segunda-feira, 27 de maio de 2013

Julio&Gina e Quadrinhos

folha de são paulo

JUlio&Gina - Caco Galhardo
CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
ADÃO ITURRUSGARAI
BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER
ANDRÉ DAHMER
GARFIELD      JIM DAVIES
JIM DAVIES

HORA DO CAFÉ      MANDRADE
Mandrade

1968 - Carlos Emilio Faraco

1968

Eles moeram vidro
e enfiaram o pó
em nossas goelas,
muitas ainda donzelas.

Alguns, com estômago elástico,
pariram diamantes plásticos
e com eles se encantaram.

Os que nāo cooptaram
Ainda sangram.

Google Glass - Marion Strecker

folha de são paulo

Google Glass


Se você usa óculos, deve estar se perguntando como é que vai usar o Google Glass. Mandará fazer Google Glass de grau? Google Glass de leitura? Google Glass multifocal? Complicado demais. Vai adotar lentes de contato? Talvez. Ou vai vestir o Glass em cima dos óculos? A ideia é essa, mas nem sempre encaixa.
Pensei que o Google Glass poderia evoluir e sair ele mesmo na forma de lente de contato. Aí sim ficaria imperceptível e não deixaria ninguém com cara de nerd.
Alpino
Que espaço na sua vida terá aquela armação com uma lente só, dotada de câmera e microfone, que ainda não foi oficialmente lançada no mercado? Quanto você pagaria pela traquitana?
O Google já andou vendendo por US$ 1.500 para 2.000 desenvolvedores na Califórnia, sedentos por novidade e esperançosos de criar aplicativos que possam fazer sucesso. Quanto vale o show dos óculos que interagem na internet?
Pra que serve o Google Glass? Fotografar, filmar e compartilhar essas imagens sem usar as mãos. Serve também para falar ao telefone e fazer buscas no Google.
Você aciona funções por comando de voz e vê a ação ou o resultado na frente do seu olho direito. As pessoas vão estranhar você, que ficará olhando para cima até cansar a vista. Embora muito pequena, essa lente-tela transparente ao ser vista tão de perto parecerá grande.
Você vai se sentir estranho, tendo de aprender a comandar um novo aparelho. Será que vai se surpreender gritando com os seus óculos no meio da rua? E em locais barulhentos? Reclamará da qualidade da conexão? Sofrerá com vírus? Terá o aparelho danificado se usar na chuva? Possivelmente sim.
E o design do Google Glass? Farão Google Glass coloridos? Sim! Farão Google Glass com design Philippe Starck? Romero Britto? Louis Vuitton? Por que não? Será que usar o Google Glass ao sol vai causar mancha de sombra num olho só? Certamente. Haverá Google Glass com lente escura? Sim, já há.
Já havia óculos computadorizados para esquiadores, praticantes de snowboard, ciclistas e corredores. A ideia é permitir telefonemas e dar informação em tempo real ao usuário, a partir de um localizador geográfico e tecnologia sem fio.
O marketing é tornar a experiência mais rica, mais segura e menos solitária, já que o sujeito não precisa olhar para o relógio ou segurar o telefone durante a atividade.
Mas há os detratores dessas novas e inevitáveis tecnologias, preocupados com os acidentes que serão causados por mais uma distração. E há os preocupados com a privacidade, seja dos usuários, seja das pessoas em volta, que podem não saber que estão sendo fotografadas, filmadas ou televisionadas.
Privacidade? Os outros me olham, só que não sabem o que estou vendo ou fazendo. Não saberão se os estou fotografando, tuitando, facebookando, instagramando, googlando, e-mailando ou o quê.
Estar com alguém, ainda que olhos nos olhos, nunca mais será a mesma coisa. Em vez de ver e viver o presente inteiro, viverei desatenta, mergulhada no futuro, no passado, na informação além, na pessoa além.
Marion Strecker
Marion Strecker é jornalista e cofundadora do UOL. Começou sua carreira como professora de música e coeditora da revista Arte em São Paulo. É formada em comunicação social pela PUC-SP. Trabalhou na Redação daFolha entre 1984 e 1996, onde foi redatora, crítica de arte, editora da 'Ilustrada', editora de suplementos, coordenadora de planejamento, coordenadora de reportagens especiais, repórter especial, diretora do Banco de Dados, diretora da Agência Folha e coautora do Manual da Redação. É colunista da Folha desde 2010. Pioneira na internet no Brasil, liderou a equipe que criou a FolhaWeb em julho de 1995 e foi diretora de conteúdo do UOL de 1996 a 2011. Viveu em San Francisco, Califórnia, de julho de 2011 a julho de 2012, atuando como correspondente do portal. Mudou-se para Nova York, onde começou a escrever um livro sobre internet, previsto para sair em 2013 pela Editora Record. Atualmente vive em São Paulo.

