domingo, 20 de outubro de 2013

55 milhões de eleitores tiram o sono dos candidatos à Presidência

Quem quiser subir a rampa do Planalto a partir de 1º de janeiro de 2015 terá que conquistar votos de um público considerado independente e sofisticado pelos analistas. Essa parcela da população aguardará o desenrolar da corrida presidencial para escolher o candidato que apresente as melhores propostas


Paulo de Tarso Lyra

 Correio Braziliense 20/10/2013






Um batalhão de 55 milhões de eleitores tira o sono dos candidatos à Presidência da República em 2014 e dos respectivos marqueteiros e estrategistas das campanhas. Esse contingente, maior que as populações da Espanha, do Canadá e da Argentina e quase do tamanho da Itália, corresponde aos 40% de eleitores brasileiros que não estão cristalizados em torno de um partido político ou de um candidato apoiado por grupos específicos. Eles migram de um nome para o outro, ou atrasam a definição sobre quem apoiarão, em busca do candidato que atenderá os anseios e as expectativas particulares.


Os políticos estão aprendendo que classificar esse grupo meramente como “indeciso” é um risco. Pelo contrário, essa parcela da população é considerada mais madura do que os eleitores cativos. “Eles são muito mais exigentes, esperam para ouvir as propostas de cada um e analisam com cuidado tudo o que ouvem. É preciso mais sofisticação para convencê-los”, acredita o secretário-geral do PT, deputado federal Paulo Teixeira (SP).

Alguns fatores concretos podem ajudar a sedimentar o apoio do eleitorado, como, por exemplo, a indicação do candidato por um padrinho famoso. Foi o caso de Luiz Inácio Lula da Silva em relação a Dilma Rousseff. A composição dos palanques regionais também pesa (veja página 3), ou até mesmo a sugestão de última hora feita por um amigo. Em 2010, por exemplo, 8% dos eleitores confirmaram que escolheram o candidato no momento em que estavam na fila de votação.

 A flexibilidade é a marca do voto desse eleitorado. Especialistas em eleições acreditam que esse público estava com Lula em 2006, mas o abandonou após o escândalo dos aloprados (quando petistas foram presos em setembro daquele ano ao comprar um suposto dossiê contra o tucano José Serra), forçando a realização de um segundo turno. Esses mesmo eleitores voltaram a apoiar Lula, mas o petista teve que enfrentar mais um mês de campanha contra o tucano Geraldo Alckmin. Em 2008, os independentes afastaram-se do técnico Márcio Lacerda (PSB) — que concorria à prefeitura de Belo Horizonte — e chegaram a flertar com o principal adversário, Leonardo Quintão (PMDB). Não aprovaram as propostas do peemedebista e voltaram para Lacerda.
Os analistas estão convictos de que esses eleitores independentes definirão o rumo da corrida presidencial de 2014. Em linhas gerais, eles representam cerca de 40% do eleitorado nacional, mais do que tem o PT, que geralmente soma cerca de 30% dos votos das disputas em diversos níveis, e o PSDB — que costuma largar com margem inicial de 25%. Os 5% restantes costumam se dividir entre votos brancos e nulos.
Programas sociais
Embora esses percentuais e estejam espalhados pelos diversos níveis sociais, não é exagero dizer que a votação do PT se concentra nos centros urbanos e nas periferias e também se entranhou nos grotões brasileiros, sobretudo após a multiplicação de programas sociais, como Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida, o Luz para Todos e o Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf), destinado aos pequenos produtores rurais. Esses grupos tendem a votar no governo caso não haja grandes mudanças de rumo administrativo, em especial nas políticas de assistência.
O PSDB divide um pouco desse eleitorado com o PT — com uma presença menos forte no interior do país —, mas seus simpatizantes defendem um estado mais liberal, com um perfil de gestão descentralizado e com impostos menores.
Já o grupo considerado independente passa, quase que em sua maioria, pelas pessoas que têm mais informação para escolher os candidatos. Também encontram-se nessa parcela de eleitores, segundo a opinião de especialistas ouvidos pelo Correio, os mais jovens, ainda não influenciados pela polarização entre tucanos e petistas. Esse público ganhou peso ainda maior após as manifestações de junho e terá atenção especial dos marqueteiros durante a fase de campanha em 2014. Os estudantes foram às ruas mobilizados pelas redes sociais — aproximadamente 80% dos 10 milhões de jovens que compareceram a manifestações atenderam a apelos via internet.
Ao menos na teoria, a ex-senadora Marina Silva sai na frente dos rivais em relação a esses eleitores, pois passou a imagem de ter uma forma diferente de fazer política, apesar de ter se filiado ao PSB após a Justiça Eleitoral negar o registro da Rede, no início do mês. “Mas a petista Dilma Rousseff e o tucano Aécio Neves tem estrutura e capacidade de virar esse jogo, ainda favorável à ex-senadora”, disse o diretor de um instituto de pesquisas que preferiu não se identificar.

Para o secretário-geral do PSD, Saulo Queiroz, Dilma ainda é pouco influente em relação a esses eleitores independentes. “Quando enfrenta candidatos menos competitivos ou mais desconhecidos, como Eduardo Campos e Aécio Neves, ela tem 42% das intenções de voto. Diante de nomes com maior recall, como José Serra e Marina Silva, esse percentual cai para 37%”, lembra Queiroz. 

Quando a fila não anda - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 20/10/2013

As duas chegaram na minha frente rindo muito, felizes da vida. Eu, sentada atrás de uma mesa, tirei conclusões apressadas: são irmãs, são amigas de infância, são colegas de trabalho, talvez até namoradas. Autografei o livro para uma, autografei depois o da outra, que eu estava ali a trabalho. E elas se cutucavam, cochichavam, tiravam fotos juntas, não se desgrudavam.

Me surpreendi com aquela alegria tão refrescante, já que o óbvio seria encontrá-las esmorecidas, ambas estavam há mais de uma hora numa fila que andava a passos lentos. A morosidade não era culpa minha, e sim da situação, mas mesmo assim me desculpei e agradeci: obrigada por esperarem tanto. Imagina, em que outro local teria conhecido aqui a Adriana? Filas são ótimas para fazermos novas amizades. E saíram as duas rumo ao primeiro chope de suas vidas agora interlaçadas.

E já que tudo está interlaçado, no dia seguinte mesmo recebi um e-mail com uma sugestão de texto de uma senhora que não era nenhuma daquelas duas moças, mas que também havia feito uma amizade em uma fila: “Escreva sobre essa conspiração do destino: pessoas que se conhecem enquanto aguardam ser atendidas”.

Eis-me aqui cumprindo ordens.

