segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Entrevista - Guido Mantega - "A inflação é a pior coisa"


Revista Veja 05/08/2013
Giuliano Guandalini
O ministro da Fazenda reconhece que a alta nos preços reduziu a confiança na economia, declara intolerância ao mal inflacionário e diz que agirá para destravar investimentos

Guido Mantega é um dos poucos integrantes do primeiro escalão que se mantêm no governo desde 2003. quando o PT assumiu o poder. Foi ministro do Planejamento e presidente do BNDES, até ser nomeado, em março de 2006, para a Fazenda, depois da queda de Antonio Palocci. Seu temperamento contemporizador e sua fidelidade, tanto ao ex-presidente Lula como à presidente Dilma Rousseff, asseguraram a ele uma longevidade rara na Esplanada dos Ministérios. Mantega de 64 anos, está à frente do programa federal de concessões de obras de infraestrutura dado como prioridade no governo Dilma neste ano. Ele tem andado ocupado, discutindo com a presidente detalhes da apresentação que o governo brasileiro fará a investidores chineses de projetos de construção de ferrovias no Brasil. O ministro recebeu VEJA em seu gabinete, em Brasília, e manteve-se fiel a sua marca registrada de fama internacional, o otimismo: "Não posso dizer que cresceremos 1,5% e dizer que está bom. Nossa meta é buscar uma taxa de crescimento de 5%."

Em 2011, o Ministério da Fazenda trabalhava com a expectativa de crescimento médio superior a 5% para os quatro anos do governo Dilma Rousseff. A realidade, no entanto, é que o ritmo de avanço do PIB não será muito superior a 2%, nesse período. O que explica essa reversão de expectativas?

Nossa perspectiva, naquele momento, decorria do resultado obtido nos anos anteriores. De 2006 a 2010, crescemos 4.5% ao ano em média. Foi um ritmo superior ao de países como o Chile, por exemplo. A verdade é que saímos muito bem da crise de 2008 e 2009. Além disso, a percepção geral no mundo era que o pior da crise internacional havia sido superado, o que abria boas perspectivas para o Brasil. O país colhia resultados favoráveis, com aumento dos investimentos e do consumo. Havia um otimismo realista no ar. Em 2011 no entanto, começamos o ano com pressões inflacionárias. Tivemos de tomar medidas para controlar a inflação. Ainda assim, a taxa ficou em 6.5% naquele ano, no limite superior da meta inflacionária. A pior coisa que existe para o Brasil é a inflação, e por isso decidimos fazer um ajuste em 2011, mesmo ao custo de reduzir o crescimento. Se tivéssemos deixado de agir, a economia teria crescido muito mais que os 2,7% registrados. Imaginamos que haveria uma reação a partir de 2012. Acabamos, no entanto, surpreendidos com o agravamento da crise europeia. O panorama mudou.

Como o governo reagiu a essa nova crise?

A crise obriga os países a fazer reformas. Foi o que fizemos. Implantamos uma política para dar mais competitividade à indústria, reduzindo alguns dos principais custos das empresas. Em primeiro lugar, o custo financeiro, diminuindo as taxas de juros dos bancos públicos. Fizemos também um ajuste cambial. Com o excesso de dólares nos mercados internacionais, o Brasil despontava como um destino atraente para esses recursos. Estávamos numa situação delicada, com o real extremamente valorizado. O dólar chegou a ser cotado a 1.60 real. Colocamos o câmbio em um novo patamar, tomando a indústria nacional mais competitiva. Se não tivéssemos feito isso, intervindo no câmbio, uma parte da indústria teria perecido. As empresas não suportariam o boom de importações. Fomos inundados por importações. A importação de carros estava crescendo ao ritmo de 30% ao ano. Começamos também a reduzir tributos. Com esse conjunto de medidas, buscamos preparar o Brasil para ser mais competitivo no pós-crise.

Com a resistência da inflação, contudo, não deveria ter sido feito um ajuste mais duro, tanto nas contas públicas como na taxa básica de juros, a Selic?

Foi exatamente isso que fizemos em 2011, aumentando o custo do crédito e contraindo o consumo. Foi duríssimo. Mas, com a crise europeia, foi o momento de voltar a diminuir os juros. Todo mundo fez isso. Na sequência, tivemos de lidar com pressões inflacionárias advindas de quebras de safras internacionais. Não existe pressão inflacionária originada no consumo, como muitos dizem. Pelo contrário. O ritmo de crescimento nas vendas do comércio está em queda. As pressões inflacionárias não vieram do aumento do consumo interno. Elas vieram da quebra de safras agrícolas em diversos países. além da pressão exercida pela valorização do dólar. Entramos em 2013 com a inflação mais elevada. Felizmente. a inflação no preço dos alimentos, a mais forte, perdeu intensidade. Hoje os dados mostram que a inflação brasileira já está recuando para um patamar mais confortável.

Diversos indicadores revelam queda da confiança dos brasileiros, tanto entre consumidores como entre empresários. Por quê?

O consumidor, de fato, sentiu os efeitos do aumento da inflação e também as restrições ao crédito. Para as pessoas de baixa renda, o aumento dos alimentos teve um peso importante. Mas os indicadores mais recentes mostram que a confiança começa a ser restabelecida. Além disso, há um impacto dos humores externos. A alta do dólar sempre causa preocupação. No que diz respeito aos investidores externos, a confiança no Brasil permanece alta, apesar de algumas análises em contrário. Fechamos o primeiro semestre com mais de 30 bilhões de dólares em investimentos estrangeiros diretos, recursos destinados ao setor produtivo. Foi um número superior ao registrado em igual período do ano passado. Se isso não é confiança, eu não sei o que é. Não acredito que os investidores tenham um instinto suicida. Eles estão vindo porque têm confiança. O Brasil foi. no ano passado, o terceiro principal destino de investimentos diretos, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.

