sábado, 29 de junho de 2013

Em conta-gotas, digital forma seu oceano

Da lavra de  Joselia Aguiar | Para o Valor, de São Paulo
Reuters / Reuters
A ainda pouca oferta de títulos em português e o preço relativamente caro do leitor eletrônico são vistos como fatores para dificultar uma explosão do livro digital no Brasil
Um Graciliano remoçado aparece na Festa Literária Internacional de Paraty, que o celebra de quinta-feira a domingo. Modelado em e-book: são 15 títulos, de obras consagradas, como "Vidas Secas" e "Angústia", a novos volumes, como o de cartas inéditas. Até agora só havia três no formato, "São Bernardo", um infantil e outro com suas recém-lançadas crônicas de mocidade. Não é apenas para somar mais um lançamento, entre os tantos do calendário de homenagens ao mestre alagoano, que o grupo carioca Record anuncia a novidade. Ao transportar para as telas de e-readers e tablets um dos nomes mais importantes do seu catálogo, com venda permanente sobretudo em escolas, espera atrair o interesse de um público ainda maior. Mais que remoçar Graciliano, é ele que, na plataforma, ajudará a cativar leitores para a nova tecnologia.
Às vésperas de Paraty, a Companhia das Letras colocou no ar um e-book aperitivo gratuito, com trechos de livros de seus 11 autores que comparecem ao evento. A ocasião de fazer uma investida digital de maior monta surgiria logo depois. Em meio à recente onda de protestos em todo o país, a casa editorial paulistana anunciou um novo selo, o Breve Companhia, para e-books de textos enxutos de jornalismo, comentário político e ficção. Os dois primeiros títulos saem em ritmo veloz, como exigem os acontecimentos: nas próximas semanas, para o público conectado à rede, o mesmo que se mobilizou nas ruas. Um será assinado por Piero Locatelli, repórter detido pela PM de São Paulo pelo porte do vinagre com que pretendia amenizar os efeitos do gás lacrimogêneo durante a cobertura. O outro, por Marcos Nobre, professor da Unicamp na área de filosofia que avalia o impasse político do país da pós-democratização.
Quando os primeiros e-books começaram a ser oferecidos aqui, há cerca de dois anos, a participação do digital no mercado brasileiro, de tão ínfima, não alcançava 1%. Um pouco mais que isso, 1,5%, é o cálculo de executivos de editoras e livrarias consultados peloValor. Não é uma conta simples. Envolve dados dispersos e nem sempre divulgados, e há que se considerar que o impresso também dá sinais de que continua a expandir. As vendas cresceram 7,2%, incluindo as compras de mercado e governo, segundo o mais recente relatório CBL/Snel/Fipe, referente a 2011.
"O tamanho do mercado não é algo que nos preocupe no dia a dia", afirma Alex Szapiro, vice-presidente da Amazon Kindle
Esperava-se um tsunami digital assim que aportasse aqui a Amazon. Com o Kindle, inaugurou em novembro de 2007 um mercado nos Estados Unidos que representa entre 20% e 30% da indústria do livro, a depender do nicho - no entanto, editoras americanas divulgaram neste ano desaceleração e até leve recuo de negócios com o e-book. Seis meses depois da instalação no Brasil da gigante americana, em dezembro, a onda digital continua a se formar e pode surpreender, mas por ora pinga, em conta-gotas, no cotidiano brasileiro.
A velocidade lenta preocupa? "Este é apenas um mercado de seis meses no Brasil e, de todo modo, o tamanho do mercado não é algo que nos preocupe no dia a dia", diz Alex Szapiro, vice-presidente da Amazon Kindle. O grupo é conhecido pela discrição com que divulga números e planos. Torna alguns disponíveis: para os leitores brasileiros, são mais de 19 mil títulos em português - num manancial de 1,9 milhão em outros idiomas - e destes 2.500 títulos gratuitos. Com aplicativos de leitura também gratuitos, é possível ler mesmo sem um Kindle à mão, usando tablet, smartphone ou o próprio computador. Szapiro lembra que o Kindle não é só um dispositivo, é um serviço que incentiva o próprio consumo de livros: "Vemos que as pessoas leem mais quando compram o Kindle".
As concorrentes daqui se mantêm na briga. Antecipando-se à Amazon, a Livraria Cultura lançou em outubro dispositivo de leitura exclusivo em associação com a canadense Kobo. A venda do aparelho superou, em mais que o dobro, a estimativa inicial e a de e-books, incluindo clientes que usam tablets ou smartphones, cresceu 398% em um ano, diz Sergio Herz, presidente-executivo. Números absolutos não são informados. Para uma ideia desse volume, que apesar de crescer é pequeno, tem-se o percentual que representa nas vendas totais: 3,7%. A cultura digital gera negócios por outras vias, as filiais Geek, para games, HQs e bonecos colecionáveis. A primeira foi aberta há um ano. Hoje já são quatro.
A ainda pouca oferta de títulos em português e o preço relativamente caro do leitor eletrônico - modelos mais avançados surgem também em ritmo veloz - são vistos como fatores para dificultar uma explosão do digital. "Para quem compra só seis livros por ano, o que é muito mais que a média nacional, que não chega a dois, não vale a pena o custo investido", pondera Herz. Deve-se considerar aquele que talvez seja o principal motivo para o percentual ainda baixo: trata-se, enfim, de um novo hábito de leitura. "Por costume, ainda prefiro papel." De uma queda de preço se pode fazer o hábito. À vista, um Kobo Aura HD, o mais avançado, custa R$ 599. Na Amazon, o Kindle Paperwhite, também de ponta, entre R$ 479 (wi-fi) e R$ 699 (wi-fi + 3G). Caso ocorra a prometida desoneração fiscal, o preço dos dispositivos pode cair em 40%, calcula Herz. O preço dos e-books também não caiu como se espera. Custam em média apenas 30% menos - por um "Vidas Secas" impresso, paga-se R$ 32,90, pela versão digital, R$ 23.
