quarta-feira, 1 de outubro de 2014

MARTHA MEDEIROS - Risos e comoção

Zero Hora 01/10/2014

De uns anos pra cá, me envolvi mais com teatro. Alguns livros meus foram adaptados e isso me trouxe novos amigos e uma convivência de bastidor. Foi quando comecei a observar a insistência que muitos têm em classificar as peças como comédia, não importando o teor do texto ou o espírito da montagem. Seja qual for o enredo, a tendência é avisar que o riso estará garantido em alguns momentos. Uma vez, ao dar uma entrevista para divulgar um espetáculo, a atriz ao meu lado suou frio quando revelei que o texto era todo composto de poemas. Pô, eu estava jogando contra ou a favor?

Era de fato um espetáculo de poemas – muito bom, aliás, e também divertido – mas quem confiaria nisso?

Essa obsessão pelo riso é triste. Os profissionais de teatro acabam se rendendo ao comportamento viciado da plateia, que tem a ideia errada de que se divertir é sinônimo de gargalhar. As pessoas não entendem que se emocionar, ser provocado, ser impactado, tudo isso também entra no pacote do entretenimento. Quando alguém vai ao teatro, deveria almejar voltar para casa não apenas com a lembrança de uma boa piada, e sim gratificado por ter tido sua inteligência homenageada e por ter sido tocado pela magia da arte.

Entreter é distrair – não obrigatoriamente divertir. Uma boa peça nos distrai do cotidiano repetitivo, nos distrai de nossas ideias acomodadas, nos eleva a uma dimensão mais rica, nos faz mergulhar num mundo de beleza e perplexidade. Estupor também distrai. Enlevo também distrai. E o riso, claro, também dispara nossa reflexão. Não precisa ser usado apenas como recurso para que a audiência sinta que não desperdiçou seu dinheiro.

Ao ler sobre A Toca do Coelho, excelente peça que esteve em cartaz em Porto Alegre, me surpreendi com as entrevistas dadas antes da estreia: garantia-se que o público iria rir, mesmo a peça tratando sobre um casal que perde um filho de quatro anos – é provável que temessem que ninguém sairia de casa para assistir a um drama. Entendo que elenco e produção, que vivem do teatro e precisam gerar bilheteria, tentem atrair espectadores fazendo o jogo do contente, mas é mau sinal. Deveríamos ter um público adulto capaz de se sentir recompensado pela troca de experiências sensoriais que o teatro oferece, sejam elas quais forem. Essa falta de confiança na nossa maturidade me constrange.

Assisti a A Toca do Coelho. Meia dúzia de gracinhas foram inseridas no texto para aliviar o conflito em cena, que é denso, mas nada convidava a sonoras gargalhadas. Porém, claro que elas estavam lá, as sonoras gargalhadas da plateia, pois se a criatura não ri, como vai dizer que gostou?

Aquilo que não nos faz rir também merece caloroso aplauso. Aceitemos nossa capacidade de gostar daquilo que intimamente nos comove sem que precisemos fazer barulho.

Meme - Eduardo Almeida Reis

O preclaro leitor já notou que todo bandido tem cara de bandido?


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 01/10/2014



Como sabe o leitor e só aprendi agora, na internet o termo meme é usado para descrever uma noção que se espalha rapidamente. É uma alusão ao conceito de memes, que se refere a uma teoria ampla de informações culturais criada em 1976 por Richard Dawkins em seu livro The Selfish Gene.

Agora em agosto tivemos o meme do banho do balde de água com cubos de gelo, relacionado com uma doação de 100 dólares para financiar as pesquisas sobre a esclerose lateral amiotrópica, também chamada doença de Lou Gehrig e doença de Charcot, uma enfermidade neurodegenerativa progressiva caracterizada pela degeneração dos neurônios motores, as células do sistema nervoso central que controlam os movimentos voluntários dos músculos, com a sensibilidade preservada.

Muitas celebridades nos Estados Unidos deixaram-se filmar tomando um banho de água gelada, mas nem todas doaram os 100 dólares. Até o dia 20 de agosto, segundo o New York Times, gastaram água suficiente para 127 mil banhos de chuveiro. Em matéria de campanha foi muito mais simpática do que a da organização Médicos Sem Fronteiras, que divulga filmes sobre quadros terríveis desestruturando os dias dos telespectadores, de mesmo passo em que sugere doação mensal de 30 reais. A doação é justa, mas os filmes são insuportáveis.

Vosso philosopho, que não nada em ouro, gostaria de doar os 100 dólares para as pesquisas sobre a doença de Lou Gehrig, dispensado o banho de água gelada, que não congemina com o nosso inverno e com a crise do abastecimento de água em diversas cidades brasileiras.