Diferentes analistas, externos e internos, veem uma perda de credibilidade na condução da economia brasileira, em decorrência de fatores como o aumento na inflação e também de incertezas com relação ao resultado das finanças públicas...

O governo jamais deixará a inflação sair do controle, mesmo que isso signifique reduzir a taxa de crescimento. Com relação ao resultado fiscal, o superávit primário foi reduzido porque consideramos necessário e desejável conceder desonerações, ou seja, redução de impostos, principalmente para os investimentos. Sem essas desonerações, a meta fiscal seria cumprida tranquilamente. Fazemos uma política anticíclica. Quando a economia desacelera, estimulamos a economia. reduzindo impostos. A chamada "contabilidade criativa", muito criticada. é como capitalizamos o BNDES, ou como emprestamos dinheiro ao BNDES por meio de títulos públicos. Tudo isso está perfeitamente dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal. É absolutamente transparente. Temos um dos orçamentos mais transparentes do mundo. Começamos com essa política em 2009, quando houve um travamento dos financiamentos ao investimento. Infelizmente, o setor privado não tem condições de fazer esses financiamentos. Adoraria que ele tivesse. Colocamos 100 bilhões de reais no BNDES nos últimos anos. Sem isso, os investimentos das empresas não teriam se recuperado. É uma balela dizer que demos incentivos apenas ao consumo e não aos investimentos. Os investimentos estavam crescendo acima do PIB. Mas. quando veio a crise, os investimentos se retraíram.

O BNDES receberá novos aportes?

Vamos continuar colocando dinheiro no BNDES, ainda que em ritmo menor. Os bancos privados começam a entrar no financiamento de longo prazo, e com o tempo isso deverá diminuir o papel do BNDES.

O Banco Central afirmou em ata recente que o governo tem mantido uma política fiscal expansionista. Para auxiliar no combate à inflação e evitar uma alta ainda elevada nos juros, o correto não seria apertar o orçamento público?

Neste momento a política fiscal é neutra, ela não é expansionista. Nossos gastos estão contidos. Ela foi expansionista em 2012. porque o PIB estava crescendo menos. Mas foi expansionista sobretudo com desonerações. Neste ano deverão ser 50 bilhões de reais. Pergunte ao empresariado se é desejável que o governo interrompa as desonerações.

Para conter a alta maior da inflação, o governo decidiu evitar repasses do aumento do custo do petróleo para os preços dos combustíveis. A Petrobras amarga grandes prejuízos com essa política. Não é um contrassenso?

Se analisarmos os últimos cinco ou seis anos, os preços dos combustíveis ficaram acima dos preços internacionais na maior parte do tempo. A Petrobras tem uma política de não conceder reajustes automáticos, conforme as oscilações internacionais. Ela trabalha com uma média. No passado, os preços ficavam mais tempo acima que abaixo das médias internacionais. Ela estava guardando caixa. podemos dizer. Neste momento de inflação mais aguda, todo mundo precisa colaborar.

A taxa de investimentos do país, medida em relação ao tamanho da economia, é muito baixa. O que falta para destravar os investimentos?

Em primeiro lugar, os investimentos públicos em infraestrutura vêm crescendo, talvez menos do que gostaríamos. Não é fácil elevar o investimento, eu reconheço. O limite amai não é de recursos, mas de projetos. No passado, não havia recursos. Agora o problema passou a ser de falta de projetos benfeitos para ser executados. Por isso, somos totalmente favoráveis à participação privada nos investimentos. É essa parceria que elevará a taxa de investimentos. É o que vamos fazer com as concessões. Serão licitados, ainda neste ano, 7 500 quilômetros de rodovias.

Essas licitações já deveriam ter sido feitas e foram adiadas. Agora é para valer?

Em abril, quando as licitações seriam lançadas, houve resistência dos investidores, porque, de fato, a rentabilidade oferecida nos projetos estava muito baixa. Os estudos eram antigos, a rentabilidade não chegava a 5%. A pedido da presidente Dilma, atualizamos todos os cálculos. Posso dizer que o setor privado, agora, está satisfeito. As rodovias terão uma taxa de rentabilidade excelente, que deverá ser de 7.2% ao ano. Considerando os financiamentos dos bancos públicos, chega-se a uma rentabilidade de 15% em termos reais. Existem poucos casos no mundo de rendimento como esse. Teremos concorrência. A nossa prioridade hoje são os investimentos em infraestrutura, porque temos um gargalo em todo o país, decorrente de vários anos sem investimentos apropriados. Essa é uma grande oportunidade para os próximos anos.

O senhor costuma ser criticado por esbanjar otimismo em previsões que, mais tarde, não se confirmam. Isso não reduz a credibilidade da política econômica?

São metas para as quais precisamos trabalhar. Precisamos nos colocar desafios. Não posso dizer que cresceremos 1.5% e dizer que está bom. Nossa meta é buscar uma taxa de crescimento de 5%. com aumento dos investimentos da infraestrutura e manutenção do nível de emprego, permitindo uma alta sustentável na oferta de crédito. Eu estabeleço metas e desafios a ser alcançados, não apenas para o setor público, mas também para o setor privado. Agora, não podemos nos esquecer de que sofremos com a pior crise da história do capitalismo em oitenta anos. Nós a estamos atravessando muito bem. Não me lembro de termos enfrentado uma crise dessas, no passado, mantendo a taxa de desemprego em patamares tão baixos como os atuais.

Muito se fala da sua eventual saída do ministério. Há algum fundo de verdade nesses boatos?