Jabuticaba sem complexo - Renato Janine Ribeiro


Valor Econômico - 27/05/2013


Santos Dumont, inspiração para inventar o novo


Uma frase espirituosa, cunhada há uma ou duas décadas, diz que tudo o que há só no Brasil, e não é jabuticaba, é ruim. Sem dúvida, é uma afirmação engraçada, e já a ouvi de pessoas que estimo. Mas é totalmente errada. Sugiro um teste: substituam "só no Brasil" por "só nos Estados Unidos", na Grã Bretanha, na França, na Alemanha, na China ou na Índia, países ricos os primeiros, importantes todos eles; duvido que algum nacional desses países admita que tudo o que há somente na França, e não é camembert, só no Reino Unido, e não é whisky, apenas nos Estados Unidos, e não é whiskey, só na Alemanha, e não é embutido de nome germânico, é ruim. Ao contrário, todos esses países e seus cidadãos têm enorme orgulho das muitas suas contribuições originais para a humanidade, inclusive aquelas que não podem ser reproduzidas em outros países.

Por que, então, o Brasil é possivelmente o único país de vocação mundial a depreciar, a esse ponto, o que tenha de original? Antes de propor uma explicação, avancemos um pouco. Nos últimos anos, assistimos a uma crescente depreciação de Alberto Santos Dumont, nosso maior inventor. Vejam o significado disso: o brasileiro que mais coisas inventou, inclusive um dos produtos mais importantes que hoje existem, o "mais pesado que o ar", é constantemente diminuído. Chegou um importante jornal brasileiro, ao chegar o ano 2000, a listar entre os grandes inventores do século XX os irmãos Wright, ou seja, a negar a originalidade de Santos Dumont. (Na verdade, o jornal estava apenas traduzindo um dossiê americano). Não é minha intenção discutir aqui os dois irmãos - basta lembrar que o voo deles, que dataria de 1903, somente foi divulgado anos depois, e que dependeu do impulso, externo, conferido por uma catapulta, em vez de decolar com seu próprio empuxo. Mas Santos Dumont não inventou apenas o avião. Era uma inteligência agitada, sempre em busca de soluções, sempre procurando o novo; o relógio de pulso foi um pedido seu ao amigo Cartier (que continua produzindo as "montres Santos de Cartier" - caríssimas, belíssimas), embora uma versão anterior seja atribuída ao filósofo Pascal; e seu espírito se vê de maneira magnífica na escada que construiu para sua casa de Petrópolis, na qual o visitante é obrigado, sempre, a começar a subida com o pé direito - uma invenção elegante e simples, primorosa, de marcenaria.

Inventar e descobrir são as ações mais nobres do intelecto humano. Quem descobre revela ao mundo algo que já existe, algo importante, mas que se ignorava. Pode-se descobrir um continente, um animal ou vegetal antes desconhecido, as propriedades medicinais de uma planta. Já quem inventa acrescenta ao mundo algo que nele não existia. Talvez, por isso, inventar seja até mais nobre do que descobrir. Nos dois casos, diminui-se o desconhecimento, a ignorância. Mas o descobridor está explicando o mundo, enquanto o inventor está acrescentando algo ao mundo. A natureza é descoberta. Já o que se inventa é cultura.

Uma invenção, por relevante que seja, poderia nunca ocorrer. Poderia nunca ter aparecido o avião, ou o computador, ou o jornal. Mais que isso: imagine o leitor aquilo que ninguém, jamais, inventou. Solte a imaginação, porque tudo seria possível. Poderíamos ter - e talvez um dia tenhamos - leitoras de mentes alheias, mochilas que façam cada indivíduo voar solo, em suma, uma lista de causar inveja no professor Pardal, que todos nós conhecemos e possivelmente admiramos em nossa infância. É até difícil imaginar as invenções possíveis, porque com algumas delas o mundo mudaria por completo. Por isso, é tão estranhamente significativo que o Brasil não se orgulhe de Santos Dumont. Há até uma importante carreira de Estado que, na sua mitologia interna, evita pronunciar seu nome, para não atrair a má sorte, porque ele teria sido azarado - com sua grande invenção sendo atribuída aos rivais Wright, com o espírito cavalheiresco e aristocrático com que inventava para doar conhecimento ao mundo sendo substituído pelo ânimo lucrativo com que Orville e Wilbur procuravam fazer dinheiro, com o uso militar de uma invenção que para ele deveria ter aplicação civil, com as mortes da Grande Guerra causadas por aeroplanos e, finalmente, o que pode ter levado a sua morte voluntária, em julho de 1932, com os aviões sendo usados pelos dois lados durante a Revolução Constitucionalista. "Nunca pensei que minha invenção fosse causar derramamento de sangue entre irmãos", teriam sido essas as suas últimas palavras.

Mas, ao desqualificá-lo, desqualificamos a capacidade brasileira de inventar, de agregar algo ao mundo - em especial, de lhe agregar algo que esteja na ponta da ciência e da tecnologia, porque o mais pesado que ar foi isso: uma das principais invenções da história humana e uma das maiores do século XX.

É claro que o avião não existe só no Brasil - portanto, o complexo de jabuticaba não se aplicaria ao caso. Mas o que me preocupa é a crença de que a única contribuição especificamente nossa ao mundo seria a jabuticaba, um fruto de nossa natureza - algo que não inventamos, apenas descobrimos. Seríamos meros descobridores, maus inventores. Ora, há alguma razão para acreditarmos nisso? Não seria melhor, como a China e a Índia, países de perfil parecido com o nosso, gigantes do subdesenvolvimento superando seu atraso, crer mais em nossa capacidade de inventar o novo? Porque a vida, e no caso o avanço científico, cultural, tecnológico e econômico, não são movidos apenas pela razão, mas também pelas convicções.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. 
E-mail: rjanine@usp.br


Tv Paga


Estado de Minas: 27/05/2013 

Para matar a saudade

Olhe só Cassio Gabus Mendes e Malu Mader praticamente adolescentes em Anos rebeldes, produção da Rede Globo de 1992, que reestreia hoje no canal Viva. Inspirada nos livros 1968 – O ano que não acabou, de Zuenir Ventura; e Os carbonários, de Alfredo Sirkis, a série, escrita por Gilberto Braga e dirigida por Dennis Carvalho, desenvolve sua trama no período da ditadura militar, nas décadas de 1960 e 1970, no Brasil. O elenco reúne ainda nomes como Marcelo Serrado, Pedro Cardoso, José Wilker e Betty Lago. Vai ao ar de segunda a sexta, sempre às 23h10.


