quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Raça e educação nos EUA


JULIA SWEIG
Há um mito nacional segundo o qual, com Obama na Casa Branca, somos uma sociedade pós-racial

Em 1954 a Suprema Corte dos EUA decretou por unanimidade que a segregação entre alunos brancos e negros nas escolas era inconstitucional. Dez anos depois, a Lei dos Direitos Civis proibiu as principais formas de discriminação racial, de gênero, religiosa ou étnica.
Em 1965, Lyndon Johnson sancionou a Lei de Direitos do Voto, pondo fim a práticas que privavam os afroamericanos do direito de votar. É história recente.
Quando Barack Obama apareceu para o público no Grant Park, em Chicago, na noite em que foi eleito em 2008, as câmeras mostraram os rostos de americanos, não apenas de origem africana, chorando diante da enorme magnitude histórica da conquista dele e dos EUA.
Para a maioria de nós, a eleição comprovou a promessa de Martin Luther King de que "o arco moral do universo é longo, mas se inclina em direção à justiça". O fato de os ancestrais de Michelle Obama, escravos, terem construído a Casa Branca, onde ela e sua família hoje vivem, conta a história toda -quase.
A persistência nos EUA do racismo, virulento e monótono, levou Obama, meio século após as conquistas históricas dos direitos civis, a concluir que ele não pode ser o "presidente negro" da América.
É claro que a identidade de Obama não é só "negra". Sua mãe era branca, seu pai nasceu no Quênia, ele foi criado no Havaí, na Indonésia e por avós brancos do Kansas.
Mas, como relatou o "New York Times" domingo, sua rejeição explícita da política de identidade nasce não apenas de sua própria história pessoal miscigenada.
O cálculo se deve a um desejo de promover a agenda da inclusão social para todos os americanos, incluindo os afroamericanos, mas não se limitando a eles. A escolha de Obama de evitar participar diretamente de um discurso público sobre raça também reflete a ideia de que mostrar é melhor que dizer.
O "NYT" relata que ele e Michelle veem a Presidência como oportunidade de mostrar às crianças negras o que é possível para o futuro delas. Seria difícil discordar.
Mas há uma oportunidade perdida. O NYT também tratou domingo dos efeitos profundamente corrosivos sobre o coração, a alma e a identidade de crianças afroamericanas que estudam em escolas particulares de elite de Manhattan, onde, apesar de estarem mais representadas, há pouco diálogo comunitário sobre raça, classe e privilégios.
Um antigo aluno disse ao jornal que "o nível do silêncio é assombroso". "As pessoas são educadas demais para falar disso", comentou.
A Suprema Corte dos EUA não é tão educada assim e vai em breve julgar uma ação que contesta a ação afirmativa em universidades, uma prática que abriu portas para conquistas de milhões de americanos.
Basta olhar o Tea Party para compreender a cautela do presidente. Mas muito mostrar e pouco falar podem perpetuar um mito nacional segundo o qual, com Obama na Casa Branca, somos uma sociedade pós-racial. Talvez sua reeleição -que não é nenhuma certeza- o faça mudar de ideia, apenas um pouco.
JULIA SWEIG é diretora do Programa América Latina e do Programa Brasil do Council on Foreign Relations

espelhos perversos


O Espelho 
(Atribuído a Edmund Burke,1729 – 1797)
tradução Nelson Ascher

Eu me olho no espelho
e, ali, só consigo
ver outrem que nada
tem a ver comigo.

Pois sou bem mais novo
(Estamos de acordo?)
que o estranho no espelho,
e bem menos gordo.

Ah, cadê os espelhos
bons de outrora, iguaiz-
-inhos aos que eu tinha
trinta anos atrás?

Agora, no entanto,
tudo está mudado
nem há mais espelhos
como os do passado.

Portanto, ao ver rugas,
não ache isso o fim,
pois hoje eu sei de algo
óbvio para mim:

caso nosso aspecto
se mostre imperfeito,
é de fato o espelho
que está com defeito

The Mirror                    
I look in the mirror
And what do I see?
A strange looking person
That cannot be me.

For I am much younger
And not nearly so fat
As that face in the mirror
I am looking at.

Oh, where are the mirrors
That I used to know
Like the ones which were
Made thirty years ago?

Now all things have changed
And I’m sure you’ll agree
Mirrors are not as good
As they used to be.

So never be concerned,
If wrinkles appear
For one thing I’ve learned
Which is very clear,

Should your complexion
Be less than perfection,
It is really the mirror
That needs correction!!



Morador quer saúde melhor, não importa quem gerencie


ANÁLISE
EVANDRO SPINELLI
DE SÃO PAULO

Em julho, o Datafolha perguntou aos paulistanos qual deveria ser a prioridade do próximo prefeito. Saúde foi o item mais citado, com 38%.
Portanto, não surpreende que saúde tenha entrado no debate eleitoral. Surpreendente é o tema protagonizar a campanha só na última semana do segundo turno.
Saúde sempre esteve no topo da preocupação do paulistano. Em 2004, quando Marta Suplicy (PT) tentou a reeleição, e em 2008, quando Gilberto Kassab (PSD) foi reeleito, 16% dos moradores diziam que esse era o maior problema da cidade.
Desde então, mesmo com organizações sociais na gestão de postos de saúde e hospitais, a reclamação com o tema explodiu e saúde lidera com folga o ranking dos problemas, com 29%.
Os números mostram que o paulistano não está preocupado com quem toma conta do hospital. O que ele quer é que funcione bem. E para o morador, como se vê, a área vem mal há tempos.



A SAÚDE NO HORÁRIO ELEITORAL

Serra diz que PT eliminará parcerias; Haddad nega
O QUE DIZ O PSDB
Serra afirma que o PT vai acabar com as parcerias com as OSs (Organizações Sociais) que administram centros de saúde. Como consequência, diz, o atendimento vai piorar
14min35s foram gastos com saúde nos programas do PSDB desta semana
O QUE DIZ O PT
O candidato petista nega que vá tirar as OSs da administração dos centros de saúde e acusa o PSDB de tentar 'privatizar' 25% dos leitos do SUS
3min9s foram gastos com saúde nos programas do PT desta semana

Componente da maconha alivia fobia social


Teste com o canibidiol foi feito por cientistas da USP de Ribeirão Preto em voluntários



DE RIBEIRÃO PRETO


Um componente da Cannabis sativa -a popular maconha- é capaz de reduzir a ansiedade de pessoas que sofrem de um transtorno psiquiátrico conhecido como fobia social, diz um estudo da USP de Ribeirão Preto.
Não significa que o uso da erva sirva de tratamento para esse mal. A pesquisa analisou resultados apenas do composto canabidiol, em doses de 600 mg, pela via oral.
De acordo com o pesquisador Mateus Bergamaschi, que fez o trabalho como tese de doutorado, estudos anteriores já apontavam a redução da ansiedade, mas só em pessoas sem transtornos.
O ineditismo da pesquisa, segundo ele, foi o uso da substância em universitários com a fobia social e que nunca tinham sido tratados.
"Observamos que apenas uma dose, de 600 mg, já foi suficiente para reduzir o medo dessas pessoas", disse.
O estudo envolveu 36 universitários, sendo 24 com o transtorno psiquiátrico. "Vimos que o composto não produziu efeitos colaterais", afirmou Bergamaschi.
Após duas horas da distribuição do canabidiol, as pessoas tinham dois minutos para elaborar um discurso sobre transporte.
A pessoa era informada de que o discurso estava sendo gravado. O voluntário tinha de se apresentar diante de uma câmera enquanto via sua própria imagem.
O próximo passo é avaliar o uso crônico da substância.
(ARARIPE CASTILHO)

