quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O sobrenatural e o real - MARTHA MEDEIROS

Zero Hora 24/12/2013

Há algum tempo venho pensando na função das religiões, e a cada reflexão me convenço de que não precisamos de templos, rituais, mandamentos, pecados, penitências e de intermediários falando em nome dos deuses – e nem de deuses precisamos. É tudo opcional. O que precisamos está dentro de nós.

Templos são belos e podem ser úteis na busca por sossego espiritual, já que costumam ser silenciosos (a natureza também pode cumprir essa função, diga-se). Rituais são igualmente belos e podem confirmar nossas melhores intenções perante a vida (mas sem plateia também podemos confirmá-las, você sabe). Pecados e penitências, eu pulo. São manipulações que só servem para gerar culpa. Intermediários?

É bonito contar com a figura de um pai, seja real ou simbólico, e nesse sentido a figura do Papa, de um Buda, de um monge ou de qualquer pessoa de carne e osso com um projeto pacificador pode cumprir a função de extrair de nós a humildade necessária para não virarmos uns tiranos. Quanto aos mandamentos, bastaria um só, um único, que, se fosse obedecido, solucionaria boa parte dos problemas do mundo: “Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a ti”. Há muitas versões da mesma frase, mas essa vem sem metáfora, desembalada e pronta para usar.

Já pensou se ela fosse aplicada na política? No universo corporativo? Eu sei, é utopia demais, mas se fosse aplicada ao menos nas nossas relações cotidianas, já faríamos uma revolução.

Pena que ela apresente uma solução simples, e as pessoas rechaçam o simples. O simples não gera comoção, não dá pauta, não é suficientemente bombástico. A encrenca, a dificuldade, o jogo de poder, a competitividade, a vingança, isso tudo, sim, torna a vida menos monótona. Se as coisas derem certo, qual é a graça? Do que iremos nos queixar?

Eu, que adoro uma vida mansa, sou totalmente partidária do simples, do óbvio, do fácil, do comum – dentro do que ambiciono, eles me servem muito bem. Minha religiosidade é desenvolvida através de valores que não dependem de representatividade formal, constituída e sacra. Gentileza, tolerância, respeito, elegância moral (ouvi essa expressão outro dia e adotei), honestidade, paciência, troca, afetividade e desapego de mágoas e rancores: disso tudo provém a verdadeira espiritualidade transmitida de pai para filho, de avós para netos, de amigos para amigos, sem necessidade de carteirinha de adesão a qualquer igreja.

Neste Natal (e amanhã, e depois de amanhã...), reze, é um conforto para a alma. Ou não reze, se não possui o hábito. Não vai fazer diferença nenhuma para o mundo. O que faz diferença para o mundo é como você se comporta com os outros, não com Deus. Deus, muitas vezes, serve apenas para transferir responsabilidades. Assuma a sua, e amém: estaremos todos em paz.

MARINA COLASANTI » O lado de cá da cerca


Estado de Minas: 26/12/2013 


É um senhor de idade e está de pé, encostado na cerca do Jardim Botânico, lado de fora. Reparo nele ao passar. Por que me chama a atenção em meio a tanta gente parada e em movimento, tantas personagens na rua, cada uma merecedora de atenção? Porque há nele uma atitude outra, quase desafiadora, incomum na sua idade.

Nada combina com nada na sua roupa e tudo acaba combinando. O descasamento das peças resulta estranhamente elegante, talvez pela nota clara das calças largas e brancas de corte antigo, retomada no chapéu panamá de abas generosas. Usa suspensórios por cima da camisa social azul-celeste, mas não dispensa o cinto. A gravata gasta irmana cores escuras em estampa quase art déco e o paletó cinza é visível sobrevivente de algum terno. Nos pés, tênis, talvez o calçado mais cômodo para um andar não mais seguro.

Ninguém naquele bairro usa paletó e gravata. Ninguém está parado que nem ele, encostado e confortável, mãos metidas nos bolsos como se não existissem relógios. Ninguém, como ele, se distingue.

Penso que aquele homem está cumprindo uma rotina. Que todos os dias, em sua casa, se prepara como se prepara o toureiro, com esmero ritual, para enfrentar o cotidiano que tenta arrastá-lo para a decrepitude e dali para a morte.