Remando nas águas
geladas da Patagônia

Estreia hoje, às 23h, no canal Off, o documentário Stand up na Patagônia. A produção registra a primeira etapa do Circuito Mundial de SUP Race, com uma prova de longa distância de 21 quilômetros de remada. Apenas os 12 melhores competidores do mundo participaram do evento, entre eles somente uma mulher e dois brasileiros: o fluminense Vinnicius Martins e o baiano Bruno Pitanga.

SescTV investe em
sua sessão de curtas

No SescTV, segunda-feira é dia de curta-metragem. Às 21h, a emissora exibe mais duas produções nacionais. Para começar, A bela e os pássaros, filme experimental dirigido por Marcelo Toledo e Paolo Gregori, que conta a história de uma moça envolvida com elementos fantasmagóricos. Na sequência, Náufragos, de Gabriela Amaral de Almeida e Matheus Rocha, sobre um casal de idosos que também vivenciam uma experiência surreal em uma dimensão oculta.

Canal Brasil exibe fita
de diretor português

No Canal Brasil, a Mostra de cinema português tem sequência esta noite com o filme O inimigo sem rosto, à 0h15. Dirigido por José Farinha, o longa é baseado na obra literária homônima de Maria José Morgado e José Vegar. Em 2010, o filme foi eleito o melhor título português no Festival Bragacine. A história se desenvolve a partir de um trio que se reúne para movimentar o contrabando de tabaco em Portugal, desde o descarregamento até a entrega aos clientes.

Muitas alternativas
na pacote de cinema

No Telecine Premium, às 22h, estreia o drama O reencontro, de Rob Reiner, com Morgan Freeman no papel de um escritor alcoólatra que se muda para uma pequena ilha para reencontrar sua inspiração e se envolve com uma vizinha e suas três filhas, o que acaba mudando seu jeito de ver a vida. Ainda na faixa das 22h, o assinante tem mais oito opções: Fúria de titãs 2, na HBO 2; Rápida vingança, na HBO HD; The avengers – Os vingadores, no Telecine Pipoca; Veia de lutador, no Space; Domino – A caçadora de recompensas, no FX; O despertar de uma paixão, na MGM; Cópia fiel, no Max; e Mera coincidência, no TCM. Outras atrações da programação: Scott Pilgrim contra o mundo, às 19h55, no Universal; O filho do proscrito, às 20h15, no Telecine Cult; Dominação, às 21h, no ID; Super-heróis – A liga da injustiça, às 22h30, no Megapix; e O Falcão está à solta, também às 22h30, no Comedy Central.

Pesquisador explica
o que é impressão 3D

Designer e pesquisador do Instituto Nacional de Tecnologia e da PUC Rio, Jorge Lopes é o especialista da vez do programa Entrevista, às 21h, no Canal Futura. Na série sobre tecnologia, vida digital e avanços científicos que transformam a vida do homem contemporâneo, ele vai falar sobre impressão em 3D, a chamada impressão física.

Uma travessia - Sérgio Rodrigo Reis‏

De volta ao Grande Teatro do Palácio das Artes, Milton Nascimento relembrou os sucessos e os parceiros constantes 


Sérgio Rodrigo Reis

Estado de Minas: 27/05/2013 

Toda vez que Milton Nascimento passa por Minas o clima é de celebração. Não foi diferente no fim de semana, quando fez mais uma apresentação da turnê Uma travessia. Cercado por amigos músicos, o cantor celebrou mais uma vez com a plateia seus 50 anos de carreira – há pouco mais de um ano, ele esteve aqui dando início à temporada de shows revivendo seus grandes sucessos. E foram muitos. Maria Maria, Canção da América, Nada será como antes, Lilia e, claro Travessia, foram relembradas com o coro em uníssono que as cantou de cor no Grande Teatro do Palácio das Artes. Quem foi adorou.

“Gosto muito de Milton e acho o Clube da Esquina marcante; o descobri no anos 1970 e, desde então, venho acompanhando todo o trabalho dele. Há bastante o que comemorar. Se ele tivesse nascido fora do Brasil já seria conhecido ao redor do mundo, pois tem discos antológicos”, afirma Camilo Lara, professor de sociologia de história do Cefet. A admiração se renova com as gerações atuais. A vendedora Kátia Kuster é bom exemplo. “Nunca fui ao show e esta foi a primeira vez. Ele é um ícone. A oportunidade de ouvir um apanhado das músicas ao longo da carreira dele é única”, comemora. O funcionário público Oswaldo Ribeiro tem outros motivos para gostar do ídolo. “Ele consegue fazer música universal”, conclui.