Estudo vislumbra 1º planeta 'brasileiro'



Grupo liderado por pesquisador da USP identificou sinais de astro do tamanho de Saturno fora do Sistema Solar
Equipe também achou pistas de astro do porte de Júpiter; objetivo é entender formação de sistemas planetários

SALVADOR NOGUEIRA

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um grande estudo liderado por um pesquisador da Universidade de São Paulo está muito perto de encontrar os primeiros planetas "brasileiros" fora do Sistema Solar.
Jorge Meléndez, do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas), chefia o grupo internacional responsável pelo trabalho, que tem por objetivo decifrar como surgem as diversas arquiteturas possíveis para um sistema planetário.
Para tanto, ele obteve 88 noites de observação no telescópio de 3,6 m do ESO (Observatório Europeu do Sul) em La Silla, Chile.
É lá que está o espectrógrafo Harps, festejado na semana passada pela descoberta de um mundo do tamanho da Terra em Alfa Centauri B. Ele mede variações na luz vinda das estrelas, causadas por um bamboleio sutil que é sintoma da influência gravitacional de planetas por perto.
As 88 noites estão distribuídas ao longo de cinco anos (de 2011 até 2015), mas resultados parciais foram apresentados durante a 37ª Reunião Anual da SAB (Sociedade Astronômica Brasileira).
E já se pode falar algo dos possíveis primeiros planetas descobertos por uma pesquisa nacional, embora não se possa ainda cravar o achado (é costume dos caçadores de planetas só fazer um anúncio quando uma órbita completa é observada).
Por ora, já se viu sinais de um candidato a "Saturno quente" (um planeta do porte de Saturno, mas muito próximo de sua estrela) e de outro similar a Júpiter.
QUÍMICA ESTELAR
O que chamou a atenção do ESO para a aprovação do projeto brasileiro não foi tanto a perspectiva de encontrar planetas, mas a possibilidade de desvendar uma possível relação entre a composição química da estrela e seu sistema de planetas.
Meléndez e seus colegas concentram seus esforços nas chamadas "gêmeas solares", estrelas que têm basicamente os mesmos parâmetros do Sol. No entanto, a metalicidade (teor de metais) desses astros varia levemente.
Os pesquisadores acreditam que exista uma relação entre a presença menor de metais na estrela e a formação de planetas do tipo rochoso, como a Terra, nas regiões mais internas do sistema.
Nesse contexto, o astro mais interessante dentre as 70 gêmeas solares que estão sendo observadas tende a ser uma estrela batizada de HIP 56948. Ela é praticamente idêntica ao Sol, inclusive em metalicidade.
E o que os astrônomos viram nela, até agora, é exatamente nada, o que na verdade é uma grande notícia."Isso significa que, ao menos perto da estrela, o sistema está livre de planetas gigantes. É interessante, porque permitiria a existência de planetas rochosos nessas regiões."
Caso a relação entre a metalicidade e a configuração dos sistemas planetários seja real, será uma revolução na busca por planetas extrassolares, facilitando achar "gêmeas idênticas" da Terra.

As três fatias do bolo eleitoral


ELIO GASPARI

O PT sabe avançar na agenda alheia, mas, desde 2006, a oposição, petrificada, prega para os convertidos


FALTAM POUCOS dias para o desfecho da eleição municipal e são fortes os sinais de que o PT terá o que comemorar. Qual a explicação para o desempenho dos companheiros se a economia vai devagar, quase parando, e a cúpula do partido de 2005 está a caminho do cárcere?
Aqui vai uma tentativa: desde 2002, quando Lula assinou a Carta aos Brasileiros e venceu a eleição incorporando pilares da política econômica de Fernando Henrique Cardoso, o PT move-se livremente sobre o campo adversário (quem quiser, pode dizer que ele vai à direita, mas essa imagem é insuficiente).
Já a oposição, petrificada, não consegue sair do lugar. Em alguns momentos, radicaliza-se, incorporando clarinadas do conservadorismo europeu e americano.
O tema do aborto, do "kit gay" e a mobilização do cardeal de São Paulo ao estilo da Liga Eleitoral Católica dos anos 30, exemplificam essa tendência. (Registre-se aqui a falta que faz Ruth Cardoso. Com ela, não haveria hipótese de isso acontecer.)
Admita-se que o eleitorado se divide em três fatias. Uma detesta o PT e tem horror a Lula. Outra, no meio, pode ir para qualquer lado. O terceiro bloco gosta de Nosso Guia e não se incomoda quando ele pede que vote em seus postes. Se um bloco se move e o outro fica parado, sempre que houver eleição, o PT prevalecerá.
Some-se à paralisia da oposição uma ilusão retórica. Desde 2010 suas campanhas eleitorais estruturam-se como pregações aos convertidos. O sujeito tem horror a Lula, ouve os candidatos que o combatem e fica duas vezes com mais raiva. Tudo bem, mas continua tendo apenas um voto. Já o PT segue uma estratégia oposta. Sabe que os votos de esquerda vêm por gravidade e vai buscar apoios alhures.
A crença de que o julgamento do mensalão seria uma bala de prata para a oposição revelou-se falsa. Já as crendices petistas segundo as quais o Supremo se tornou um tribunal de exceção ou que o impacto de suas sentenças seria irrelevante são um sonho maligno.
As condenações podem ter sido eleitoralmente insuficientes para derrotar os companheiros, mas não foram irrelevantes. O PT deve prestar atenção à voz do Supremo, pois a corte não é uma mesa-redonda de comentaristas esportivos. Ela é o cume de um Poder da República.
Eleição não absolve réu, assim como o Supremo não elege prefeito. Se Lula e o PT acreditarem que o eleitorado respondeu ao Supremo, estarão repetindo o erro dos generais que viam nos resultados dos pleitos da década de 70 uma legitimação indireta do que se fazia, com seu pleno conhecimento, nos DOI-Codi.
O comissariado deveria ter a honestidade de admitir que acreditou na impunidade dos mensaleiros. Resta-lhe agora o vexame de reformar o estatuto do partido, que determina a expulsão dos companheiros condenados em última instância.
A oposição tem dois anos para articular uma agenda que lhe permita avançar sobre a plataforma petista. Ela não precisa se preocupar com a turma que detesta Lula, essa virá por gravidade, assim como os adoradores de Nosso Guia continuarão seguindo-o.
Fazendo cara feia para os programas sociais do governo, para as políticas de ação afirmativa nas universidades e para a expansão do crédito popular, ela organizará magníficos seminários. Eleição? É coisa de pobre.