Todos os dias, gravata e paletó, como usou em tempos de ir ao Centro trabalhar, de ter um escritório, uma mesa e tarefas. Todos os dias, chapéu. Pouco importa se diferentes dos ternos escuros e bem-escovados de então, do Borsalino. Os de hoje são simbólicos, uma espécie de recado para o inelutável que espera no escuro: ele ainda é um homem válido, tem seu lugar no mundo e o ocupa.

Todos os dias sai, embora agora volte para o almoço. Alguém na família talvez se preocupe, “há tanta violência nas ruas”, e ele finja incomodar-se com a preocupação que o fragiliza.

Reparo que murmura, não constantemente. De tempo em tempo, como que num tique, diz coisas para si mesmo ou para o nada, move os lábios em frases breves e torna a imobilizá-los. Olha à frente, sem distrair-se com os ciclistas que cruzam a calçada diante dele, sem mesmo desviar o olhar seguindo a moça que passa. Não creio que olhe diretamente os carros, tão monótonos e iguais no trânsito congestionado. Vê alguma coisa ou alguém que talvez nem esteja ali agora, o interlocutor a quem dirige as palavras murmuradas, ou a situação em que aquelas palavras adquirem sentido. Está bem, e parece lúcido. Não sabe que está sendo observado.

Ele poderia estar do outro lado da cerca, passeando nas amplas aleias do Jardim Botânico, envolvo em ar puro, farfalhar de árvores, e cantos de pássaros. Faria bem à sua saúde e é certo que foi o que o médico lhe recomendou. É o que a família pensa que ele faz quando sai dizendo que vai ao Jardim Botânico. Mas ele não está interessado no verde nem no cantar dos pássaros. O que ele quer, o que a sua postura e as mãos metidas fundas nos bolsos me dizem que ele quer, é respirar monóxido de carbono, ouvir buzinas e ronco de motores, ver aquele fluir constante de metal e gente sem ter que fixar-se nem nas máquinas nem nas pessoas. O que ele quer é continuar fazendo parte da muvuca da vida. E o lado de cá da cerca é sua maneira de evitar a passagem para o lado de lá, que, inevitável, o aguarda.

>>  marinacolasanti.s@gmail.com

TeVê


TV paga 
 
estado de Minas: 26/12/2013 


 (Fox/Divulgação)

Água na boca

Carla Pernambuco (foto) é gaúcha de Porto Alegre. Mas fazendo jus ao sobrenome, ela é fã da cozinha nordestina, tema de hoje de seu programa Brasil no prato, às 21h15, no canal Bem Simples. “O sabor do Recife” é o episódio que ela preparou com receitas como a de arroz de polvo, especialidade do Leite, um dos restaurantes mais tradicionais e antigos do país. Carla ainda leva o assinante à zona norte de São Paulo para conhecer o Restaurante Mocotó e seu premiado chef de cozinha Rodrigo Oliveira, que vai servir o famoso baião de dois. E de sobremesa, Carla ensina a fazer o bolo Luís Felipe.

Herbie Hancock toca com  orquestra em Los Angeles

O ex-titã Nando Reis fecha esta noite a programação especial de fim de ano do programa Metrópolis, às 23h, na Cultura. Mis cedo, às 22h, no Arte 1, vai ao ar o concerto Rhapsody in blue, com a Orquestra Filarmônica de Los Angeles interpretando a obra do norte-americano George Gershwin em uma noite de gala, com a participação do tecladista Herbie Hancock e regência do maestro venezuelano
Gustavo Dudamel.

Três belos brinquedinhos  para ‘meninos crescidos’

Já viu falar de uma mesa de bilhar com luzes de LED e design ultramoderno, que deixa os jogadores tão fascinados que até erram as caçapas? Pois essa é uma das atrações de hoje do programa Boys toys, uma das mais curiosas atrações do canal History, toda quinta-feira, às 21h. A produção faz também um tour por Mônaco a bordo do renovado Vencer Sarthe, um supercarro de última geração, e ainda avalia a moto Duu, com 91 cavalos de potência.