Milton Nascimento não conseguiu projeção sozinho. E fez questão de deixar isso claro durante o show. Contou que começou a tocar na mesma noite que o pianista Wagner Tiso, numa boate de Três Pontas, Sul de Minas. “Eu com 14 anos, ele com 12.” Segundo ele, Tiso foi sua maior escola e fonte de inspiração para criação de composições como Nos bailes da vida. Outro amigo querido que fez questão de reverenciar foi Lô Borges. Cantou com ele hits como Clube da esquina número 2 e saiu de cena para que Lô pudesse relembrar sozinho as músicas O trem azul e Nuvem cigana. Quando voltou ao palco, ao lado da banda formada por Kiko Continentino (piano), Guido Santiago (saxofone), Gastão Vilerroy (baixo), Lincoln Cheib (bateria) e Wilson Lopes (guitarrista), provou por que mereceu tirar este ano para relembrar seus feitos, pois sucesso, pela alegria demonstrada pela plateia, é algo que vai longe.

Casos do clube

Ângela Faria

Acredite se quiser: o disco que chacoalhou a MPB em 1973, projetando Milton Nascimento e seus companheiros para o mundo, quase se chamou Documento secreto nº 5. “O que a Odeon vai fazer com essa garotada?”, costumava ouvir o técnico Nivaldo Duarte, enquanto registrava no estúdio – em dois canais! – clássicos como Trem azul, Nada será como antes e Cais. Sabe aquele sino tocando no fim de San Vicente? Está lá por causa do Nivaldo. 

Milton ligava o gravador e cantava por toda a noite. Improvisava, inventava, juntava tudo numa fita e a entregava para Wagner Tiso no estúdio. “Tira daí a coisa, né?, dizia Bituca ao amigo, tecladista e arranjador. Aqueles compassos misteriosos foram dar no álbum Clube da Esquina, assim batizado devido à canção composta por Milton com os irmãos Márcio e Lô Borges. Sabe o que a turma ouviu até cansar antes de gravá-lo? A ópera-rock Tommy, do the Who. Coube a Ronaldo Bastos organizar o tsunami criativo.

O livro Clube da Esquina 40 anos, que será lançado hoje em BH, reúne casos e mais casos sobre o histórico álbum. Muito já se escreveu sobre Milton, Lô, Márcio, Wagner, Ronaldo, Fernando Brant, Beto Guedes e Toninho Horta. Agora, o “lado b” promete: curtir os causos de Tavito, Luiz Alves, Nelson Ângelo, Rubinho Batera, Marilton Borges, Nivaldo Ornelas, Célio Balona e Pacífico Mascarenhas, entre outros.
Aquele álbum não inovou apenas por sua estética musical. Também fez história sua programação gráfica. Sobretudo a capa: sem título e sem nome de cantor, exibindo apenas a foto de dois garotinhos sentados à beira de uma estrada. Em março do ano passado, o Estado de Minas descobriu os misteriosos meninos. São rapazes humildes do interior fluminense: José Antônio Rimes, o Tonho, e Antônio Carlos de Oliveira, o Cacau. Ambos ignoravam ter rodado o mundo num disco. Anonimato, aliás, não é privilégio deles. No fim do livro, há o “Álbum de retratos” com cerca de 70 imagens sem legendas. Ok, os mosaicos dos álbuns Clube da Esquina 1 e 2 eram assim. Mas isso não combina com obra que se propõe a registrar algo tão precioso.

Clube da esquina 40 anos
Organização: Márcio Borges. Edição: Assembleia Legislativa e Imprensa Oficial de Minas Gerais. Lançamento hoje, às 20h, no plenário da Assembleia (Rua Rodrigues Caldas, 30, Santo Agostinho) com homenagem a Milton e artistas do Clube. Edição limitada. Serão sorteados 100 exemplares para o público. O Museu Clube da Esquina disponibilizará o livro posteriormente mediante cadastro e reserva. Informações: www.museuclubedaesquina.org.br