Professores pregam voto em Haddad em ato na USP


ELEIÇÕES 2012
Marilena Chaui diz que êxito do petista é vitória da 'política contra a religião'

Organizadores dizem que evento não tinha conotação partidária; grupo protesta contra aliança com Maluf
Fabio Braga/Folhapress
Fernando Haddad (PT) deixa região da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, após ato da campanha para a prefeitura
Fernando Haddad (PT) deixa região da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, após ato da campanha para a prefeitura
DE SÃO PAULO

A filósofa e professora da USP Marilena Chaui disse ontem que a vitória de Fernando Haddad (PT) na eleição para prefeito de São Paulo representará a afirmação da "política contra a religião".
Ela participou de ato realizado por um coletivo de estudantes da universidade para "discutir a cidade".
Embora os organizadores afirmem que o evento não tivesse conotação partidária, 10 dos 11 professores que discursaram defenderam voto no petista. O título do ato, "São Paulo quer mudança", é um dos motes da campanha de Haddad.
Após uma introdução em que afirmou que uma das formas de se renegar a política é a crença de que o poder do governante emana de "escolha divina", Chaui defendeu Haddad e atacou o apoio do pastor Silas Malafaia ao candidato do PSDB, José Serra.
"A eleição de Fernando Haddad significa que eu afirmo a política contra a religião e, portanto, contra os Malafaias e outras figuras [...], disse a professora.
Malafaia, líder da Assembleia Vitória em Cristo, vem atacando Haddad pela elaboração de material anti-homofobia em sua gestão no Ministério da Educação. Anteontem, o petista recebeu apoio de pastores evangélicos.
Um grupo de 15 estudantes estendeu cartazes contra a aliança do PT com o ex-prefeito Paulo Maluf (PP) e pregou voto nulo.
Em seu discurso pró-Haddad, a professora Daisy Ventura disse que o sistema eleitoral "leva forçosamente à realização de amplas alianças, e temos que estar nelas para defender o que achamos que deva ser a esquerda".

Na prática, a teoria é outra


VERA MAGALHÃES
A quatro dias da eleição, Haddad deve esclarecer de uma vez qual sua proposta para a gestão da saúde

PARA FUSTIGAR Celso Russomanno no primeiro turno, Fernando Haddad foi cirúrgico: pegou uma proposta do então líder nas pesquisas que não parava em pé -a de que quem andasse mais de ônibus pagaria mais- e a martelou diuturnamente na TV, como forma de mostrar inconsistência do candidato do PRB.
O resultado foi que Russomanno desidratou, ficou fora do segundo turno, e o petista chega à reta final da sucessão como franco favorito.
Haddad se orgulha de ter sido o primeiro a apresentar plano de governo. Mais: evoca a suposta densidade técnica desse programa como lastro de que está apto para governar a maior cidade do país sem nunca ter disputado uma eleição.
Portanto, não há nada de ilegítimo em fazer uma análise aprofundada desse documento, das declarações anteriores e da formação teórica do candidato para cobrar as mesmas inconsistências e incoerências que ele apontou no ex-rival.
E quando se faz isso não há como não ver ambiguidades e contradições na proposta para a administração da saúde. O modelo municipal hoje é um híbrido entre gestão pública (direta ou pela autarquia municipal) e parcerias com as chamadas Organizações Sociais, que já são majoritárias em termos de número de equipamentos e de pessoal.
Quando ainda era pré-candidato a prefeito, Haddad declarou: "Quem tem de administrar os hospitais é o próprio poder público". Seu plano de governo fala em "retomar a direção pública" na saúde.
Cobrado diante de falas e documentos, Haddad recuou. Primeiro falou em fazer concurso público, algo que não combina com o modelo das OSs. Depois, disse que manterá os contratos enquanto vigorarem, sem deixar claro o que faria depois.
Por fim, com cara de ofendido, usou o programa na TV para assegurar que vai manter as parcerias.
Ainda assim, tem dito que os três novos hospitais que promete construir serão geridos pela prefeitura -o que sugere que a defesa do modelo das OSs é só conjuntural.
Tanta confusão sobre o que se quer para a área que é a maior preocupação dos paulistanos não é trivial. A quatro dias da eleição, Haddad deveria ser mais transparente.
COLUNISTAS NAS ELEIÇÕES segunda: André Singer; terça: Nelson de Sá; quarta: Vera Magalhães; quinta: Alexandra Moraes; sexta:Eduardo Graeff; sábado: Leandro Machado/Leandro Narloch; domingo:Mauro Paulino

Helio Schwartsman



Atacadão médico

SÃO PAULO - 
Não há dúvida de que, por vezes, médicos exageram. Dão a seus pacientes drogas que os fazem sentir-se melhor ou obter os resultados desejados no curto prazo, mas sem pesar adequadamente os efeitos de longa duração.
Essas considerações valem mais ou menos para tudo, desde algumas terapias antienvelhecimento que abusam de hormônios e vitaminas até as fórmulas para emagrecer, passando pelo uso liberal de antibióticos. Para combater os excessos, reguladores como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Anvisa apelam a soluções de atacado. O exemplo mais recente é a decisão do CFM de proibir seus associados de receitar hormônios a quem não apresente deficit dessas substâncias.
A medida até faz sentido em termos de saúde pública, mas viola o princípio geral da medicina de que a situação de cada paciente é única e precisa ser analisada individualmente. O que é ruim para a maioria pode ser bom em casos específicos. O médico existe justamente para avaliar circunstâncias especiais. É provável que muitos dos profissionais brasileiros sejam mal formados, o que recomendaria reduzir um pouco sua autonomia para prescrever. Mas, de novo, esse é um cálculo que despreza as singularidades e, por isso, acaba prejudicando os bons médicos e seus pacientes.
Outra dificuldade na regulação do setor é que o CFM é, ao mesmo tempo, uma entidade de classe e uma autarquia com poderes normativos. Os interesses políticos podem contaminar as considerações técnicas. O melhor exemplo é o da homeopatia, que, caso raro no mundo, é reconhecida pelo CFM como especialidade médica, embora seu estatuto científico seja, na mais generosa das hipóteses, controverso. Faria mais sentido dividir o CFM em duas entidades distintas, uma para zelar pelos interesses corporativos dos médicos, que são legítimos, e outra encarregada de fazer as recomendações científicas.
helio@uol.com.br

FERNANDO RODRIGUES




É um processo
BRASÍLIA - 

Há um clima de "o Brasil mudou" no ar. Tem sido comum ouvir e ler que foi "histórica" a decisão do Supremo Tribunal Federal de condenar réus do mensalão.
São inegáveis os avanços institucionais nos últimos anos. O STF trilha o mesmo caminho. Mas, como sou treinado para ser cético, tendo a achar exagerada a euforia geral sobre o julgamento do mensalão. Vejo tudo como parte de um processo civilizatório lento e irregular, embora com saldo positivo.
O mensalão e crimes correlatos têm como gênese duas razões principais. Primeiro, a certeza quase certa (que existia) de impunidade. Segundo, e mais importante, o caldo de cultura em vigor dentro do Congresso e dos meios políticos para que muita gente corrompa e seja corrompida.
Absolutamente nada foi feito para atacar a segunda razão do surgimento do mensalão. Ao contrário. A miríade de partidos políticos só faz aumentar. Basta lembrar que no início do governo Lula, em 2003, existiam apenas 25 das atuais 30 legendas. Muitas dessas agremiações vivem penduradas nas tetas do dinheiro público. Não têm votos, só que aparecem na TV e no rádio (tudo pago com verbas estatais) e ganham um naco generoso do Fundo Partidário.
Na área dos costumes políticos há poucas boas notícias. Na semana passada, enquanto o STF castigava os mensaleiros, a Câmara oficializava a "semana de deputado": agora o trabalho é obrigatório só às terças, quartas e quintas. Nos outros dias, as Excelências folgam e recebem do mesmo jeito. De quebra, engavetaram a proposta que eliminaria o 14º e o 15º salários para os congressistas.
É bom que o STF esteja condenando mensaleiros. Mas o Brasil continua basicamente igual. É tudo parte de um processo que levará décadas para amadurecer. Vai depender muito de como votarão os eleitores. Aliás, os brasileiros nas urnas têm dado um recado ambíguo: a maioria não está nem aí para o mensalão.
fernando.rodrigues@grupofolha.com.br

