segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Rússia precisa ‘limpar-se do homossexualismo’, diz Putin

O Globo 20/01/2014


Para além da inveja do tênis - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico 20/01/2014

Os rolezinhos dão continuidade aos protestos de 2013 contra a desigualdade social, agora também no acesso ao prazer



Na década de 1990, um sintoma aterrorizou o país: cresciam relatos de meninos que agrediam ou até matavam outros, um pouco mais ricos, para roubar um par de tênis de grife, no que parecia ser o paradigma do crime por motivo fútil. Cunhei a expressão "inveja do tênis", para explicar por que algo tão supérfluo, vaidoso ou vão quanto um item de conforto pode mobilizar paixões que a luta por grandes necessidades da vida nem sempre desperta. Sustentei que as "causas nobres", como a educação, a saúde, a segurança, o transporte, o emprego, não conseguiam gerar o investimento psicológico que um artigo de grife suscita. O caso dos rolezinhos traz de novo à tona esse tema, mas numa chave bem diferente.

Lembremos as manifestações de 2013. Em julho de 2011, Juan Arias, que há anos cobre com competência para o jornal espanhol "El país" o que acontece no Brasil, lamentava: por que investimos tanta energia na Parada Gay - que hoje, em São Paulo, rivaliza com o carnaval carioca em mobilização de libido - e não depositamos sequer uma parcela disso na luta por questões prementes, como poderiam ser as que mencionei acima? Pois as manifestações de maio e junho de 2013 devem ter realizado alguns sonhos do correspondente espanhol. Elas marcaram uma grande novidade em nosso país, com multidões indo às ruas para traduzir suas carências, suas necessidades, em direitos, em exigências, em política. Ponto para o Brasil.

Já os rolezinhos parecem voltar à lógica do tênis. O que os jovens pobres vão fazer nos shoppings é clamar por sua integração na sociedade de consumo. Querem, como todos os de sua idade, desfrutar do prazer. Há um charme nisso, que inclui o uso do verbo "pegar" (que na sua polissemia herda o lugar de outra palavra ambígua, que os mais velhos não entendiam, o "ficar" de dez anos atrás) nas convocações que circulam no Face. Mas algumas grandes mudanças precisam ser apontadas - e celebradas.

Terminou a brincadeira de injustiça social

Primeira: os rolês não são ações individuais, mas coletivas. A ação coletiva tem mais chances de construir o futuro, de mudar o mundo. Segunda: as convocações claramente repudiam o crime. Os rolês são chamados para serem atos não-violentos.

Recomendo o fascinante filme "O mordomo da Casa Branca" (2013), que mostra décadas de preconceito racial vistos por um mordomo que serve a sucessivos presidentes dos Estados Unidos. Destaco uma cena. Em 1960, vários jovens negros entram numa lanchonete do Sul, sentam-se do lado proibido para os "de cor" e pedem para serem atendidos. Não o são. Acabam espancados por brancos da elite local. O pedido - educadíssimo, sem violência alguma - para "ser atendido" num lugar em que eles não são bem-vindos aproxima o caso norte-americano do brasileiro. Uma diferença é que no Brasil a segregação não é legal - mas mesmo assim existe. Outra é que nossos jovens pobres estão indo aos shoppings para rir, brincar, ocupar o espaço com sua alegria.
Daí, terceira característica: os rolezinhos são atos políticos. Com ou sem consciência disso, os participantes se reúnem - em vez de atuar sozinhos - para exigir direitos. É incrível o poder da união. Longe do que o pensamento mais conservador teme, unir forças não leva ao crime, mas afasta dele. Soluções individuais, para problemas coletivos, são as piores. São elas que levam alguns a roubar, sonegar, fraudar para resolver um problema que não é apenas deles. Já, quando a solução se torna coletiva, pode até haver a opção quadrilha; mas esta é sempre limitada: a união de bandidos não resolve problemas sociais, apenas melhora a vida de parte deles. Quando se ganha escala numa mobilização, a tendência é reivindicar soluções para todos. Não há dúvida de que a escala, como o elefante da cantiga, incomoda muita gente. Mas é esse incômodo que coloca as questões na agenda política.

