sábado, 12 de janeiro de 2013

Livro conta história de sete bibliotecas espalhadas pelo mundo

FOLHINHA FOLHA DE SÃO PAULO

SILVIA OBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ciranda do LivroQuantos livros cabem na biblioteca de sua escola ou de seu bairro?
No livro "Bibliotecas do Mundo" cabem sete bibliotecas inteiras... Ou melhor, sete histórias de bibliotecas, de tempos e de lugares diferentes, contadas por narradores muito especiais e ilustradas por diversos artistas.
A filósofa Hipátia, que nasceu no ano 355, apresenta a biblioteca de Alexandria, do Egito Antigo. O menino José Joaquim conta como ajudou a trazer de Portugal, nas caravelas, os livros da Biblioteca Nacional, que fica no Rio de Janeiro. O sapo de um conto de fadas escapa das páginas para nos falar da Biblioteca Nacional da Juventude, criada depois da Segunda Guerra Mundial, na Alemanha.
Divulgação
Ilustração do livro "Bibliotecas do Mundo"
Ilustração do livro "Bibliotecas do Mundo"
Os burrinhos Alfa e Beto contam suas andanças por uma região pobre da Colômbia, levando livros no lombo, conduzidos por um professor que acha importante que todos possam ler. Ele inventou a Biblioburro.
Essas são só algumas das histórias do livro, mas vale a pena ler todas.
Se você se divertir, vai gostar mais ainda de visitar uma biblioteca. Minha dica é a Monteiro Lobato (r. General Jardim, 485, Vila Buarque), especializada em livros para crianças e adolescentes. É a mais antiga biblioteca infantil em funcionamento no Brasil.
Que tal ir até lá depois de ler este livro?
"Bibliotecas do Mundo"
AUTORA Daniela Chindler
EDITORA Casa da Palavra
PREÇO R$ 34,90
INDICAÇÃO A partir de 10 anos
SILVIA OBERG é doutora em ciência da informação e especialista em literatura infantil e juvenil.

Quadrinhos

folha de são paulo


PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO

CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER

ALLAN SIEBER
QUASE NADA      FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ

FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
HAGAR      DIK BROWNE

DIK BROWNE

Xico Sá

FOLHA DE SÃO PAULO

Abstinência futebolística
Um homem sem seu time vira uma fera selvagem, um animal perdido em busca da última casa de ópio
AMIGO TORCEDOR, amigo secador, a síndrome de abstinência de futebol é pior do que o jejum do mais cruel dos vícios. Cheguei a acordar no meio da noite e, sonâmbulo, busquei a última pelada de garçons x porteiros no Aterro do Flamengo. Como quem sai em busca da última casa de ópio do planeta, meu caro Nick Tosches.
Torci pelos garçons, que me desculpem os senhores que gentilmente me abrem o portão nas madrugadas com ares de São Pedro de todos boêmios. Os homens da bandeja não estavam nas suas melhores jornadas. Derrota impiedosa. Dei bom dia à tristeza e voltei para casa como o mais saciado dos homens. O importante era testemunhar um jogo de futebol no campo. Fosse qual fosse o embate.
No resto do dia, fiz resenhas para mim mesmo sobre a partida e saí a discuti-las pelos botequins. Lá estava o botafoguense Álvaro Costa e Silva, El Marechal, outro fanático pelo time dos garçons, que não me deixou ficar falando ao vento.
O amigo alvinegro tinha também a sua tese sobre a derrota dos atletas dos bares. O garçom, defendeu ele, é o mais completo dos profissionais sobre a terra. Nos serve, nos ouve em momentos de gravidade como um terapeuta, nos conduz ao táxi, nos protege da brabeza de algumas mulheres ou da chatice de fregueses malas. No futebol, no entanto, pecam por excessivas assistências e raríssimas finalizações.
O entusiasta dos campeonatos gringos, diria, zombando da nossa alegada abstinência: o calendário europeu me satisfaz, fiquei vendo o Espanhol, o Inglês, o Italiano. Chega de pelada. Qual o quê. Falo de futebol com envolvimento, passionalidade, aquele que pauta a vida do boteco da esquina de casa e a volta à firma na segunda-feira.
Não há uma só criatura em Madureira que se entusiasme com o Lionel Messi ou o Cristiano Ronaldo. O coração do subúrbio é à prova de eventuais globalizações.
Maldita abstinência. Só os corintianos não viveram, nestas férias ludopédicas, a tal síndrome. Tenho um colega que viu umas trinta vezes o teipe da final do Mundial de Clubes. Quase perde a mulher por isso. Em pleno sul da Bahia e o cara vibrando com o gol do Guerreiro como se visse ao vivo.
Falar em mulher, o recesso do futebol provoca muito estrago nos lares. Haja separações. A amada mal sabe que foi a falta do ópio que causou tal inferno. O mais dócil dos maridos vira um Jack, um monstro, na ausência do seu clube.
Em vez de facilitar a prática sexual, complica. Neste período o macho renova o complexo de castração que havia sofrido, segundo Freud, por volta dos cinco anos de idade. Parece viagem, amigo, mas a mutilação simbólica procede.
Um homem sem o time, seja ele o melhor do mundo ou apenas o saco de pancadas, é apenas uma fera, um selvagem, um animal perdido.