Nat Geo viaja num trem  bala de Londres até Paris

Curiosa também é a série Obras incríveis, às 20h, no Nat Geo, que vai revelar detalhes da construção da nova ferrovia para trens de alta velocidade da Inglaterra, ligando Londres a Paris. No Animal Planet, a maratona com os programas mais populares do canal continua hoje com Planeta mutante, às 19h, mostrando como a evolução das espécies e as forças da natureza atuaram em conjunto para criar animais excêntricos e diferentes padrões de comportamento.

Cultura traça o perfil do  ator Rodolfo Valentino


A Cultura exibe hoje, às 22h, o documentário Rodolfo Valentino, com a biografia do lendário ator que ajudou a criar a indústria do star system. Já no pacote de filmes, as melhores atrações ficam reservadas para a faixa das 22h: Netto e o domador de cavalos, no Canal Brasil; Nome próprio, na HBO 2; MIB – Homens de preto 3, na HBO; O artista, no Max; Simplesmente complicado, no Studio Universal; Sem proteção, no Telecine Pipoca; e Melancolia,  no Telecine Cult. Outros destaques da programação: Sintonia de amor, às 21h, no Comedy Central; Celeste e Jesse para sempre, às 22h05, na HBO HD; e Os intocáveis, também
às 22h05, no TCM.

Caras & Bocas

Simone Castro - simone.castro@uai.com.br



Pedro Lima, Lucy Alves, Rubens Daniel e Sam Alves: de quem é a voz?
Pedro Lima, Lucy Alves, Rubens Daniel e Sam Alves: de quem é a voz?
 (João Cotta/Globo)

 (Renato Rocha Miranda/Globo)



A hora da verdade

A segunda edição do The voice Brasil (Globo) chega ao fim hoje à noite. Quem será o vencedor? Quatro candidatos disputam a preferência popular, já que é o público quem vai decidir qual deles levará o o prêmio de R$ 500 mil, um carro e um álbum gravado pela Universal. Estão concorrendo Pedro Lima, do time de Lulu Santos; Sam Alves, do time de Cláudia Leitte; Rubens Daniel; do técnico Daniel, e Lucy Alves, de Carlinhos Brown. Eles desbancaram outros ótimos candidatos em quase três meses de disputa. A final será realizada no Citibank Hall, no Rio de Janeiro, e contará com apresentações especiais de Ana Carolina, Jota Quest, Quésia Luz, Gabriela Mattos e Ellen Oléria, vencedora da primeira edição do programa.

MEU PEDACINHO DE CHÃO JÁ TEM SEU PROTAGONISTA


Johnny Massaro, cujo último trabalho na TV foi como o Kiko, filho de Roberta Leone (Glória Pires), no remake de Guerra dos sexos (Globo), é uma das apostas como o jovem protagonista da novela Meu pedacinho de chão, outro remake que vai substituir Joia rara (Globo). Na trama assinada por Benedito Ruy Barbosa estarão também Antônio Fagundes e Osmar Prado. Ainda não foi divulgado com quem Johnny Massaro formará par romântico.

ADVOGADO VAI PARAR NA CADEIA POR CAUSA DE BEIJO

Por essa, Rafael (Rainer Cadete) não esperava. Em cena de Amor à vida (Globo), o advogado vai parar na cadeia depois de trocar um beijo com Linda (Bruna Linzmeyer). Neide (Sandra Corveloni), mãe da garota autista, vai denunciá-lo por abuso de incapaz. A situação ficará ainda pior com Leila (Fernanda Machado) instigando a mãe a fazer a denúncia. As duas vão procurar uma delegacia e prestar queixa contra o advogado.

GLOBONEWS ENTREVISTA  O POETA JAVIER NARANJO

Uma entrevista exclusiva com o professor e poeta colombiano Javier Naranjo vai ao ar amanhã, às 21h30, na GloboNews (TV paga). Durante os anos 1990, quando dava aulas de espanhol para alunos de várias classes sociais, o poeta pedia às crianças definições próprias para palavras e temas, como num jogo. No final daquela década, Javier publicou o livro A casa das estrelas, que reúne as melhores frases de seus alunos sobre os temas propostos. O livro foi publicado em português este ano. E ainda: os 80 anos de Casa grande & senzala, clássico de Gilberto Freyre, completados este mês.