Em certos nichos, o digital já faz diferença. Quem conta é o diretor de compras do grupo Saraiva, Frederico Indiani: a depender do livro e do seu público, corresponde a 20% ou 30% das vendas imediatamente após um lançamento. Como exemplo, recorda quando saiu o segundo e então esperado volume da trilogia pornô soft "50 Tons de Cinza", de E.L. James. Somam-se aí um leitor conectado e ansioso pelo título, uma autora com status de mega-seller - lista que inclui também Dan Brown e Sylvia Day - e o tipo de marketing. Por sua portabilidade e ferramentas de pesquisa, o digital é também formato ideal para livros técnicos como o catatau de direito "Vade Mecum", entre os best-sellers digitais da Saraiva há dois anos, quando começou a colocar no ar os primeiros e-books. Centenário, o grupo investe em e-commerce desde 1998, e a loja digital é há tempos a segunda no ranking das 105 filiais. O crescimento é contínuo: de 83% no primeiro trimestre, na comparação com mesmo período de 2012, num total de 62 mil downloads.
Entre escritores, o digital alterou hábitos e ampliou possibilidades, mas não transformou, ao menos com a radicalidade antes prevista, aquilo que fazem em sua literatura. "A revolução literária causada pela internet não ocorreu, ou até ocorreu, mas não no sentido de modificar a maneira como escrevemos", disse Daniel Galera em coluna no "Globo".
Identificado uma década atrás como parte da "geração internet" - o termo era usado para escritores que possuíam blogs -, é autor do recente "Barba Ensopada de Sangue", romance nada breve em suas 424 páginas. "Ocorrem mudanças profundas na maneira como lemos, consumimos e debatemos a literatura", diz ao Valor. "O fato é que um conto ainda é um conto e um romance ainda é um romance." Aquela nova literatura que se imaginou, como observa, "acabou se manifestando nas redes sociais, na maneira como conversamos e compartilhamos histórias e nossa vida nos meios eletrônicos, são essas as narrativas verdadeiramente novas do paradigma digital, o Instagram, o Facebook, o Tumblr, o Twitter."
Galera usa Kindle para ler livros e textos disponíveis em sites, mas ainda compra a mesma quantidade de livros impressos que antes. "De modo geral, me beneficio de todos os formatos ao mesmo tempo e não tenho a intenção de substituir minha biblioteca impressa por outra digital. Terei duas bibliotecas paralelas." Em Paraty, participa de mesas que aliam as duas vertentes, tradição e inovação: sobre tragédia clássica na Flip e sobre imagem e palavra na Flipzona, que ocorre em paralelo.
Da geração que surgiu com os blogs, Andrea Del Fuego estreou com narrativas breves experimentadas na internet. Integrou antologias de microcontos aqui e em Portugal e fez um livro digital, "O Replicante", recontando o filme "Blade Runner", cult da ficção científica. Para escrever seu premiado "Os Malaquias", isolou-se num sítio sem internet. O procedimento é outro: "A produção para um blog era influenciada pela rapidez, pela pressa que, antes de ser inimiga da qualidade, e muitas vezes é, também dá ao texto algo de seu próprio instrumento. Escrevi o romance de outra forma, desconectada dos meios digitais, isso influencia a mente, que se acalma e alcança outras coisas. Um sítio também é ferramenta."
Das mudanças que a internet permite à literatura, a que parece mais crescente é de fazer de todo leitor um potencial escritor, como prevê Andrea Del Fuego. "Todo leitor, se quiser, fará sua ficção, um pouco como aconteceu com a fotografia, hoje todos fotografam e publicam suas fotos. Ganha a fotografia."
Não é apenas um palpite. Amazon e Saraiva comentam com entusiasmo a procura por suas ferramentas de autopublicação. Na Amazon, chama-se KDP - Kindle Direct Publishing, usado por autores independentes ou nanoeditoras que já conseguem entrar na lista de cem mais vendidos. Na Saraiva, a Publique-se!, lançada em maio, possui quase 7 mil autores cadastrados, com mais de 200 títulos já à venda no site da Saraiva. Diante de tantos autores em potencial na rede, a curadora Giselle Zamboni teve a ideia de promover saraus literários pelo Twitter - usando a tag que identifica a comunidade literária interativa, #letras365 - e, depois, realizar exposição dos talentos recolhidos. Uma amostra do que encontrou está em #Tuiteratura, em cartaz no Sesc Santo Amaro até 4 de agosto.
As micronarrativas de 140 caracteres foram criadas por 61 autores, a maioria estreantes e alguns já consagrados, convidados para criar no formato para a exposição, como Andrea. Não foi fácil fechar o número, como conta. Em quase um ano, catalogou mais de 150 criadores e quase 1.200 frases poéticas e microcontos. A meta é fazer a mostra viajar por outras cidades. O impresso não sai do horizonte: já recebeu propostas para publicar o conteúdo. "Seria bacana perenizar a tuiteratura desses escritores todos, tornar perene a mostra em si, perenidade que todo escritor deseja e só o livro traz. Tomara aconteça."
Em 2010, a revolução digital ocupou mesas da Flip. Nesta edição, que reúne ensaístas e gente do cinema, não trata especificamente do tema, mas inclui uma ficcionista premiada por inventar sob a forma de escritos brevíssimos, a americana Lydia Davis, vencedora do Man Booker International Prize. "Acho que a Flip deve voltar ao assunto quando tiver certeza de que vai trazer algo de original para o debate", diz o curador Miguel Conde. Na Bienal do Rio, que começa em 29 de agosto, Amazon e Kobo vão participar como expositores pela primeira vez, e a nova tecnologia se faz presente em convidados internacionais como o roteirista de jogos eletrônicos Corey May, da série "Assassins Creed", lançada pela Galera Jovem, com 50 milhões de cópias vendidas no mundo, 450 mil exemplares no Brasil. Em conta-gotas, o digital forma seu oceano.