Após Virada, Parada Gay terá reforço antiarrastão

folha de são paulo
Com efetivo maior, PM terá esquema especial em pontos críticos e uso de câmeras
Além de evitar roubos e furtos no próximo domingo, plano de segurança visa conter ataques homofóbicos
ROBERTO DE OLIVEIRADE SÃO PAULOO efeito Virada assusta a Parada. Preocupados com os reflexos negativos do evento cultural, marcado por uma onda de arrastões, organizadores da passeata gay querem o reforço do esquema de segurança.
"Se dois eventos dessa grandeza registrarem esses tipos de ocorrência, será a cidade de São Paulo que estará em xeque", afirma Nelson Matias Pereira, 46, diretor e um dos fundadores da Parada Gay paulistana, que ocorre no domingo. "E a opinião pública não vai aceitar."
Ao menos três questões centralizam as discussões entre a Parada, a PM e a Guarda Civil Metropolitana: aumentar o número de policiais no trajeto, dobrar a vigilância em relação aos arrastões e tentar coibir a venda ilegal de bebidas alcoólicas.
Folha apurou que, dos 1.200 policiais militares anunciados inicialmente, o evento pós-Virada gerou um reforço de 50% no efetivo (ou seja, mais 600 policiais).
Durante a Parada Gay, que começa na avenida Paulista e vai até o final da Consolação, a PM montará esquema especial em pontos críticos.
São eles: as cercanias do Masp, por causa da grande concentração de pessoas; a esquina da Paulista com a Consolação, preocupante devido às manobras dos trios elétricos; e a região da praça da República, que receberá o show de encerramento, às 18h30.
Só para a região da República, serão deslocados 400 PMs. O local também terá mais iluminação, segundo o diretor da Parada.
A Guarda Civil Metropolitana vai quase dobrar o efetivo em relação ao ano passado: de 500 para 900 homens.
Outra medida para tentar conter os arrastões é o uso do chamado Olho de Águia pela Polícia Militar, utilizado geralmente em casos extremos.
O sistema permite comandar câmeras que podem ser instaladas em motocicletas, carros e helicópteros da polícia. As imagens são transmitidas para centrais de comando.
"É que claro que o que aconteceu na Virada se tornou um fator preocupante para nós", diz Vagner Cano, 50, coordenador de projetos e planejamento da Parada Gay.
MORTE
A Virada Cultural, que mobilizou milhares de paulistanos nos dias 18 e 19 deste mês, terminou com um saldo de arrastões, prisões e uma morte violenta, após um assalto.
"O público da Parada é diferente e mais vulnerável. Basta lembrar dos ataques homofóbicos que ocorrem", afirma Cano.
Um dos três eventos turísticos mais importantes da cidade, a 17ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, que será realizada a partir das 12h, terá como tema "Para o armário, nunca mais: União e conscientização na luta contra a homofobia".
Em nota, a PM disse que informará "nos próximos dias" o esquema de segurança da Parada. Já a Guarda Civil Metropolitana não se manifestou até a conclusão desta edição.
    Trios elétricos darão 'grito de alerta' sobre prevenção a assaltos
    Mensagens objetivam reforçar cuidados com celulares, máquinas fotográficas e consumo de bebidas alcoólicas
    Homens da Guarda Civil Metropolitana vão coibir ambulantes, principalmente os que vendem o vinho químico
    DE SÃO PAULO
    A Parada Gay vai contar com um "grito de alerta".
    Ele virá dos 17 trios elétricos que vão percorrer o trajeto que começa na avenida Paulista e segue até o final da Consolação, no centro de São Paulo, no domingo que vem.
    As mensagens, que serão lidas nos trios, têm o objetivo de reforçar os cuidados em relação ao uso de celulares e máquinas fotográficas.
    "Vou enfiar o meu celular nos peitos e o dinheiro na calcinha bem no fundo, porque não sou boba", brinca a drag queen Amanda Sparks, que decidiu, pela primeira vez, ir montada à parada.
    "Confesso que essa onda de arrastões me assusta. Além do efeito Virada, me preocupo também com o efeito Feliciano", diz, se referindo a manifestações homofóbicas.
    Os trios elétricos vão emitir ainda alertas sobre o consumo descontrolado de bebidas alcoólicas, principalmente o "veneno da muvuca": o vinho químico.
    A organização costurou com a Guarda Civil Metropolitana uma ação para tentar coibir o comércio de ambulantes.
    Bebida ilegal feita com álcool comum, corante e groselha, o vinho químico surgiu na clandestinidade em 2009. Com altíssimo teor alcoólico, a garrafa custa pouco, R$ 5.
    Não é a primeira vez que a bebida se torna alvo das autoridades. No ano passado, o vinho químico também foi motivo de preocupação.
    CONTRA O PRECONCEITO
    Acostumado a participar de outras Paradas, o DJ Sérgio Oliveira, 27, o Sérjô, dos clubes A Lôca e The Week, diz que não teria coragem de participar do evento paulistano se fosse para "ir no chão".
    Nas palavras do DJ, que vai tocar em um dos trios elétricos, a Parada Gay de São Paulo cada vez mais assume contornos de uma "Parada de arruaceiros com gay no meio".
    "Perdeu o caráter político e de diversão. Agora, você tem que ficar o tempo todo em alerta. Não se pode nem tirar uma foto ou usar o celular. O que é isso, gente?"
    A repercussão sobre a violência no fim de semana da Virada Cultural acendeu a luz vermelha. "Pena que São Paulo não saiba lidar de maneira civilizada com eventos de grande porte", diz Sérjô.
    Vagner Cano, 50, coordenador da passeata, diz que, "fora o caráter festivo, a Parada, é bom que se diga, é uma manifestação pelo direito".
    A educadora Elisangela Mello, 46, concorda. Diz que o paulistano precisa ocupar os espaços da cidade. "Não podemos ficar acuados. Aí, sim, perderemos essa luta."
    Elisangela nunca foi à Parada. No domingo que vem, ela pretende cruzar a avenida Paulista de mãos dadas com o filho João, de seis anos.
    "Acho que é o momento para ele conhecer um evento tão bacana que ajuda a combater um dos nossos piores males: o preconceito."