Tenho plena compreensão do medo que muitos sentem quando veem entrar uma multidão de desconhecidos no shopping. Posso me colocar no lugar deles. Mas o ser humano é dotado de razão. Não pode pensar com base só no medo. A questão não é mais, apenas, a desigualdade social clamorosa, a intensa exclusão dos mais pobres, aquilo que Cristovam Buarque chama há décadas de "apartheid social". Até aí, trata-se de fatos da realidade. A questão é que, desde a democratização de 1985, essa desigualdade foi-se tornando injustificável e intolerável. Amélia, "que achava bonito não ter o que comer" (1942), é hoje apenas um verso do passado. O playboy brasileiro da opereta "La vie parisienne" (1866), ladrão e corrupto no país, homem fino na Europa, não faz mais rir. Pobres, negros, mulheres, indígenas e gays querem a plenitude de direitos, já. Passou o tempo de qualquer discurso que lhes peça paciência. Eles não acreditam mais em promessas para o futuro. Por isso é tão significativo que a bola da vez sejam os rolês. Se há algo que caracteriza o prazer, é sua imediatez. Quer-se prazer já, não daqui a dez anos. A diversão que não rolar hoje, não é a mesma que poderá rolar sábado que vem - menos ainda, quando estiverem casados, empregados, com filhos.

Um mundo acabou. Durante décadas, nos protegemos dele atrás de grades - no prédio ou no shopping, ou as grades simbólicas da escola, do hospital e do carro melhores. Isso não tem mais como durar. A boa nova é que a exigência de que isso mude, seja em junho de 2013, seja em janeiro de 2014, tem-se feito dentro da lei e com nenhuma ou pouquíssima violência. Mas o tempo urge. A brincadeira de injustiça social terminou. Quem quiser continuar jogando esse jogo só vai gerar problemas - para si e para os outros.


Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. E-mail: rjanine@usp.br



TeVê

TV paga



Estado de Minas: 20/01/2014



 (Canal Off/Divulgação)


No topo do mundo
Karina Oliani é uma aventureira destemida. Apresentadora do programa Do jeito delas, a jovem encara mais um desafio, numa expedição ao Monte Everest. O documentário será exibido em três partes pelo canal Off: hoje, amanhã e depois, sempre às 23h. Mas não pense que a moça foi sozinha ao cume do Himalaia, com ela viajaram Scott Simper, cameraman e diretor de fotografia, ganhador de um Emmy; e o sherpa Pemba, que já escalou o Everest seis vezes.

Bio desafia casais a fazer  uma maratona de sexo

No canal Bio, a novidade é 7 dias de sexo, às 23h30. O reality show vai mostrar, a cada temporada, a vida sexual de um casal diferente. A ideia é reunir pessoas cujos relacionamentos estão por um fio e submetê-las a uma terapia de choque: durante uma semana, terão de fazer sexo diariamente para apimentar a relação e esquecer os problemas do cotidiano. Como aperitivo, às 22h30, o canal estreia a segunda temporada de Amigas do peito, com Cynthia Richars e Molly Hopkins de volta para ajudar novas clientes a encontrar o sutiã perfeito para seu corpo.

Veja o que leva muitos  jovens a fazer pichação
No segmento dos documentários, uma boa pedida é a sessão É tudo verdade, às 22h, no Canal Brasil, hoje com o filme Pixo, que João Wainer e Roberto T. Oliveira realizaram em 2009, contando como ex-pichador Djan Ivson, o “Cripta”, com o condutor de uma incursão pela cidade de São Paulo, ao som de Jorge du Peixe, Racionais MCs, Tejo Damasceno e Sabotage. No mesmo horário o canal History abre sua Semana do desconhecido, com uma maratona de episódios da série Alienígenas do passado.