Nesse longo período em que aqui estou, já houve ocasiões em que alguns lançaram esses boatos, e todos se verificaram infundados. Da mesma forma que no passado, assim o são hoje. É normal. Quando começou o governo Dilma, dizia-se que eu não era escolha dela, e sim do Lula, e eu poderia sair na primeira revisão ministerial. Isso nunca aconteceu.

Na semana passada, VEJA trouxe uma reportagem sobre uma conspiração do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, para tirá-lo do ministério. O senhor teve conhecimento dessa conspiração?

Fiquei perplexo ao ler a matéria, e não acredito que o meu colega Aloizio Mercadante, que conheço há mais de trinta anos, pudesse ter arquitetado algo que desestabilizaria o governo.

Parir ouro - Carlos Emilio Faraco

Nāo tenho ouro,
Nem prata,
Nem mérito
Ou cartāo de crédito.

Tenho meu silêncio,
Que transformo em palavras baratas,
Quando quero.

Ás vezes, elas
Desencasulam-se aladas
E viram borboletas.

Às vezes,
Escorrem boca abaixo,
Qual massa ígnea.

Por vezes, duras,
Brotam como comandos.
Outras, de latāo,
Se moldam em insígnias.

Em todos os casos,
Sāo inúteis:

As borboletas,
Porque a natureza já as produz
Aos milhares
E massas ígneas
Nāo passam de vômito
De vulcōes
Mal-humorados.

Melhor será, pois,
Manter-me em silêncio,
Ruminando
Minhas perplexidades,
Ou, pelo menos,
Parir ouro,
Como certas galinhas
De cacarejar bilingue.

Ronaldo Lemos

folha de são paulo

Facebook tem mensagens escondidas em 'pasta secreta'


Ouvir o texto

Milhões de usuários conectam-se ao Facebook várias vezes ao dia para ver se há novidades no seu painel de notificações.
Os pequenos números vermelhos são tão sedutores a ponto de serem imitados por outros sites para chamar a atenção do usuário.
Só que existe um tipo de mensagem que você recebe pelo Facebook e nenhum numerozinho vermelho acende.
São mensagens que ficam acumuladas em uma pasta "secreta", que pouquíssimos usuários já descobriram. Basta fazer o teste. Clique no tradicional ícone de mensagens. No topo aparecerá em negrito sua "caixa de entrada".
Ao lado dela haverá em cinza bem claro, quase imperceptível, um texto escrito "Outras". Ao clicar, lá vem a surpresa. Dependendo do usuário, pode haver dezenas de mensagens nunca lidas, entre as quais muitas inúteis, mas outras não (no meu caso, havia pelo menos cem mensagens).
Como apontado pelo jornalista David Pogue, do "New York Times", a pasta misteriosa tem explicação.
Ela faz parte do programa "US$ 1 por mensagem" que está sendo implementado pelo Facebook.
Funciona assim: se você quiser escrever para alguém que não faz parte dos seus amigos, há duas opções: pagar US$ 1 e a mensagem ir para a caixa de entrada usual da pessoa.
Ou decidir não pagar e a mensagem ir direto para a pasta "Outras", que pouquíssima gente lê.
Se por um lado isso evita "spam", por outro mostra o poder do design: é fácil conduzir a atenção dos usuários para um lugar e ocultar outro. Mesmo que você acesse o site várias vezes, todos os dias.
READER
JÁ ERA Tablets pensados só para jovens e adultos
JÁ É Tablets para crianças, como o XO, vendido nos EUA
JÁ VEM Tablets para idosos, como o Clariscompanion.com, que vira um porta-retrato digital quando desligado
ronaldo lemos
Ronaldo Lemos é diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV e do Creative Commons no Brasil. É professor titular e coordenador da área de Propriedade Intelectual da Escola de Direito da FGV-RJ. Foi professor visitante da Universidade de Princeton. Mestre em direito por Harvard e doutor em direito pela USP, é autor de livros como "Tecnobrega: o Pará Reiventando o Negócio da Música" (Aeroplano). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".