    Eventos climáticos extremos se intensificam

    FOLHA DE SÃO PAULO

    Organização Meteorológica Mundial aponta 2012 e o início deste ano como períodos de turbulência acima da média
    Fenômeno ainda não pode ser creditado à ação do homem, segundo especialista em clima do Inpe
    Menahem Kahana - 10.jan.2013/AFP
    Nevasca em Jerusalém - Vinte centímetros de neve caíram na cidade entre quarta e quinta desta semana, cobrindo as ruas e até as palmeiras; tempestade foi a pior em 20 anos
    Nevasca em Jerusalém - Vinte centímetros de neve caíram na cidade entre quarta e quinta desta semana, cobrindo as ruas e até as palmeiras; tempestade foi a pior em 20 anos
    FERNANDO TADEU MORAESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAO ano de 2012 provavelmente ficará na história como um período de eventos climáticos extremos, tendência que tem se mantido nas primeiras semanas de 2013.
    A China vem enfrentando o pior inverno dos últimos 30 anos; a Austrália sofre com queimadas por todo o país e teve nos quatro últimos meses de 2012 os mais quentes da sua história; o Paquistão foi inundado por enchentes inesperadas em setembro; o Brasil teve uma de suas primaveras mais quentes e, nos EUA, o último ano teve a temperatura média mais alta na parte continental.
    "Todo ano temos tempo extremo, mas é estranho ter tantos eventos extremos ao redor do mundo de uma só vez", disse Omar Baddour, da Organização Meteorológica Mundial.
    No Brasil, ainda não há dados consolidados sobre a temperatura média do ano passado, mas, para Jose Marengo, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), os dados até agora apontam uma situação parecida com a dos EUA. "Em 2012, especialmente a partir de setembro, batemos recordes de temperatura."
    No âmbito mundial, as temperaturas foram altas também. Estimativas da Organização Meteorológica Mundial mostram que, entre janeiro e outubro de 2012, a temperatura média foi cerca de 0,5º C acima da média do mesmo período entre 1961 e 1990, o que deve levar o ano passado a ser o oitavo ou nono mais quente desde 1850.
    Poderia ter sido pior, mas o ano começou com a presença do fenômeno climático La Niña, que provoca um resfriamento anormal no oceano Pacífico tropical. A média de temperatura registrada nos três primeiros meses do ano foi a menor desde 1997.
    Marengo destaca a onda de calor que atingiu o Sudeste e o Centro-Oeste do Brasil entre 28 e 31 de outubro como um dos evento mais surpreendentes de 2012. A temperatura na capital paulista chegou a 36,6º C no dia 30. "Essas temperaturas não são esperadas na primavera."
    No plano mundial, segundo o pesquisador, o efeito do furacão Sandy sobre a cidade de Nova York no fim de outubro foi bastante marcante.
    "Em um país que está tão preparado para as mudanças climáticas, com sistemas de alarmes e abrigos, o furacão parou sua cidade mais importante. Isso mostra que ninguém está preparado para um evento extremo."
    AQUECIMENTO GLOBAL
    Para Baddour, o aumento da frequência dos eventos extremos é um sinal de que a mudança climática não virá só na forma de aumento das temperaturas e sim como anomalias intensas e desagradáveis.
    Mas, segundo Marengo, é difícil dizer qual é o peso da atividade humana nesses acontecimentos.
    "O que é possível dizer hoje é que existe um componente humano nos eventos climáticos. O que não foi demonstrado ainda é o tamanho desse impacto".
    Para este ano, o pesquisador espera anomalias de temperatura nos chamados meses de intervalo, como maio e outubro. "No ano passado tivemos um maio muito frio e uma onda incrível de calor em outubro."

    Walter Ceneviva

    FOLHA DE SÃO PAULO

    Da burocracia à eficiência
    O burocrata complica o caminho da solução rápida, fere a eficiência e perturba a estabilidade do bom direito
    A burocracia é vista, hoje, como realidade operativa entre dois extremos. São os efeitos positivos de sua aplicação, segundo técnicas aperfeiçoadas no século 20, e os negativos, nascidos dela quando, digamos assim, se burocratizou, gerando uma das pragas da vida moderna, na complexidade excessiva das estruturas.
    Lembrei-me desse choque contrastante ao ler texto de palestra do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), proferida em seminário com a Faculdade de Administração Pública de Nordrhein-Westfallen, na Alemanha, publicada pela FGV (projeto nº 15).
    Mendes cuida da melhor gestão do Poder Judiciário, a ser aprimorada no Brasil. Anota, com propriedade histórica, o fato relevante, tanto quanto inusitado, de estarmos próximos de um quarto de século sob governos democráticos, para a livre discussão dos nossos problemas e suas soluções.
    Entre eles, o ministro do STF inclui a "melhoria constante dos serviços públicos", a ser garantida, entre muitos pontos, pela "autonomia administrativa e financeira do Judiciário". Autonomia compatível com a carga imposta à magistratura nacional: 2,5 milhões de processos nos juizados especiais (os mais recentes da estrutura judicial), 30 milhões de questões exclusivamente tributárias. Lembra, na área penal, as más condições dos presídios, o absurdo em prisões ditas "provisórias". Saúda avanços da eficiência, gerados pelo Conselho Nacional de Justiça, apesar das resistências opostas à correção dos defeitos.
    Na mesma publicação, Flávio Vasconcelos, diretor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV (Ebape/FGV), destaca formatos organizacionais e sua evolução. Entende que a atividade judicial eficiente se submete à independência do juiz e à equidade no processo. Deve superar a complexidade dos elementos processuais, para vencer "o desafio de criar um novo modelo de gestão".
    Defende ainda "uma administração de perfil gerencial", com "metas específicas para julgamentos em relação a cada tribunal". Invoca a divulgação do resultado anual de cada tribunal, para comparações não distorcidas, de seus níveis de produtividade.
    No dia a dia da vida outro dado se impõe. É a velocidade da transformação planetária dos comportamentos dos grupos e dos indivíduos, com as variedades de novas formas, em tempo muito curto. Nesse quadro, o profissional do direito vive o drama da Constituição muito emendada, das centenas de leis publicadas nos três níveis de governo, seguidas por milhões (milhões, veja bem o leitor) de termos nos regulamentos burocráticos.
    O ministro Gilmar Mendes, ao apresentar as palestras transcritas na publicação, disse que o intuito de "atender aos ditames da ordem constitucional vigente", mostra a importância da discussão livre, a envolver "soluções viáveis para os complexos desafios" que o Brasil e, em especial, o Judiciário, vem enfrentando. Para mesclar burocracia e eficiência assinala a importância da cooperação germânico-brasileira, que marcou o encontro.
    Não se esqueça, porém, que o burocrata, por vezes complica o caminho da solução rápida, desejada pelo bom administrador. Fere a eficiência imprescindível e perturba a estabilidade do bom direito. É dilema a ser resolvido.