Telecine Pipoca põe no  ar seu especial de férias

Para aproveitar janeiro em família, o Telecine Pipoca preparou o especial Cardápio de férias, com uma seleção capaz de agradar a vários públicos, começando hoje com a animação A era do gelo 4 (12h45), o musical Teen beach movie (14h30) e o filme de ação Os mercenários 2 (16h20). No Telecine Premium, às 22h, estreia o drama As sessões, com Helen Hunt e John Hawkes. Outros destaques da programação: Garota mimada, às 20h35, no Megapix; Billi Pig, às 20h40, na TNT; O desinformante, às 20h55, na Warner; Maid in Manhattan, às 21h, no Comedy Central; Um inferno, às 22h, no Max; O traidor, às 22h, na MGM; Django livre, às 22h05, na HBO 2; Jumper, às 22h30, na Fox; e Ilha do medo, também às 22h30, no FX.


Caras & bocas

Publicação: 20/01/2014 04:00


Rogério Brandão, Bia Rosenberg e Ricardo Whately são os responsáveis pela série Igarapé mágico (TV Brasil/Divulgação )
Rogério Brandão, Bia Rosenberg e Ricardo Whately são os responsáveis pela série Igarapé mágico


Viva a natureza!
O pirarucu Bitelo, o peixe-boi Maná, a sucuri Ceci, a piranha Cotinha, o jacaré Jaca Zé e a perereca Quinha vão invadir a telinha nesta segunda-feira. Eles são os personagens de Igarapé mágico, nova série para crianças em idade pré-escolar que estreia hoje, na Rede Minas e na TV Brasil (canal 65 UHF). O programa será apresentado em dois horários, com pequenas diferenças entre um canal e outro. Na Rede Minas, às 9h e às 13h30; na TV Brasil, às 8h30 e às 12h30. A ideia é divertir e entreter os pequenos e, ao mesmo tempo, transmitir noções de amizade e cidadania, ao tratar de temas relacionados à sustentabilidade como lixo, poluição, importância da água e preservação das espécies em extinção.

Globo visita os estádios do campeonato mineiro

A partir de hoje, o Globo esporte pega a estrada para visitar as cidades sede dos clubes que disputam o Campeonato Mineiro de Futebol. Maíra Lemos vai ancorar os programas, que serão apresentados diretamente de alguns dos estádios onde serão disputadas as partidas do torneio, começando, hoje, por Tombos. Amanhã, será a vez de Muriaé e a seguir Varginha (22), Patos de Minas (23), Sete Lagoas (24) e Belo Horizonte (25). No ar às 12h45.

Romance gay na tela da Globo só com discrição

Com encerramento marcado para o dia 31, Amor à vida (Globo) não deve surpreender no quesito beijo gay. A primeira noite de Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) não contará com nenhuma intimidade em cena. O autor Walcyr Carrasco somente vai dar a entender que os dois dormiram juntos, pulando de um jantar romântico para o café da manhã em família.

Band prepara ofensiva contra os concorrentes
Corre nos bastidores a notícia de que a Band está disposta a fazer propostas irrecusáveis a artistas de outras emissoras. Na mira, estariam SBT, Record e RedeTV!. Tudo isso para dar uma nova alavancada no canal, que recentemente perdeu duas de suas maiores estrelas, Sabrina Sato e Danilo Gentili – sem falar em Otávio Mesquita.

O músico Jards Macalé  é tema de documentário

O canal Curta (TV paga) exibe hoje, às 22h30, o documentário Um morcego na porta principal, com direção e roteiro de Marco Abujamra e João Pimentel. O personagem no filme é o músico Jards Macalé, autor de clássicos da MPB como Vapor barato e Movimento dos barcos, e de trilhas de filmes de Nelson Pereira dos Santos, parceiro principal de Waly Salomão e violonista e arranjador de Gal Costa e Caetano Veloso.

As belas se encontram  esta noite no canal GNT

Ainda na TV por assinatura, a produção do programa Superbonita se mandou para Florianópolis, para uma série especial de verão. Hoje, Luana Piovani recebe a modelo Maryeva Oliveira, que vai falar sobre o tipo físico das catarinenses. A apresentadora também faz um tratamento pré-sol e vai à praia para conversar sobre verão e beleza. Às 21h30, no canal GNT.