Não odeio filas porque não odeio nada, mas não é um acontecimento pelo qual eu anseie. Fila, para mim, é a representação máxima da perda de tempo, e tempo é algo que valorizo mais do que pérolas, jades, rubis. Não escapo de enfrentá-las em bancos, cinemas e em sessões de autógrafos de amigos escritores, mas não recordo de ter feito alguma nova amizade durante a espera. Ou fiz?

Sim, conversa-se em filas. Ainda mais se a fila for demorada e provocar queixas: dois irritados é o começo de uma rebelião. Tem uma rede de supermercado na cidade que me deixa com os nervos destruídos, quase já não a frequento, só em raríssimas ocasiões para comprar dois ou três itens urgentes, e mesmo assim ele desafia meu espírito budista com seus poucos caixas abertos, seus funcionários mal treinados, seus carrinhos abandonados no estacionamento, suas sacolas plásticas que não resistem até a chegada em casa. Nem mesmo o cartaz avisando que agora existe um gerente (virtual) adianta grande coisa. Então, na inevitável fila que se forma, viramos todos clientes guerrilheiros a fim de ver sangue. Não inauguramos ali amizades fraternas, mas ter uma raiva em comum já é um elo.

Desviei do assunto. Era para eu ter falado de pessoas que se tornam amigas de infância durante uma conversa em pé, aguardando pacientemente para realizar sua meta. Conclusão? Até das chatices se pode tirar algum proveito. As filas tornaram-se o novo bar – em frente dos quais, aliás, elas se formam também, longas, animadas, fervilhantes, não raro sendo a principal razão de se ter saído de casa.

Tv Paga

Estado de Minas: 20/10/2013 



 (TCM/Mocho/Divulgação)

ENTREVISTAS O TCM estreia amanhã, às 21h, a primeira série documental exclusiva do canal no Brasil. Além de assinar a produção, Luciana Vendramini comanda o programa Elas, mergulhando nas histórias de vida de mulheres que, com muita luta e perseverança, conquistaram espaço no cenário cultural e se tornaram ícones do cinema. A primeira temporada do programa terá 40 episódios e está focada na apresentação somente de divas brasileiras. Entre elas, Carla Camurati (foto), Marília Pêra, Carmem Miranda, Lilian Lemmertz, Dina Sfat e Tônia Carrero.

COLONIZAÇÃO Marte está congelado e exposto à radiação ultravioleta há bilhões de anos. Sua temperatura média é de 75 graus negativos. A atmosfera de dióxido de carbono é relativamente fina, mas ainda assim o cientista norte-americano Chris McKay acredita que o homem pode um dia viver em um planeta Marte com céu azul, oceanos, rios e bosques de pinhos. É o que ele afirma em Mars: making the new Earth, que o Nat Geo exibe hoje, às 18h30.

EM TERAPIA Ícone do cinema marginal, estrela de filmes como O padre e a moça (1966) e A mulher de todos (1969) – ela inclusive foi casada e teve duas filhas com o diretor Rogério Sganzerla –, a atriz Helena Ignez revela a paixão por Nietzsche e diz que já foi presa algumas vezes, em testemunho a Fabio Marcoff, em mais um programa No divã do dr. Kurtzman, hoje, às 21h, no Canal Brasil.

NA COZINHA
Minas Gerais é o destino de hoje de Josimar Melo (foto) no programa O guia, às 19h, no canal Bem Simples. Ele vai a uma fazenda, experimenta o trabalho dos boias-frias cortando cana com as próprias mãos, e depois acompanha o processo de produção da tradicional cachaça mineira. Já em BH, vai saborear a famosa galinha ao molho pardo do Restaurante Maria das Tranças, mas terá que pegar a galinha sozinho.



A onda verde e amarelo
Por força da regulamentação do mercado, séries nacionais invadem os canais de TV por assinatura

Publicação: 20/10/2013 04:00

Sucesso de audiência, O negócio já teve o segundo ano confirmado pela HBO (HBO/Divulgação)
Sucesso de audiência, O negócio já teve o segundo ano confirmado pela HBO

Se ainda não percebeu, o assinante menos atento deve notar que, cada vez mais, a TV paga anda exibindo séries de ficção com elenco nacional. O aumento pode ser mensurado e explicado. De acordo com levantamento recente da (Agência Nacional do Cinema (Ancine ), dobrou a quantidade de horas de exibição de conteúdo brasileiro no ano passado e a tendência é que o número de produções só aumente. A mudança se deve à Lei Federal 12.485, que garante cotas de exibição de conteúdo nacional na TV por assinatura.

Praticamente, todo mês um canal coloca nova série no ar. A Fox, por exemplo, acabou de estrear Se eu fosse você, com Heitor Martinez e Paloma Duarte. Já o Multishow lançou De volta pra pista, com Daniele Valente, e na semana que vem, no dia 30, será a vez da nova temporada de Meu passado me condena, com Miá Mello e Fábio Porchat. Esses são apenas alguns exemplos das muitas produções nacionais que devem estrear até o fim do ano. Em 2014, obviamente, novos lançamentos estão previstos.

A nova regulamentação garante cotas de exibição de conteúdo nacional na TV por assinatura, entre outras medidas benéficas ao setor. Desde o mês passado, os canais em operação no país, exceto TV aberta, esportivos e jornalísticos, têm de exibir três horas e 30 minutos de programação nacional por semana, em horário nobre. O tempo, que era de uma hora e 10 minutos em 2011, foi sendo ajustado anualmente pela lei, para que os canais pudessem se adaptar e chegar ao máximo neste ano.

Metade desse conteúdo tem de ser de produtoras independentes brasileiras. “É a área mais beneficiada, com espaços garantidos de coprodução e exibição nos canais. Isso gera demandas por produtos e inserção profissional”, analisa Mauro Garcia, diretor - executivo da Associação Brasileira de Produtores Independentes de Televisão (ABPITV). A entidade tem hoje 356 produtoras associadas espalhadas pelo Brasil. O número é quase 70% superior ao registrado em março de 2012.

Apesar de a agenda de diversos canais ainda não ter sido divulgada, no próximo ano devem ser lançadas novas temporadas de séries nacionais de ficção, como O negócio (HBO), Sessão de terapia (GNT) e Agora sim (Sony), além da estreia de novos produtos. O Multishow pretende levar ao ar A segunda vez, baseado no livro A segunda vez que te conheci, de Marcelo Rubens Paiva, enquanto a Fox planeja lançar Bruna Surfistinha, baseado  no filme homônimo de 2011. “Aumentamos a produção local porque isso já fazia parte da estratégia da Fox, e esse aumento foi quantificado para que atendêssemos a lei”, revela Marcello Braga, diretor de conteúdo da Fox para o Brasil.

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Homens que amam demais‏

Estado de Minas: 20/10/2013 





O rapaz no balcão chegou-se para a moça com alguma antiga intimidade e disse, confessando ironicamente: “Eu sou um homem que ama demais!”.