Ruy Castro



Mais clipes

RIO DE JANEIRO - 

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) vai investigar as contas de 17 partidos políticos brasileiros. Nas últimas prestações, eles não têm explicado muito bem o que fazem com o dinheiro que lhes é destinado por um Fundo Partidário -provido pelo Tesouro Federal-, para pagar seus funcionários, arcar com o aluguel de suas sedes e certificar-se de que não lhes faltem clipes, cola Pritt e envelopes pardos. Suspeita-se do gasto de milhões com atividades extrapartidárias, justificadas com notas frias.
Que os partidos errem nas contas e tentem remendá-las de forma duvidosa, não é surpresa. Afinal, são comandados por políticos, não por técnicos em contabilidade, e talvez isso também aconteça em outros países com vida partidária ativa. O espantoso é o grau de atividade da nossa vida partidária -quantos outros países terão tantas agremiações registradas e funcionando?
Se fossem só 17 partidos, já seria um exagero de siglas à disposição do eleitor. Mas se quiser se abanar com todo o leque partidário, o brasileiro terá 30 partidos entre os quais escolher. Alguns vindos de longe, como o velho PCB (Partido Comunista Brasileiro), de 1922; outros, ainda nas fraldas, como o PEN (Partido Ecológico Nacional), de 2012, e o PPL (Partido Pátria Livre), de 2011.
Trinta partidos significarão 30 orientações ideológicas tão diferentes que exijam legendas isoladas, incapazes de se compor? Difícil. Veja o PT. Quando foi fundado, em 1982, acomodava dezenas de linhas de esquerda, todas se odiando entre si -e elas aprenderam a conviver sob uma bandeira. Aliás, fizeram isso tão bem que aprenderam a conviver até com Collor, Sarney e Maluf.
Uma vantagem de muitos desses 30 partidos se fundirem seria a de que o bolo destinado a cada um pelo Tesouro ficaria maior. E, com isso, mais clipes.

PAINEL




VERA MAGALHÃES - painel@uol.com.br

Redução de danos
Escalada pelo PT para se contrapor ao veredicto do Supremo Tribunal Federal no mensalão, a CUT abona filiações em massa ao partido na empreitada de "afirmação" petista pós-julgamento. Em atos marcados por manifestações de desagravo aos dirigentes petistas condenados, a central sindical ajuda a vitaminar a sigla nas capitais. O principal deles ocorrerá segunda-feira, no Sindicato dos Bancários do Rio, com a presença do presidente Rui Falcão. Estão previstas 500 adesões.

Tô fora Dilma Rousseff quer distância de manifestações de apoio aos condenados pelo mensalão após o fim do julgamento. Interlocutores de réus afirmam que o PT também deverá ser comedido na organização de atos.
Lá e cá O foco prioritário da legenda, afirmam petistas, será pressionar para que o STF julgue logo o mensalão tucano de Minas Gerais.
Vai que... A AGU (Advocacia Geral da União) entende que não é sua atribuição ajuizar ação de reparação de danos contra o governo federal para reaver o dinheiro público que, como concluiu o Supremo, foi desviado.
... é sua O advogado-geral, Luís Inácio Adams, tem dito que a restituição tem de ser determinada pelo STF na própria ação penal 470 ou pedida pelo Ministério Público em ação de improbidade administrativa que corre em primeira instância. Para evitar impasse, a Procuradoria-Geral da República já pediu o cálculo da indenização total devida pelos condenados.
Coração... Um dos beneficiados pelo empate no STF, o ex-líder do PT na época do mensalão Paulo Rocha comemorou ontem sua absolvição, mas lamentou a punição de "uma geração de petistas".
... partido "É um sentimento ambíguo. Estou feliz pela conquista, mas arrasado pela condenação de José Dirceu e José Genoino'', disse ao seu advogado João Gomes.
Por escrito Diante da possibilidade de que a discussão sobre a dosimetria das penas se estenda até depois de 14 de novembro, última sessão de Ayres Britto na corte, o presidente decidiu que fará como Cezar Peluso e deixará consignadas as penas para 25 condenados.
Chamada oral O PSDB lançou ofensiva sobre eleitores que se abstiveram no primeiro turno. Mapa traçado no QG de José Serra apontou alta taxa de ausência em áreas de predominância tucana no centro da capital. Tucanos orientaram visitadores e operadores de telemarketing a persuadir este público.
Retiro Articulada por Gabriel Chalita, a reunião de Haddad com as irmãs marcelinas, que mantêm parcerias no regime de OSs na saúde da gestão Gilberto Kassab, fracassou. A irmandade preferiu manter distância de temas da campanha eleitoral.
Caso de... Crítico da operação na cracolândia, Haddad incluiu a política de combate ao crack no capítulo de segurança do seu plano de governo. Remete ao projeto federal "Crack, é possível vencer". A proposta fala três vezes em adotar "policiamento ostensivo" em áreas de uso intensivo da droga.
...polícia? O texto prevê bases da PM nos polos de distribuição de entorpecente, medida similar à adotada no centro e criticada pelo PT e pela Secretaria Nacional dos Direitos Humanos.
Rito sumário Com a adesão à campanha de Haddad, o ex-candidato a vereador Luciano Gama se antecipou ao processo de expulsão que o PSDB abriria contra ele. Aliado do secretário José Aníbal (Energia), Gama seria punido por recusar menção a Serra em sua propaganda.

TIROTEIO
"Se a decisão da comissão não agrada, é só substituir seus integrantes e está resolvida a questão. Essa é a ética petista."

CONTRAPONTO
Prevenção é tudo
Durante sabatina da ONG Nossa São Paulo, anteontem, José Serra falava sobre os exames de diagnóstico mais utilizados na rede pública. Listou tomografias e radiografias. O tucano disse que faltava um na lista:
-Não estou me lembrando do nome. É um que eu gosto de fazer sempre...
Antes que alguém fizesse piada, emendou:
-Não é de próstata, viu? Aliás, seria bom se existisse um aparelho para substituir o exame.
Na plateia, um assessor assoprou:
-É isso! Ressonância magnética. Para que fique claro.

Outro Canal


TELEVISÃO - OUTRO CANAL

KEILA JIMENEZ
keila.jimenez@grupofolha.com.br /folha.com/outrocanal

Endemol acusa Record de plagiar "Big Brother"