Os dois lados do livro digital - Luli Radfahrer

folha de são paulo
Poucas invenções humanas foram tão importantes para o desenvolvimento da espécie quanto a Escrita. Alfabetos, desde o cuneiforme, se responsabilizaram pela nobre tarefa de preservar e perpetuar as ideias e histórias além das restrições de tempo e espaço.
Para transportar essas descobertas surgiu outra ideia grandiosa: o livro encadernado. Descobertas científicas, textos sagrados, tratados comerciais, leis e documentos cartoriais diversos foram acumulados ao longo dos anos, transformando bibliotecas de meros depósitos a verdadeiros santuários, cultuados e temidos. Não há regime fechado que não tenha seu índex de livros proibidos.
A edição bibliográfica sempre foi uma indústria parcialmente democrática. Se por um lado qualquer pessoa poderia submeter seu manuscrito para publicação, a produção e distribuição era um negócio de risco. Na forma de cópias caligráficas em pergaminhos de pele de ovelha ou, mais tarde, impressa em tipos móveis, fotolitos ou chapas digitais, a produção era cara e precisava se pagar.
Para minimizar o risco surge o conselho editorial, que decide o que seria publicado. Se é verdade que alguns de seus erros relegaram histórias e invenções brilhantes ao anonimato, não se pode negar seu valor em buscar exatidão científica e apuro literário.
Livros, no entanto, nunca foram perfeitos. Como toda invenção, sempre estiveram sujeitos a críticas. Durante muito tempo suas melhorias estiveram no processo de impressão, buscando legibilidade, qualidade de imagens e cores. As árvores mortas para produzir papel, o cloro necessário para alvejar páginas e a toxicidade da tinta eram considerados efeitos colaterais, males necessários. O impacto ambiental do seu transporte o desperdício de encalhes não-recicláveis nem eram levados em consideração.
Símbolos de status intelectual, estantes de livros em casa são cultuadas, a ponto de decoradores buscarem as encadernações mais belas em sebos para adornar as bibliotecas de abastados cuja profundidade literária não costuma ir além das revistas de celebridades. Livros de mesa, pesados, enormes e vistosos com suas fotos de castelos e flores, adornam mesinhas de centro e servem de apoio para taças de vinho daqueles que nunca tiveram a intenção de lê-los e os avaliaram pela capa. Ou pela cor.
Fazendas de ácaros e cupins, livros acumulam poeira e ocupam espaço. Suas páginas mofam, enrugam, rasgam, amarelam e incham com água. Qualquer texto destacado ou anotado nelas passa a fazer parte do livro, maculando o objeto, obstruindo a leitura posterior, inacessível para quem o anotou se não lembrar a página e volume em que a anotação se deu. Estava na hora de uma atualização digital do formato.
e-books não são "apenas" livros. São uma espécie de software. Como tal, podem ser consumidos em diversos aparelhos, desde os trambolhos de tablets que adoramos hoje até na forma de áudio, "lidos" por sistemas de narração. Podem ser alugados, baixados, armazenados em bolsos, discos rígidos e na nuvem. Acessíveis a qualquer hora, podem ser compartilhados, buscados, anotados sem comprometer o original e ter todos os destaques compilados. Acima de tudo, podem ser compartilhados à vontade, sem que se perca a posse do original. O que, aliás, é um original?
Como a música, o vídeo e outras formas de produção cultural convertida em software, há questões de formato e propriedade que precisam ser discutidas. Mas não há dúvida que logo surgirão aparelhos leves, dobráveis e de altíssima definição, que reproduzirão todas as "vantagens" que saudosistas teimam em ver nos livros em papel, acrescidas de dicionários, links, referências bibliográficas e outras formas de acesso direto à web. Tanto a Amazon quanto redes sociais como Goodreads buscam tirar proveito do novo formato, estimulando o compartilhamento de ideias, trechos e recomendações entre leitores.
Mas não se pode esquecer que o Livro é mais do que um objeto. Ele também é um formato de comunicação, importantíssimo, cuja extinção é preocupante. Por demandar uma leitura contínua, concentrada e dedicada, o livro estimula a reflexão. Seu raciocínio estruturado e envolvente cria uma pausa quase meditativa na correria do cotidiano.
Como há espaço para enumerar, desenvolver e, acima de tudo, fundamentar os argumentos expostos, é possível criar linhas de pensamento das quais qualquer um pode concordar ou discordar, parcial ou completamente. Só não se pode ignorá-las. Livros estimulam e fundamentam qualquer discussão.
Se a popularização dos e-books é bem-vinda por se sobrepor ao objeto livro, ela é preocupante por colocar em risco o formato literário, longo, reflexivo e profundo, fundamental em tempos impulsivos de excesso de informação e decisões por impulso. Pontos de referência em um universo de estímulos, livros editados representam a curadoria do conhecimento acumulado ao longo da história, que não pode ser ignorada.
A partir do ponto em que qualquer um pode publicar suas opiniões sem a necessidade de um editor, que o leitor pode consumir vários textos ao mesmo tempo, compartilhar trechos pelo Twitter em um clique ou se perder em links pela rede, fecha-se o que o pesquisador dinamarquês Thomas Pettitt define como "Parêntese de Gutenberg", rebaixando as opiniões escritas ao nível das opiniões faladas, aleatórias, em que a probabilidade de se encontrar alguém interessante para uma conversa em profundidade é cada vez menor.
Se o objeto Livro já vai tarde, o formato Livro --com sua fundamentação de ideias e curadoria de conteúdo-- deve ser preservado no mundo digital. Sem livros o mundo é minúsculo, pouco importa o tamanho da rede.
Luli Radfahrer
Luli Radfahrer é professor-doutor de Comunicação Digital da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP há 19 anos. Trabalha com internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do país. Hoje é consultor em inovação digital, com clientes no Brasil, EUA, Europa e Oriente Médio. Autor do livro "Enciclopédia da Nuvem", em que analisa 550 ferramentas e serviços digitais para empresas. Mantém o blog www.luli.com.br, em que discute e analisa as principais tendências da tecnologia. Escreve a cada duas semanas na versão impressa de "Tec" e no site da Folha.

