck Lift" ou "Neck Slimmer", o produto parece um massageador, com molas dentro. Nos sites de venda, as fotos de "antes e depois" despertam suspeitas. "Aqueles resultados só podem ser atingidos com lifting de verdade, com bisturi", diz Rabello.
      "O problema do aparelho é que tenta aplicar ao rosto uma lógica que vale para o corpo, a do exercício contra flacidez. Não funciona."
      A reportagem tentou ouvir responsáveis pela venda do produto. Os sites procurados foram: comprar-esse-produto-online.com/necklift e skinnyneck.com
      ACORDE PARA A VIDA
      Nos anos 1980, consumidores ávidos por conhecimento sem esforço caíram nos kits que prometiam ensinar idiomas durante o sono.
      Como hoje emagrecer é mais importante que ser poliglota, vendem-se bandagens que dizem queimar gordura enquanto você dorme.
      Os "slim patches" são emplastros que, de acordo com a publicidade, misturam cafeína, zinco e extrato de garcinia, uma planta asiática. Segundo o apelo, o corpo absorve as substâncias durante o sono, o que potencializa a perda de medidas. A cartela com 50 adesivos custa R$ 100.
      Para Mario Carra, endocrinologista presidente da ABESO (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica), os adesivos são "brincadeira de mau gosto" que mexe com as expectativas de quem está acima do peso. "Não tem como produto de uso tópico ajudar a perder peso. Esqueça."
      Alguns sites chegam a prometer perda de dez quilos em 45 dias. "Para perder tudo isso nesse tempo é preciso restringir o consumo a 700 calorias/ dia. Só dieta faz isso", afirma o médico.
      As substâncias citadas nos sites dos vendedores não trazem risco à saúde, mas o endocrinologista afirma que esse tipo de produto atrapalha o emagrecimento porque gera frustração.
      "Tem gente que já chega ao consultório com postura derrotista, diz que tentou de tudo e nada resolveu. Pois não é para tentar de tudo: é para fazer um programa com respaldo científico", opina Carra.
      A reportagem tentou entrevistar responsáveis pela venda do produto fazendo contato com quatro sites, mas só um deles decidiu atender. Segundo o britânico "Slimming Solutions", os adesivos são "tratamento complementar para a perda de peso e não substituem dietas e exercícios físicos". Os outros sites procurados foram slimweightpatchreviews.com; ultraslimpatchblog.com e famozza.com.br

      Agência de notícias dedicada à Aids comemora dez anos com exposição

      folha de são paulo

      MARIANA LENHARO
      COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

      Há dez anos, a jornalista Roseli Tardelli, 52, fundou a primeira agência de notícias dedicada exclusivamente à Aids no Brasil. Mas sua história com a doença havia começado dez anos antes.
      Em 1993, seu irmão mais novo, o tradutor Sérgio Tardelli, começou a sentir os primeiros sintomas da Aids, doença da qual morreria em 1994.
      Zé Carlos Barreta/Folhapress
      Roseli Tardelli, jornalista e fundadora da Agência Aids
      Roseli Tardelli, jornalista e fundadora da Agência Aids
      Em comemoração aos dez anos da Agência de Notícias da Aids, Tardelli inaugura nesta segunda-feira (20) uma exposição na Câmara Municipal de São Paulo. A ideia é relembrar dez boas notícias publicadas sobre a doença na última década.
      Em 2006, por exemplo, a novidade era a aprovação do primeiro medicamento "três em um" contra Aids. Em 2011, a Unaids anunciava que o número de novas infecções havia estabilizado no mundo. Em março passado, a notícia sobre a cura de um bebê americano despertava boas perspectivas para o desenvolvimento de novas estratégias de tratamento.
      Hoje, a agência tem em média 200 mil acessos mensais e continua fornecendo informações para o público leigo, para profissionais da saúde e para a imprensa.
      "A Agência Aids é refém de uma causa, não de um governo, de uma ONG, de uma empresa ou de qualquer tipo de interesse", diz Roseli Tardelli que, em dezembro, lançará um livro sobre sua história e a história da agência pela editora Senac.
      Depois de ficar uma semana na Câmara Municipal, a exposição segue para o Conjunto Nacional (Av. Paulista, 2073), onde permanecerá por mais uma semana. Leia, abaixo, o depoimento da jornalista.
      *
      "Meu irmão teve HIV e morreu em 1994. Nossa família brigou com convênio médico e conseguiu que eles pagassem seu tratamento. Foi a primeira família que, publicamente, questionou a atuação de um convênio médico. Costumo dizer que foi um grande mico que valeu, porque pôde ajudar mais gente a fazer o mesmo.
      Ele morreu em uma situação bastante delicada com 30 quilos, sem enxergar e sem andar. O coquetel só chegaria em 1996. Ele só tomou o AZT [azidotimidina], não tinha nada para fazer.
      Era meu único irmão, dois anos mais novo do que eu. Foi aquela coisa degradante da aids, ele foi definhando. Hoje as pessoas que vivem com o vírus têm uma chance que na época, no início da década de 1990, não tínhamos.
      Quando a gente vivencia uma doença muito forte, a gente muda os parâmetros. Foram quatro anos para eu me reestruturar e fazer alguma coisa. Em 1998, eu fiz o 'I Fórum Aids, Imprensa e Cidadania'. Aí eu vi que tinha que fazer uma ação mais cotidiana com Aids. Em 2003, consegui alguns apoios e fundei a "Agência de Notícias da Aids".
      Somos um 'ponto com', não uma ONG. Temos patrocínios, apoios e os jornalistas são remunerados. Trabalhamos profissionalmente a informação de HIV, por isso conseguimos nos manter até hoje. A gente ocupou um espaço que não existia na mídia brasileira e na mídia internacional. Cobrimos 11 conferências internacionais.
      Hoje, temos uma experiência exitosa também em Moçambique, onde fundamos a 'Agência de Notícias de Resposta ao Sida'. Os frutos desse trabalho também estão sendo reconhecidos. Temos conversas com profissionais da Angola e provavelmente levaremos a experiência para lá também. Tenho 52 anos e pretendo viver mais uns 40.
      Gostaria de deixar uma agência fundada em cada país de língua portuguesa da África. Seria uma contribuição bastante positiva. Na experiência em Moçambique, vemos que é possível organizar as informações, ajudar o ativismo a se tornar mais consistente e profissional e ajudar o governo na construção de uma reforma."