VIVA
A virada da personagem Sílvia, interpretada por Nathalia Dill na novela Joia rara (Globo). De vilã ela se transformou em heroína depois de sofrer um atentado e ser dada como morta.

VAIA
No festival de imbecilidades que assola o Big brother Brasil (Globo), o participante Vagner dizia que vai leiloar sua cueca quando sair da casa. A quem interessa isso? Muito grotesco! 

Preferências doentias - Lilian Monteiro

Preferências doentias
Interesse sexual atípico só justifica intervenção clínica quando causa sofrimento ao indivíduo e dano ao outro. Para todos há tratamento, ainda que não haja cura

Lilian Monteiro
De Curitiba*
Estado de Minas: 20/01/2014

Antigamente, a definição de sexo era o ato feito entre adulto, humano e vivo na busca do prazer e para procriação. Tudo o que fugia a esse cenário era considerado transtorno. Agora, a visão da medicina e de especialistas no tema é mais coerente com o que existe. No que tange à saúde, as parafilias são consideradas alterações do comportamento sexual caracterizadas por fantasias sexuais específicas, necessidades e práticas sexuais repetitivas e angustiantes ao indivíduo que comumente lhe causam sofrimento. E toda parafilia é doença.
As parafilias, tema da segunda reportagem da série do Estado de Minas sobre transtornos da sexualidade, foram debatidas na 31ª edição do Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em Curitiba, numa abordagem que destacou diagnóstico, tratamento e quais transtornos parafílicos são crimes e exigem intervenção clínica por causar prejuízo, excetuando os casos de comportamentos que não são convencionais, mas são praticados de forma consensual.

De Belo Horizonte e presente no Congresso, o psiquiatra Paulo Roberto Repsold, especialista em psiquiatria forense, reforça que parafilias "são preferências sexuais anormais e doentias, no sentido de bizarras a pervertidas, que a pessoa ao longo da vida desenvolve de forma lenta e gradual". O médico diz que é importante ressaltar que as parafilias podem ter graus de intensidade diferentes. Há transtornos que ninguém percebe que a pessoa tem e outros que têm perfil de psicopatas. "Tem a pedofilia, uma doença cuja prática é crime. A satisfação sexual do indivíduo, na pedofilia, é crime, no entanto, se ela ocorre só na cabeça, se a pessoa segura a onda apenas vendo imagens e revistas sobre crianças, aí não é crime. Como também aquele que sente prazer em manipular fezes ou passar suas fezes ou do parceiro no corpo. Nesse caso, não é normal. É uma doença, mas não é crime."

Repsold explica que o distúrbio mental com preferência anômala e pervertida serve para definir qualquer parafilia (veja ao lado). O tratamento é a única saída, mas não é específico. "Não há cura porque não tem efetividade segura, seja farmacológica ou psicoterapêutica. Contudo, o indivíduo consegue viver com ela, podendo reduzi-la em frequência e intensidade, e assim controlar sua compulsão, eventualmente até fazendo-a desaparecer com o passar dos anos." O critério para o diagnóstico, conforme Paulo Roberto, é a preferência. Ou seja, a pessoa sente mais prazer com a atividade parafílica do que com o sexo normal.

O psiquiatra conta que as parafilias, epidemiologicamente, não são raras na sociedade. Pelo contrário, são frequentes, principalmente, nas suas formas menos intensas. No entanto, não há números estatísticos sobre esses transtornos. Repsold destaca o impacto que elas têm na saúde do paciente ao gerar sofrimento, inadequação social e envolver terceiros, gerando graves prejuízos físicos e mentais. "A complicação do problema é que o tratamento tem de partir do indivíduo, ele tem de procurar ajuda, ou um terceiro ou ambos no pedido de socorro. No Sistema Único de Saúde (SUS) há tratamento para saúde mental que, certamente, dará o encaminhamento necessário para casos desse tipo. Ou ainda, a percepção de amigos, família, parentes, que vão estimular quem está sofrendo a buscar tratamento. Apesar de não haver cura específica, há como tratar e melhorar a saúde mental."