    Bem no alvo - Mariana Peixoto‏

    Em meio à polêmica sobre o casamento homossexual na França, Festival de Cannes concede a Palma de Ouro a longa-metragem sobre a paixão entre duas mulheres 


    Mariana Peixoto

    Estado de Minas: 27/05/2013 

    Ontem à tarde, quatro marchas reuniram em Paris milhares de opositores ao casamento homossexual. Legalizado há pouco mais de uma semana na França, vem provocando reações como o estarrecedor suicídio do historiador Dominique Venner, de extrema direita, que se matou na terça-feira, em plena Notre Dame. Novecentos quilômetros ao Sul da capital francesa, o cinema deu, neste domingo, sua resposta às manifestações que vêm ocorrendo desde a promulgação da lei, no dia 18, pelo presidente François Hollande: o vencedor da Palma de Ouro da 66ª edição do Festival de Cannes, o mais importante do mundo, celebra a paixão lésbica. La vie d'Adele –Chapitre 1 & 2 (A vida de Adele – Capítulos 1 & 2), do cineasta franco-tunisiano Abdellatif Kechiche, relata o despertar sexual de uma adolescente por uma jovem de cabelos azuis em uma história com quase três horas de duração.
    Também vencedor do prêmio Fipresci, concedido pela crítica estrangeira, o longa-metragem adaptado de uma HQ de Julie Maroh traz cenas de forte teor erótico, abusando dos closes. O filme, que desde sua exibição oficial entrou com força na bolsa de apostas, tem entre seus méritos a interpretação das duas protagonistas: a então desconhecida Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux (de Meia-noite em Paris e Missão: Impossível – Protocolo fantasma). A primeira vive uma estudante de 15 anos que se envolve com o sexo oposto até conhecer Emma, aluna de belas-artes. As atrizes, aos prantos, e o diretor foram ovacionados pela plateia presente no encerramento do evento. Em uma decisão fora dos padrões, o júri reconheceu o trabalho das atrizes Adele Exarchopoulos e Léa Seydoux junto com o filme ao anunciar a Palma de Ouro.


    Ainda que fosse forte concorrente, o prêmio do filme de Abdellatif Kechiche surpreendeu àqueles que não acreditavam na ousadia do presidente do júri, Steven Spielberg. Pois o diretor mais conhecido da indústria cinematográfica norte-americana ainda fez questão de negar que a decisão tenha sido política. Bem-humorado, Spielberg disse: “A propósito, as personagens não se casam". O drama já tem título em inglês: Blue is the warmest colour (Azul é a cor mais quente).
    Mas Spielberg não deixou a cinematografia norte-americana ficar de fora. Já vencedores da Palma de Ouro (por Barton Fink, de 1991), os irmãos Joel e Ethan Coen receberam o Grande Prêmio (grosso modo, uma medalha de prata em Cannes) por Inside Llewyn Davis. Com boas pitadas de comédia (marca dos Coen) e uma dose de nostalgia, o longa estrelado por Oscar Isaac, Justin Timberlake e Carey Mulligan é ambientada na região nova-iorquina do Greenwich Village que, no ano de 1961, assiste à ascensão da música folk. 


    O júri que reuniu nomes como Nicole Kidman, Daniel Auteuil e Christoph Waltz deu os prêmios de ator ao veterano Bruce Dern, que vive um velho amargo e alcoólatra em Nebraska, nova comédia dramática de Alexander Payne (Os descendentes); e à franco-argentina Bérénice Bejo (que ganhou fama pelo oscarizado O artista), por seu papel de uma mãe destroçada em Le passé, do iraniano Asghar Farhadi (de A separação, vencedor do Oscar de Filme Estrangeiro). Dern sai de Cannes com grandes chances de indicação ao Oscar. Outro ator que também deve ser referendado pelo maior prêmio da indústria americana é o jovem guatemalteca Oscar Isaac.
     Quem saiu de mãos abanando foi o italiano Paolo Sorrentino, cujo La grande bellezza foi apontado como um dos grandes filmes dessa edição do evento graças ao roteiro e à interpretação de Tony Servillo (já esnobado por outros festivais) como um rei mundano em plena crise existencial. O festival preferiu premiar o mexicano Amat Escalante, melhor diretor por Heli, filme que mostra sem pudores os estragos causados pela corrupção e pelo narcotráfico em seu país. Outro drama, só que sobre troca de bebês, recebeu o Prêmio do Júri: foi o japonês Like father, like son, de Hirokazu Koreeda. (Com agências)


    PRÊMIOS
    Mostra oficial

    Palma de Ouro
    La vie d'Adele, de Abdellatif
    Kechiche (França)

    Grande prêmio
    Inside Llewyn Davis, dos irmãos Coen (EUA)

    Melhor atriz
    Bérénice Bejo, de Le passé (França)

    Melhor ator
    Bruce Dern, de Nebraska (EUA)

    Melhor diretor
    Amat Escalante, de Heli (México)

    Melhor roteiro
    Jia Zhangke, do filme Tian Zhu Ding
    (A touch of sin, China)

    Prêmio do júri
    Like father, like son, de Hirokazu
    Kore-Eda (Japão)

    Câmera de Ouro
    Ilo Ilo, de Anthony Chen (Cingapura)

    Melhor curta
    Safe, de Moon Byung-gon
    (Coreia do Sul)

    Mostra
    Um certo olhar

    Melhor filme
    L’Image manquante, de Rithy Pahn (França/Camboja)

    Carreira  vitoriosa


    O diretor, ator e roteirista Abdellatif Kechiche nasceu em 7 de dezembro de 1960, em Túnis, capital da Tunísia.
    Aos 6 anos, seus pais decidiram migrar para a cidade francesa de Nice, onde ele cresceu.
    A estreia na tela grande foi como ator, em 1978 – já integrou o elenco de oito filmes. No cinema, a maior influência é o diretor japonês Yasujirô Ozu (Fim de verão, 1961). Os filmes de Kechiche demonstram sabedoria em falar sobre o universo adolescente. La vie d'Adele não é a primeira obra dele de destaque. La faute à Voltaire (2000) recebeu ótimas críticas e A esquiva (2003) também conquistou grande repercussão quando recebeu os César de melhor filme e diretor. Em 2007, outra surpresa veio quando ele apresentou O segredo do grão, em Veneza, conquistando o Grande Prêmio Especial do Júri. No mesmo festival, voltou a vencer como diretor e levou o prêmio de Melhor Filme. Em 2010, lançou o longa Venus negra.