      LIVROS JURÍDICOS
      TRÁFICO E USO ILÍCITOS DE DROGAS
      AUTOR Jeferson Botelho Pereira
      EDITORA J. H. Mizuno (0/xx/19/3571-0420)
      QUANTO R$ 59 (340 págs.)
      A obra vê o assunto no Brasil e na Argentina. Culmina com proposta de ação conjunta. A partir de história e elementos científicos evolui para o quadro dos perigos da droga, mal "que necessita de políticas públicas para vencê-lo". O texto mostra o conhecimento do tema, pelo autor, que o explica com clareza.
      AÇÕES AFIRMATIVAS
      AUTOR José Cláudio Monteiro de Brito Filho
      EDITORA LTr (0/xx/11/2167-1100)
      QUANTO R$ 35 (119 págs.)
      Crítica genérica das ações afirmativas, examinando os elementos dessa opção processual. Distingue a vida individual e a coletiva. Diz que, para ser plena, a ação deve conter os meios de combater a discriminação. Dá atenção às cotas sociais, ao cuidado com deficientes e mesmo com povos indígenas.
      COLEÇÃO "PASSE EM CONCURSOS PÚBLICOS"
      COORDENAÇÃO Marcelo Hugo da Rocha
      EDITORA Saraiva (0/xx/11/3613-3344)
      QUANTO R$ 69 (cada)
      A proposta geral: "passe em concursos públicos". Saíram: Delegado de Polícia, 424 págs., Defensoria Pública, 448 págs., Carreiras Trabalhistas, 558 págs., Ministério Público, 536 págs. Cada programa adita variáveis, aumentando a utilidade, conforme destinação estadual, ou federal e a carreira.
      TEORIA JURÍDICA DO ASSÉDIO
      AUTOR Manoel Jorge e Silva Neto
      EDITORA LTr (0/xx/11/2167-1100)
      QUANTO R$ 45 (176 págs.)
      José A. Rodrigues Pinto, da Academia Nacional de Direito do Trabalho, diz no prefácio que esta obra vai muito além do título, ao definir o assédio e avaliar os sujeitos geradores. As 33 conclusões garantem que a condenação remuneratória cabe na ofensa individual e na ofensa coletiva, sob o princípio da reparação integral.
      DIREITO TRIBUTÁRIO E DIREITOS FUNDAMENTAIS
      AUTORIA Obra coletiva
      EDITORA Elsevier ( 0800-0265340)
      QUANTO R$ 34 (168 págs.)
      Ives Gandra da Silva Martins e Ricardo Castilho organizaram o volume e escreveram textos sobre limitação ao poder de tributar, tema fundamental na atualidade.
      DIREITO DO TRABALHO DESPORTIVO
      AUTORIA Obra coletiva
      EDITORA Quartier Latin (0/xx/11/3101-5780)
      QUANTO R$ 112 (500 págs.)
      Almino Mendes Baptista é o homenageado neste trabalho, coordenado por Álvaro Melo Filho, Fábio M. de Sá Filho, Fernando T. de Souza Neto e Rafael Teixeira Ramos.

        CLÁUDIA LAITANO - Bom dia, tristeza

        Zero Hora 12/01/2013

        O David Coimbra vive me dizendo que não gosta de histórias tristes. Devo ter cara de quem adora tragédia porque cada vez que eu recomendo um livro ou um filme no Café TVCOM, meu amigo me olha de um jeito meio desconfiado, como se qualquer sugestão aparentemente inofensiva que eu faço pudesse esconder algum tipo de drama humano lancinante do qual ele prefere manter distância – na vida como na arte.

        Sim, eu confesso: encruzilhadas existenciais me interessam. Muito mais do que aventuras nas selvas africanas, crimes perfeitos ou batalhas durante a II Guerra. Mas assim como há filmes de guerra que são obras-primas e outros que são bombas (sem trocadilho), enredos “humanos” nem sempre são profundos, obviamente.

        Algumas histórias tristes apenas arranham a superfície das emoções – e a facilidade com que manipulam as reações do público é inversamente proporcional à sutileza com que retratam um determinado sentimento. Melodramas do tipo Uma Janela para o Céu (clássico Kleenex dos anos 70 que costumava extrair hectolitros de lágrimas das plateias), programas de auditório e filmes publicitários estão aí para provar que a fórmula do choro é bem menos misteriosa do que a fórmula da Coca-Cola.

        Talvez a origem da desconfiança do David venha da constatação de que algumas histórias tristes praticam uma espécie de estelionato emocional no espectador. É verdade que muitos sairão de Uma Janela para o Céu com os olhos vermelhos, mas satisfeitos pelo efeito catártico do filme: chorar pelo sofrimento alheio de certa forma alivia as nossas próprias mágoas represadas.

        O espectador mais exigente, porém, talvez perceba que filmes desse tipo costumam aplicar golpes baixos de sentimentalismo. (Para esses, o sofrimento de estar no cinema acaba sendo maior do que qualquer via-crúcis do personagem. )

        Algumas histórias são tão tristes, que nem sequer fazem chorar – e essas são as melhores. É o caso do filme Amor, de Michael Haneke, em cartaz em Porto Alegre. Poucas vezes você vai assistir a um filme tão dilacerante na crueza com que retrata a convivência de um casal de idosos lidando com uma doença debilitante. Nada ali, porém, é gratuito ou foi pensado para fazer você chorar – e talvez o filme seja mais impactante exatamente porque não nos oferece o alívio da lágrima fácil.

        Nem todos viveremos as perdas, as dores ou as angústias morais que nos levam a questionar tudo o que sabemos (ou achamos que sabemos) a respeito de nós mesmos e dos outros – e mesmo quando acontece de estarmos muito próximos desse tipo de sofrimento nem sempre teremos condições de extrair algum tipo de sentido disso.

        Por que assistir a um filme sobre a dor quando há tantas comédias disputando a nossa atenção e a vida real nem sempre nos dá refresco? Porque há algo a respeito da confusa, dolorosa e inabarcável experiência humana que apenas a grande arte é capaz de nos revelar.