Ela riu. Cúmplice. Discretamente. Descrente, acho. Como quem diz: “Esse não tem jeito, me engana que eu gosto…”.

Ele se referia àquela frase do filme e do livro: Mulheres que amam demais. Será que só as mulheres amam desesperadamente? E o homem, veio mesmo de outro macaco?

Aquela coisa de que as mulheres são de Vênus e os homens são de Marte precisa ser reformada. Tem muito homem que nunca saiu de Vênus e tem horror a Marte. Estão mais para aquele slogan dos anos 60: “Faça amor, não faça a guerra”.

Penso nisso agora que estão celebrando Vinicius de Moraes. Ele não é o maior poeta brasileiro, mas, sem dúvida, é dos mais amados. Acho que ele pertencia àquela categoria dos homens que amam demais. Consta que se casou umas nove vezes, sem contar os não casamentos intensamente amorosos. E pregava aquela coisa do amor infinito… enquanto dure… Ou seja, era dos que amam o amor (ou o desejo) mais do que as mulheres.

Em algum momento da vida, num desses estúdios de TV, conheci Carlos Alberto Lüffler. Vi certa vez, na internet, umas historinhas que confirmam que era um romântico à antiga. Vivia apaixonado e não sabia viver a não ser pela paixão.

Mas não precisava realizá-la. Nem precisava de correspondência. Bastava estar apaixonado. Mesmo que platonicamente, a distância. Acho até que preferia a paixão não declarada, não realizada, para não vê-la acabar na trivialidade. Sua paixão maior e mais conturbada, no passado, não sei se correspondida, foi pela cantora Maísa Matarazzo, que, aliás, despertou muitas outras paixões avassaladoras em sua vida tão despassarada.

Fernando Barbosa Lima contava de uma grande paixão de Lüffler. Mas como toda grande paixão, sempre a distância. A mulher não o conhecia ou nunca lhe tinha prestado atenção. Mas ele se apaixonou, como se dizia, perdidamente. Perdeu-se de si mesmo, mudou animicamente para a outra pessoa. E começou a mandar flores, sem cartão ou assinatura, todos os dias. Aos poucos, a mulher objeto da paixão se acostumou com aquele mesmo entregador, chegando com as flores todas as tardes. Tinha evidente curiosidade em relação ao misterioso remetente, dava gorjetas altas, tentando convencer o entregador a revelar o nome do apaixonado.

Quando Lüffler achou que era o momento, decidiu revelar-se e foi, ele, pessoalmente, levar as flores. Ela abriu a porta, recebeu o buquê e antes que ele falasse qualquer coisa, a mulher entregou-lhe a gorjeta, dizendo: “Diz a seu patrão que não gostei da troca de entregador. Preferia que fosse sempre o mesmo”.

Sobre a paixão, Carlos Alberto Lüffler tinha uma teoria: o apaixonado é um sujeito sem culpa. É como o atropelado. Ele não quer se apaixonar, não está à procura da paixão, mas ela vem como um caminhão, derrubando tudo. O atropelado também não quer ser atropelado. Ele está só andando na rua, seguindo na calçada, direitinho, e vem um ônibus desgovernado, invade e passa por cima dele. Que culpa tem?

E completava: pior. O atropelado já está no chão, morrendo, dá uma olhadinha para ver o que o atropelou e o motorista do ônibus ainda lhe dá um adeusinho.

ENTREVISTA: FERNANDO MORAIS » "Quero pendurar as chuteiras"

Autor de livros sobre Olga e Chatô, o escritor fala sobre a polêmica das biografias


Ana Clara Brant

Estado de Minas: 20/10/2013 



 (Leandro Couri/EM/D.A Press)

O assunto do momento na área de cultura são, sem dúvida, as biografias. A discussão, que já estava na ordem do dia há algum tempo, inflamou-se nos últimos dias, a partir da criação do Procure Saber, formado por artistas como Roberto Carlos, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Chico Buarque. O grupo, liderado pela empresária Paula Lavigne, defende a manutenção dos artigos 20 e 21 do Código Civil, que proíbem a divulgação de informações pessoais de qualquer cidadão em casos que "atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais”. Resumindo, querem a autorização prévia do biografado para que as publicações cheguem às lojas.

Referência em biografias no Brasil, o jornalista e escritor mineiro Fernando Morais, de 67 anos, revela que ficou surpreso com o posicionamento de gente como Chico Buarque e Milton Nascimento. “O Chico mesmo é um cara atilado para as coisas políticas, o Milton também, são pessoas que conheço. Não esperava isso deles. O Djavan escreveu um artigo afirmando que os biógrafos estavam acumulando fortunas, enquanto o biografado não recebe nenhum tostão. Queria que ele apontasse um biógrafo que se encaixa nesse perfil. Vou mandar a conta do  açougue para o Djavan”, afirma.

Casado com uma historiadora e autor de 10 livros, sendo quatro biografias – Olga, que narra a trajetória de Olga Benário, recrutada pelo governo soviético para dar proteção ao líder comunista brasileiro Luís Carlos Prestes, com quem viveria um romance; Chatô, o rei do Brasil, biografia de Assis Chateaubriand; Montenegro, as aventuras do marechal que fez uma revolução nos céus do Brasil; e  O mago, biografia de Paulo Coelho –, Morais assegura que nunca teve problema nenhum com seus biografados. “O problema que tive foi com o deputado Ronaldo Caiado, que foi citado em um dos meus livros, mas com relação aos outros, e olhe que contei a história de gente polêmica como Assis Chateaubriand, que tem filho, neto, bisneto. A família dele, inclusive, me ajudou muito a escrever”, revela. Em entrevista ao Estado de Minas, o jornalista e escritor falar sobre a polêmica ‘‘lei das biografias’’ e de seus projetos atuais, como um livro sobre o ex-presidente Lula.


Não tem como não falar desse embate envolvendo as biografias. Qual é a sua posição sobre o tema?

Nossa briga é pelo direito da população a conhecer a própria história. Vamos supor que eu queira falar sobre o Getúlio. A história dele pertence à família Vargas ou ao Brasil? Vou ter que consultar netos, bisnetos, etc.? Essa polêmica toda não atinge só quem escreve biografia, mas todo mundo que escreve não ficção no país.

E você tem discutido isso com seus colegas, tem se mobilizado nesse sentido?

A gente fala sim, e espero que quando a ministra Cármen Lúcia convocar a audiência pública para discutir o assunto, haja mobilização dos autores para fazer política no melhor sentido da palavra. Não preciso de ninguém para defender meus interesses. Até porque o interesse não é só meu. Não preciso disso. Vivo há 40 anos da venda dos meus livros num país que não lê livros. Nunca usei um tostão de incentivo fiscal, de ajuda, de Lei Rouanet. Até poderia, porque fazer um livro como Chatô..., que demanda muito trabalho, é caro. Mas não usei. Se essa história progredir, será um atraso. Tenho esperanças de que não progrida.