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Sexo e a organização da sociedade

estado de são paulo
Fernando Reinach
Existem dois grupos de seres humanos, homens e mulheres, e a diferença entre ele 
depende da presença do cromossomo Y no genoma. Quando o Y está presente nos tornamos 
homens (XY), quando está ausente nos tornamos mulheres (XX). A novidade é a descoberta 
de que 
um mecanismo semelhante pode controlar a organização social e política dos seres vivos. Se 
cromossomo estiver presente, a sociedade é controlada por um único líder; se estiver 
ausente, o poder é compartilhado entre diversos líderes.
Esse mecanismo foi encontrado na Solenopsis invicta, uma formiga conhecida no Brasil como 
lava-pés. É um bicho cruel que sobe rapidamente nas pernas do agressor, pica sem dó e 
provoca muita dor.
Faz anos os cientistas descobriram que somente uma parte dos formigueiros de lava-pés 
possuía uma única rainha, os outros possuíam múltiplas rainhas. Inicialmente se imaginou 
que essa diferença se devia ao processo de formação do formigueiro, mas logo os cientistas 
descobriram que essas duas formas de organização social eram determinadas geneticamente.
O gene responsável foi identificado e recebeu o nome de Gp-9. Esse gene existe em duas 
formas chamadas de B e b, que determinam o comportamento dos súditos da colônia (as 
formigas operárias).
Quando o operariado é do tipo BB (possui duas cópias da forma B do gene Gp-9), a colônia 
possui uma única rainha. Quando o operariado é do tipo Bb (possui uma cópia da forma B e 
uma cópia da forma b), a colônia tem múltiplos líderes (rainhas).
Nas colônias com uma rainha, as operárias matam qualquer formiga que "queira" se tornar 
rainha. É o povo defendendo o poder total para um único indivíduo.
O povo Bb tolera e ajuda o desenvolvimento de outras rainhas, permitindo o 
compartilhamento do poder. Mas essas operárias Bb não são bobas, elas matam qualquer 
formiga do tipo BB, garantindo que suas líderes sejam todas Bb, impedindo a ascensão 
política do tipo BB. É o povo garantindo o sistema democrático.
O resultado desse comportamento complexo é que a forma B do gene ocorre em ambos os 
tipos de colônias, mas a forma b só está presente nas colônias com múltiplas rainhas. O 
equilíbrio entre esses dois tipos de organização social é mantido ao longo do tempo porque as 
formigas do tipo bb não são viáveis, morrendo logo no início do desenvolvimento. Por esse 
motivo, a forma B nunca é extinta e sempre se formam novos formigueiros totalitários.
Recentemente, os cientistas descobriram que o gene Gp-9 produz um receptor de odor, mas 
era difícil de acreditar que uma diferença em um único receptor de odor poderia determinar 
dois tipos de comportamentos tão diferentes e complexos. Agora esse mistério foi elucidado. 
Na verdade, o gene Gp-9 faz parte de um conjunto de 616 genes que ocupam quase metade 
de um dos cromossomos dessas formigas. Esse grupo de genes é diferente no cromossomo B 
e no cromossomo b e é sempre herdado como um grupo, nunca se misturando. Assim, se 
uma 
formiga herda um cromossomo B, herda toda a coleção "B" desses 616 genes, mas se herda 
um cromossomo "b" recebe uma outra coleção dos 616 genes. A conclusão é que B e b são 
uma espécie de supergene, um segmento de DNA composto por uma coleção de centenas de 
genes, herdados em grupo, capaz de determinar dois tipos muito diferentes de 
comportamento social.
O interessante é que o único outro exemplo de um grupo de genes que determina grandes 
diferenças morfológicas e comportamentais é o supergene presente no cromossomo Y, 
responsável por determinar o sexo do indivíduo. Esta é a primeira vez que se descobre um 
outro supergene capaz de gerar, dentro de uma espécie, dois grupos de indivíduos com 
comportamentos muito diferentes.
A conclusão de que o mesmo mecanismo usado por uma infinidade de espécies para 
determinar se o indivíduo é um macho ou uma fêmea é utilizado por essa espécie de formiga 
para determinar se o indivíduo é um democrata, que defende colônias com poder 
compartilhado, ou um adepto e defensor da realeza, que vive em colônias com uma única 
rainha. Será que supergenes sociais existem em seres humanos?
* MAIS INFORMAÇÕES: A Y-LIKE SOCIAL CHROMOSSOME CAUSES ALTERNATIVE COLONY ORGANIZATION IN FIRE ANTS. NATURE VOL. 493 PAG. 664 2013
Fernando Reinach é biólogo

Como explicar as manifestações em 140 caracteres

folha de são paulo
Gilberto Dimenstein

Se eu tivesse de resumir em no máximo 140 caracteres tudo que o Brasil está experimentando por causa das manifestações, diria apenas o seguinte:
"O brasileiro está descobrindo que dá muito e recebe pouco. Foi um grito contra o vandalismo cotidiano do desperdício".
O resto é consequência.
É por isso e só por isso que a paixão do brasileiro, o futebol (com os gastos da Copa), pela primeira vez não foi apenas circo, mas educação democrática.
Daí se vê o medo das autoridades, a começar da presidente, em ir ao estádio assistir ao final da Copa das Confederações.
Gilberto Dimenstein
Gilberto Dimenstein ganhou os principais prêmios destinados a jornalistas e escritores. Integra uma incubadora de projetos de Harvard (Advanced Leadership Initiative). Desenvolve o Catraca Livre, eleito o melhor blog de cidadania em língua portuguesa pela Deutsche Welle. É morador da Vila Madalena.