Geometria projetiva - Daniel Pellizzari

folha de são paulo
Geometria projetiva
'Thomas Was Alone' é o tipo de narrativa --e de experiência-- que só é possível nos games
Thomas é um sujeito afável e curioso, bastante parecido fisicamente com James, seu melhor amigo. Ambos toleram bem a rabugice de Chris, que só não é mais desconfiado do que a insegura Laura, por quem ele acaba apaixonado. Estes são alguns dos personagens de "Thomas Was Alone" (PC, Mac, PS3 e Vita).
Assim como Thomas, que é um retângulo vermelho, todos são representados apenas por quadriláteros simples e coloridos. Acho que a última vez em que me envolvi tanto com figuras geométricas foi durante a leitura do clássico "Flatland: Uma Aventura em Muitas Dimensões", de Edwin A. Abbott.
É um "puzzle plataformer" de jogabilidade equilibrada, no qual o objetivo de cada fase é resolver os quebra-cabeças que impedem cada personagem de chegar a um ponto específico. Cada um tem habilidades próprias --um pula mais alto, outro flutua etc.--, e eles devem trabalhar juntos para vencer os obstáculos.
O visual, quase abstrato, é muito agradável aos olhos, e a trilha sonora se encaixa perfeitamente no ritmo do jogo. Em termos superficiais é isso, mas aqui a estrela é a narrativa e sua interação com as mecânicas. Nos games que fazem uso de narrativa estruturada, o enredo, pré-programado, costuma avançar a partir das ações dos personagens ou de "cutscenes", cenas que interrompem a interatividade e reproduzem a linguagem do audiovisual.
"Thomas Was Alone" se diferencia pelo uso de um narrador onisciente. Outro game recente, "Bastion", também utiliza esse recurso, mas enquanto neste último o narrador está inserido no universo do jogo, em "Thomas Was Alone" ele é um elemento totalmente externo.
A partir de um texto inteligente, completado pelo tom perfeito da dublagem, o narrador não apenas batiza as formas geométricas que vão aparecendo na tela e aumentando o grupo a cada fase, mas também transmite suas angústias e reproduz seus pensamentos.
Ler e ouvir a narração em conjunto com a experiência de controlar os quadriláteros e sentir a diferença mecânica no comportamento de cada um acaba tornando mais palpáveis as características dos personagens. Com essa imersão, o jogador passa a enxergá-los como indivíduos, sentindo alguma empatia por eles e se engajando ainda mais no universo em que transitam.
E não apenas isso: como os personagens se tornam vivos por meio desse casamento entre narração e mecânica, surgem pequenos momentos de narrativa emergente --aquela que brota espontaneamente da experiência subjetiva de interação entre os elementos do game, em oposição à linearidade predefinida da narrativa estruturada.
Como se Thomas e seus companheiros fossem dotados de vontade própria, um simples esbarrão entre retângulos pode ser interpretado de várias maneiras pelo jogador.
O que poderia ser apenas um conjunto de estereótipos (ainda que bem escritos) projetados sobre gráficos esquemáticos (ainda que elegantes) ganha profundidade por meio da intervenção do jogador. É o tipo de narrativa --e de experiência-- que só é possível nos games.
E, para coroar, "Thomas Was Alone" é ao mesmo tempo engraçado e triste. Como quase tudo que vale a pena nesta vida.

Penitenciárias paulistas têm até 'celular do James Bond' - Afonso Benites

folha de são paulo
Penitenciárias paulistas têm até 'celular do James Bond'
Em quatro anos, houve aumento de 27% no número de telefones apreendidos
Videogames, tablets e DVDs já foram achados; para especialistas, Estado vai contratar bloqueadores de sinal
AFONSO BENITESDE SÃO PAULOJOSMAR JOZINODO "AGORA"
Tablets, relógios-celulares, videogames, aparelhos de DVD e smartphones de última geração com poderosas câmeras, TV acoplada, acesso a internet e Bluetooth. Nada disso estava em uma loja de produtos eletrônicos.
Esses equipamentos foram encontrados nos últimos cinco anos em penitenciárias paulistas sob o poder de presos ou abandonadas nos pátios de banho de sol.
O relógio-celular, por exemplo, que teve três exemplares apreendidos no ano passado no Centro de Detenção Provisória Belém, na zona leste da capital, é tão moderno e discreto que no comércio os vendedores o chamam de "celular do James Bond".
Na internet, um modelo como esse custa cerca de R$ 1.500, tem tela com 1,18 cm de espessura, reconhecimento de voz e armazena arquivos de áudio em MP3.
Nos presídios, o preço dos telefones obedece a lei da oferta e da procura, portanto, é bem mais caro que na rua. Um celular que custa pouco mais de R$ 300 no comércio legal, na penitenciária pode valer até R$ 4.000.
Conforme agentes penitenciários e ex-detentos, muitas vezes esse aparelho é dividido entre dois ou três presos. Um fala de manhã, outro, à tarde e o terceiro, à noite.
Na maioria das apreensões, segundo agentes, o detento que diz ser o dono do celular está mentindo. "São pessoas que têm dívidas com o crime organizado que pagam assumindo' esse boletim de ocorrência", disse um agente.
Uma apreensão que chamou a atenção dos agentes acabou com o que foi batizado de playground dos presos no CDP Belém. Em uma das celas, havia um videogame, um DVD e 31 celulares.
CRESCIMENTO
Analisando os dados de apreensões de celulares desde 2008, constata-se que tem crescido a quantidade de aparelhos que entram nos estabelecimentos prisionais.
Em 2008, foram 10.446 aparelhos apreendidos, média diária de 28. No ano passado, foram 13.248, média de 36 --um crescimento de quase 27%.
Na opinião do sociólogo José dos Reis Santos Filho, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Situações de Violência e Políticas Alternativas da Unesp, a circulação de celulares não diminui porque há uma rede com elos que é difícil de ser quebrada.
"São agentes penitenciários, advogados, familiares e até policiais que entram com o telefone ou ajudam alguém a entrar. É um comércio que interessa aos presos e não tem o efetivo combate."
Para ele, esse comércio aumentou após os ataques da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) em 2006.
É por meio do celular que muitos dos presos mantêm o controle do tráfico de drogas do lado de fora das prisões.
No mês passado, o Ministério Público revelou que de dentro da penitenciária 2 de Presidente Venceslau, o preso Wanderson Paula Lima, o Andinho, comandava a venda de drogas em Campinas.
Sexta-feira, uma ação da polícia prendeu 28 suspeitos que recebiam ordens por telefone de um preso conhecido por "Zona Sul". Ele está no mesmo presídio de Andinho
Para a coordenadora da comissão de política criminal e penitenciária da OAB de São Paulo, Adriana Martorelli, a superlotação é um dos motivos."Hoje o sistema penitenciário não tem controle. Tem muito mais preso do que seria possível gerenciar."
Em todo o Estado de São Paulo, há quase dois presos por vaga. Conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional, são 195.965 detentos em 102.312 vagas.