        Haiti ,3 anos após o inferno

        FOLHA DE SÃO PAULO

        No Haiti, onde um tremor em 12 de janeiro de 2010 deixou 220 mil mortos, mais de 350 mil pessoas continuam a viver em campos improvisados
        Dieu Nalio Chery - 9.jan.2013/Associated Press
        Vista de um campo para desabrigados na capital do Haiti
        Vista de um campo para desabrigados na capital do Haiti
        RENATO MACHADOCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
        DE PORTO PRÍNCIPE (HAITI)
        Três anos após o terremoto que destruiu a capital do Haiti e matou 220 mil pessoas, um dos principais símbolos da tragédia começa a desaparecer da vista dos haitianos. Foram extintos recentemente grandes campos onde haitianos viviam em barracas, que tomavam praças e até o estádio de futebol.
        O problema, no entanto, ainda não acabou, já que, "escondidos", ainda existem 357 mil nessas condições. E não há definição clara de quando isso vai ter fim.
        Logo após o terremoto de 12 de janeiro de 2010, haitianos que perderam as suas casas foram destinados a "campos de deslocados", que se espalharam por diversas áreas de Porto Príncipe.
        Estima-se que 1,5 milhão de pessoas tenham passado a viver dessa forma nos meses após a tragédia.
        No segundo semestre do ano passado, o governo do Haiti concluiu um programa-piloto para tentar acabar com os campos de deslocados.
        Com um investimento total de US$ 49 milhões (R$ 98 milhões), seriam feitas melhorias em 16 bairros atingidos pelo terremoto para que os moradores pudessem retornar. Além disso, seriam fechados seis campos, meta que foi superada.
        Entre os fechados estão o da praça Champs de Mars (ao lado do Palácio Nacional), dois na área nobre de Pétionville, um na antiga Primatura (gabinete do primeiro-ministro e outros ministérios, que ruiu com o terremoto) e o que ocupava os gramados do Estádio Nacional Sylvio Cator. Para deixar esses locais, as pessoas receberam por um ano auxílio-aluguel.
        "O programa foi um sucesso até agora, mas precisamos de mais recursos para continuar. Não temos mais a ajuda que existia logo após o terremoto", disse Clément Bélizaire, diretor da divisão do governo haitiano responsável pelo programa.
        Bélizaire afirma que existe um plano para fechar em quatro anos todos os campos de deslocados restantes, realocando as 84 mil famílias que vivem nessa situação.
        O grande problema é que o investimento necessário é de US$ 84 milhões, e o governo haitiano tem apenas US$ 20 milhões para esse fim.
        ESCONDER O PROBLEMA
        Apesar de ter conseguido fechar alguns campos, o programa recebeu críticas -a principal, a de que os lugares escolhidos para as ações são áreas centrais ou nobres da região de Porto Príncipe.
        Entidades de direitos humanos afirmam que, para mostrar resultado à comunidade internacional, desapareceram as barracas perto de hotéis, do governo e do aeroporto. Por outro lado, a alguns metros da principal via de acesso ao aeroporto, continua existindo um com cerca de 50 mil pessoas.
        "Os lugares foram escolhidos estrategicamente. Por isso os campos fechados ficam perto da sede do governo ou em Pétionville, onde se hospedam muitos jornalistas que vão ao Haiti", disse a americana Nicole Philips, do Instituto para a Justiça e Democracia no Haiti. Ela também destaca que houve poucas melhorias nos bairros.
        A mesma visão têm muitos moradores dos campos de deslocados. "A preocupação do governo é só em deixar bonito do lado do palácio", disse Edouard Louis, que vive num dos campos.
        O governo haitiano rebate ao afirmar que o programa foi apenas um piloto. "Escolhemos os campos seguindo uma metodologia, porque eles não eram muito grandes. E demos preferências para desocupar praças, escolas e áreas de risco", completa Bélizaire.

          Moradores não conseguem nem mendigar
          COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
          DE PORTO PRÍNCIPE (HAITI)
          Sempre que consegue colocar a mão em alguns trocados de gourde -a moeda local-, o haitiano Charlie Saint Louis, 25, precisa tomar uma decisão: usar o dinheiro para ir à capital Porto Príncipe à procura de emprego ou comprar um mínimo de água e alimento para a família.
          A situação difícil nos campos de desabrigados é ainda pior para Saint Louis e outros moradores do campo Jerusalém e dos vizinhos Canaan e Corail Cesselesse. Isso porque esses três foram organizados em uma área afastada da capital haitiana, em Bon Repos.
          O trajeto de tap-tap (os ônibus haitianos) chega a levar mais de uma hora.
          Folha esteve na semana passada nesses campos, que ficam localizados ao pé da montanha, em uma área com muito pó e pouca vegetação.
          Lá vivem 15 mil famílias, segundo o governo. "Nós não conseguimos ficar nas barracas, porque é muito quente. Mas também não podemos ficar muito tempo fora, porque o vento levanta muita poeira", diz Saint Louis.
          Inicialmente, as barracas ficavam todas aglutinadas na região próxima à rodovia.
          Mas a vastidão da área e a falta de perspectiva de sair dali fez com que muitos moradores se espalhassem para mais perto da montanha e começassem a fazer melhorias no lugar. Muitos contam que venderam pertences resgatados em suas casas após o terremoto e também criaram dívidas para começar a construir moradias pequenas.
          ÁGUA
          "Aqui é um grande deserto e ninguém se lembra da gente. Algumas pessoas venderam tudo para começar a construir, porque não dá para viver aqui em barraca. Entra muito pó e, nos furacões, precisa a família inteira segurar tudo para não voar, além de molhar tudo", diz Gribel Laurent, que vive com a mulher e três filhos.
          Ele conta que o campo foi visitado no passado por autoridades internacionais e por isso houve melhorias, como a construção de algumas moradias por ONGs.
          Os moradores reclamam que estão esquecidos e nem podem mendigar, pois quase ninguém passa por ali.
          A criminalidade também é um problema. E trabalho só há quando uma ONG realiza alguma ação -como a construção de um orfanato.
          Mas a falta de água é ainda considerada o mal maior. Laurent conta que a comunidade arrecadou dinheiro para a perfuração de um poço. O problema é que a água é de baixa qualidade, salgada e provoca doenças.

            País já recebeu US$ 6,4 bi em ajuda, quase o PIB
            COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
            DE PORTO PRÍNCIPE (HAITI)
            Para se recuperar, o Haiti recebeu uma avalanche de recursos dos países estrangeiros. Mas agora, três anos e US$ 6,4 bi depois, parte da comunidade internacional questiona a eficácia das doações.
            O valor destinado corresponde à metade dos repasses previstos pelo fundo de reconstrução -US$ 13,4 bilhões até 2020. Para efeitos de comparação, o PIB do país fechou o ano passado em US$ 7,7 bi.
            O governo haitiano e a ONU ressaltam melhorias como a demolição e retirada de grande parte dos escombros e a redução no número de pessoas vivendo em barracas. Algumas ruas, estradas e praças foram recuperadas, e até um novo e moderno terminal para o aeroporto Toussaint Louverture foi inaugurado.
            No entanto, a reconstrução física segue em ritmo lento. Prédios públicos continuam no chão, como ministérios e o Palácio Nacional. Faculdades não foram reconstruídas e continuam em local provisório. Na principal via do centro, o Boulevard Jean-Jacques Dessaline, vendedores trabalham entre restos de prédios.
            "Estava trabalhando aqui e desabou tudo em cima de mim no dia do terremoto. A vida ficou mais difícil e não chega essa ajuda de que todos falam", disse o vendedor de CDs e DVDs Odner Antoine, 35.
            A principal crítica, no entanto, vem de países que reclamam que os projetos de cooperação não decolam.
            Para o presidente haitiano, Michel Martelly, a culpa não pode recair toda sobre o Haiti, uma vez que grande parte da ajuda internacional vai para ONGs e não para os cofres do Tesouro -apenas um terço foi direto para o governo.
            "O Haiti apresenta problemas como a fragilidade institucional e a carência de quadros, mas a responsabilidade é também dos outros países, já que cada um procura contribuir do seu próprio modo", diz o embaixador brasileiro, José Luiz Machado e Costa.
            O Brasil lidera a força militar da ONU no Haiti.