Enquanto seu lobo não vem, resolvi o problema dos líquidos comprando seis garrafas de cerveja belga Duvel para entornar pela goela num final de semana. Sem pedras de gelo, mas geladas no refrigerador modelo Eletrolux SD, isto é, salvado do divórcio.

Profissões

O escritor que curte a sua biblioteca e as palavras que usa para trabalhar tem tudo para dar certo. É assim também com o ator que adora o teatro, a plateia, o palco, a coxia. E o chef que ama escolher pessoalmente no mercado os ingredientes que vai usar em sua cozinha: gostar do que faz e da matéria prima usada no trabalho é quase uma garantia de sucesso profissional.

O problema de Roger Abdelmassih, filho de libaneses nascido em São João da Boavista (SP), em 3 de outubro de 1943, foi levar muito a sério o entusiasmo que tinha pela matéria prima indispensável em sua especialidade médica.

As marchas e contramarchas do entusiasmo libidocriminoso do são-joanense têm sido exaustivamente divulgadas pela mídia, sem que alguém me explique o fato de bela moça de 30 anos, Larissa Maria Sacco, procuradora da República supostamente alfabetizada, unir-se ao cavalheiro quase 40 anos mais velho. Ainda que o vil metal possa explicar muitas paixões, uma procuradora da República não depende do Bolsa Família e do Vale Gás para sobreviver.

Bruxaria

A sinonímia de cara, conjunto de traços do rosto humano, feição, semblante – catadura, cenho, face, fachada, feições, figura, fisionomia, fuça, rosto, semblante – nem sempre se aplica aos focinhos que temos visto por aí. O preclaro leitor já notou que todo bandido tem cara de bandido? Pois fique sabendo que, há séculos, os criadores de cavalos árabes evitam usar garanhões de fronte estreita e alongada, como a da lebre, chamados chevaux à nez busqué. Isso porque acham que os tais cavalos transmitem suas taras à descendência.

É também sabido que um edito (decreto, ordem) da Idade Média, citado por Valesio e Loyseau, prescrevia: “No caso de dois indivíduos suspeitos, aplicar a tortura no mais feio”. A mesmíssima tortura que vem sendo usada desde tempos imemoriais até por instituições religiosas supostamente civilizadas, recorrendo aos instrumentos que podem ser vistos em BH no Museu da Inquisição, ali perto da Pampulha.

Na caça às bruxas da Inquisição, deve ter sido muito difícil para os inquisidores a escolha entre duas igualmente feias. Considerando que a tortura é intolerável, inteligentes seriam os inquisidores que jogassem as duas bruxas na lata de lixo da história.

O mundo é uma bola

1º de outubro de 341 a.C., Batalha de Gamela em que Alexandre, o Grande, venceria Dario III. Em 1202, 480 navios partem de Veneza para a Quarta Cruzada. Então como sempre, o pessoal só pensava em guerras. Em 1273, Rodolfo I de Habsburgo é eleito imperador da Alemanha. Naquele tempo as eleições não eram supervisionadas pelo Tribunal Superior Eleitoral e a ficha do eleito, quanto mais suja, melhor. Rodolfo I da Germânia ou Rodolfo IV, conde de Habsburgo, nasceu em Sasbach am Kaisersthul em 1218 e foi a óbito em Speyer no ano de 1291. O resto é uma confusão tremenda, que não aproveita a mim nem ao leitor, motivo pelo qual deixo para lá o primeiro Habsburgo a ocupar um trono real.

Em 1653, o parlamento russo aceita a anexação da Ucrânia, problema que não parece resolvido até hoje. Em 1908, Henry Ford lança o Ford Modelo-T, o primeiro carro popular da história. As consequências podem ser vistas nas ruas de Belo Horizonte, MG. Hoje é o Dia do Vendedor e o Dia do Idoso.

Ruminanças

“O ridículo mais perigoso das pessoas idosas que já foram amáveis é esquecerem que já não o são” (La Rochefoucauld, 1613-1680).

Entre neste JOGO - Carolina Braga

Escritores de vários países são retratados pelo argentino Daniel Mordzinski na exposição Quartos de escrita.... As fotos ficarão expostas durante o Fliaraxá, que começa no dia 9


Carolina Braga
Estado de Minas: 01/10/2014




O peruano   Mario Vargas Llosa (Daniel Mordzinski/divulgação)
O peruano Mario Vargas Llosa


O fotógrafo argentino Daniel Mordzinski, de 54 anos, tem preguiça de falar sobre técnica. Prefere indicar o livro que está lendo a explicar detalhes da câmera que utiliza. A veinte años luz, romance de estreia da conterrânea Elsa Osorio, desperta a atenção dele no momento. Compreensível. Há 36 anos, desde que apontou suas lentes para Jorge Luis Borges num set de filmagens, ele nunca mais parou de retratar escritores. O cinema ficou no passado e a literatura virou alimento.
“Sem a minha paixão pela literatura e pela leitura, tudo teria sido diferente. A intimidade que se cria com o autor é fruto dessa paixão, serve para que o retrato seja uma imagem especial”, explica. Pois Mordzinski nunca se interessou por fotografia, simplesmente. Como ele escreve por meio das imagens, o registro de autores fora de seu hábitat virou linguagem, a ponto de hoje Daniel ser reconhecido como o autor das “fotinskis”.