SÉRIE BREAKING BAD TERÁ  UMA VERSÃO EM ESPANHOL

Exibida no Brasil pelo canal AXN (TV paga), a série Breaking bad pode até ter batido recorde de audiência em seu último episódio nos Estados Unidos, mas seu legado ainda está longe de acabar. A Sony Pictures Television anunciou um remake colombiano do programa, batizado de Metastasis. Falada em espanhol, a nova versão será feita visando ao mercado latino. Para isso, a Sony conta que fez uma parceria com a produtora colombiana Teleset. Metastasis contará a mesma história de Breaking bad, apenas mudando os nomes dos personagens e o local onde a trama se desenrola. Ou seja: sai Walter White e entra Walter Blanco.

SÉRIE PREFERIDA

A atriz Anjelica Huston revelou que curte a série Downton abbey, exibida no Brasil pelo GNT (TV paga). “Amo Downton”, disse ao jornal USA today. “Fui criada na Irlanda e na Inglaterra e poderia facilmente fazer um papel. Alguém como a condessa Markievicz (uma rebelde), que foi mencionada na temporada passada. Ou mesmo uma participação”, comentou. Enquanto Anjelica não entra na série, outra diva, Shirley McLaine, tem seu retorno confirmado na quarta temporada, que vai estrear em janeiro, nos Estados Unidos. Sua personagem, Martha Levinson, é a mãe de Lady Cora (Elizabeth McGovern) e do playboy vivido pelo ator Paul Giamatti, que participará de alguns episódios.

Eduardo Almeida Reis-Comerciais‏

Você, caro e preclaro leitor, compraria um automóvel ótimo para escapar da metralhadora de um helicóptero?
 

Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 26/12/2013 




Não sei se é implicância, desconhecimento, burrice ou lucidez, mas dei para implicar com anúncios impressos e televisionados. Passada a fase dos reclames como aquele das pílulas de erva-de-bicho contra hemorroidas, as agências brasileiras sempre se destacaram pela qualidade do seu trabalho, mas de uns tempos a esta parte vejo coisas de arrepiar, piores ainda que as pílulas de Polygonum acuminatum e os óleos de fígado de bacalhau.

Jornal que assino há muitíssimos anos tem no mínimo uma página inteira de propaganda diária de uma rede de supermercados. Uma vez por semana é um caderno inteiro, em ótimo papel, só com os produtos vendidos pela tal rede. Apesar da qualidade do papel, a disposição dos produtos, a cor do fundo de cada página e o “apelo publicitário” são de lascar.

Admito, sem comparar, que os produtos anunciados sejam mais baratos que os vendidos pelas outras redes, mas as páginas são feias e desanimam o público-alvo. Que diabo haverá com os profissionais da tal agência quando não veem a baixa qualidade do seu trabalho?

Pulemos para a tevê. Circula em todos os canais a propaganda do Renault Logan com um vídeo em que jovem cavalheiro se diz dono de um Logan marrom, que estaria na calçada, outro cavalheiro vai à janela e não vê o carro. Outro filme, da mesma montadora, mostra um cavalheiro à procura do Logan, que sumiu de um estacionamento. Ora, bolas: em ambos os anúncios tem-se a impressão de que o carro foi roubado. Cabe a pergunta: será que alguém compra um veículo por sua aptidão para ser levado pelos amigos do alheio?

A lista de comerciais do gênero é muito grande. Já se anunciou um carro que escapava dos tiros de metralhadora disparados de um helicóptero. Você, caro e preclaro leitor, compraria um automóvel ótimo para escapar da metralhadora de um helicóptero?

Minha inteligência, que sempre foi curta, não atina com os objetivos dessa propaganda, nem com aquela que anuncia uma camioneta explicando que o veículo ainda vai sofrer muito na vida. Se me fosse dado palpitar, recomendaria que a propaganda dissesse que a camioneta foi projetada para ser muito feliz. Junto com ela, seu comprador.

Turismo

Vídeo com a propaganda do turismo em Alberta, Canadá, faz que os amigos nos encaminhem o filme de dois minutos com a seguinte observação: “A vida é bela e o mundo maravilhoso! Não me falem de política e de outras nojeiras que o assolam”.