A nova "Fazenda de Verão" (Record), que tem estreia prevista para o dia 31/10, vai parar na Justiça.
A Record recebeu uma notificação da produtora internacional Endemol, dona do formato "Big Brother", que diz que a nova atração, por se tratar de um confinamento de pessoas anônimas, é um plágio do "BB", o que deve gerar um processo na Justiça.
Na notificação, a Endemol solicita que a emissora não coloque "A Fazenda de Verão" no ar.
A Record foi surpreendida pelo documento. A emissora diz que seguirá com os seus planos com relação ao novo programa, que será comandado por Rodrigo Faro.
A rede também diz não ver semelhanças entre os dois formatos. Segundo a Record, "A Fazenda de Verão" é uma versão nacional de "The Farm" (Sony), que possui edições com pessoas anônimas.
A emissora afirma que a atração se passa em uma fazenda com animais, horta e regras muitos diferentes das do "Big Brother".
Na Record, a iniciativa foi vista com um ato orquestrado pela Globo. Apesar de não assinar a notificação, a emissora é parceira da Endemol no país e responsável pelo "Big Brother Brasil".
Procurada, a Globo diz não ter nada a ver com a notificação. A Endemol não comentou o assunto.
TENSÃO
Divulgação
Cena do primeiro capítulo de "Subúrbia", em que Cássio (Alex Teix), namorado da patroa de Conceição (Erika Januza), tenta abusar dela; no ar dia 1º, na Globo
Graça Diogo Portugal, ex-Globo, foi contratado como humorista e roteirista do novo "talk show" de Luciana Gimenez na RedeTV!, o "Luciana By Night", que estreia em novembro.
Impasse Ainda na RedeTV!, a direção artística quer renovar o contrato de Rafinha Bastos, mas o departamento comercial não. Há um diagnóstico de rejeição de anunciantes com relação ao humorista. A emissora quer manter o "Saturday Night Live" no ar em 2013.
O NÚMERO É...
A ressaca de "Avenida Brasil" rendeu anteontem à Globo média diária de 14 pontos. A média da rede nas segundas-feiras em outubro estava em 16 pontos. Cada ponto equivale a 60 mil domicílios na Grande SP.
Disputa "Rei Davi", que voltou em reprise anteontem na Record, registrou média de seis pontos de audiência. "Rebelde" vinha marcando três pontos na faixa horária.
Disputa 2 Em janeiro, em sua primeira exibição, "Rei Davi" marcou 12 pontos em sua estreia. O primeiro capítulo de "Salve Jorge" (Globo) registrou média de 35,1 pontos.
Rixa A Record pretende notificar o Ibope por conta de uma infração cometida pela Globo na noite de sexta-feira (19). A emissora divulgou no "Jornal da Globo" a prévia de audiência do capítulo final de "Avenida Brasil".
Rixa 2 Por contrato, os clientes do Ibope não podem divulgar audiência de programas no ar, muito menos números prévios.

Roberto Saviano fala sobre seu novo livro


Cosa nostra

Autor de "Gomorra", Roberto Saviano lança livro inspirado em programa de TV e comenta as ligações entre a máfia italiana e o Brasil

Zennaro Luca - 22.jan.11/Efe
Roberto Saviano na Universidade de Gênova (Itália)
Roberto Saviano na Universidade de Gênova (Itália)

MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO

Desde 2006, pelo menos 14 policiais com dois carros blindados à disposição se alternam 24 horas por dia na escolta do escritor e jornalista italiano Roberto Saviano, 33.
Jurado de morte pela máfia, Saviano dorme em hotéis e apartamentos alugados, nunca por mais de um mês. "Não consigo imaginar meu futuro. Gostaria de ter uma vida normal, com um pouco de liberdade", afirma o autor, que não é casado nem tem filhos.
Ele se diz "às vezes" arrependido de ter escrito "Gomorra", o livro-reportagem sobre a extensão do poder das organizações criminosas que o tornou internacionalmente conhecido em 2006.
Agora, a Companhia das Letras está lançando seu mais recente livro, "A Máquina da Lama". A obra é inspirada em um programa que foi apresentado pelo próprio Saviano na TV estatal italiana, em 2010, e que chegou a uma audiência de 10 milhões de pessoas, tendo até mesmo desbancado uma partida entre Inter de Milão e Barcelona.
"Vieni Via con Me" (vem embora comigo), título do programa, escancarou as mazelas do país. Dos empreendimentos imobiliários da máfia calabresa em Milão aos lucros da Camorra e o interesse na manutenção da crise do lixo em Napóles (que já dura duas décadas).
Um programa de TV com essas características não poderia passar incólume pelas pressões políticas, que foram encabeçadas por Silvio Berlusconi, então premiê da Itália, e logo se transformariam em censura, até que saísse do ar, mas não sem deixar um rastro de polêmicas.
Saviano se transformou em um ícone da luta contra as organizações criminosas, assinando periodicamente artigos em publicações como "The New York Times", o espanhol "El País", e o italiano "La Repubblica".
O tom de denúncia e indignação que sempre predominou em seu discurso continua, mas agora acompanhado de uma certa melancolia, como se pode observar na entrevista a seguir, concedida à Folha por e-mail.
Folha - Qual é sua impressão sobre o Brasil?
Roberto Saviano - O Brasil está vivendo um momento incrível. De ex-colônia passou a esperança para colonizadores e colonizados. A Itália de hoje sonha com o que está ocorrendo no Brasil, isto é, brasileiros que emigraram voltando a sua terra para nela investir porque acreditam no curso das reformas.
Que laços há entre a máfia e facções criminosas no Brasil?
O Brasil, como a Itália, paga um preço altíssimo ao narcotráfico. Os grandes carregamentos de cocaína (produzida na maior parte na Colômbia) passam pelo Brasil e isso equivale a dizer que a bolsa da droga está em suas mãos. É no Brasil que se decide o preço do pó.
A mercadoria sai em navios para a África Ocidental, chegando à Espanha ou a Portugal. Ou vai diretamente para a Itália -e isso é prova evidente dos laços entre as organizações brasileiras e a máfia calabresa.
Como e por que o sr. se interessou pelo tema da máfia?
Viver em uma terra onde a criminalidade pode tudo impõe uma tomada de consciência. Nascer no sul da Itália significa se perguntar constantemente que lado assumir, como reagir, o que fazer. Não dá para ficar indiferente. No sul, todos, diariamente, tomam um partido.
É possível estabelecer um vínculo entre a crise financeira global e o crime organizado?
As organizações criminosas têm em mãos uma liquidez enorme proveniente do narcotráfico e, num momento em que isso é exatamente o que falta, fica fácil de entender qual é o vulto de seu poder de aquisição.
Se as organizações não são diretamente responsáveis pela crise econômica, é certo que agora elas estão entre os principais atores e, quando houvermos saído da crise, as economias nacionais de muitos países, entre os quais a Grécia e a Itália, serão economias totalmente infiltradas por capital criminoso.
A máfia seria um subproduto da cultura italiana?
A cultura mafiosa compõe somente uma parte da tradição italiana. E tudo isso, soa estranho dizer, se liga estreitamente ao turbocapitalismo.
Então há, de um lado, o culto à virgindade, à propriedade, à terra e a regras quase medievais; e, de outro, investimentos financeiros e vanguarda econômica. A união desses dois ingredientes é que faz o DNA extremamente forte e dominante das máfias.
O sr. acha que a máfia pode ser vencida?
O juiz Giovanni Falcone, morto em um atentado mafioso na Sicília, em 1992, dizia: "A máfia é um fenômeno humano e, como todos os fenômenos humanos, tem um princípio, uma evolução própria e terá, portanto, um fim".
Eu espero com todas as minhas forças que sim; mas, sem uma mudança radical na nossa ordem econômica, não será possível.
O que o sr. acha da profissão de repórter, diante das novas tecnologias?
A internet e as agências de notícias facilitaram muito o trabalho tradicional do repórter, modificaram-no de forma profunda, não necessariamente para o mal, como alguns sustentam.
O jornalista tem agora uma tarefa mais árdua, mas mais estimulante: reunir as peças de quebra-cabeças que estão espalhadas à vista de todos.
Tudo está à mão, mas nem tudo é inteligível. É isso: o repórter agora não é instado a encontrar a informação em primeira mão, mas também (e sobretudo) a reelaborá-la, a explicá-la.
Como é seu cotidiano?
Vivo uma vida totalmente anômala. Alterno períodos de completa solidão e isolamento a outros de máxima visibilidade, quando estou na TV ou participo de eventos públicos. Isso faz a minha vida ser completamente esquizofrênica.
O sr. se arrepende? Faria algo diferente?
Eu me arrependi mil vezes de ter escrito "Gomorra" e não outro livro, que poderia ter me dado uma vida de escritor, e não de perseguido. Odiei o livro por muito tempo. Sabia que devia muito a ele, talvez até demais, mas às vezes eu gostaria de poder voltar atrás e nunca tê-lo escrito.
O sr. se sente melancólico, claustrofóbico? O que lhe faz mais falta?
Eu me sinto assim o tempo todo. Sinto falta do meu passado, da liberdade que perdi. Às vezes queria voltar ao verão de 2006, ano em que saiu "Gomorra". Lancei o livro Itália afora, com uma mochila nas costas, passando noites em trens.
As pessoas me esperavam para falar do meu livro, do estilo, do texto, queriam saber como eu tinha reunido tantas informações. Foi a melhor época da minha vida.
Era um sonho que estava se tornando realidade: depois de tanto trabalho, o mundo cultural italiano se dava conta desse rapaz que à época tinha 26 anos e tinha tanta vontade de escrever, de dividir ideias e experiências. Se tivesse como, pararia o tempo ali.
A MÁQUINA DA LAMA
AUTOR Roberto Saviano
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Joana Angélica d'Avila Melo
QUANTO R$ 29,50 (160 págs.)
Leia íntegra da entrevista
folha.com/no1173715