Laertevisão - Quadrinhos

folha de são paulo
LAERTEVISÃO      LAERTE
LAERTE
CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
QUASE NADA      FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS

Walter Ceneviva

folha de são paulo
Tropeços da governança
O caminho para a efetividade do voto democrático não é fácil, mas é sempre melhor que o das ditaduras
Governança não foi palavra de emprego comum na língua portuguesa, até alguns anos atrás. Passou a ser usada no direito empresarial para definir a estrutura de comando da empresa. Daí foi transposta, nos estudos de ciência política e aceita para caracterizar o próprio governo ou a ação de governar.
Em inglês, o tradicional "Black's Law Dictionary" não incluíra "governance" no rol dos vocábulos aceitos pelo direito norte-americano ou inglês até os anos 70. Já o dicionário moderno de Bryan A. Garner, em 1995, aceita o termo. É o modo de dirigir um governo ou uma empresa, assim como em nosso país, do "Dicionário Jurídico" de Maria Helena Diniz.
A razão para incursionar por essa pesquisa se liga ao fato jurídico-político de que o ato de governar o país corresponde a dirigir a máquina estatal com qualidade e competência, marcadas por equilíbrio e imparcialidade. Afasta a má governança.
A alternância livre do poder político é essencial. A dignidade do equilíbrio depende, porém, de que conchavos, imediatamente posteriores à definição dos vitoriosos, não leve a recomposições e trocas espúrias, com adesões de segmentos do legislativo às posições do Executivo e, vez por outra, à "compreensão" pelo Judiciário de dubiedades dos vitoriosos em pleitos sucessivos.
As eleições brasileiras --do nível federal, ao estadual e ao municipal -- não deixam o eleitor tranquilo com o resultado das urnas ante as alterações decorrentes dos quocientes partidários. É frequente que o eleitor veja seu escolhido, com número superior de sufrágios, mas ser preterido por força dos coeficientes partidários.
A reavaliação das regras eleitorais é subordinada, quanto aos preceitos gerais, pelos arts. 18 a 30 da Constituição Federal e no referente aos partidos políticos, pelo art. 17. Os limites impostos à elegibilidade são sujeitos às normas do art. 14, aí incluído o voto secreto. Os preceitos da Carta Magna são regulados, especialmente pelo Código Eleitoral. Nesse campo há certo desencanto do povo, pois terminada a eleição (em todos os níveis) as promessas são passadas para o segundo plano e os "acertos", marcados por trocas de favores em que são poucos os aptos para atirar pedras ao telhado dos vizinhos.
Sabe-se que o aprimoramento do sistema não tem condição fácil de ser encaminhada. Sabe-se também que o presente momento não parece conveniente para o completo reexame das garantias da contagem justa nas eleições, a benefício do povo.
O progresso resultante do pleito eletrônico, legitimando quanto aos números, as escolhas (dos menores municípios à republica) deve ser completado, no campo de garantia da licitude do número de votos, para mais além dos conchavos pós-eleitorais.
Falou-se muito em plebiscito, referendo e iniciativa popular como procedimentos constitucionais para a efetividade da soberania do povo (art. 14 da Constituição, regulamentado pela Lei n. 9.709 de 1998). São úteis, mas devem ser objeto de longo esclarecimento do povo, para colher os efeitos benéficos que deles podem resultar.
O caminho para a efetividade do voto democrático não é fácil, mas é sempre melhor que o das ditaduras, quando subsistem apenas as manifestações dos detentores do poder, sejam eles quais forem.

LIVROS JURÍDICOS
CLÁUSULAS DE EXONERAÇÃO E DE LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE
AUTOR Wanderley Fernandes
EDITORA Saraiva (0/xx/11/3613-3344)
QUANTO R$ 104 (432 págs.)
Em tese de doutorado, Fernandes produz obra que Tereza Ancona Lopez, sua orientadora, considera "imprescindível" para quem trabalhe na área dos contratos. A estrutura começa com temas básicos e avança até a súmula das conclusões.
SÉRIE "PRODUÇÃO CIENTÍFICA"
EDITORA Saraiva e Direito GV
Inclui "Formas Jurídicas e Mudança Social", Marcus F. de Castro, R$ 69, 246 págs.; "Os Desafios de Vencer na OMC", Michelle R. Sanchez Badin, Gregory Shaffer e Barbara Rosenberg, R$ 62, 182 págs.; "Governança Corporativa e Novo Mercado", Angela Rita F. Donaggio, R$ 65, 216 págs. e "Estudos Empíricos sobre Temas de Direito Societário", obra coletiva, R$ 54, 266 págs.
ANOTAÇÕES À LEI DE PROTEÇÃO AOS JUÍZES CRIMINAIS
AUTOR Amaury Silva
EDITORA J. H. Mizuno (0/xx/19/3571-0420) Quanto R$ 55 (252 págs.)
A Lei n. 12.694 ("Lei do Juiz sem Rosto") recebe exame em longa avaliação. Na apresentação, o autor considera o juiz criminal um esquecido na história, mas adita que agora assume alguma viabilidade. O texto se completa com três inserções: decisões judiciais e modelos de petições e exercícios.
ANÁLISE ECONÔMICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL
AUTOR Diógenes Naves Mendonça
EDITORA Atlas (0/xx/11/3357-9144)
QUANTO R$ 49 (139 págs.)
A obra abarca o espaço da responsabilidade, universo muito ampliado nos últimos anos. Mendonça dá, em subtítulo, o âmbito dessa dissertação de mestrado: "o dano e a sua quantificação" (Fadusp). É avaliação científica do que se indeniza e do quanto deve ser indenizado, no que denomina "responsabilidade repensada".
LITÍGIOS SOCIETÁRIOS 1 INVENTÁRIOS E 2 DIVÓRCIOS
AUTOR Roberta Nioac Prado e Renato Vilela
EDITORA Saraiva e Direito GV
QUANTO R$ 114 (518 págs.) e R$ 117 (400 págs.)
Os volumes incluem entendimentos construídos pelo TJ-SP, em relação a matéria litigiosa nos temas examinados.
CONTRATOS DE PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA (PPP)
AUTOR Kleber Luiz Zanchin
EDITORA Quartier Latin (0/xx/11/3101-5780)
QUANTO R$ 65 (272 págs.)
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, orientadora desta tese de doutorado, elogia a qualidade e a profundidade da revisão feita sobre a incerteza.