OUTRO LADO
Estado vai contratar bloqueador de sinal de celular para presídios
Licitação deve começar neste mês; em sete anos, 58 funcionários foram demitidos por ajudar detentos
DE SÃO PAULO DO "AGORA"Quase sete anos após os primeiros testes com bloqueadores de sinais de telefone celular, o governo paulista deve iniciar neste mês o processo licitatório para contratar empresas que operam os equipamentos.
Atualmente, dois sistemas estão sendo testados em penitenciárias da região metropolitana de São Paulo.
Conforme a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), os presídios foram escolhidos segundo o grau de dificuldade. Entre os que foram testados há os que ficam próximos a aeroportos, perto de torres transmissoras de sinais de celular e ao lado de vias com grande movimentação.
O desafio é conseguir limitar o bloqueio do sinal apenas no perímetro da penitenciária, sem que o sistema interfira nos telefones da região.
Ainda segundo a secretaria, nos testes, foram detectadas ocorrências que não são admitidas pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), que fiscaliza o setor.
Nas avaliações houve vazamento do bloqueio para fora da prisão. Técnicos da agência acompanham os testes.
Em princípio, as unidades que receberão os bloqueadores são as que concentram presos de alta periculosidade e membros de facções criminosas, como o PCC. A secretaria não informou que penitenciárias são essas, mas hoje, a cúpula da facção está detida em Presidente Venceslau (a 611 km de São Paulo).
AVANÇOS
Ao invés de comprar equipamentos bloqueadores, que em pouco tempo podem se tornar obsoletos por conta das novas tecnologias, o governo quer contratar empresas que bloqueiem o sinal.
Dessa forma, mesmo com os avanços, essas empresas seriam obrigadas a se atualizarem para bloquear o sinal.
Em janeiro, a Folha revelou que testes feitos durante nove dias no CDP de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, apontaram 1.513 chips em funcionamento no local, incluindo os dos 264 funcionários.
Na ocasião, ao perceberem a perda de sinal e sem saber dos testes, parte dos presos ligou para o atendimento ao cliente das empresas telefônicas reclamando por não completar suas chamadas.
Para a advogada Adriana Martorelli, da comissão de política criminal e penitenciária da OAB-SP, as empresas de telefonia deveriam elas próprias bloquear os sinais de celular nas penitenciárias.
"As empresas ganham muito dinheiro com telefonia. Elas poderiam ter a responsabilidade social de bloquear seu sinal nas prisões. Algum retorno para a sociedade ela tem a obrigação de dar."
Os celulares entram nas penitenciárias de diversas maneiras, as mais comuns são por meio de visitas ou com a conivência de agentes penitenciários.
CRISTIVIDADE
Em 2009, um aeromodelo foi apreendido em Presidente Venceslau tentando deixar celulares na penitenciária. Em Avaré, em 2010, os funcionários acharam uma catapulta encostada no muro do lado de fora que lançava os aparelhos para o presídio.
Para tentar combater a corrupção de seus funcionários, a SAP tem punido os servidores flagrados facilitando a entrada dos celulares.
Desde 2006, segundo os dados da instituição, 239 funcionários responderam a processos por essa razão. Sendo que 58 deles foram demitidos.
No mês passado, um diretor da penitenciária de Mirandópolis foi afastado sob suspeita de ajudar presos a conseguirem celulares.

    De ética, economia e política - RENATO JANINE RIBEIRO


    VALOR ECONÔMICO - 05/08/2013

    Para quem sente vergonha ou frustração diante dos rumos do Brasil, é bom lembrar: nas últimas três décadas, por três vezes a sociedade brasileira interveio decididamente na política, com boas lideranças, mudando o país para melhor. Três vezes: 1984, com o movimento das Diretas-Já, que sepultou a ditadura militar; 1994, com o Plano Real, apoiado pelo PSDB, vencendo a inflação; 2002, com a adoção da inclusão social e da luta contra a miséria como políticas de Estado. Uma mudança política, uma econômica, uma social.

    Talvez esteja na hora, 11 anos depois da última data, de conseguir uma melhora decisiva na qualidade dos serviços públicos. Esta pode - e deve - ser a mudança hoje prioritária. Ela poderá marcar nossa década.

    Há características comuns aos três movimentos bem sucedidos; pelo menos as duas primeiras hoje se repetem:

    O Brasil recente teve três grandes conquistas éticas

    1) A situação vigente (ditadura, inflação, miséria) perturbava cada escaninho da vida social e pessoal. Não ter liberdade era um suplício; a inflação corroía a confiança nos outros e a fé no futuro; a miséria fazia troça das qualidades de nossa sociedade como um todo.

    2) Chegou-se ao consenso de que tal situação era intolerável. Convivemos 20 anos com a ditadura, o mesmo tempo com a inflação, cinco séculos com a miséria. Mas veio a gota d"água. Isso não podia continuar.

    3) Lideranças políticas souberam, à custa de muito trabalho, oferecer saídas para o impasse.

    4) Os resultados foram muito bons. O que era proposta de parte da sociedade e de alguns partidos se tornou compromisso do Brasil como um todo.

    O primeiro êxito se vê no Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios. A ditadura militar nos legou 85% dos municípios brasileiros com Qualidade de vida "muito baixa"; mas os anos de democracia foram tão positivos que só restou, nesse patamar, menos de 1%. O segundo êxito: a inflação, que em 1994 chegava, anualizada, aos três dígitos, hoje preocupa se passa dos 5% ao ano. O terceiro está na imagem da pirâmide social que virou losango, entre 2005 e 2010: no começo do governo Lula, metade da população brasileira vivia nas classes D e E, as mais pobres. Hoje, essa metade está na classe C, no meio da estratificação social: 50 milhões saíram da pior pobreza.