              Marcos Caramuru de Paiva

              FOLHA DE SÃO PAULO

              Consensos, competição, preços na China
              Quem já se engajou numa transação comercial na China viu que preço envolve variáveis imperscrutáveis
              O TEMA foi tratado em editorial do "China Morning News": enquanto o custo das festas de casamento em Hong Kong aumentou 37% em 2012, a contribuição dos convidados permaneceu entre HK$ 500 e 1.000 (cerca de R$ 260) por pessoa. Não é correto, argumentou o jornal.
              Na China, os convidados a um casamento não dão presentes. Oferecem dinheiro, no envelope em que recebem o convite, para ajudar os noivos a custear a celebração. Há uma espécie de consenso quanto ao valor: o que devem dar os amigos mais íntimos, os menos chegados, os que vão à festa sós ou em casal.
              Aparentemente, a "tabela" necessita de reajuste. O "China Morning Post" tomou a si a tarefa de levantar o tema, mesmo com o risco de desagradar aos que têm salários baixos e muitos amigos, para quem HK$ 500 por casamento já é caro.
              A prática da contribuição "tabelada" é uma proteção, própria de uma sociedade em que buscar sobressair-se é mal visto e, ao mesmo tempo, ninguém quer ficar para trás.
              O curioso é observar como ela contrasta com o comportamento no mundo empresarial.
              A concorrência entre empresas chinesas é acirradíssima. O mercado é grande, ninguém pode supri-lo integralmente. E, como há uma tendência natural à cópia, quando um produto gera interesse, o número dos que investem para oferecê-lo multiplica-se com rapidez.
              Isso explica por que diversas cidades são especializadas: óculos em Shenzhen, Wenzhou e Danyang, porcelana em Jingdezhen, enfeites de toda ordem em Yiwu e assim por diante. Ou porque uma cidade como Xangai passa a ter, de uma hora para outra, um número excessivo de lojas de vinho.
              No extremo, avaliam os locais, a empresa destrói os concorrentes e se arrisca a quebrar junto para não perder a venda.
              A cooperação empresarial, por sua vez, é reduzida ou nula. Frequentemente, dentro de uma holding, diferentes unidades produzem o mesmo item e concorrem entre si no mercado interno e nas exportações. É o caso das estatais produtoras de máquinas e bens pesados, como trens e equipamentos para aeroportos.
              Quem já se engajou numa transação comercial na China viu que o preço envolve variáveis imperscrutáveis. Nos mercados tradicionais de rua, onde a barganha funciona, já se sabe de antemão que cada comprador desembolsa um montante diferente pelo mesmo item.
              A prática, no entanto, vai além das feirinhas urbanas. Há diversos mercados atacadistas no país. É comum compradores de fora os frequentarem à cata de alguma barganha para importar. Os atacadistas sabem quem é do ramo e precificam de acordo com o cliente, não com o produto que é vendido.
              Como, em geral, os artigos chineses ainda são relativamente baratos, os importadores saem satisfeitos. Mas quem entende a lógica pode obter melhor resultado.
              Só vai aqui um conselho: caso se torne amigo do vendedor e algum dia seja convidado para o casamento de sua filha, pergunte primeiro qual é a tabela local. Errar no montante que vai no envelope pode destruir a perspectiva de negócios futuros.

              Petistas não são imbatíveis, afirma Marina

              FOLHA DE SÃO PAULO

              DE BRASÍLIAEm meio ao processo de criação de um partido para viabilizar sua candidatura em 2014, a ex-ministra Marina Silva afirma que nem o ex-presidente Lula nem a presidente Dilma Rousseff são "imbatíveis", apesar de seus altos índices de aprovação.
              "Não existem fortes que não se enfraqueçam nem fracos que não se fortaleçam", disse em entrevista à Folha.
              Segundo o último Datafolha, se as eleições presidenciais fossem hoje, Lula ou Dilma seriam eleitos no primeiro turno. As intenções de voto de Marina variam entre 13% e 18%, índice próximo ao alcançado nas eleições presidenciais de 2010, quando ela atingiu 19,3%, ou 19,6 milhões de votos.
              Questionada sobre o lançamento de uma candidatura para disputar a Presidência em 2014, ela diz que a decisão não é dela.
              "Quem tem 18% das intenções de votos com certeza tem uma responsabilidade grande com esse legado. Não fui candidata 'a priori' nesses dois anos e não estou na condição de candidata 'a priori'."
              Sobre o novo partido, que ainda precisa da assinatura de cerca de 500 mil eleitores de nove Estados, ela diz que o processo está "amadurecido", sem dar detalhes.
              Entre as pessoas com quem ela conversa para levar à nova sigla estão o deputado José Antonio Reguffe (PDT-DF), o deputado Walter Feldman (PSDB-SP) e a ex-senadora Heloisa Helena (PSOL-AL).
              LEGADO VERDE
              De olho no capital eleitoral deixado por Marina, integrantes da cúpula do PV pressionam o ex-deputado federal Fernando Gabeira para se lançar como candidato à Presidência em 2014.
              No dia 17, Gabeira será uma das estrelas do programa do PV que vai ao ar em cadeia nacional de rádio e TV.
              Ele nega que seja uma sinalização de que será candidato. "Há entre eles [do PV] essa expectativa, mas é improvável", disse.