FLAGRANTE Alexandre Saadeb, coordenador do Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Núcleo Forense do Instituto de Psiquiatria (IPq), de São Paulo, chama a atenção para parafilias que, muitas vezes vistas como consensuais e de comum acordo, podem interferir na vida da pessoa de modo ruim, com sofrimento. "Há pessoas casadas que buscam o sadismo ou masoquismo, por exemplo, fora da relação. Ou o parceiro que topa, mas sem sentir prazer ou gostar. Passar por essa situação ou viver no anonimato diante de um ato que causa, no mínimo, estranheza é muito difícil e vale consultar um especialista de sexualidade."
A parafilia, apesar de pouco divulgada, deixa feridas, é um flagelo, traz infelicidade, padecimento e infortúnio. Saadeb lembra que não há como falar em cura, já que "o desejo em si, o comportamento em relação ao desejo, ninguém nunca vai conseguir mudar". É possível, sim, controlá-lo com a psicoterapia, sendo a técnica cognitivo-comportamental uma das mais indicadas, somada ao medicamento. "O que precisa ficar claro é que, se a parafilia for consensual, só fantasia, vivida na intimidade com acordo total ou parcial, sem agredir ninguém, ela não é crime. Do contrário, é, se o caso for de pedofilia, exibicionismo ou frotteurismo, por exemplo." O médico lembra que há muitos casos, mas ressalta que eles se apresentam depois de descobertos, quando são pegos em flagrante, na prática do crime, ou porque chegam a um grau de sofrimento insuportável.

Sites bloqueados
Recentemente, o presidente do Google, Eric Schmidt, anunciou a aplicação de uma nova tecnologia que permitirá ao grupo bloquear um grande número de buscas de pornografia pedófila na internet, em um artigo publicado no jornal britânico Daily Mail. De acordo com Schmidt, a pornografia pedófila será expurgada dos resultados de mais de 100 mil tipos de busca, graças à nova tecnologia. As restrições serão aplicadas inicialmente aos países de língua inglesa, mas nos próximos seis meses serão ampliadas ao restante do mundo e a outros 158 idiomas. O anúncio foi feito poucas horas antes de uma reunião sobre a segurança na internet, que ocorreu em 18 de novembro na residência do primeiro-ministro britânico, David Cameron, em Downing Street, com a presença de representantes do Google, Microsoft e outras empresas de internet. "Sem dúvida a sociedade nunca vai conseguir eliminar tal depravação, mas devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para proteger as crianças da maldade", escreveu Schmidt. "Programamos o Google Search com precisão para impedir a exibição em nossos resultados dos links com os abusos sexuais infligidos às crianças", explicou. 

Eduardo Almeida Reis - Retrospectivas‏

Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 20/01/2014 



Retrospectivas
Toda mudança de ano é a mesma coisa: retrospectivas a montões. Não gosto de retrospectivas: prefiro perspectivas, sempre que possível otimistas, se bem que a situação me pareça ruça. Povo obeso e Produto Interno Bruto (PIB) anoréxico. Fico horrorizado com a gordura das pessoas no Terminal Rodoviário do Tietê, em São Paulo. Será que aquelas moças transbordantes de untos cabem numa poltrona de ônibus? Nas favelas, é a mesma coisa: senhoras e jovens imensamente gordas. Diz-se que o problema norte-americano é muito mais grave, mas não moro nos Estados Unidos. Moro num país que tem a mania de publicar as retrospectivas imprimindo folhas e mais folhas de desgraças ocorridas no ano que passou. Prefiro sonhar com dias melhores, mas está ficando difícil. Com o título Civilização do espetáculo - Uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura, Vargas Llosa reuniu uma coletânea de textos que publicou em El País e sua análise vem ao encontro do que tenho escrito em Tiro e Queda, sem o talento e a cultura do Nobel de Literatura, autor do divertidíssimo Pantaleão e as visitadoras. A leitura de sua coletânea enriquece e desanima. A começar pela exposição das obras de arte do colecionador Charles Saatchi, aquele imbecil que ousou apertar o pescoço da linda Nigella Lawson, onde Llosa encontrou trabalhos “artísticos” feitos com fezes de elefantes. Um sujeito capaz de agredir Nigella deve ser condenado a comer o bolo fecal que considera arte. 