    Marcos Caramuru de Paiva

    folha de são paulo
    Um diálogo oriental sobre protestos
    Há muitos pleitos objetivos que podem ser atendidos. Alguns já foram. Outros terão respostas erradas
    Há dias, um chinês me fez a pergunta: esses protestos no Brasil têm algo do episódio da praça da Paz Celestial, em 88, você não acha? Na praça da Paz Celestial, o que se viu foi um grupo de estudantes, num momento de pressão de preços, protestando contra a corrupção. Não é o mesmo entre vocês?
    A pergunta causou-me certa perplexidade. Comparar momentos históricos tão distantes em países com regimes políticos tão diferentes pareceu-me, no mínimo, ousado. Nós, no Brasil, vivemos com o debate. Pagamos por isso: vivenciamos as ineficiências de gestão que regimes democráticos trazem naturalmente consigo. O problema é que as ineficiências aqui passaram do ponto.
    A China tem um regime que lhe permite imprimir à gestão pública toda a eficiência --ou pelo menos a celeridade-- que o unipartidarismo proporciona. Não se lhe pode tirar o mérito. Há países unipartidários que não conseguem produzir bons governos. Mas daí a fazer a comparação é salto muito grande.
    Resisti à tentação de uma resposta que encerrasse a conversa, por desprovida de fundamento. Pedi ao meu interlocutor que fosse mais específico. Ele prosseguiu: em 88, inicialmente, o governo achou que a manifestação moralmente correta dos estudantes fosse algo positivo.
    Em seguida, a coisa foi ficando mais complexa. Os trabalhadores se juntaram, e os protestos se multiplicaram. A população passou a dar comida e água aos manifestantes. Até estudantes protestavam.
    Mas, de repente, disse-me, houve a percepção de que os riscos se tornaram grandes demais. E veio o que o mundo assistiu. Os últimos repórteres da televisão que noticiaram os manifestos fizeram-no em lágrimas.
    Zhao Ziyang, secretário geral do Partido, alguém pré-disposto à conciliação, perdeu o cargo. Ascendeu Jiang Zemin, reformador, bom dirigente, que, oito anos após deixar a Presidência, ainda comanda, de longe, boa parte do mundo político. O resto, acrescentou, você sabe bem.
    O resto nos diferencia extraordinariamente.
    Neste momento em que muitos tentam identificar que antecedentes há para os fatos recentes --Paris 68, a Turquia atual, Ocupe Wall Street-- pareceu-me interessante narrar uma visão descolada das referências ocidentais. Há, no inconsciente coletivo, algo que conecta fatos que diferem diametralmente nos seus desdobramentos.
    Quanto à nossa realidade, creio que a geração mais jovem entenderá melhor o que está ocorrendo. Há muitos pleitos objetivos e razoáveis que podem ser atendidos rapidamente. Alguns já foram. Outros terão respostas erradas. Outros suscitarão decisões atropeladas, com menos reflexão do que demandariam em circunstâncias normais. Vamos esperar que, no cômputo geral, o resultado agregue valor.
    As máscaras e o refrão "sem partido" são como se as ruas dissessem: estamos aqui, as demandas são muitas. Viemos desestruturar uma ordem que não é mais satisfatória. Não nos cabe achar caminhos. Vocês, políticos, que o façam, com decência. Estaremos vigilantes. Pedir coerência aos fatos e às vozes é enfoque velho. E propor saídas verdadeiramente satisfatórias, no curto prazo, uma impossibilidade.

      Casamento gay se torna uma via para obter 'green card'