O trabalho de Mordzinski poderá ser visto na exposição Quartos de escrita – Retratos de escritores em hotéis, uma das atrações do Fliaraxá, que será realizado entre os dias 9 e 12 na cidade mineira de Araxá. Daniel evita a pose tradicional em meio a livros, escrivaninhas e prateleiras. Imagens rápidas, seguras e brincalhonas, as fotinskis são retratos que procuram deixar referências literárias para os livros e buscar o sujeito por trás daquela obra. Isso significa registrar Jorge Amado ao telefone; Gabriel García Márquez sentado em sua própria cama, em Cartagena das Índias (Colômbia); José Saramago na janela; Luis Fernando Verissimo à meia-luz; e Salman Rushdie comendo uvas dentro de uma banheira.

Não se trata de sair bem ou mal na foto, mas de algo novo. “É um ‘re-trato’ entre duas pessoas, que logo vão compartilhá-lo com muita gente. O olhar de quem vê a foto nunca é plano, sempre tem sentimentos, dúvidas, ilusões, curiosidade. É um jogo. Se o escritor entra nele, temos motivos para pensar que poderemos ter uma fotinski”, explica. Para Daniel Mordzinski, a fotografia é uma ferramenta com a qual vai construindo um filme imaginário. “Ao mesmo tempo, é um romance e uma foto”, explica.
Raramente um escritor de projeção internacional escapa às lentes dele. Alguns se tornaram amigos, como o peruano Mario Vargas Llosa, que dedicou uma crônica ao fotógrafo quando cerca de 27 mil negativos de seu acervo foram equivocadamente jogados no lixo por funcionários do diário francês Le Monde, do qual foi colaborador.

O episódio foi parar na Justiça. É algo com o qual o argentino ainda não consegue lidar. “Mais que mero acidente, trata-se de mutilação, da amputação não apenas de uma parte importante da minha vida, de meus sonhos de fotógrafo, mas da memória coletiva de minha geração”, lamenta Daniel Mordzinski. Entre os milhares de negativos descartados durante a mudança de sala havia centenas de fotos inéditas, com registros de Julio Cortázar, Octavio Paz e Adolfo Bioy Casares.

Mordzinski é firme defensor do progresso tecnológico. “Adoro a minha velha Leica, mas creio que o mundo digital melhorou infinitamente a qualidade da nossa vida e de nosso trabalho. Essas vantagens são uma porta aberta para a criatividade. Não quero nem me imaginar voltando a revelar”, brinca. Para ele, a tecnologia deve vir sempre acompanhada de imaginação.
O argentino encara com bom humor a mania da selfie. Ele ainda não pensou em um “selfinski”, embora o considere uma boa ideia. Para o fotógrafo, autorretrato deve sempre ter uma certa graça. “Sem humor, não há vida que valha a pena. De qualquer forma, creio que essa é uma boa moda, pois as pessoas tomam consciência de sua própria situação, compartilham sorrisos, demonstram felicidade e se alegram em estar com os outros. Nestes tempos de crescente individualismo, isso pode ser algo muito positivo”, conclui Daniel Mordzinski.


A PREFERIDA

“É muito difícil escolher uma foto. Toda seleção é parcial e incompleta, mas não quero parecer ganancioso. Digamos que Jorge Luis Borges, claro, foi o Aleph, o início de tudo. Creio que esta foto fala por si mesma: é o mito, a Argentina em preto e branco em plena ditadura, a dignidade entre a escuridão. É também a velha Buenos Aires de San Telmo.” 

EM ARAXÁ

O Fliaraxá – 3º Festival Literário será realizado de 9 a 12 deste mês, em Araxá. O escritor mineiro Luiz Vilela será o homenageado. A mostra Quartos de escrita – Retratos de escritores em hotéis, de Daniel Mordzinski, reúne 70 imagens já expostas na Itália, Espanha, Portugal, Alemanha, Inglaterra, Grécia, França, México, Colômbia e Argentina. Ela ficará em cartaz no Tauá Grande Hotel de Araxá entre os dias 9 e 30 deste mês. Programação completa: www.fliaraxa.com.br.