Qualquer idiota que pegue um cabide de arame, desses horríveis que estragam as roupas, e nele ponha, dois a dois, pregadores de madeira pintados da mesma cor – dois verdes, dois azuis, dois pretos, dois vermelhos – é considerado artista. Os pregadores simbolizam casais gays obviamente sem racismo, porque dois são pretos e dois vermelhos, referindo-se aos nossos irmãos afrodescendentes e os Awá-Guajá, que Miriam Leitão anda empenhada em salvar. Apesar de brilhante jornalista, Miriam Azevedo de Almeida Leitão, mineira de Caratinga, não parece ter visto que o Maranhão tem outros problemas além dos madeireiros metidos nas terras dos Awá-Guajá. Tem os políticos, que não são flores que se cheirem. Na Penitenciária de Pedrinhas, os presos se degolam às dúzias e suas mulheres, nos dias de visita, são estupradas pelos chefes dos grupos apenados. Para encerrar essas considerações, muito pessimistas para o meu gosto, pergunto: alguém é capaz de me explicar o que leva um casal de beócios a pichar a estátua de Carlos Drummond de Andrade, em Copacabana, no Rio de Janeiro?

Animais 

Gostar de animais é sentimento bonito, mas há limites. Zoolagnia, por exemplo, configura grave quadro psicopatológico e abunda por aí. Como ninguém sabe o que é zoolagnia, explico que o substantivo feminino vem de zo(o)- “ser vivo, animal” + -lagnia “coito, cópula, libertinagem”: é gente que sente atração sexual por animais. Parece quadro raro, mas não é incomum. Em muitos casos fica difícil estabelecer o limite entre a afeição e a tara sexual. Jovem senhor guapeense, o que significa dizer natural de Guapé (MG), às margens da Represa de Furnas, no Sul de Minas, notabilizou-se pelo sucesso que fazia com as mulheres, sem distinção de cor e idade. Nessas andanças, relacionou-se com respeitada senhora de um estado do Nordeste, que vivia cercada de gatos. E se queixou, numa noite em que tomávamos uísques: “Eu não gosto de gato. Eu tenho medo de gato!”. Parece que o relacionamento durou pouco. Ter 44 cachorros numa fazenda de bom tamanho pode ser considerado normal, desde que o fazendeiro goste de cachorros. Mas ter 44 cachorros dentro de casa na fazenda, e só dentro da casa, salvo melhor juízo, é coisa muito esquisita. Ninguém me contou: vi o quadro. Sentei-me diante do computador para comentar a crônica de um dos melhores textos de nossa imprensa, que se perde quando fala do seu amor pelos animais. Não é quadro de zoolagnia, mas de afeição por todas as espécies, afeição desmedida, incondicional, que me parece exagerada e resulta chata numa crônica. Ainda uma vez, salvo melhor juízo.

O mundo é uma bola 


20 de janeiro de 1265: em Westminster, primeira reunião do Parlamento inglês. Em 1273, Maomé II se torna o segundo rei nasrida em Granada sucedendo a seu pai Maomé I. Reinará até 1302. Como vimos noutros Tiros e Quedas, a Dinastia Nasrida foi a última dinastia muçulmana na Península Ibérica, fundada por Maomé ibn al-Ahmar na sequência da derrota do Almóadas na Batalha de Navas de Tolosa. Dá para perceber que Maomé é nome que faz sucesso entre os muçulmanos. Em 1356, Edward Balliol entrega o seu país e o título de rei da Escócia a Edward III, rei da Inglaterra. A vida de Balliol (1282-1364) foi muito complicada para caber em 20 linhas. Em 1567, chefiados por Estácio de Sá, os portugueses conseguem vencer a resistência dos franceses e dos tamoios no Rio de Janeiro. Belo-horizontinos pronunciam tamóios não me perguntem por quê. Só em 1768 a Inglaterra criou uma secretaria de Estado para as Colônias. Em 1951, inauguração da TV Tupi do Rio de Janeiro. Hoje é feriado no Rio de Janeiro e em mais 50 cidades, quase todas mineiras.