      folha de são paulo
      Decisão da Suprema Corte dos EUA dá a homossexuais opção de pedir visto de residência por causa de cônjuge
      Sentença derrubou uma lei datada de 1996 que barrava legalidade das uniões homossexuais em nível federal
      JULIA PRESTONDO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON
      A decisão da Suprema Corte americana de revogar a lei federal que barrava casamentos gays propiciou uma melhora espantosa na vida de Steven Infante, imigrante colombiano, e o marido dele, menos de uma hora depois que a decisão foi anunciada.
      Infante e Sean Brooks estavam a caminho de um tribunal de imigração em Nova York no qual o colombiano enfrentaria o que talvez viesse a ser sua última audiência antes de ser deportado.
      Em vez de ordenar a expulsão de Infante, o juiz de imigração levou em conta a decisão da Suprema Corte e abriu caminho para que ele se mantivesse nos EUA com o marido pelo tempo que desejasse, como residente legal em caráter permanente.
      Para a maioria dos cidadãos dos EUA, obter um visto de residência permanente, o "green card", para um cônjuge nascido no exterior é relativamente simples. Mas, por causa da lei antiga, dezenas de milhares de cidadãos em casamentos gays binacionais não haviam podido fazê-lo.
      Com os anos, muitos casais optaram pelo exílio, se transferindo para países que oferecessem vistos de residência a casais homossexuais.
      Com a lei fora do caminho, dizem advogados, não restam obstáculos nas leis de imigração que impeçam cidadãos americanos, ou imigrantes que já tenham visto de residência permanente, de solicitar "green cards" para seus cônjuges homossexuais.
      Lavi Soloway, advogado de imigração que já representou muitos casais gays binacionais, entre os quais Infante e Brooks, disse que "haverá efeitos imediatos e tangíveis nas vidas dos casais homossexuais que vinham há muito enfrentando dificuldades".
      Infante e Brooks estavam entre os primeiros casais a ver resultados práticos da decisão da Suprema Corte.
      Infante, 34, vive nos EUA desde 1999, e conheceu Brooks, 46, quase uma década atrás. Os dois se casaram em Nova York em 2011, um mês depois que o casamento gay foi legalizado no Estado.
      Àquela altura, o visto de Infante havia expirado, e as autoridades de imigração iniciaram um processo de deportação contra ele.
      Para Brooks, que é músico, a visita ao tribunal de imigração era sinal de que "o fim da linha estava claramente próximo", para a vida do casal nos EUA. Depois da decisão que reverteu a situação dos dois, Brooks estava atônito. "Que alívio", ele disse, "e quanta esperança".
      Soloway disse que cuida de 70 pedidos de "green cards" a imigrantes envolvidos em casamentos homossexuais, e que antecipava apresentar dezenas de novos, nos próximos dias. As autoridades de imigração garantiram a ele na quarta-feira que as solicitações avançariam rumo a aprovação, caso cumprissem os demais requisitos legais para residência.