    Nos três casos, a percepção de que algo era intolerável veio junto com uma causa ética. Nos últimos 30 anos, o Brasil viveu, na prática, aulas da melhor filosofia política. (Nem sempre nossos pensadores o perceberam). Primeiro, a questão da liberdade, reprimida pela ditadura. Depois, a da confiança no outro e no futuro, bases para o laço social. Mais tarde, o drama do egoísmo, da opressão social, da miséria. Agora, é a questão do Estado que assegure serviços públicos decentes: talvez, o Estado de bem-estar social que nunca tivemos.

    Os sucessos anteriores somavam um diagnóstico e uma prescrição. Vejamos.

    Diagnóstico em 1984: o país está travado pela ditadura, que paralisa tudo, da justiça social e da justiça até a liberdade pessoal; medicamento: democracia.

    Diagnóstico em 1994: a inflação corrói tudo, economia e valores morais; medicamento: um plano transparente, que permita retomar a fé no outro e em si próprio.

    Diagnóstico em 2002: a miséria estraga nossas relações sociais, expondo o caráter antiético de uma sociedade que não aboliu de fato a escravatura. Medicamento: programas de inclusão social.

    Estes três grandes momentos tiveram atores em comum. A união democrática contra a ditadura foi conduzida por líderes que depois se dividiram, para dirigir os dois momentos seguintes: a luta contra a inflação, assumida pelos tucanos, e a inclusão social, a que os petistas deram prioridade e escala. Mas os dois últimos momentos, sobretudo, foram possíveis pelo encontro de um fim ético e de meios econômicos. O fim ético, em 1994, era a construção da confiança; o meio foi o quarto grande plano anti-inflacionário da democracia, o que deu certo. O fim ético, desde 2002, era o ataque à fome e à miséria; o meio passou pela economia, inclusive a Carta aos Brasileiros e a política de Palocci e Meirelles.

    A grande questão é onde estaria isto hoje. Há várias agendas em cena. A empresarial se concentra em aumentar a produtividade. Mas lhe falta o gancho ético: focada demais na economia, que é apenas meio, não constrói um fim maior, com apelo social. Outra agenda, que até agora prevaleceu, é a da gestão. Dilma Rousseff se elegeu como a gestora que continuaria os projetos de Lula; José Serra concorreu como o gestor que prometia preservar e melhorar as conquistas de Lula. Nos dois casos, propôs-se o meio, faltou o fim ético, o apelo à sociedade.

    O junho brasileiro indicou qual pode ser a nova meta ética - um Estado que proporcione transporte público, saúde, educação, em suma, alguns dos serviços básicos por que pagamos, mas que são ruins. Isso para não falar da segurança, que não vi aparecer como tema - talvez até porque a polícia estivesse nas ruas do lado errado, tolerando criminosos e reprimindo manifestantes. Tudo isso implica o combate à corrupção, mas este não basta: é preciso ter governos melhores. É este o fim a conquistar. Resta ver quais serão os meios a adotar para chegar aí, quais líderes saberão conduzir esta luta.

    Porque precisaremos aqui de política, num sentido que vai além do cotidiano dos políticos. Falo da capacidade de traduzir uma demanda alastrada pela sociedade em meios aptos a converter a exigência em realidade. Em suma, temos um problema claro, uma agenda quase definida, mas não sabemos sequer quem serão os atores a implantá-la. Não está fácil.

    Rubens Ricupero

    folha de são paulo
    Cinzas e diamante
    Francisco ocupa vácuo de lideranças, principiando com aquilo que os políticos evitam: a autocrítica
    Parte do encanto que emana do papa Francisco se deve ao contraste com o deserto de liderança que o mundo atravessa. Prova disso se encontra na própria Roma, da qual é o bispo, título que prefere por razões ecumênicas. Lá, a Justiça acaba, sem apelo, de condenar Berlusconi, quatro vezes primeiro-ministro.
    Como foi possível que se degradasse tanto o posto antes ocupado por De Gasperi e Aldo Moro? Um dos amigos diletos do réu italiano de incontáveis processos é Putin, que sobrou como destroço do naufrágio de 70 anos da mais radical das revoluções, a que pretendia criar o "homem novo".
    Itália e Rússia são casos extremos, mas não únicos. O que é Angela Merkel, comparada a Adenauer ou Willy Brandt? Ou Hollande, cotejado a De Gaulle e a Mitterrand; Cameron, a Churchill; Mariano Rajoy ao pacto de Moncloa e a Felipe González? Países que, tempos atrás, tiveram governantes influentes como o Canadá de Trudeau ou a Suécia de Olof Palme mergulharam no completo anonimato.
    A China se especializa numa série infindável de clones com o mesmo terno escuro e igual gravata vermelha. O 3º Mundo, que estreava com Nehru, Nasser, Tito, Sukarno, descambou para a irrelevância. Ho Chi Minh virou nome de cidade. A ONU, o FMI, o Banco Mundial, antes dirigidos por personalidades fortes, foram entregues a gente que ninguém conhece. Do Brasil, cuja vida pública se ilustrava com Tancredo, San Thiago Dantas, Ulysses, para só mencionar alguns mortos, nem preciso falar.
    As causas podem ser muitas e complexas, mas é inegável que se trata de mediocrização sem precedentes talvez. Nos anos 1930, surgiram lideranças políticas poderosas embora altamente malignas: Hitler, Stalin, Mussolini. Hoje, nem isso.
    Deixei para o fim Obama, o caso mais espetacular de frustração de expectativas desde John Kennedy. Pode ser que no futuro os historiadores julguem que ele tenha sido injustiçado; que a diferença de circunstâncias não teria permitido a reprodução do New Deal e o aparecimento de um segundo Franklin Roosevelt. O fato, porém, é que para muitos de seus eleitores ou entusiastas, dentro e fora dos EUA, o presidente é uma decepção.
    A frustração vem de muita coisa: a timidez da reforma financeira, o fracasso em reverter a escandalosa concentração de renda, a escolha para postos principais dos homens de Wall Street responsáveis pela crise, o programa de assassinatos a distância e agora a espionagem de tudo e de todos no melhor estilo Big Brother.
    Sobram a Obama os instrumentos do poder duro: drones para matar sem risco ou meios eletrônicos para espionar. Apesar do absurdo Nobel da Paz que lhe deram adiantado, faltam-lhe os elementos intangíveis da liderança moral e de ideias.
    É esse vácuo que Francisco passa a ocupar, principiando com aquilo que os políticos evitam: a autocrítica rigorosa. A denúncia da "globalização da indiferença", o convite para ir em socorro das periferias, geográficas e existenciais, o exemplo dos gestos concretos, o conceito de poder como serviço são mais que uma promessa. Um diamante começa a brilhar em meio às cinzas.