Ruminanças
“Não me incomodem. Estou muito ocupado preparando o meu próximo erro” (Bertolt Brecht, 1898-1956). 

Falta comida nas mesas em Davos - Eduardo Daher

Falta comida nas mesas em Davos 
 
Eduardo Daher Economista (FEA-USP), diretor executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) 

 
Estado de Minas: 20/01/2014

Davos é uma pequena cidade, com cerca de 11 mil habitantes, incrustada nos Alpes da Suíça que, cobertos de neve no inverno, atraem turistas de todo o mundo. Nesta semana, o bucólico cenário receberá chefes de governos, líderes políticos e empresariais e acadêmicos de uma centena de países para o 44º Fórum Econômico Mundial. Entre os chefes de Estado estará a presidente Dilma Rousseff, que participa pela primeira vez do conclave.

O Fórum Econômico deste ano traz como tema A reformulação do mundo – consequências para a sociedade, a política e os negócios. Os organizadores justificam o ambicioso temário: “Hoje, forças políticas, econômicas, sociais e tecnológicas transformam nossas vidas, comunidades e instituições; cruzam fronteiras geográficas, de gênero e de gerações; alteram o poder das hierarquias tradicionais pela das redes sociais”. Pauta caudalosa, porém com uma grave lacuna. Em mais uma edição, faltou o Fórum Econômico se dedicar a um problema crucial para a humanidade, hoje, e para um futuro verdadeiramente sustentável: como debelar a fome no mundo.

Essa injúria atingiu, em 2013, cerca de 842 milhões de pessoas, como alertou o brasileiro José Graziano, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), órgão da ONU, em videoconferência no Fórum Inovação, Agricultura e Alimentos, uma iniciativa da FAO, Embrapa e entidades do agronegócio, em outubro, em São Paulo. O Brasil tem o mérito de vir reduzindo essa nefasta marca. Entre 1993 e 2013, o país tirou 9,2 milhões de pessoas da linha da fome. Ainda assim, vivem 13,6 milhões de brasileiros em situação de miséria.

Na verdade, quase todos nós, bem nutridos, estamos acomodados frente à tragédia da fome. Por outro lado, muitos somos simpáticos a protestos que, midiáticos, rendem propaganda fácil para causas diversas, mas a maioria pouco úteis para as populações – sobretudo as famintas.

Os chamados eventos extremos climáticos justificam as preocupações ambientais. Sem dúvida, chocam-nos imagens de encostas soterrando casas, recorrentes no Brasil; o tsunami no Japão, em 2011, e o tufão nas Filipinas, em novembro último. Mas tão inaceitável é outra tragédia diária que ceifa muito mais vidas: segundo a FAO, por desnutrição ou problemas a ela relacionados, morrem no mundo cerca de 12 mil crianças por dia. Portanto, um cotidiano e silencioso tsunami da fome.

O Fórum Social Mundial, antítese ao encontro de Davos e que ocorre todos os anos na mesma semana, perdeu seu apelo político – alternativo, quando partidos de esquerda alçaram ao poder na América Latina – e agora seus ideólogos enfrentam a difícil tarefa de governar. Em 2011 e 2012, a presidente Dilma Rousseff, convidada para Davos, optou por prestigiar o Fórum Social, em Porto Alegre. O visível esvaziamento do encontro dos movimentos sociais também se deve a muitas de suas ideias anacrônicas, que recusam agendas construtivas com setores acadêmicos e produtivos da iniciativa privada. Por exemplo, programas de inclusão competitiva no mercado para agricultores familiares, estratégia que tem pleno apoio da FAO – caso da iniciativa global Farming First (farmingfirst.org.br/português), com representação no Brasil. 

Por isso, o Fórum Econômico deve cuidar para não ratificar as críticas de que se preocupa demais com as crises do capital e de menos com os dramas sociais. Ou seja, a esperança é que os apelos dos milhões de famintos alcancem as montanhas cobertas de gelo em Davos.