Você chegou a ter problemas com um dos seu livros, mas não com as biografias.

Sim. Tenho um processo do deputado Ronaldo Caiado. Fui condenado em Goiás, em várias instâncias. Consegui reduzir a indenização e, agora, meus advogados estão esperando para recorrer. Enquanto puder ir a uma instância superior, a gente vai. (A Justiça condenou a Editora Planeta, Fernando Morais e o publicitário Gabriel Zellmeister, da agência W/Brasil, a indenizar o deputado federal Ronaldo Caiado em R$ 2,5 milhões. No livro Na toca dos leões, sobre a história da W/Brasil, Morais diz que o deputado teria sugerido aos diretores da agência, durante a campanha de 1989, que poderia esterilizar as nordestinas por meio de uma substância química na água).


Como anda o produção do livro sobre o Lula?

Queria terminar o trabalho de campo em setembro, não consegui. Ainda tenho muitas entrevistas para fazer e alguns arquivos para mexer. Tem um pacote de fitas que o frei Betto me deu de inéditas do Lula, que ainda tenho que mandar digitalizar. Aparece muita coisa nova a todo momento, muitas contribuições. Sai uma notícia no jornal de que estou fazendo um livro sobre tal pessoa e aí muita gente entra em contato. ‘‘Ah, eu fiz segurança pro Lula quando ele era sindicalista ou ele era candidato’’. E eu vou atrás de tudo. Se o cara disser que está em Manaus e que tem um depoimento pra dar, eu vou. Tem que ver o que é.

Mas não chega a ser uma biografia dele?

Não. É um período da vida do Lula; uma fatia. Que vai da cadeia, em 19 de abril de 1980, ao fim da presidência. Acho que conto com duas vantagens com relação aos demais candidatos a esse trabalho. Primeiro, pelo fato de não ser do PT, não tenho ligação de nenhuma natureza com o partido. Segundo é que conheci Lula em 1979, e convivi muito com ele até a presidência. O Itamar Franco dizia uma coisa bem curiosa: que as pessoas são divididas entre as que são e as que não são percevejos do palácio. E sou um antipercevejo do palácio. Então, Lula virou presidente e perdi o contato.

E como começa a história desse livro?

Começa na noite em que o sindicato de São Bernardo foi invadido. Estávamos na cidade (eu, que era deputado pelo MDB, Fernando Henrique Cardoso, que na época era suplente de senador, e um deputado do PT, o Geraldinho Siqueira). Eu estava sempre lá, porque tinha muita repressão e tudo. Naquela noite, FHC apareceu e fomos comer frango com polenta num restaurante. Na hora que terminou o jantar, Lula intuiu que o governo ia fazer alguma coisa contra o sindicato nas próximas horas. FHC discordou, achava que Figueiredo não estava com muita força. Depois do jantar, eu e Geraldinho Siqueira fomos para o sindicato. Começamos a jogar baralho e à 1h30 da manhã olhamos pela janela. A sala do Lula ficava no último andar do prédio. Ouvimos um barulho estranho e a Tropa de Choque já tinha cercado o sindicato. O interventor (Romeu Tuma) estava subindo com uma ordem para o Lula deixar a diretoria. Olhe a ironia do destino. Ele tinha me prendido uns anos antes, numa das minhas voltas de Cuba, se tornou meu carcereiro. Anos depois, permitiu que eu levasse frutas escondido para os presos, tanto o Lula quanto os outros diretores do sindicato.

E por que esse interesse em contar a história do presidente do Lula?

Estou cercando o Lula desde 2002, ele nunca topou. Em julho de 2011, eu estava passando férias na França e ele me ligou. Começamos a conversar e ele finalmente quis fazer. Muita gente acha que ele tomou essa decisão depois que descobriu o câncer. Mas ele decidiu antes. A doença só foi diagnosticada em outubro... A doença atrasou muito o livro. Mesmo depois de ele descobrir, gravamos. Tenho fotos com ele já sem barba, sem cabelo. Enquanto estava sendo submetido à quimioterapia, conseguimos fazer. Mas quando começou a radioterapia, não deu mais. Afetou muito a voz dele. Ficamos de dezembro de 2011 a julho de 2012 sem trabalhar. Então, fui entrevistar outras pessoas. Só voltamos quando o médico liberou. Mas ainda tem muita coisa a fazer.

Você se considera amigo do Lula?

Não. Não frequento a intimidade dele. Ele foi à minha casa umas quatro vezes. Uma para comer uma canjiquinha que o frei Betto cozinhou. Noutra, eles precisavam de uma casa que não fosse visada pela imprensa para uma conspiração dele, do Brizola, da Martha Suplicy e o do Quércia. Uma tentativa de fazer a aliança PMDB/PT/PDT para a eleição presidencial de 1998. O mais engraçado é que a casa do FHC era do outro lado da rua. Eu brincava que se ele subisse num caixote e olhasse para a minha casa, ia saber que estávamos conspirando contra ele (risos). Então, essa pequena convivência com o Lula, pra mim, muito rica, porque é de primeira mão. Não estou entrevistando ninguém para saber dessas histórias. São coisas que vi e vivi, que testemunhei. Isso acaba contribuindo para que eu faça o livro com certa vantagem sobre outras pessoas. Tem boa parte da história de que eu mesmo participei.

O projeto do livro do José Dirceu foi interrompido. Você vai retomá-lo?

Não sei. Até porque estou me inclinando cada vez mais a pendurar as chuteiras. Já estou meio de saco cheio de escrever livro. É muito cansativo. Mesmo para a pessoa que tem a sorte de vender muito, como eu, não compensa. Tenho 67 anos e não tenho nada. Nem a casa onde moro; a metade é da minha mulher. Se ficar três meses sem trabalhar, não tenho como pagar o supermercado, o condomínio. É um trabalho infernal. Já escrever, nem tanto, eu gosto. É trabalho de campo, porque sou minucioso, detalhista, do tempo em que a arte do jornalismo era a arte de sujar o sapato. Esse negócio de fazer entrevista pelo telefone, pela internet, não dá. Vou entrevistar você e quero saber se você é careca, gordo, se tem dentes, se está com um sapato furado. Você pode até dizer que isso não tem a menor importância para a história. Mas tem para o leitor. Contar para as pessoas que estou fumando um charuto e tomando uma cachaça não vai mudar nada do que vou dizer. Mas é mais saboroso. Você dá um presentinho a mais ao leitor. E acho que o leitor tem que ser bem tratado sempre.

Mesmo falando em pendurar as chuteiras, quais as histórias você ainda gostaria de escrever?