                Críticas fazem Lula ir a Dilma discutir gestão do governo

                FOLHA DE SÃO PAULO

                Avaliação do ex-presidente, segundo interlocutores, é a de que sucessora precisa 'destravar' sua administração
                Empresários, políticos e líderes de movimentos sociais procuraram Lula para reclamar do 'estilo Dilma'
                NATUZA NERYDE BRASÍLIAO ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem demonstrado preocupação com o desempenho do governo Dilma Rousseff e seus reflexos sobre o projeto de poder do PT.
                Para discutir a situação, marcou uma reunião com a presidente para a segunda quinzena de janeiro.
                Na avaliação do petista, segundo interlocutores, Dilma precisa "destravar" sua administração, entre outras razões para segurar sua alta popularidade em um ano desafiador como 2013.
                No fim do ano passado, o ex-presidente foi procurado por empresários, banqueiros, políticos e líderes de movimentos sociais.
                Além das queixas já tradicionais sobre o "estilo Dilma", desta vez Lula ouviu e concordou ao menos em parte com reclamações diversas: falta de interlocução, excesso de centralização e, para alguns, o intervencionismo da União na economia, este reforçado no ano passado com medidas no setor elétrico.
                O estilo "centralizador" e "pouco acessível" da presidente é sempre lembrado nos encontros, e até mesmo servidores da Esplanada já fizeram chegar a Lula apreensão com a falta de autonomia.
                Aos conhecidos, o petista tem repetido seu mantra segundo o qual o terceiro ano do mandatário é o mais crucial. No caso de um candidato à reeleição, ainda mais.
                Em novembro, durante encontro no Palácio da Alvorada, Lula já havia falado sobre "soltar o governo", mas de forma muito cuidadosa.
                Com efeito, nesta semana Dilma recebeu vários empresários no Planalto.
                A nova reunião está prevista para a segunda quinzena de janeiro, provavelmente entre os dias 18 e 20.
                Na pauta, um planejamento setorial dos gargalos da economia, incluindo a análise de obras e projetos estratégicos que precisam sair do papel ou ganhar mais ritmo.
                Haverá, ainda, a pré-definição de uma agenda de viagens presidenciais para dar visibilidade às ações do governo.
                A proposta embute a avaliação, também crítica no PT, de que Dilma saiu pouco do Planalto nos dois primeiros anos e de que este é um governo que não se comunica ou define uma marca.
                Enquanto isso, os problemas se avolumam na área econômica e energética, como a dificuldade de cumprir a promessa feita na TV de reduzir a conta de luz com os reservatórios das hidrelétricas em níveis baixos.
                Na política, a avaliação de petistas é a de que é preciso se aproximar mais da base de sustentação no Congresso para tentar evitar uma diáspora de partidos rumo a eventuais adversários do PT em 2014. O governador Eduardo Campos (PSB-PE) tem sido um ímã entre aqueles decepcionados com o estilo Dilma.

                  MENSALÃO
                  Revista cita cruzada anti-corrupção
                  A partir do julgamento do mensalão, o STF indica que não é tolerante com a corrupção das elites políticas, segundo publicação do site da "Foreign Affairs". A revista americana diz que a atitude de leniência com esses atos pode estar mudando e descreve "cruzada" contra a corrupção no país.

                  Rubens Paiva foi assassinado no Exército, diz membro de comissão

                  FOLHA DE SÃO PAULO

                  Para Fonteles, há provas de que deputado foi morto pela ditadura
                  DE BRASÍLIAO coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Claudio Fonteles, divulgará em fevereiro ou março um texto de sua autoria segundo o qual há provas documentais de que o deputado federal Rubens Paiva foi morto por agentes da ditadura militar no interior de um prédio do Exército no Rio.
                  Crítico da ditadura, Paiva desapareceu em janeiro de 1971, aos 41 anos de idade.
                  A versão oficial que o Exército mantém até hoje é que Paiva fugiu das mãos dos militares no Rio. Papéis que têm vindo a público ao longo dos anos e depoimentos testemunhais, contudo, indicam que Paiva foi morto sob tortura nas mãos do Exército.
                  Fonteles afirmou ao programa da jornalista Miriam Leitão, no canal GloboNews, e ao portal "iG" que há documentos no Arquivo Nacional que apontam para o assassinato de Paiva no interior do DOI-Codi, um dos principais centros da repressão militar à esquerda na época da ditadura (1964-1985).
                  O coordenador reconheceu que ainda não há pistas do destino dado ao corpo pelos militares nem os nomes dos autores do crime.
                  Em novembro, a Folha revelou que documentos entregues à Polícia Civil do Rio Grande do Sul pela família do coronel Júlio Miguel Molinas Dias, morto a tiros quando chegava em sua casa em Porto Alegre (RS), ajudariam a confirmar a morte de Paiva nas mãos da ditadura militar.
                  Dias comandou o DOI-Codi do Rio no fim da década de 70 e no início dos anos 80. Um dos documentos confirmou que Paiva chegou a dar entrada no DOI-Codi.

                    ENTREVISTA/MIGUEL SANCHES NETO - Carlos Herculano Lopes

                    Tramas do esquecimento 
                    Fato pouco conhecido dos brasileiros, a invenção da máquina de escrever pelo padre paraibano Francisco João de Azevedo é tema do novo livro do romancista paranaense
                     

                    Carlos Herculano Lopes
                    Estado de Minas: 12/01/2013 
                    Um dos autores mais reconhecidos de sua geração, com vários livros premiados, entre eles Hóspede secreto, Um amor anarquista e Chove na minha infância, o paranaense Miguel Sanches Neto acaba de lançar novo livro, A máquina de madeira, no qual conta, de forma romanceada, baseado em fatos históricos, a vida do padre paraibano Francisco João de Azevedo, que no final da década de 1850, no Recife, inventou “uma máquina taquigráfica”. A criação, que revolucionaria a maneira de lidar com a escrita em todo o mundo, foi reconhecida não só na província de Pernambuco como também na corte, onde a peça foi apresentada – e premiada pelo imperador dom Pedro II – durante a Exposição Nacional de 1861, na qual o padre esteve presente, depois de ter feito uma exaustiva viagem de navio até o Rio de Janeiro. 

                    Até aí tudo bem, só que a descoberta do religioso brasileiro, que deveria ser apresentada no ano seguinte em Londres – para onde acabou não sendo enviada, por falta de apoio das autoridades –, nos tempos seguintes seria patenteada pela Remington, ficando os americanos com a glória da invenção da máquina de escrever. 