FRASES
"O Brasil, como a Itália, paga um preço altíssimo ao narcotráfico. Os carregamentos de cocaína passam pelo Brasil e isso equivale a dizer que a bolsa da droga está em suas mãos. É no Brasil que se decide o preço do pó"
"Quando houvermos saído da crise, as economias nacionais de muitos países serão totalmente infiltradas por capital criminoso"
"Eu me arrependi mil vezes de ter escrito "Gomorra" e não outro livro, que poderia ter me dado uma vida de escritor, e não de perseguido"


RAIO-X - ROBERTO SAVIANO
VIDA
Nasceu em Nápoles (Itália), em 1979. Desde 2006 vive escondido e sob escolta.
CARREIRA
"Gomorra", seu principal livro, já vendeu mais de 10 milhões de exemplares e inspirou um filme homônimo premiado em Cannes. Saviano escreve para publicações como "La Repubblica", "El País" e "The New York Times", entre outras.

Marcelo Coelho



Dúvidas na Dinamarca

A inação e as famosas dúvidas do protagonista se despem, nessa montagem, de adereços existenciais

Uma peça que termina com a morte de seus principais personagens, sem contar a ocorrência de um suicídio e dois assassinatos no meio da história, certamente parece pouco indicada para o público infantil.
Mas "O Príncipe da Dinamarca", em cartaz no teatro Eva Herz, consegue total adesão das crianças, adaptando a trama de "Hamlet" à linguagem circense.
Ofélia fica sabendo que seu pai, Polônio, foi apunhalado pelo príncipe. Sofre, ademais, com a indiferença e a loucura do seu noivo.
É então que saem de seus olhos lágrimas de esguicho, molhando anarquicamente quem se senta nas primeiras filas da plateia. A palhaçada é regida pelos dois coveiros, que aparecem bem no início da peça para contar a história.
Evitam-se, assim, choques emocionais: todas as mortes já foram anunciadas, e não há ator que não seja um "clown", mal ajambrado numa fantasia de esqueleto feita para não assustar ninguém.
Hamlet, remoendo a morte de seu pai, ganha uma cabeleira de "emo", tornando-se objeto da gozação geral. Quanto ao rei Cláudio, que usurpou o trono, não há dúvidas quanto à sua vilania, e cada mentira que ele conta é denunciada pelos seus próprios gestos de fantoche.
Com bastante sabedoria psicológica, o texto de Ângelo Brandini (que também dirige o espetáculo) elimina da história a rainha Gertrudes.
Qualquer suspeita de relação edipiana entre Hamlet e sua mãe seria, com efeito, mais imprópria para as crianças do que os muitos assassinatos de brincadeira ocorridos no palco.
Imagino que a morte, propriamente dita, não seja o que mais assuste quando se tem seis ou sete anos. Lembro-me de ter muito medo de que meus pais morressem; só que esse tipo de medo não tinha relação muito clara com o que me assustava de verdade.
Eu me debatia com outra ordem de coisas: o sinistro, o monstruoso, o sobrenatural. A morte, entendida como ocorrência física, poderia não ser mais do que a queda cômica de um precipício, o tiro de festim, a bomba que cobre de fuligem o rosto do coiote.
O medo provém menos dos fatos que das ameaças, das suspeitas.
Este, com efeito, é o âmbito em que transcorre o verdadeiro "Hamlet", a peça original para adultos, de que há também uma boa montagem estreando em São Paulo, com Thiago Lacerda no papel principal.
Escrevo "verdadeiro Hamlet", mas não está certo. Mesmo uma montagem bem traduzida e fiel, como é o caso do espetáculo no Tuca, será sempre uma adaptação a esta altura do campeonato.
Os toques de "atualidade" na direção de Ron Daniels parecem forçados em alguns momentos. Para lembrar os prisioneiros de Guantánamo ou Abu Ghraib, o príncipe é submetido à tortura do afogamento até que revele o paradeiro do corpo de Polônio.
Mas se, nessa cena, o rei Cláudio se identifica com os interrogadores americanos, por que razão Fortimbrás, afinal o salvador da Dinamarca, aparece também como se fosse o chefe de uma tropa de intervenção americana, à frente do que parece ser um tanque de guerra?
E por que razão as cadeiras da corte de Elsinore parecem importadas de uma lanchonete dos tempos de Elvis Presley? Quanto ao fantasma do velho rei (a que Antonio Petrin empresta a melhor dicção do elenco), seu terno de linho branco o identifica mais a um bicheiro umbandista ou dono de "plantation" do que a um monarca assassinado.
Detalhes "contemporâneos" meio deslocados, numa encenação que apesar disso acerta ao destacar um ponto atualíssimo na trama.
É a questão da "verdade". A própria palavra, como sublinha o programa da peça, ganhou relevo na elocução dos atores.
Não é apenas Hamlet quem precisa confirmar, com novos estratagemas, a denúncia que ouviu dos lábios do fantasma. Também Cláudio e Polônio querem saber se é verdadeira ou fingida a loucura do príncipe. Rosencrantz e Guildenstern manipulam mal o jogo das versões.
A inação e as famosas dúvidas do protagonista se despem, nessa montagem, de adereços existenciais. Como agir, quando faltam peças no quebra-cabeça? Temos assim tanta certeza sobre o "conjunto probatório" em pauta, para falar como os juízes do mensalão?
O que aconteceu de fato em Guantánamo? O que aconteceu de fato em Wall Street? Os jovens se reúnem em protesto pelo mundo, que está visivelmente "fora dos eixos", como dizia Hamlet -mas suas certezas vacilam bastante.