Nossa, um monte. A história da luta armada no Brasil, a do Partido Comunista Brasileiro. Tem personagens interessantes. E tem muita coisa que gostaria de ter feito e não consegui por estar metido em outros projetos. Por exemplo, ia fazer a história de Salvatore Cacciola. Alguém fez uma ponte entre nós. Cacciola ia dar a versão dele, dando nome aos bois. Fui para Roma, jantamos, a história parecia saborosa jornalisticamente. Mas eu precisava de prazo. Ele queria pra já. Como eu estava envolvido com outro livro, a editora já estava esperando, não foi pra frente.

Apesar de ter escrito tantos livros de reportagens, você se destacou mesmo pelas biografias. Por que esse interesse do leitor pelo gênero?

Tem uma série de ingredientes. Primeiro, há enorme curiosidade das pessoas, mesmo as mais velhas, porque houve o período da ditadura em que não se podia falar de nada. E os mais jovens também têm interesse pela história recente do Brasil, e por outras histórias. Em segundo lugar, acho que tem uma preocupação com o texto. O escritor tem que ter essa preocupação com um texto elegante, saboroso, com minúcia. No Olga, por exemplo, conto, respeitosamente, que o Prestes era virgem aos 37 anos, e foi para a cama com a Olga pela primeira vez, e ela já tinha vasta experiência com homens. Foi o próprio Luiz Carlos Prestes que me contou isso. Não foi uma coisa que descobri. Usei isso respeitosamente, para não transformar numa bisbilhotice.

Você nunca escreveu nada ficcional. Tem vontade?

Nem pensar, com uma realidade tão boa igual a esta. Nunca escrevi um parágrafo ficcional. Não tenho vontade. Fiz uma experiência de roteiro semificcional para uma minissérie da TV Globo chamada Sociedade secreta, sobre a Revolução de 1930, em São Paulo. E teve a série Cinco dias que abalaram o Brasil, no GNT, sobre o Getúlio Vargas. Mas ali tudo eram fatos. A parte de ficção, que eram os jornalistas narrando a história, era só uma fachada.

O que você acha das adaptações dos seus livros para o cinema?

Teve o Olga, do Jayme Monjardim, e Corações sujos, do Vicente Amorim. Gosto dos dois. São duas adaptações completamente diferentes. O Jayme fez uma escolha, foi fazer um filme popular e acertou, porque deu 5 milhões de espectadores. Os chamados intelectuais não gostam, mas eu gosto. Até porque foi um filme que popularizou uma história que era privilégio de meia dúzia de pessoas. O Corações sujos já é um filme mais cabeça. Mas ambos me agradam.

Tereza Cruvinel-Dois bombeiros‏

Lula e Temer não querem uma reprise das escaramuças de 1998 e de 2002 nas convenções do PMDB


Tereza Cruvinel

Estado de Minas: 20/10/2013


Na alianças e nas disputas, quando as coisas se complicam, alguém apela: "Segure os seus radicais que eu vou segurar os meus". Foi o que combinaram, em almoço na sexta-feira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente Michel Temer, constatando a necessidade de uma freada de arrumação nas escaramuças pré-eleitorais entre petistas e peemedebistas. Acertaram na sobremesa a criação de um grupo de trabalho com três ou quatro de cada lado para coordenar os arranjos nos estados. Quando não for mesmo possível a composição, serão estabelecidas algumas bases e limites da disputa no estado para preservar a aliança nacional.

O que Lula e Temer sabem é que não basta, para a candidatura da presidente Dilma, ter o apoio da maioria das bancadas ou das seções estaduais do PMDB. A aliança terá que ser aprovada em convenção e nenhum deles gostaria de ver a reedição das escaramuças do passado. Em 1998, o partido dividiu-se entre os que queriam apoiar a reeleição de Fernando Henrique Cardoso e os que preferiam Lula ou Ciro Gomes. O ex-presidente Itamar Franco apresentou-se como candidato e foi derrotado, mas a convenção não conseguiu formalizar apoio a ninguém. Em 2002, foi parar no STF a briga para anular a convenção que havia oficializado o apoio ao tucano José Serra, contra a candidatura do senador Roberto Requião. O apoio formal a Serra garantiu-lhe a vice, Rita Camata, e o tempo na tevê, mas as seções regionais mais importantes apoiaram Lula.

O líder petista escalou-se para fazer a costura que Dilma tem evitado por inapetência, e o PT porque ainda está zonzo com a jogada de Eduardo Campos-Marina Silva. Sabe que Dilma precisa das duas coisas, do apoio formal e do engajamento do partido nos Brasis remotos. O gongo soou diante da ameaça do PMDB do Rio – que controla 15% dos convencionais – de arregimentar forças contra a aprovação da aliança se for mantida a candidatura do senador Lindbergh Farias (PT) a governador, contra o candidato do governador Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, ambos peemedebistas. O Rio é o nervo exposto, mas a fervura está alta também no Maranhão e no Ceará, afora estados onde nem se cogita composição, como Bahia e Rio Grande do Sul. Esta semana, Lula e Dilma ligaram para o ex-presidente José Sarney depois de notícias dando conta de que o PT maranhense já havia decidido apoiar o candidato do PCdoB, Flávio Dino. Nada resolvido, garantiram os dois, acalmando o leal e indignado aliado. No Ceará, depois que os irmãos Gomes deixaram o PSB para ficar com Dilma, o PT enfrenta a tentação de jogar ao mar a candidatura do líder peemedebista no Senado, Eunício Oliveira. Se essas três seções, ressentidas com a rejeição petista, forem à guerra na convenção, podem fazer estrago.

Enquanto isso, o presidente do PSDB e senador por Minas Gerais, Aécio Neves, percorre o país criticando a política econômica para levar o tema ao debate eleitoral, e a coligação PSB/Rede diverte a plateia fingindo que Marina Silva poderá ser candidata.

Duas viagens audiovisuais
A coprodução da série de documentários O Dia que durou 21 anos foi um dos projetos mais caros e significativos para os que estiveram comigo na presidência inaugural da EBC/TVBrasil (2007–2010). Concebido e dirigido por Camilo Tavares e ancorado na experiência e na consultoria de seu pai, o jornalista, ex-preso político e exilado Flávio Tavares, a obra resgata, com imagens, áudios e depoimentos inéditos, a gênese do golpe de 1964 e a participação dos Estados Unidos na queda do Brasil na ditadura. Na sexta-feira, a presidente Dilma Rousseff exibiu a obra para público restrito no Palácio da Alvorada, valorizando a restauração da memória, que ela instituiu criando a Comissão da Verdade, e também graças à capacidade realizadora dos documentaristas e o papel da televisão pública em iniciativas educativo-culturais.