                    Professor de literatura na Universidade Estadual de Ponta Grossa, no Oeste do Paraná, Miguel Sanches Neto conta que a maior dificuldade para elaborar o romance foi a pouca informação existente sobre o padre Francisco de Azevedo, que apesar da importância da sua invenção, continua praticamente desconhecido no Brasil. “Se por um lado isso foi um problema, por outro permitiu que eu trabalhasse o livro com mais liberdade e que a imaginação não ficasse sob os fardos da história”, disse o escritor, em entrevista ao Pensar. 


                    É pouco conhecida no Brasil a saga do padre Francisco João de Azevedo, o inventor da máquina de escrever. O que o levou a recuperar a história?
                    O que me seduziu nesse episódio obscuro da história das ideias no Brasil, entre outras coisas, foi a possibilidade de trabalhar com um tipo de comportamento padrão entre nós, com um dos centros da identidade nacional. Somos vistos sempre a partir de nossas riquezas naturais e nunca a partir de nossas melhores mentes. O Brasil não consegue ser uma caixa de ressonância para inventores, cientistas e intelectuais. Nós não nos identificamos com os que pensam, mas com os que cantam, praticam esportes etc. Então, o meu padre Azevedo é personagem símbolo de uma classe desperdiçada pelo país. A sua história ilumina a história nacional.

                    O que fez dele uma pessoa diferente?
                    Órfão, acabou estudando com muito esforço e encontrando no sacerdócio a única forma de ascensão social. Forma-se em Olinda, em cujo seminário havia mais aulas de ciência do que de religião. Tudo o que ele queria era ser inventor, e se tornou uma pessoa proeminente no Recife. Em 1859, uma de suas invenções, uma máquina taquigráfica, venceu a exposição provincial. Ele foi mandado ao Rio de Janeiro, para a Exposição Nacional de 1861, e ganhou a medalha de ouro, concedida pelo próprio imperador Pedro II. Tudo estava pronto para ele ir para a Exposição Universal de Londres, em 1862, mas ele acabou não indo. Estudo ficcionalmente os descaminhos dessa invenção, que acabou patenteada pela Remington. Paralelamente a isso, mostro o amor do padre por uma escrava alforriada, no qual ele encontra o único conforto. Um país de escravocratas não podia mesmo ser contemporâneo da civilização. 

                    Há uma boa literatura sobre o padre?
                    O grande problema que enfrentei foi justamente esse, a escassez de dados sobre o padre. Há duas biografias lacônicas e informações muito contraditórias. Isso foi um problema na hora de me inteirar da vida do meu personagem. Por outro lado, permitiu que o romancista trabalhasse mais livre e que a imaginação não ficasse sob os fardos da história. Tive que fazer um romance lacunar porque pouco ficou da vida de Azevedo. O que era restrição de informações se constituiu em um estilo. O romance é cheio de áreas corroídas, e buracos narrativos, e isso também é uma forma de representar, pela linguagem, a circunstância de esquecimento em que viveu o padre.

                    Essa possibilidade de misturar realidade com ficção acabou lhe dando mais liberdade para criar?

                    Os fatos principais, quase todos eles, são históricos. Funcionam como um esqueleto. Esse esqueleto dá sustentação ao romance, e surgiu da leitura de documentos sobre o personagem. A esses ossos eu acrescentei a carne e sangue da ficção. Uma ficção que fui buscar em crônicas e matérias jornalísticas da época, para dar verossimilhança ao conjunto. A parte ficcional é a vida interior dos personagens – isso não pode ser encontrado em pesquisas documentais, tem que ser invenção do escritor, e nesse instante só podemos contar com nossa intuição. 

                    Depois de muitos anos fazendo resenhas e críticas literárias para jornais e revistas do Paraná e outros estados, há algum tempo você resolveu parar. O que o levou a tomar essa decisão?
                    Muitos fatores, da dificuldade de falar de autores com quem convivo à recepção irritadiça de alguns pseudogênios, do grande número de bons lançamentos à baixa remuneração para a crítica (paga com a mesma tabela da crônica), mas o principal motivo talvez tenha sido a necessidade de mais tempo para escrever meus romances. Acabava lendo coisas que não me interessavam como escritor, e na minha idade, estou com 47 anos, o capital tempo vai ficando escasso. 

                    Daí ter optado por continuar vivendo em Ponta Grossa, para ter mais tempo de se dedicar à escrita?
                    Não foi um projeto esta vida no interior do Paraná. Na minha juventude, sonhei em morar em São Paulo, Rio, Nova York, Madri ou Barcelona. Para mim, só poderia ser escritor nesses espaços altamente culturais. Mas a falta de opção profissional e o fato de não conhecer ninguém (venho de uma família de agricultores pobres, pouco ou nada alfabetizados) me empurraram para onde havia alguma chance de trabalho. Fiz concurso para professor na Universidade Estadual de Ponta Grossa em 1993 e mudei-me para a cidade com o intuito de demorar uns três ou quatro anos. Como fui bem recebido, acabei ficando. E agora é tarde para uma mudança de rota. Quando resolvi problemas básicos, pude habitar literariamente a cidade, encontrando tempo para ler e escrever. Foi a partir de Ponta Grossa, atualmente com 330 mil habitantes, que fiz a minha trajetória de crítico e escritor. Aqui, resolvo a vida de maneira mais fácil e mais rápida, vivendo num isolamento criativo. 

                    Você tem acompanhado a produção literária do país. O que tem achado?
                    É um momento muito rico do mercado editorial brasileiro. Trinta anos atrás, seria impossível alguém jovem pensar em viver de literatura. Como todos da minha geração, fui em busca de empregos que me permitissem escrever – trabalhei como agricultor, técnico agrícola, peão de fazenda, professor de ensino médio e revisor –, mas hoje há espaço para o novo autor, desde que ele escreva romance, que é gênero contemporâneo por excelência. Profissionalizou-se a produção. Não podemos acreditar que a quantidade baixe a qualidade. Ao contrário, ela aumenta a chance dos bons livros e das obras-primas. Há prêmios, bolsas, festas, encontros e encomendas de livros. O Brasil vive uma efervescência literária.