      Entrevista Eduardo Paes: Governos não deixarão legado da Copa

      folha de são paulo

      Eduardo Paes diz que rua rejeita políticos, não partidos

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      LETÍCIA SANDER
      ITALO NOGUEIRA
      DO RIO
      Prefeito da capital que atrairá todos os holofotes no domingo, sede da final da Copa das Confederações, Eduardo Paes (PMDB) diz que os governos erraram e não souberam tirar um legado da Copa do Mundo que está por vir.
      "Os governos em seus diversos níveis erraram em não perceber que esse evento tem muito mais do que jogo de futebol", afirmou, em entrevista concedida em seu gabinete na tarde de quinta-feira.
      Em 45 minutos de conversa com a Folha, o peemeedebista, que está em sua quinta legenda, disse que as ruas deixam claro que a população quer ser mais ouvida e reconhece a crise institucional das legendas. "Que partido tem imagem boa? Só os que estão por nascer. É a vida como ela é". Mas faz um mea-culpa. "O que o país diz é: vamos parar de curtir que viramos democracia, que tiramos 40 milhões da pobreza, que temos pleno emprego, e vamos avançar mais? A classe política deitou em berço esplêndido".
      Daniel Marenco-27.jun.13/Folhapress
      O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), em seu gabinete; segundo ele, classe poltícia 'deitou em berço esplêndido
      O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), em seu gabinete; segundo ele, classe poltícia 'deitou em berço esplêndido'
      Paes tenta dissociar o projeto olímpico do clima de mal-estar causado pelos gastos com a Copa, mas reclama de eventuais exageros nas interpretações do momento atual feitas mundo afora.
      "Vamos parar com essa mania do Brasil ficar se mostrando um país perfeitinho. Nós não somos. Mas ninguém aqui está lutando por liberdades, direitos para mulheres, a voto. Isso aqui não é primavera árabe. Isso aqui é uma democracia, consolidada, que se manifesta. Não vejo como um problema. Não tem que aceitar essa história de achar que o gringo vai olhar para cá e dizer: 'Olha, eles fazem manifestação'. Nós somos democratas".
      A seguir, os principais trechos:
      Folha - O Brasil e o Rio bateram muito bumbo pela conquista de grandes eventos. No fim do primeiro, a Copa das Confederações, a imagem que fica é de manifestações nas ruas, de violência. Isso o preocupa?*
      Eduardo Paes - Obviamente preocupa. Acho que o Brasil perdeu uma oportunidade com a Copa do Mundo. As ruas não disseram que são contra a Copa ou contra a Olimpíada. As ruas dizem o seguinte: somos contra a forma como se fez a Copa.
      Em que sentido essa oportunidade foi perdida?
      A gente não pode ver a Copa e a Olimpíada como eventos esportivos. Quando o mundo trouxe a Copa e a Olimpíada para o Brasil, eles disseram assim: ªEsse lugar no mundo merece nossa atenção pela sua performanceº. Seul fez a Olimpíada consolidando o papel dos tigres asiáticos, Barcelona faz a sua Olimpíada no momento em que a Europa quis recuperar a Espanha. O Brasil ficou na lógica do evento em si.
      O que fez o Brasil perder essa oportunidade?
      Um conjunto de coisas. A Fifa tem essa característica... Não estou dizendo se a Fifa é desonesta ou honesta. A Fifa não se preocupa com legado. Preocupa-se com o estádio.
      Não é ao governante que cabe esta preocupação?
      Começa pela Fifa, mas ela não pauta legado, pauta estádio. A Olimpíada, ao contrário da Copa, é mais manejável. No fim do dia é um prefeito, um governador e um presidente. Não são 12 prefeitos, 12 governadores... O governo federal, quando fez o PAC da Mobilidade da Copa, talvez tenha demorado a perceber que era uma oportunidade de novos investimentos que não guardam relação direta com a Copa.
      O governo federal errou?
      Não. É muito fácil jogar a culpa no governo federal. Os governos em seus diversos níveis erraram ao não perceber que esse evento tem muito mais do que jogo de futebol.
      Foi um bom negócio trazer a Copa?
      Acho que sim. Não exploramos [a oportunidade], mas ainda há tempo de recuperar. Não estou preocupado porque a imagem é de manifestação. Vamos parar com essa mania do Brasil ficar se mostrando um país perfeitinho. Nós não somos. Mas ninguém aqui está lutando por liberdades, direitos para mulheres, a voto. Isso aqui não é primavera árabe. Isso aqui é uma democracia, consolidada, que se manifesta. Não tem que aceitar essa história de achar que o gringo vai olhar para cá e dizer: "Olha, eles fazem manifestação". Nós somos democratas. Anos atrás não se podia fazer manifestação. Aí sim era para ter vergonha.
      Mudou algo no planejamento olímpico?
      Por enquanto não. Nem a Folha consegue criticar muito a Olimpíada ainda. A gente tem prestado contas. Estou atento a isso. Estava vendo que essa coisa da Copa ia terminar mal. Porque não estava vendo clareza no objetivo. Na Olimpíada, desde o início eu sei que vou fazer estádio [temporário] que vai virar escola no dia seguinte.
      Em 2007, o sr. era secretário de Esportes aqui no Rio. Não havia essa discussão de legado?
      Não. Nunca vi. No caso da Olimpíada, fui conversar com o [ex-prefeito de Barcelona, Pasqual] Maragall. Ele disse: "Não se preocupa, porque tem dois tipos de Jogos Olímpicos: os que se servem da cidade, e aqueles em que a cidade se servem dos Jogos. Sirva-se dos Jogos. Conflite organicamente com o COI, comande o processo".
      O sr. acha que na Copa não teve esse confronto com a Fifa?
      A Fifa não está nem aí para legado, tem a sua culpa. Mas a maior é dos governos.
      O tema mais polêmico da Olimpíada são as remoções...
      [Interrompe] Que não existem. A não ser uma, a Vila Autódromo. Dizer que a Vila Harmonia, no Recreio, saiu por causa de Olimpíada para fazer o Transoeste [corredor expresso de ônibus que liga Santa Cruz à Barra]... O que a Olimpíada tem a ver com Transoeste?
      A favela do metrô...
      O que tem a ver? Está rolando aí a Copa das Confederações e as pessoas estão morando do outro lado em apartamentos, muito melhor. Tudo virou, para o bem e para o mal, Copa e Olimpíada. Aquilo ali é um monte de gente morando em péssimas condições. Nunca expulsamos ninguém sem alternativa: aluguel social, apartamento, ou prédio para ficar pronto daqui a um tempo.
      Por que a Vila Autódromo vai ser removida?
      Porque ali tem o espaço do Parque Olímpico. Tem medidas de segurança, porque está numa área de proteção ambiental, é uma invasão irregular do espaço público e porque eu estou fazendo um belo bairro alternativo com moradia a 500 metros dali. É mentira dizer que tem milhares de remoções por causa da Olimpíada. A maioria é por causa da Transcarioca [corredor de ônibus que vai ligar a Barra ao Galeão]. E não tem atleta que vai usar BRT.
      Antes das manifestações a imagem do Rio já estava manchada pela série de estupros...
      [Interrompe] Que sequência de estupro?
      No Leblon, na van...
      [Interrompe] Olha só, a reconstrução da imagem do Brasil e do Rio é um processo. Nosso maior ativo para ganhar a Olimpíada foi dizer que a gente tinha um longo caminho a percorrer. Dizíamos que ela seria um ponto de virada. Nunca escondemos que o Rio tinha problemas com segurança, que o Rio tem problema de mobilidade, que tem pobre e rico. Nunca vendemos o paraíso.
      As cenas de quebra-quebra na cidade, operação policial com nove mortos no Complexo da Maré não assustam?