O documentário mostra as articulações golpistas de políticos, empresários e militares brasileiros e os laços com a Casa Branca, que tinha como principal operador o embaixador no Brasil, Lincoln Gordon. Ainda em 1962, o então presidente John F. Kennedy, num áudio obtido pelos produtores, deu-lhe o sinal verde para apoiar ações contra o presidente João Goulart. Os dólares correram em apoio à eleição de candidatos da oposição e outras ações desestabilizadoras. Morto Kennedy, o presidente em 1964 era Lyndon Johnson. Em conversa telefônica gravada com o subsecretário de Estado George Ball, ele autorizou o envio de uma força naval para a costa brasileira, em apoio ao golpe. Não precisou ser usada. Foi a Operação Brother Sam.

Essas e outras provas foram obtidas com a abertura dos documentos relativos às presidências Kennedy/Johnson, entre outras fontes. A poderosa memória jornalística de Flávio Tavares vai pontuando o antes e o depois. Camilo, que nasceu no México, quis resgatar o que viveu e não compreendeu numa infância atribulada, mas serve essencialmente à verdade.

Vozes d’África
Para encurtar as distâncias com a África, não basta ao Brasil ajudar seus povos ou estimular investimentos. O Brasil precisa também conhecer melhor o continente que forneceu importantes pilares étnicos, econômicos e culturais de sua formação. A TV Bandeirantes estreou ontem Presidentes africanos, série de entrevistas conduzidas por Franklin Martins, em sua volta ao vídeo como repórter e entrevistador, sob a direção de Carlos Nascimbeni e Carlos Alberto Junior. A produção é do Cine Group, única produtora brasileira com filial na África, onde atua há seis anos. Na primeira fase, serão exibidos episódios com José Eduardo dos Santos (Angola), Jacob Zuma (África do Sul), Armando Guebuza (Moçambique), Goodluck Jonathan (Nigéria) e Joseph Kabila (República do Congo). 

Artes em diálogo - Carolina Braga

Inhotim anuncia construção de teatro ao ar livre para 15 mil espectadores e projeto de oficinas de roteiro com o Festival de Sundance. Antônio Grassi planeja trazer companhia de Pina Bausch


Carolina Braga

Estado de Minas: 20/10/2013 



Antônio Grassi, diretor-executivo do Inhotim, defende que a busca arte de qualidade deve ser a marca dos novos projetos do instituto (Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
Antônio Grassi, diretor-executivo do Inhotim, defende que a busca arte de qualidade deve ser a marca dos novos projetos do instituto



Chamar simplesmente de arena parecia pouco. Anfiteatro também não era a opção mais adequada. Ficaria sem o charme e a modernidade que o local, de certa forma, já carrega. Quando a cenógrafa e diretora Daniela Thomas veio a Minas apresentar o novo projeto a ser construído no Inhotim, ainda não sabia muito bem que nome dar. Até que Bernardo Paz, o idealizador do instituto de arte contemporânea, soltou: “Grota dos Sonhos”. Bateu o martelo.

Até 2015, o museu e jardim botânico de crescente reputação internacional terá a sua primeira sala de espetáculos. Quer dizer, sala é modo de dizer. O espaço a ser erguido nas imediações do parque, com o palco construído dentro de um lago, condiz com a proposta de transversalidade do Inhotim. Ali dentro todas as artes podem – e devem – conversar.

 “É um lugar em que você pode ter espaço para concertos, música, dança e ópera. Tem um palco que possibilita isso tudo e, ao mesmo tempo, é um espaço para que o público possa fazer piquenique”, detalha Antônio Grassi, atual diretor- executivo do centro de arte contemporânea erguido em Brumadinho. De acordo com o projeto, apenas o palco será coberto. O público ficará no gramado, em meio às árvores, numa área que poderá comportar de 1,5 a 15 mil pessoas. A entrada será tanto pelo parque, em ações integradas com as outras artes, quanto por uma passagem independente. Até sua inauguração, será construído um novo acesso ao local e área para estacionamento.

Mineiro de Belo Horizonte, desde 1980 Antônio Grassi vive fora de Minas Gerais. Em julho, decidiu deixar a Presidência da Fundação Nacional das Artes (Funarte), para entrar de cabeça no sedutor projeto de pensar, articular e realizar ações e propostas para incrementar as potencialidades do Inhotim em outras áreas, para além das artes plásticas e da botânica. “Ao chegar, a gente vê que tem muita coisa para trabalhar pela frente”, comenta.

Roteiros

Enquanto Daniela Thomas detalha o projeto da Grota dos Sonhos, também sob a supervisão de Grassi, representantes do Inhotim estão nos Estados Unidos articulando com profissionais do Festival de Sundance outra ideia ousada: a de realizar em Minas Gerais um laboratório para roteiristas, com inscrições abertas em todo o mundo.

“A gente precisa muito de roteiristas. Não existe estímulo a essa formação”, ressalta Grassi. Realizado anualmente em janeiro, o Festival de Sundance é uma das ações do Instituto Sundance, fundado pelo ator Robert Redford, em 1978. Além da mostra de filmes, a organização planeja também cursos e ações voltadas para a formação de novos cineastas e demais profissionais envolvidos na cadeia do cinema.

“Eles têm a ideia de se juntar ao Inhotim em nova safra desses laboratórios”, adianta. Os primeiros contatos foram feitos no Canadá e continuaram em reunião em Los Angeles. Em dezembro, representantes de Sundance vêm ao Brasil conhecer o Inhotim. Da forma como vem sendo conversado, o laboratório contaria com a participação de oito roteiristas, de várias nacionalidades.

De acordo com Antônio Grassi, a iniciativa pode ser vista também como um incentivo ao cinema de arte brasileiro. “As experiências bem-sucedidas comercialmente hoje tendem para a comédia. Nós poderíamos abraçar uma causa em um espaço do cinema de arte, que tem sido muito travado. O Inhotim pode criar um selo, que certamente teria uma personalidade”, diz.

O ator não esconde o entusiasmo com o formato dos laboratórios. Similiares ao de roteiro, também estão nos planos formações voltadas para arquitetura e literatura. “Dá para fazer de várias áreas com esse espírito inovador e experimental o que o Inhotim proporciona”, completa. No caso das artes cênicas, o plano não é menos ousado: trazer a companhia fundada pela bailarina alemã Pina Bausch.

Como parte da celebração dos 40 anos do Tanztheater Wuppertal Pina Bausch, o grupo passará pelo Brasil. “Em novembro de 2014 já existe uma possibilidade de eles estarem aqui para temporadas no Rio, na Cidade das Artes, e no Teatro Alpha, em São Paulo. Queremos inserir o Inhotim nesse roteiro. Nosso convite foi para que eles possam vir aqui e pensar como criar uma coisa especialmente para este lugar”, diz.
Escultura Imóvel instável, de Marcius Galan, passa a ser exposta na quinta-feira   (Rosana Magri/Divulgação)
Escultura Imóvel instável, de Marcius Galan, passa a ser exposta na quinta-feira


Acervo em mutação

Na quinta-feira serão abertas as novas exposições temporárias do Inhotim. Será a maior troca de acervo da instituição desde 2006. Todas as obras pertencem ao instituto. Nove telas com imagens domésticas, paisagens naturais, urbanas e abstratas do pintor Luiz Zerbini formarão a exposição Amor lugar comum, na Galeria Praça. Já na área central do mesmo espaço estará Imóvel instável (2011), de Marcius Galan.