Realmente, o comercial foi produzido a capricho: regiões lindas, gente bonita, passeios a cavalo, rodovias outstanding, cidades limpíssimas, patinação no gelo, trenós puxados por huskies, esquis na neve e pescarias nos lagos, considerando que há gente que gosta de esquiar e pescar. Não mais do que dois minutos, porque ninguém aguenta propaganda de cinco minutos.

Os publicitários da província de Alberta, que tinha 3.645.257 habitantes há dois anos e tem área de 661 km2, além das universidades de Alberta e Calgary, e do Northern Alberta Institute, em Edmonton, se esqueceram de informar aos turistas que, por lá, não raras vezes os termômetros chegam a 44°C negativos, você precisa sair do saguão aquecido do aeroporto para tentar um táxi passando na rua (os táxis não ficam parados para não congelar) e se o carro enguiçar taxista e passageiro têm oito minutos de vida. Contudo, o canadiano, como se diz em Portugal, é solidário no trânsito e dá carona antes que o turista e o motorista morram congelados.

 Anteontem à noite

 Sei que não é o seu caso, como felizmente não é o meu, mas suponho que muita gente, na festa de 24 para 25 de dezembro, tenha sofrido o diabo. O Google tem 3.280.000 (três milhões, duzentas e oitenta mil) entradas para “Natal parentes que se detestam”, em que o pacientíssimo leitor pode procurar o autor da frase sobre as festas da véspera do Natal. Tenho visto algumas “originais”, como aquelas do maior galinha da paróquia, que nunca pôde ver saias e o que nelas se contém, muito sério, voz empostada lendo a Bíblia. Aliás, o conjunto dos textos sagrados do Antigo e do Novo Testamento não foi impresso para ser lido e interpretado por bandidos, mas tem sido em 98% dos casos de que tenho notícia.

O mundo é uma bola

26 de dezembro de 1778: Inconfidência Mineira, reunião conspiratória em casa do tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade. Em 1792 começa, em Paris, o julgamento final de Luís XVI. Em 1825 é aberto do Canal de Erie, que conecta o Lago Erie ao Rio Hudson, no estado de Nova York, como acabo de aprender.

Em 1845 o Texas se torna o 28º estado norte-americano. Em 1898, Marie Curie anuncia a descoberta da pechblenda, uma variedade provavelmente impura da uraninita, mas a mesma fonte informa que a pechblenda foi descoberta por Antoine Henri Becquerel, motivo pelo qual o palpitante assunto deve ser estudado pelo pacientíssimo leitor.

Ruminanças

“Sob toda doçura carnal algo profunda há a permanência de um perigo” (Marcel Proust, 1871–1922).

E a Primavera Árabe? - Vitor Gomes Pinto

E a Primavera Árabe?
 
No Egito, o afastamento de Osni Mubarak não significou mudança. O regime ficou intacto e derrubou o governo eleito de Mohamed Mursi


Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional


Estado de Minas: 26/12/2013 

Por não querer pagar propina para não ter sua banca de frutas confiscada, em 18 de dezembro de 2010, o jovem Mohamed Bouazizi acendeu o fósforo imolando-se na praça central da pequena localidade de Ben Arous, vizinha a Tunis, em protesto contra as injustiças do mundo e contra a corrupção. Foi a fagulha que incendiou a população que já estava nas ruas, levando-a a derrubar em apenas 28 dias a ditadura do presidente Zine Abidine Ben Ali. A Revolução do Jasmin foi a precursora de movimentos populares que se espraiaram em distintos graus de intensidade, na chamada Primavera Árabe, da Tunísia para a Líbia, Egito, Marrocos, Síria, Iêmen, Bahrein, Omã, Argélia, Mauritânia, Iraque, Líbano e Kuwait.