    Entrevista da 2ª Roberto Lavagna [Argentina]

    folha de são paulo
    Argentina tem entraves como inflação e câmbio
    PARA EX-MINISTRO DA ECONOMIA E ATUAL CRÍTICO DO GOVERNO DE CRISTINA KIRCHNER, PAÍS SE APROXIMOU DA LINHA CHAVISTA
    SYLVIA COLOMBODE BUENOS AIRESAté os mais ferrenhos opositores do governo Cristina admitem que o segredo do sucesso eleitoral do kirchnerismo, que assumiu as rédeas da Argentina há dez anos, está na superação da grave crise econômica de 2001.
    Mesmo entre os argentinos que reclamam da crescente inflação e da instabilidade monetária, há uma espécie de consenso: nada pode ser pior do que aquele momento de desgoverno, quando o peso perdeu valor, as pessoas ficaram sem seus investimentos e o caos social tomou conta das ruas.
    O reerguimento da economia argentina, após a declaração do "default", se deu paulatinamente a partir de 2003, com o início da gestão Néstor, ancorado pelo bom momento das commodities e pelas decisões tomadas, principalmente, por um homem: o então ministro da Economia, Roberto Lavagna.
    Até 2005, Lavagna foi um fiel aliado do kirchnerismo, mas começou a ter diferenças com Néstor quando este passou a associar-se demais à Venezuela de Chávez e a adotar uma postura mais populista.
    Lavagna foi, aos poucos, migrando para o lado oposto. Hoje, é um ferrenho crítico das políticas econômicas da sucessora de Néstor, sua mulher, Cristina, e rotula-se como apoiador de uma provável frente política de oposição em 2015.
    Nos últimos meses, Lavagna tem participado de reuniões com o prefeito conservador de Buenos Aires, Mauricio Macri, e dado entrevistas apontando o que considera erros da atual gestão.
    O ex-ministro da Economia recusa-se a considerar a década como uma coisa uniforme. Diz que Cristina está atuando de forma irresponsável com relação à inflação, que já chega aos 30% ao ano, segundo avaliação de consultoras privadas, e à fuga do investimento externo.
    Abaixo, os principais trechos da entrevista que concedeu à Folha, em seu escritório, em Buenos Aires.
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    Folha - Os kirchneristas estão comemorando os dez anos do início da gestão Kirchner e chamando esse período de "década ganha". O sr. está de acordo?
    Roberto Lavagna - De maneira nenhuma. Não é possível considerar esse período como algo homogêneo. Foram dois momentos. O primeiro, a partir de 2002, de Duhalde/Lavagna/Kirchner, com políticas responsáveis e equilibradas, com um objetivo claro, o de dar estabilidade ao país aproveitando as boas taxas de crescimento do PIB. Já de 2005 em diante, trata-se de um período distinto, que eu chamaria de Kirchner/Kirchner, em que o casal se fechou no poder.
    Hoje o que temos é um governo de forte tendência ideológica, demasiada intervenção do Estado na economia, grave crise institucional e uma postura completamente diferente com relação à política internacional.
    O que marcou essa mudança?
    O "turning point" desse governo, para mim, foi a reunião de presidentes em Mar del Plata, em 2005, quando se sentiu o primeiro indício de que se começava a tomar um rumo distinto. Foi uma reunião tensa, conflitante, em que Chávez e Néstor chamaram o protagonismo para si, acuando Bush, colocando os outros chefes de Estado em uma situação difícil. Vicente Fox (México) foi maltratado, Lula e Lagos (Chile) saíram pela tangente.
    Houve, então, um "contra-encontro", o ato com Maradona e Chávez, em que o canto que predominava era: "Alca, alca, alca al carajo". Néstor havia ganho as eleições de metade de mandato. Se ao assumir ele tinha 22%, agora se confirmava com 38%. Esse número foi interpretado por ele como cheque em branco para atuar como quisesse.
    O governo foi adotando matizes mais ideológicos, é o que predomina nos dias de hoje. Mas eu não considero que Néstor tenha sido um bloco, e Cristina, outro. Os problemas do modelo de hoje já estavam na época de Néstor, ele foi o responsável por mudar a direção do governo.
    No caso desses dez anos, a variação do PIB explica os altos e baixos de popularidade do governo? Néstor tinha aprovação alta quando essa taxa era de 8%, 9%, o que garantiu a eleição de Cristina. Hoje temos outra situação?
    Claramente. Sim, um número explica o outro. Em nossa época, o PIB variava entre 8,8% e 9,2%, tínhamos bastante margem política para governar. Hoje Cristina tem menos de 4% de crescimento do PIB e sua popularidade recebe o impacto, está agora na faixa dos 35%.
    O governo insiste em que a inflação na Argentina hoje é de 10,2%, enquanto medições privadas jogam esse número para 25%, até 30%. Que impacto a inflação tem hoje?