A Galeria Fonte receberá variações de 13 artistas sobre o mesmo tema: a natureza morta. Entre eles estão Jorge Macchi, Mauro Restiffe e o minimalista Robert Morris. O baiano Marepe entra em exposição na Galeria Fonte com os trabalhos Olê ô picolé (2007) e A cabra (2007). A galeria Mata receberá instalações de Babette Mangolte e obras de Juan Araújo, que participa de um encontro com o público na terça-feira. O bate-papo será no Museu Mineiro (Avenida João Pinheiro, 342), com entrada franca.

Vem aí

» Grota dos Sonhos
Com projeto da cenógrafa e diretora Daniela Thomas, o teatro do Inhotim deverá ser construído dentro de um lago. O palco foi pensado para receber apresentações de artes cênicas e música. A plateia terá capacidade para receber até 15 mil espectadores.

» Laboratórios e residências artísticas
O americano Sundance Institut articula parceria com o Inhotim para a realização de laboratórios voltados para roteiristas do mundo todo. De carona nessa ideia, também são planejados encontros com profissionais internacionais voltados para arquitetura e literatura. O plano, em todos eles, é conseguir materializar um produto artístico, seja um filme, um projeto arquitetônico ou um livro.

» Inhotim TV
Dentro do projeto de registro de memória do que se passa dentro do instituto há também o projeto da TV Inhotim. O objetivo é exibir na internet e futuramente em um canal de televisão tudo que já foi feito no centro de arte contemporânea. Bastidores da instalação das obras de artistas como Adriana Varejão, Tunga e Cildo Meireles já estão registrados. 

Reforço na defesa cura o ebola‏ - Vilhena Soares

Cientistas eliminaram a doença em macacos ao juntar terapias que usam anticorpos do vírus. Testes com humanos começarão em 2015


Vilhena Soares


Estado de Minas: 20/10/2013 


Uma combinação de terapias pode ser a cura para uma das doenças mais letais da atualidade. Cientistas dos Estados Unidos e do Canadá conseguiram eliminar o ebola de macacos Rhesus dessa forma: unindo intervenções que tornaram as cobaias capazes de extirpar o vírus. Eles utilizaram anticorpos de macacos que sobreviveram ao mal infeccioso e um micro-organismo criado em laboratório, um adenovírus, que aumentou o número de células de defesa nos animais. A terapia surtiu efeito três dias depois da infecção.

Gary Kobinger, um dos autores da pesquisa e professor da Universidade de Manitoba, no Canadá, conta que um estudo realizado pela mesma equipe de cientistas no ano passado embasou a ideia de usar os anticorpos. “Esse experimento mostrou que os primatas não humanos que se salvaram da exposição ao vírus mortal do ebola ao serem vacinados tinham altos níveis de anticorpos específicos, mas os não sobreviventes apresentavam níveis baixos, quase indetectáveis, dessa substância”, detalha. “Pensamos que seria possível usar esses anticorpos em uma terapia. Fizemos isso e deu certo.”

Para maximizar a defesa do organismo dos macacos, os pesquisadores também trataram as cobaias com um adenovírus – vírus criado em laboratório e usado geralmente como ferramenta para potencializar a produção de substâncias no corpo. Nesse caso, a equipe quis aumentar a quantidade de interferon alfa, uma citocina produzida pelo sistema imunológico.

As cobaias foram tratadas com as duas estratégias três dias após ser infectadas pelo Zaile ebolavirus, um dos subtipos mais letais do vírus ebola. Após a terapia, elas foram totalmente curadas da doença. Os pesquisadores acreditam que os anticorpos ajudaram a neutralizar o vírus e que a maior produção de interferon alfa conseguiu combater de forma mais eficaz a doença. Isso porque, ao tratar macacos somente com o adenovírus, o mesmo resultado não foi obtido.

“No momento, estamos tentando entender exatamente como os anticorpos agem em nível molecular, mas ainda não temos todos os detalhes. Sabemos que podem bloquear a entrada do vírus, que são células sensíveis, mas suspeitamos que exista pelo menos mais um mecanismo que interfira na replicação do ebola”, destaca Kobinger. Os resultados da pesquisa foram publicados na revista Science Translational Medicine.

Estratégia certeira Para Gustavo Menezes, professor de biologia celular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o grande destaque do estudo foi utilizar o adenovírus, que não produziu malefícios ao organismo dos macacos e ainda aumentou os níveis de interferon alfa. “Eles utilizam um vírus para combater outro, além das substâncias do próprio agente infeccioso. O resultado foi totalmente positivo, 100% dos macacos testados obtiveram uma total melhora e mantiveram esse estado mais de 20 dias após o tratamento, o que expressa a eficácia”, observa.

Outro ponto de destaque da pesquisa, segundo Menezes, foi tratar o vírus dias após a infecção das cobaias. “O ebola, muitas vezes, pode ser diagnosticado tardiamente. Existem casos em que as pessoas estão em casa com os sintomas, mas não sabem que têm a doença. Ter tratado esses animais três dias após a infecção mostra que, até mesmo depois do diagnóstico, seria possível dar fim ao vírus”, ressalta.

Stefan Cunha, infectologista da Escola Paulista de Medicina, destaca que o uso de um dos subtipos mais letais do ebola também mostra o sucesso do experimento. “Essa é uma das variações mais cruéis da doença. Curá-la no terceiro dia mostra a eficácia do tratamento.” Para ele, a terapia será importante principalmente para as regiões em que o vírus provoca mais vítimas. “Felizmente, o ebola tem poucos risco de provocar uma pandemia, já que o contágio de pessoa para pessoa é mais difícil de ocorrer. Mas temos regiões na África com altos números de casos e a mortalidade chega a mais de 50% em alguns locais. Com um tratamento tão eficaz como esse, podemos ter a esperança de uma arma que combata essa doença com sucesso e reduza consideravelmente o número de mortes.”

Menezes acrescenta que a base da terapia tem sido abordada em tratamentos de outras doenças. Os anticorpos são usados, por exemplo, na terapia conta males não infecciosos, como a esclerose múltipla “Nesse caso, os remédios já são até vendidos na farmácia. Acredito que uma das maiores vantagens que podem surgir em tratamentos com essas substâncias é conseguir algo mais específico, ações que tratem a raiz dos problemas. Claro que ainda existem efeitos colaterais. Por isso, é necessário que os estudos continuem”, pondera.