O terceiro aniversário não poderia passar em branco. Na verdade, exigia uma comemoração à altura, bombástica, e as forças norte-americanas que estão no Iêmen combatendo o terrorismo internacional não deixaram por menos. No árido altiplano da província de Baída, ao sul do país, uma festiva caravana se deslocava, vencendo vagarosamente o chão pedregoso de estradas por vezes inexistentes rumo à cidade de Rahda, onde celebrariam um casamento sunita, numa típica cerimônia iemenita. Para o Comando Conjunto de Operações Especiais (JSOC, na sigla em inglês) que opera na região com o apoio da CIA, contudo, a inocente caravana, que supostamente carregava os noivos e suas famílias, era apenas um disfarce que permitia a locomoção de perigosos elementos da Al-Qaeda, de forte presença em Baída. Sem condições de comprovar suas suspeitas, por via das dúvidas o JSOC decidiu atacar e o fez por meio de um drone (veículo aéreo não tripulado), que bombardeou com precisão cirúrgica o cortejo, matando pelo menos 17 civis e deixando mais de 30 feridos. Alguns poucos veículos de comunicação dos Estados Unidos perguntaram o que ocorreria se o ataque tivesse ocorrido no território nacional. Como foi no Iêmen, o assunto em seguida “morreu” sem qualquer explicação, pois quem se interessa por algumas vítimas a mais, além disso não norte-americanas, naquele quase fim de mundo?

A revolução pacífica e idealista inicialmente resultou numa extraordinária euforia para povos árabes que pela primeira vez conquistavam o direito de externar suas queixas e opiniões em praça pública. Os 19 países árabes mesclam regimes civis autoritários em geral com firme base militar a um conjunto de oito reinos e emirados sustentados pelas reservas minerais que representam metade do petróleo e um quarto do gás do planeta. Já no segundo ano veio a contrarrevolução, inspirada pelos temores das monarquias do Golfo Pérsico e dos comandos militares. O resultado foi a guerra. A intervenção externa na Líbia promoveu a execução de Muamar Kadhafi, substituindo-o por um governo débil que não consegue controlar as centenas de milícias que espalham o terror pelo país.

No Egito, o afastamento de Osni Mubarak não significou mudança, pois o regime ficou intacto e ainda reuniu forças para derrubar o governo eleito de Mohamed Mursi, em julho, e para reprimir com renovada violência a oposição muçulmana. No Bahrein, a tentativa de derrubar o rei Isa al-Khalifa fracassou graças à intervenção armada dos sauditas. O ditador Bashar al-Assad continua no posto sustentado pelo apoio russo, mas a guerra civil síria já ocasionou mais de 126 mil mortes e milhões de refugiados nos países vizinhos. Os enfrentamentos prosseguem na Argélia, apesar de Abdelaziz Bouteflika ter sido reeleito para a Presidência, em pleito com nível recorde de abstenção.

No Marrocos, no Sultanato de Omã e na Jordânia, até agora as expectativas por reformas e democratização não se concretizaram. A queda de Ali Abdullah Saleh após 33 anos como ditador e a posse de seu vice não trouxeram a paz ao Iêmen, onde o grupo da Al-Qaeda na Península Arábica (AQPA) domina boa parte do país apesar da presença norte-americana. Militares de um lado e muçulmanos de outro continuam predominantes no cenário árabe. Eleições (livres dentro do possível) têm sido ganhas pelos mais bem-estruturados partidos islâmicos, como nos casos do Egito e da Tunísia. A Irmandade Muçulmana é um movimento com 82 anos de vida e vem sobrevivendo mesmo quando o colocam na clandestinidade.

A Primavera Árabe permitiu o crescimento do islamismo como força política, mas quando os grupos religiosos chegam ao poder não resistem à tentação de implantar a Sharia, a lei de Alá, gerando a rejeição de grande parte da sociedade. No entanto, a situação parece estar mudando. De um lado, o clima de guerra permanente é insustentável porque conduz à formação de Estados falidos, como já se desenha nos casos do Egito, Líbia, Síria e Iêmen. De outro lado, as velhas desculpas que têm justificado os regimes de exceção nos últimos 60 anos cada vez mais perdem sustentação, ou seja, não adianta mais pôr a culpa no colonialismo e imperialismo ocidental e na presença do Estado de Israel. Além disso, é indiscutível que os palestinos precisam de uma solução territorial, mas a sua causa já não é o fator principal que move os líderes árabes. Se a Primavera Árabe, com todo o seu imenso potencial de canalização de energias positivas inovadoras, pretende chegar a algum lugar terá de resolver pelo menos seus muitos conflitos armados internos e atingir um estágio de militância política islâmica que permita uma convivência razoavelmente harmônica com as demais crenças e correntes de opinião.