Manoel de Oliveira dá sentido à crise - 36ª MOSTRA DE SP





CRÍTICA/DRAMA


Manoel de Oliveira dá sentido à crise

"O Gebo e a Sombra", nova produção do diretor português, discute pobreza e honra na Europa


INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O assunto de Manoel de Oliveira em "O Gebo e a Sombra", sem ambiguidades, é a pobreza. Não estamos no agora da crise europeia, mas provavelmente na virada do século 19 para o 20.
Gebo (Michael Lonsdale) é o pobre guarda-livros que luta para esconder da mulher, Doroteia (Claudia Cardinale), a verdadeira natureza e as atividades do filho (Ricardo Trêpa), que ela não vê há muito. Gebo representa a resignação diante do mundo, é fato. Exatamente aquilo que o filho João rejeita.
Antes de prosseguir na descrição da ação do filme é preciso deter-se um pouco em sua forma. Oliveira trabalha como que num teatro, usando como cenário praticamente único a sala da casa de Gebo.
Ali, Gebo conversa ora com a nora Sofia (Leonor Amarante), ora com Doroteia ou algum outro conviva.
Doroteia é uma mulher queixosa. Quer sempre saber do filho. Gebo desconversa.
A mãe não deve saber que o filho é um ladrão ("isso a mataria"). Esse cenário único, essa imobilidade (determinada seja pelo trabalho, seja pelo frio) podem dar ao espectador desatento a falsa impressão de um filme desprovido de ação.
Nada mais inexato. Se a teatralidade é evidente, a ação é febril. Mais febril se torna depois que João aparece (entra como um fantasma) e fica então claríssimo que é alguém que não aceita a sua condição,a pobreza. Prefere roubar. Enquanto isso, Gebo ocupará sempre mais o lugar do pobre. Para ele existem a decência, o sacrifício, a renúncia.
Em suma, na hora do aperto ao pobre resta a honra. Ou, mais precisamente: a fome e a honra. Não parece que essa formulação, tomada no coração da crise que toma a Europa, seja casual. O sentido de oportunidade de Oliveira faz parte de mais este filme precioso do autor português.
O GEBO E A SOMBRA
QUANDO hoje, às 21h30, no Cine Sesc; dia 29/10, às 17h, na Cinemateca; 30/10, às 22h40, no Cine Livraria Cultura; 31/10, às 19h, no Espaço Itaú Frei Caneca
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO ótimo

MÔNICA BERGAMO



monica.bergamo@grupofolha.com.br

NÃO É BOLINHO, NÃO
Terry Richardson
Gisele Bündchen, 32, grávida de sete meses, é capa da edição de um ano da revista "Harper's Bazaar", que chega às bancas na sexta.
A modelo brasileira estrelou também o primeiro número da publicação nacional. Ela foi fotografada em Nova York por Terry Richardson.
PRATO QUENTE
A presidente Dilma Rousseff já avisou a interessados: se acharam que ela foi rápida ao indicar Teori Zavascki para ser ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), na próxima oportunidade ela será "fulminante". Não quer demorar mais do que três dias para revelar o nome do escolhido.
DECISÃO SOLITÁRIA
Dilma escolherá o substituto do ministro Carlos Ayres Britto, que se aposenta em novembro. E quer evitar os intensos lobbies que se formam em torno das indicações do Supremo.
Se puder, não consultará nem mesmo Lula.
O ÚLTIMO
A última nomeação em que Dilma se viu pressionada para o STF foi a do ministro Luiz Fux. As recomendações partiram de Antonio Palocci, Delfim Netto, João Pedro Stédile, do MST, e até de Roger Agnelli, ex-presidente da Vale. Sem contar o apoio de réus do mensalão, que viam nele um possível voto pela absolvição. Fux acabou condenando quase todos.
EM TEMPO
O próximo ministro do STF será o relator do mensalão do PSDB, conhecido também como "mensalão mineiro".
AMIGOS PARA SEMPRE
Paulo Maluf (PP-SP) se diverte com eleitores do PT que encontra nas ruas. Na semana passada, o advogado Pierpaolo Bottini comprava jornais numa banca nos Jardins. Em seu carro, estampava um adesivo de Fernando Haddad (PT-SP). Maluf, num Porsche, parou ao lado e buzinou. Fez sinal de positivo e gritou: "Estamos juntoooos!" Deu uma gargalhada, acelerou e foi embora.
AMIGOS PARA SEMPRE 2
Em 2002, quando Lula foi eleito presidente, o até então adversário José Sarney (PMDB-AP), que apoiava o petista pela primeira vez, também se divertiu. Ao passar em frente ao Palácio do Planalto, no dia da eleição, atendeu a telefonema da coluna e relatou: "Estou aqui no meio de um mar de bandeiras vermelhas do PT, minha filha. O povo vê e grita: 'Sarney! Sarney! Sarney!'".
AGORA SOU NEUTRO
O apóstolo Valdemiro Santiago, líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, recebeu o deputado federal José de Filippi Jr. e o vereador José Américo, do PT, em sua casa, em Alphaville. Disse que ficará neutro na eleição.
Em agosto, José Serra (PSDB) recebeu uma bênção do apóstolo, em cerimônia com o prefeito Gilberto Kassab.
NINA E TUFÃO EM SP
O ator Murilo Benício esteve no apartamento de Debora Falabella, em Higienópolis, na noite de anteontem.
CABELO LOCAL
Hadiiya Barbel, americana que faz perucas de milhares de dólares para Beyoncé, Rihanna e Cher, vai lançar uma inspirada em visita recente ao Brasil. "É um modelo crespo, bem cheio de cabelo. Vai se chamar Baiana."
DENTES À MOSTRA
A Turma do Bem, do dentista Fábio Bibancos, promoveu anteontem o prêmio Melhor Dentista do Mundo. A cerimônia, no teatro Abril, teve show da cantora portuguesa Mariza e presença da apresentadora Eliana e dos atores Tarcísio Filho, Ricardo Pereira e Nívea Stelmann.
TERRA EM TRANSE
As modelos Talytha Pugliesi e Ana Beatriz Barros foram ao festival Planeta Terra no fim de semana. Bandas como Gossip e Suede tocaram no Jockey Clube de SP para um público que incluía as atrizes Nathália Rodrigues e Alinne Moraes.
CURTO-CIRCUITO
O ministro Justice Salim Joubran, do Supremo Tribunal de Israel, debate o papel da corte nos direitos humanos. Hoje, na Zumbi dos Palmares, às 15h30.
A Bo.Bô lança nova linha, na Vila Nova Conceição.
A Film Cup 2012 começa hoje, no Itaú Cultural, com delegação de 46 alemães.
com ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER, CHICO FELITTI e LÍGIA MESQUITA

JOSÉ SIMÃO



Ueba! Filha da Gretchen é espada!