Gary adianta que o próximo passo do grupo de cientistas será realizar testes com humanos — experimento programado para o início de 2015. Segundo ele, a equipe está bastante esperançosa com os resultados que serão alcançados. “A partir do fato de que podemos tratar os primatas não humanos e detectar o vírus no sangue de todos os animais, futuramente poderemos salvar todos eles de uma morte certa. Essa é uma possível cura da infecção do ebola”, aposta.

Saiba mais
Experimentos com nicotina
Em agosto, outra terapia também utilizou anticorpos para combater o ebola em macacos Rhesus. As três substâncias foram retiradas da nicotina e resultaram em um coquetel terapêutico chamado  MB-003. O trabalho é fruto do esforço de  pesquisadores da Divisão de Virologia do Instituto de Doenças Infecciosas do Exército dos Estados Unido (USAMRIID) e foi detalhado na Science Translational Medicine. Com a intervenção, eles conseguiram curar 43% das cobaias infectadas pelo vírus dois dias depois do contágio. A expectativa dos cientistas é que a droga esteja disponível  para uso clínico até 2018. 

Saciados pelo olhar‏

Pesquisa mostra que observar muitas fotos de comida - como ocorre com usuários do Instagram e do Pinterest- diminui o interesse pelos alimentos


Vilhena Soares

Estado de Minas: 20/10/2013 




Brasília – Ao acessar redes sociais que têm como premissa as postagens de fotos, como o Instagram e o Pinterest, a possibilidade de ver imagens de comida é bem alta, devido ao costume de muitos usuários compartilharem imagens de pratos que estão prestes a saborear. Mas qual será o efeito – se é que ele existe – dessas imagens sobre o apetite das pessoas?

Um estudo realizado por cientistas americanos e publicado no Journal of Consumer Psichology buscou responder à pergunta e chegou à curiosa conclusão de que a exposição a várias dessas fotografias não aumenta a vontade de provar os alimentos. Pelo contrário, ela tende a reduzir o interesse pelas receitas. Os pesquisadores acreditam que olhar incessantemente a comida pode deixar o cérebro cansado, como se a pessoa já tivesse se alimentado. Dessa forma, supõem, a vontade de saborear as iguarias diminuiria.

Jeff Larson, coautor do estudo e professor do curso de marketing da Marriot School of Management, da Universidade Brighan Young (EUA), explica que o trabalho surgiu pelo interesse em desvendar como as sensações físicas afetam o pensamento humano. “Os psicólogos experimentais estão cada vez mais encontrando maneiras de mostrar como as sensações físicas interagem com a cognição, ou o ‘pensar’. Uma vez que um elemento básico da cognição é uma simulação física da experiência, nos ocorreu que simular o sabor de um alimento pode ter o mesmo efeito de quando você o prova”, diz.

Para investigar se o apetite humano poderia ser afetado pelas imagens das refeições, os cientistas recrutaram estudantes para participar de uma série de experimentos. Em um deles, por exemplo, os voluntários foram divididos em dois grupos, de 60 pessoas cada. O primeiro viu várias fotos de comidas doces, e o segundo, de pratos salgados. Depois, foi oferecido amendoim salgado para todos e perguntado o quanto cada um havia apreciado o tira-gosto.

Nas respostas, os estudantes que tinham olhado fotos de alimentos salgados relataram gostar menos dos amendoins do que os que haviam visto as fotos dos doces. Larson explica o resultado: “Quando você avalia a imagem de um alimento para determinar se o gosto é bom ou não, seu cérebro se engaja automaticamente em uma simulação, que ativa as mesmas áreas do cérebro que seriam estimuladas quando você come. Ou seja, você fica cansado do sabor desse alimento, como se o tivesse ingerido”.

Tédio Para o presidente do Departamento de Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina, Kalil Dualibi, o trabalho corrobora uma suspeita que os cientistas já vêm abordando em outros estudos da área. “Esses pesquisadores induzem, por meio das fotos, a pessoa a ter consciência da satisfação. As imagens são um instrumento utilizado para estimular os caminhos da saciedade, e isso é fantástico. Essa estimulação cerebral torna nossa mente consciente”, destaca o médico, que não participou do experimento. “Existem muitos casos de pessoas que deixam de fumar e gostam de ficar só segurando o cigarro e colocá-lo (apagado) na boca, pois esse ato já as estimula e provoca uma série de sensações. Também temos casos de indivíduos que gostam de cozinhar, fazem isso o dia inteiro, mas que só provam a comida. Para elas, um pouco já é suficiente”, complementa.

Jeff Larson dá uma dica para quem quer evitar “enjoar” dos alimentos de que mais gosta. “Se você quiser desfrutar a experiência de consumo, evite olhar para muitas fotos de comida”, afirma. “Até me senti um pouco mal do estômago durante o estudo, depois de olhar para tantas imagens de doces”, conta. Ryan Elder, segundo autor do trabalho, destaca que a sensação de cansaço, definida por ele como “tédio sensorial”, só é provocada ao ver um grande número de imagens. “Não é que se você olhar para algo duas ou três vezes você vai obter esse efeito de saciedade. Isso é uma boa notícia para os entusiastas das fotos de comida, porque, vamos ser honestos, mostrar a todos a comida incrível que você está comendo é realmente legal”, afirma em um comunicado à imprensa.

Para Renata Morais, professora de comunicação digital do Centro Universitário Iesb de Brasília, o estudo utiliza para análise uma faceta já conhecida de usuários das redes sociais. “Esse costume de tirar fotos de alimentos incessantemente faz parte de um conceito que usamos em aula chamado design social. As mídias sociais têm esse poder. São as ferramentas que as pessoas utilizam para criar uma representação própria, uma autoimagem. Ao tirar fotos de pratos diversos, acredito que elas queiram mostrar um aspecto refinado, sua relação com a gastronomia”, explica.

Renata ressalta que estudos que envolvem o uso de novas mídias exigem alguns cuidados. “Quando falamos em tecnologia, tratamos de um assunto que muda rapidamente. Fazer estudos nessa área é difícil por conta dessa dinâmica. Qualquer coisa que digo agora sobre esse tema é sempre algo preliminar”, aponta. “Porém, é inegável que a nossa exposição cognitiva a essa overload (sobrecarga) sensorial de imagens, de estímulos visuais, como mostrado nesse estudo, faz com que a gente, de certa forma, esteja reconfigurando os nossos mecanismos de reação.”

Larson adianta que os próximos estudos realizados por ele e Elder continuarão a explorar a sensação de saciedade. “Gostaríamos de, em um seguinte, ver se nossos resultados formam uma base para um método de dieta eficaz. Se você tem uma fraqueza por um alimento em particular, será que podemos controlar o seu apetite ao fazer você pensar em comer aquele prato várias vezes?”, adianta.