                    Algum novo projeto em andamento? 
                    Em meados de 2012, fui contratado pela Editora Intrínseca para escrever um romance de história alternativa. Tenho que imaginar o que teria acontecido com o Brasil se Getúlio Vargas tivesse apoiado Hitler. Trabalho, no momento, nesse romance, que tenho de entregar até janeiro de 2014. Esse foi o primeiro projeto de literatura nacional da Intrínseca, uma editora de grande sucesso, que só publicava estrangeiros. Mais um sinal de que a literatura brasileira talvez tenha futuro, a despeito da opinião daqueles que acham que ela acabou na década de 1950. 
                    A máquina de madeira
                    • De Miguel Sanches Neto
                    • Editora Companhia das Letras, 246 páginas, R$ 36

                    Violência na América-José Maria Couto Moreira‏

                    Episódios recentes evocam a memória de um país marcado por guerras e atentados e destaca a necessidade de recuperação do espírito conciliatório por parte das lideranças 

                    José Maria Couto Moreira
                    Estado de Minas: 12/01/2013 
                    A expansão do fenômeno da violência na América do Norte tem intrigado e assustado a opinião pública mundial. Constantes fatos de violência brutal têm ocupado as manchetes do mundo civilizado. Mais recentemente, delinquentes americanos, moços, de ordinário, têm consternado a todos ao agirem como livre-atiradores, lançando projéteis assassinos a esmo contra inocentes, sempre por razões triviais ou mesmo incompreendidas, no mais das vezes suicidando-se depois dos atos tresloucados.

                    O registro da violência na América, democrática e rígida na apreciação judicial de condutas infracionais, preocupa os americanos e sociólogos, na medida em que a prevenção e a repressão institucionais não têm obtido resultado.

                    O enunciado de Stokely Carmichael, um imigrante de Trinidad residente nos EUA, ativista da paz, já antecipava a crise de violência naquele país ao dizer, nos anos 1950 (hoje um refrão): “Na América, a violência é tão americana quanto a torta de maçãs”.

                    Parece estar aí a razão, ela é antiga, está enraizada e introduziu-se na cultura americana como algo inadmissível, mas integrante da natureza dos homens. Seu marco histórico pode fixar-se na Guerra da Independência, um longo conflito que se arrastou de 1775 a 1783, mais tarde repetido com as mesmas partes (EUA e Inglaterra), cujo final consolidou a independência norte-americana. Sem mencionar os antecedentes de frequentes hostilidades entre colonos e colonizadores, nestes embates sanguinários (e heroicos), a alma americana abriu em si feridas incicatrizáveis.

                    A escalada da violência reacendeu seu furor com a Guerra da Secessão, que perdurou de 1861 a 1865, causando 1 milhão de mortes, cujo pavio, de origem étnica, era a manutenção da escravidão, que ao Sul muito interessava, em vista de sua economia, com base diversa da do Norte. Este teatro das hostilidades mostrava combatentes precários, com recursos bélicos escassos, má alimentação, vestuário pobre, equipados com armamentos impotentes, homens descalços, sujeitos a doenças, sem assistência. Presos, os nortistas afrodescendentes frequentemente eram torturados ou fuzilados. A par destes enfrentamentos, surgiram sociedades secretas de cidadãos brancos insatisfeitos com a presença do negro em postos do governo, como a dos Cavaleiros da Camélia Branca e a Ku Klux Klan, que ceifaram milhares de vidas pelo ódio à etnia e, ainda, contendem pela supremacia do branco.

                    A par dessas lutas, pontificava Lincoln na Presidência dos Estados Unidos visando a consistência da União e a concorrente abolição da escravatura. Apesar de uma administração resoluta dos mais altos propósitos civis, o presidente foi assassinado por um rebelde confederado, inconformado com a tendência de permitir o sufrágio ao negro.

                    Igual destino trágico tiveram os presidentes James Garfield, seis anos depois; William McKinley, em 1900; e John Kennedy, em 1963. A sina dos Kennedy se cumpriu ainda uma vez, quando o irmão Robert, certamente futuro presidente, cinco anos depois, em campanha, foi fatalmente alvejado por um delinquente de rua.

                    Em 1968, outro covarde atentado feriu de morte o ativista político de prestígio nos Estado Unidos, o pastor Martin Luther King, praticado por um opositor da luta pelos direitos dos trabalhadores.

                    Ronald Reagan, o quadragésimo presidente americano, sem motivo determinado, em 1981 foi também vítima de sério atentado, segundo o noticiário policial, por um desequilibrado.

                    Rebeldia e insurreição Pode-se dizer que em todo o planeta os focos de violência se instalam e trazem prejuízos às sociedades locais. Sim, mas estas insurreições ou rebeldias, ou mesmo a ação de núcleos terroristas, assumem suas posições ideológicas e têm bases sociais, econômicas e políticas, a propósito de reivindicações, por vezes inaceitáveis. 

                    As estatísticas amontoando mortes, destruição e tortura de toda ordem são frequentes por todo o país. Temos assistido a assassinatos em massa em atividades colegiais ou em corporações, sem que para eles se apresentasse uma razão próxima de algo razoável, senão a simples e caprichosa vontade inconsciente. 

                    Três presidentes americanos não preferiram meios conciliatórios ou persuasivos para matarem milhões de americanos e milhões de orientais: Truman despejou a terrível bomba A sobre Hiroshima, numa calma manhã de agosto, reduzindo a cidade a pó e dizimando os 140 mil habitantes, entre crianças, idosos, mulheres, todos civis (embora a rendição estivesse sendo finalizada), e numa segunda e absolutamente desnecessária e criminosa empreitada repetiu o bombardeio em Nagasaki, eliminando 80 mil pessoas, também civis; Lyndon Johnson reacendeu a participação americana na guerra do Vietnã, quando a nação perdeu milhares de seus filhos. 

                    Quanto a Bush, muito ironizado pelo povo, fez estrugir uma guerra despropositada no Iraque, absolutamente dispensável, paga com a morte de milhares de jovens americanos como de inocentes locais, pois, se o desejo do presidente era matar Saddam Hussein, havia outras formas menos cruentas e mais econômicas de o fazer, aliás, como o fez seu sucessor, o paciente Barack Obama, ainda carregando as dores do mundo pelo atentado brutal contra o World Trade Center.

                    Esses episódios repercutiram dolorosamente por todos os povos da Terra e o resgate das feridas e das dores desafia a compreensão humana. Saibam os Estados Unidos que estas tragédias nos chocaram a todos, e pelos inocentes sacrificados,juntamos nossas amarguras e nosso respeito.

                    O mundo faz votos de renascimento na América de um homem como Lincoln, aquele gigante na responsabilidade de dirigir a nação e seu povo.

                    José Maria Couto Moreira é procurador do Estado.