O Zé Dirceu foi condenado por formação de quadrilha. E o Sarney por formação de família. Rarará!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
E o chargista Jacobsen diz que o Fidel não morreu porque não conseguiu visto de saída! Rarará!
E a manchete do Sensacionalista: "Rejeição a Serra faz Globo tirar do ar Drauzio Varella e o ator que fez Leleco". Piauí Herald: "PT lança novela 'Salve José Dirceu'". O Zé Dirceu foi condenado por formação de quadrilha. E o Sarney por formação de família. Rarará!
O Zé Dirceu tem o sotaque da Sabrina Sato. Que fala: "Veeerrrdade". O Zé Dirceu era o chefe da quadrilha? "Veeerrrdade!". Rarará!
E "Salve Jorge"? A filha da Gretchen é o Jorge da novela? Não, diz que ela é o dragão! Não, diz que ela é a espada! Isso! A filha da Gretchen é a espada de "Salve Jorge"! Ela vai passar a espada em todo mundo.
E aquela atriz Nanda Costa é a cara da Jennifer Lopez! E o Raj ocupou o morro do Alemão! A novela vai lançar a moda UPP: camuflado. UPP: União das Periguetes Perigosas!
E esta: "Evangélicos prometem boicotar 'Salve Jorge'". Eles querem cobrar dízimo do dragão. Rarará! E eu adoro novela da Locória Perez porque é sem noção. Mistura Complexo do Alemão, UPP, tráfico de pessoas e dança do ventre!
E a onda dos brasileiros agora é viajar pra Turquia. Começou com o Amaury Jr. inaugurando a Turkish Airlines. Diz que se você citar o nome do Amaury Jr. no bazar, ganha desconto no tapete! Rarará!
E qual a pena pro Zé Dirceu? Cortar cana em Cuba com tesourinha de unha. Com TRIM!
E repararam que os tiozinhos do Supremo já estão todos corcundas? Os Morcegos Corcundas! E não querendo ser inconveniente: quando os tiozinhos vão julgar o mensalão mineiro do PSDB? Em setembro de 2014? Rarará!
Fatiar o pão de queijo! E só tem duas pessoas calmas e serenas no Supremo, as mulheres: Cármen Lúcia e Rosa Weber! Os homens é que usam salto alto! Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
O Brasil é Lúdico! Goiânia inventa uma nova profissão. Olha o cartaz no poste: "Pintor e Peidero". Ueba! Tá contratado. Profissional perfeito: pinta e peida. Loira não consegue fazer isso ao mesmo tempo!
E esta placa no interior de Minas: "Temos pastéis QUETNTE". As letras certas na ordem errada. Rarar´! Nóis sofre, mas nóis goza
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Crítico tido como severo é jurado 'C' do Jabuti


Colunista de jornal do PR, Rodrigo Gurgel garantiu vitória a iniciante


Coordenador do prêmio e jurado não confirmam nem negam informação apurada pela Folha; júri será divulgado em 28/11

PAULO WERNECK

EDITOR DA “ILUSTRÍSSIMA”

O jurado "C" do Jabuti 2012, que causou controvérsia ao atribuir notas extremamente baixas a favoritos, levando um autor iniciante a ganhar o prêmio principal da categoria romance, é o crítico e editor Rodrigo Gurgel, segundo a Folha apurou.
A Câmara Brasileira do Livro, organizadora do prêmio, não endossa a informação, mas também não a nega.
Por e-mail, Gurgel disse à Folha que não se pronuncia sobre o prêmio -por contrato, os jurados não podem se manifestar até a premiação.
"Nihonjin", de Oscar Nakasato, desbancou "Infâmia" (Alfaguara), de Ana Maria Machado, que provavelmente levaria o prêmio caso as regras não tivessem mudado.
Até 2012, a nota mínima que os jurados podiam dar era 8. Gurgel deu duas notas 0 e um 0,5 a Ana Maria e três 10 a Nakasato, catapultando-o ao primeiro lugar.
Ele também deu boas notas para "Naqueles Morros, Depois da Chuva", de Edival Santana (2º lugar) e a Chico Lopes (3º, com "O Estranho no Corredor"). A estratégia garantiu os primeiros lugares a nomes de fora do "mainstream" literário e de grandes editoras, à exceção de Nakasato, "outsider" editado pela Benvirá, do grupo Saraiva.
Além de ter decidido a parada na final, Gurgel também votou na primeira fase, que filtrou os dez finalistas.
Paulista, colaborador do jornal literário "Rascunho", do Paraná, e da revista eletrônica de crítica e poesia "Sibila", Gurgel é notório pelo rigor com que resenha autores contemporâneos e clássicos.
No recém-lançado "Muita Retórica, Pouca Literatura - De Alencar a Graça Aranha" (ed. Vide), Gurgel não poupa autores canônicos como Raul Pompeia e Machado de Assis.
Além de "machadismos" que "por vezes" dão "tom pernóstico" a "Dom Casmurro", ele aponta "certo eruditismo repleto de amor pelas citações", "vezo de odor quiçá brasileiro, subdesenvolvido".
Em resenha do livro, a pesquisadora Marisa Lajolo o define como "leitor rigoroso, de dedo em riste e olhar severo".
O regulamento é extremamente restritivo quanto à escolha de jurados: eles "não poderão ter vínculo com editora ou obra inscrita em qualquer categoria do Prêmio".
Procurado pela Folha, Gurgel respondeu por e-mail na segunda: "Agradeço por sua atenciosa mensagem, mas não me pronuncio sobre o Jabuti. Em relação a esse tema, por favor, procure a CBL". No livro, Gurgel diz ter sido jurado em 2009, 2010 e 2011.
Indagado sobre se Gurgel é o jurado "C", o coordenador do prêmio, José Luiz Gold-
farb, não confirma nem desmente: "A identidade só será revelada no dia 28/11", disse, citando o regulamento.
Frederico Barbosa, do conselho curador do prêmio, disse àFolha que "o regulamento foi seguido 'ipsis litteris'" e será seguido com a revelação do júri na data prevista.


"Ele votou contra o meu livro", diz Machado

RAQUEL COZER

COLUNISTA DA FOLHA

Se estivesse vivo, o paranaense Wilson Bueno (1949-2010) seria o autor com mais motivos para questionar o jurado "C" do Prêmio Jabuti.
Em três semanas, seu romance "Mano, a Noite Está Velha" (Planeta) caiu 8,34 pontos, numa escala de 0 a 10, na avaliação do crítico e editor Rodrigo Gurgel.
O romance ficou em primeiro lugar na fase inicial da disputa por ser o único dos 142 concorrentes votado pelos três jurados -cada jurado elegeu dez títulos e atribuiu notas apenas a eles. Passaram à segunda fase os dez com média mais alta.
Em 26 de setembro, na primeira etapa, o romance de Bueno recebeu média 8,67 de Gurgel. Na quinta passada, levou do jurado média 0,33.
Outro título que caiu bruscamente na avaliação de Gurgel foi "O Passeador" (Rocco), de Luciana Hidalgo, cuja média passou de 9 a 0,83.
Gurgel não votou em "Infâmia" (Objetiva), de Ana Maria Machado, na primeira fase. Na segunda, atribuiu-lhe 0,17.
O livro da imortal foi o mais bem votado pelos jurados "A" e "B" nas duas etapas. Ficou em segundo lugar na fase um e, devido ao jurado "C", em sexto na classificação final.
Embora a Objetiva tenha declarado "perplexidade" pela "evidente manipulação do resultado", a escritora evitou se manifestar para não "dar a impressão de estar desmerecendo quem ganhou".
Questionada pela Folha, a presidente da Academia Brasileira de Letras argumentou que o jurado "C" não votou "apenas a favor de alguém", e sim "contra o meu livro".
"O que haverá no 'Infâmia' capaz de despertar tanta ira? Que setores se sentiram atingidos com tanta intensidade pelo que narro no romance e por quê? Ou todo mundo acha que o objetivo dele era só dar a vitória a um estreante que o deixara embasbacado com suas qualidades?"
O livro trata da forma como "documentos espúrios e falsificações criminosas difundidas por meio da imprensa", como diz um personagem, se abatem sobre os que injustamente se tornam réus.
"Nada muda o fato de que não vou poder anunciar que o livro ganhou o prêmio e ter todos os benefícios que isso pode trazer, do dinheiro ao prestígio. Porque ele não ganhou. Simples assim", diz.
O vencedor do Jabuti, "Nihonjin", de Oscar Nakasato, sobre a imigração japonesa ao Brasil, foi votado só por Gurgel na fase um, mas foi bem avaliado pelos três jurados na final, com média 9,33.