    O impacto é imenso, além de desgastar e penalizar os mais pobres, que ganham em peso e com isso têm o salário valendo cada vez menos, há uma dissuasão dos investimentos, internos e externos. Todos consideram melhor esperar do que investir agora, a inflação faz elevarem-se muito os custos e não garante que os negócios se cubram. A instabilidade monetária, com o dólar a quase 10 pesos, causa ainda mais insegurança.
    O governo passa a ter de se valer de reservas, de fundos da Anses [o INSS argentino], até emitir mais moeda, gerando mais inflação. A ideia de que a inflação não é um problema, e que o importante é o crescimento, é uma falácia. Hoje, a inflação já tem sete anos de crescimento na Argentina, já se tornou um fato crônico.
    Qual o impacto da fuga de capitais, que o governo teme?
    O último ano de ingresso líquido de capitais foi 2005, depois só saiu. No ano passado, isso se conteve um pouco devido ao cerco ao dólar. Agora, nos primeiros quatro meses do ano, já saiu o dobro do que no ano passado, porque as pessoas e as empresas vão encontrando caminhos, apesar das proibições. O pior problema não é sair o capital estrangeiro e sim o local, e esse é o primeiro que sai, porque conhece a história.
    Algumas empresas brasileiras vêm deixando a Argentina. Isso é uma tendência?
    É preciso lembrar, antes de mais nada, que esses casos de empresas que estão saindo são casos que têm a ver com problemas internos dessas empresas. Vale e Petrobras estão repensando sua estrutura interna e de investimentos, é normal que decidam parar de investir onde está dando algum tipo de problema. A Argentina, nesse momento, apresenta entraves, como a inflação e a política cambial. É natural que essas empresas saiam.
    Como vê a relação entre Brasil e Argentina hoje?
    O que acho mais grave é que não há o mais mínimo entendimento entre as duas. Dilma é uma gestora, Cristina é alguém que aposta no discurso ideológico. Não podem funcionar juntas.
    Numa relação assim, quando não há problemas, essas diferenças se dissimulam, quando há, isso vem à tona muito rápido. É o que está acontecendo.
    Todos sabem que essa última reunião entre as duas foi má. E antes disso já havia havido outras más reuniões. Nota-se que não existe o mínimo progresso na relação.
    Isso afetará o Mercosul?
    O Mercosul hoje tem problemas profundos. O Brasil começou a levar adiante uma estratégia mais global, que também começa a mostrar falhas. Já a Argentina se aproximou da linha chavista. E há outros países que estão com problemas com a Argentina, como o Uruguai. A entrada da Venezuela no bloco não melhora a situação.
    Porém, quando o Mercosul nasceu, não havia nada, e hoje há alguma coisa. Por isso creio que deva ser resgatado. Brasil e Argentina deveriam fazer algo.
    Como o sr. vê a economia argentina nos próximos meses, que antecedem a eleição legislativa de outubro?
    Bom, há um congelamento em vigor, mas todos sabemos que sua eficácia é nula, mudam-se as embalagens, altera-se o conteúdo, retiram produtos de circulação, há várias formas de burlá-lo. E é o que está acontecendo.
    Mesmo assim, não vejo uma grande catástrofe acontecendo, a inflação seguirá nesses níveis, o dólar também, com o governo exercendo algum controle.
    O que considera uma novidade política na Argentina hoje?
    O fato mais importante é que o partido do governo está dividido. O peronismo já havia se dividido no passado, mas nunca ao mesmo tempo em que estivesse no governo. Já houve divisão e renovação, mas sempre em períodos de adversidade, hoje há tudo isso com o governo sendo peronista. O racha dos sindicatos, das divisões políticas que integram a base do governo, é algo novo. O fator de confrontação com o kirchnerismo sairá daí, e não da oposição real.
    Será candidato em 2015 ou apoiará Mauricio Macri?
    Eu estou entre o críticos desse governo, isso não é novo. Não apoiaria apenas Macri, mas se houver uma frente eleitoral, com outras vozes, sim, eu faria parte. Candidato eu mesmo, não sei, pode ser, mas a coisa legislativa me atrai menos. Tenho um caráter mais executivo.
    Recentemente, o governo anunciou uma anistia para quem tem dólares no exterior e quiser trazê-los para o país. É uma boa medida?
    Fui ministro da Economia e sei que a pressão para que esse tipo de lei seja aprovado é muito grande. Considero um erro. Trata-se de golpe em quem paga impostos em dia e perdão aos capitais ilegais.
    Há uma desculpa de que isso ajudaria o mercado da construção. Mas temos de olhar os exemplos. No México, cidades inteiras foram construídas com dinheiro do narcotráfico, que foi lavado com esse tipo de medida. O resultado é um país cindido e com muitos problemas.

      RAIO-X - ROBERTO LAVAGNA
      IDADE
      71
      PARTIDO
      Justicialista (peronista)
      CARREIRA
      Formado em economia pela Universidade de Buenos Aires, foi ministro da Economia dos governos Eduardo Duhalde (2002-03) e Néstor Kirchner (2003-05), e candidato à Presidência em 2007