      Operação com nove mortos na Maré era toda semana.
      Mas ocorrer durante um grande evento como a Copa das Confederações...
      [Interrompe] Não é o melhor dos mundos. O ideal é que a gente vivesse num país com características suíças. Se bem que eu ia achar um saco. É o Brasil. Vamos enganar os outros? Infelizmente temos muitos problemas ainda. A cena da Maré era semanal.
      Alguém do COI o procurou manifestando preocupação?
      Ninguém. Também não mandaram cartinha de solidariedade dessa vez. Por que toda vez que dá uma lambança eles mandam. "Vocês são muito fofos, lindos, maravilhosos". Nem isso recebi.
      Uma das interpretações sobre as manifestações é que as ruas querem interferir mais nas decisões de governo. O sr. acha que se o país estivesse hoje buscando sediar uma Copa ou Olimpíada, a população deveria ser consultada?
      Acho que isso não é tema de plebiscito. Nas pesquisas, havia uma aprovação absurda para a Copa e a Olimpíada. Não vamos transformar o Brasil no reino das comunas ou das assembleias. Mas há uma clara posição das ruas de que querem ser mais ouvidos. Há duas questões: um país que clama por serviços de mais qualidade. Isso somado a uma série de valores, com mais força para a questão ética. O desejo de participar não é ficar fazendo plebiscito para tudo. É dizer: "Me ouçam! Não dá para ter impunidade".
      O carioca tem motivos para sair às ruas em protesto?
      O Haddad me disse uma coisa curiosa há alguns dias: "São Paulo vem numa situação difícil há algum tempo. Mas até três semanas atrás, eu encontrava um carioca e ficava até com inveja". Não pode ter mudado tanto. O Rio melhorou, as pessoas reconhecem. O que o país diz é: vamos parar de curtir que viramos democracia, que tiramos 40 milhões da pobreza, que temos pleno emprego, e vamos avançar mais? Em determinado momento, a classe política deitou em berço esplêndido.
      O povo tem rejeitado a presença dos partidos nas ruas. Os partidos estão em crise?
      As pessoas não rejeitaram os partidos, rejeitam os políticos, os personagens. Essa é uma crise de todos nós.
      O sr. faz um "mea culpa"?
      Claro. Só se eu fosse um delirante, vivendo no mundo na lua, eu acharia que o povo me ama por ter 66% dos votos.
      O sr. que já passou por cinco partidos preferiria disputar uma eleição numa candidatura avulsa?
      Não. Não acho que sou um bom exemplo. O sistema político brasileiro é muito frágil. Mas uma das coisas que devo fazer é trabalhar para fortalecer as legendas partidárias. Não porque elas são frágeis ficar... Posso ter minha versão porque mudei tanto, mas não cabe aqui [Paes costuma afirmar que suas passagens por PV, PFL, PTB e PSDB ocorreram acompanhando o ex-aliado César Maia. Na última, foi para o PMDB para candidatar-se à prefeitura em 2008 aliado ao governador Sérgio Cabral]. Meu papel como homem público não é só ser um bom prefeito.
      O seu partido, o PMDB, tem uma imagem negativa...
      [Interrompe] Que partido tem imagem boa? Só os que estão por nascer. Único partido com imagem boa é a Rede porque ainda não nasceu. É a vida como ela é.
      O PMDB deveria mudar alguma coisa?
      Deixo com você essa resposta.
      Mas é o sr. quem integra o partido.
      Deixo com você. Essa resposta é autoexplicativa.
      O senhor cedeu à pressão das ruas e baixou o preço do ônibus. É a prova de que esta era uma reivindicação legítima ou foi uma decisão ideológica?
      Nem um nem outro. Foi sensibilidade com o que as ruas estavam pedindo. As pessoas estavam se manifestando dizendo de maneira muito contundente que aquilo era inaceitável. Há um momento da manifestação popular em que você precisa dar resposta. Minha passagem é quase trinta centavos menor do que São Paulo e não gasto R$ 1,2 bilhão de subsídio. O modelo que montei é equilibrado. Agora, será que não pode ter avanço? Sei que avancei muito, mas concordo que tem que avançar muito mais. Tanto na qualidade dos serviços como na transparência do processo. Será que terão forças e pressões outras, que não o interesse público, irão agora se manifestar? Será que alguém vai dar uma liminar? Será que alguém vai fazer não sei o quê?
      Quando o sr. abaixou a tarifa, disse que poderia subsidiar. Mas depois disse que não precisava...
      Não disse que não precisava. No primeiro momento, disse que isso [a redução] significava, anualizado, R$ 200 milhões. Isso tem um custo. Se for um custo para o governo, chegar a R$ 400, R$ 500 milhões, é o custeio das Clínicas da Família. O que anunciei depois é que não iria subsidiar. Porque venho lutando contra o subsídio há três anos.
      Não fica a impressão de que o sr. não se esforçou antes para manter a tarifa, e depois encontrou um forma de reduzir?
      Não tenho essa fórmula ainda. Ela ainda não foi descoberta, não está colocada. Quero manter o sistema que eu criei, sem subsídio. O que eu anunciei é que eu não vou ceder o sistema que eu montei. Vou buscar catar isso em algum lugar. Posso acelerar a eficiência do sistema, a implantação de BRS, acelerar os BRTs. Talvez tenha que acelerar para isso.
      O sr. fez a primeira licitação de ônibus para a cidade, mas ela acabou mantendo os mesmos empresários e teve pouca disputa. Não fica a impressão de um jogo de cartas marcadas?
      Quando faz um processo licitatório, com essas características, quem tem 50 garagens estabelecidas pela cidade, 10 mil ônibus, sai naturalmente com vantagem.
      Quando o sr. decidiu abaixar a passagem?
      Eu vinha refletindo. Quando a voz da rua ficou clara...
      O Lula ligou?
      Sim, na semana passada.
      Ele está preocupado?
      O político que não está preocupado com o que está vendo, vive em outro mundo.
      Ele sugeriu a diminuição da tarifa do ônibus?
      Não, em nenhum momento. Nem a Dilma. Foi uma decisão minha. A única pessoa com quem eu conversei para reduzir a passagem foi o Fernando Haddad. Tomamos a decisão em conjunto.
      Como o sr. avalia a reação da presidente?
      Acho que o pronunciamento da presidenta e a reunião foram muito importantes. Precisávamos mais de uma demonstração de que o Estado brasileiro estava aqui, vamos respeitar a lei e a ordem. Agora pressupõe ações diretas e objetivas.
      E a ideia do plebiscito?
      Acho bom. Construir esse debate, uma cultura de plebiscito, de consultas populares. Isso não pode virar um radicalismo, mas em alguns temas sim.
      Tem certeza que estará com a Dilma no ano que vem?
      Totalmente. Acho fantástico ter uma disputa como Dilma, Marina, Aécio, Eduardo Campos. Algum deles é um populista, demagogo, ladrão? Não é. Mas acho que a Dilma merece ter um segundo mandato.
      E no Rio, como o sr. vê essa possibilidade de rompimento com o PT?
      Não vejo essa possibilidade. PT e o PMDB devem ter o mesmo candidato.
      O episódio da briga que o senhor teve com um carioca num bar pode lhe trazer prejuízos políticos?
      Me arrependo, como homem público, de ter perdido a cabeça. Tive uma reação que não deveria ser a reação do prefeito do Rio de Janeiro. Se fosse um cidadão normal, teria sido natural. Mas não sou. Devia ter tido controle suficiente para ouvir aquilo tudo sem reagir. Mas infelizmente não tive. Não sou esse super-homem, não. Gosto de sair, ir para a rua, tomar uma cervejinha, jantar fora com a minha mulher. Mas não fico satisfeito de jantar com a minha mulher e um sujeito ficar xingando a minha quinta geração. Bêbado.