    Entrevista da 2ª - Hugo Barra

    folha de são paulo
    ENTREVISTA HUGO BARRA
    Episódio de espionagem não afetou a imagem do Google
    Vice-Presidente de produtos do Android na empresa, mineiro Hugo Barra fala sobre a NSA e o futuro da tecnologia móvel
    BRUNO FÁVEROCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAPresença frequente nas apresentações de produtos do Google -foi o encarregado de apresentar ao mundo o tablet Nexus 7, por exemplo- o mineiro Hugo Barra, 36, é um dos responsáveis por tornar o Android o sistema móvel mais popular do mundo.
    Quando assumiu a diretoria de produtos, em 2010, o sistema tinha 50 milhões de usuários. Desde então, Barra chegou a vice-presidente, e o Android se aproxima de 1 bilhão de usuários.
    De formação técnica, Barra, que veio ao Brasil para o evento Infotrends, não esconde a aversão a responder a questões sobre política e dinheiro na tecnologia.
    "Oba, vai começar a entrevista", disse quando, depois de uma sequência de perguntas sobre o episódio da espionagem americana, ouviu uma sobre jogos.
    Folha - Os usuários depositam uma confiança grande no Google ao guardar dados nos servidores de vocês. Ela foi quebrada com o episódio da espionagem da NSA?
    Hugo Barra - Acho que não. Nós temos plena consciência da relação de confiança que temos com todos os usuários de nossos serviços, e isso é a coisa mais valiosa que possuímos.
    E é por isso, também, que deixamos bem claro durante todos esses episódios, desde o começo, que não existe a menor possibilidade de que dados dos usuários que estão armazenados pelo Google sejam disponibilizados direta ou indiretamente a qualquer autoridade. O Google só disponibiliza informações em casos extremos, quando existe ordem judicial.
    O episódio afetou a imagem do Google? Vocês perderam usuários?
    Absolutamente não. Não existe nenhum indício de que os episódios tenham afetado a forma como as pessoas usam nossos serviços, ou a frequência, o número de usuários, qualquer outra métrica que você escolha.
    Depois que o jornal "O Globo" mostrou que brasileiros foram espionados, o governo disse que quer os servidores das empresas aqui. É viável?
    Cada empresa tem suas políticas, mas o Google escolhe onde coloca dados do mundo todo pensando em eficiência. Ou seja, nós criamos um datacenter de forma que usuários tenham acesso mais fácil e rápido aos serviços. Nós não temos servidores no Brasil porque ainda não é eficiente -proximidade geográfica não quer dizer proximidade do ponto de vista de rede.
    Você já disse que precisa lutar cada vez menos para que o Brasil receba atenção do Google. Onde o país está nas prioridades da empresa?
    Em uma posição muito alta porque, primeiro, a população brasileira conectada é muito grande. Segundo, porque o brasileiro tem uma cabeça muito aberta para experimentar coisa nova. O tipo de feedback que conseguimos aqui no Brasil não é tão comum no resto do mundo. O Brasil realmente usa, fala a você o que acha, e isso para nós é fantástico.
    Você é um brasileiro ocupando um cargo alto de uma grande empresa de tecnologia. Isso tem um valor especial?
    É especial, mas não surpreendente. Há muitos brasileiros de sucesso no Vale do Silício, em Nova York, em todas as indústrias. Só no Google há pelo menos três vice-presidentes brasileiros. Brasileiros se preparam muito. Universidades brasileiras, principalmente quanto aos cursos de engenharia, são tão boas quanto as do resto do mundo.
    Por que então não vemos 'Googles' sendo criados aqui?
    Eu acho que não há nenhuma razão específica.
    O Vale do Silício é um ímã gigantesco de talento porque ali se concentram todos os aspectos que facilitam a criação de novas empresas -quando você cria uma companhia, não trabalha sozinho. É uma questão de ecossistema.
    O que o Brasil precisa fazer para ter algo como o Vale?
    Acho que já está acontecendo, várias empresas no Brasil estão se destacando. A [desenvolvedora de jogos] Fun Games For Free, por exemplo, é formada por dois garotos da USP, engenheiros, que são supernovos e inteligentes. Montaram uma equipe de tamanho razoável contratando amigos e entraram em um mercado global. Esse ecossistema está começando a ser criado.
    Quais são os requisitos para esse ecossistema ser criado?
    Primeiro: toda a parte de processos burocráticos e logística necessária para registrar uma empresa. Isso aqui no Brasil sempre foi um problema e continua sendo.
    Segundo: você tem que ter massas de escolas e outros veículos de formação de talento técnico. Não só de computação, mas de design, de arte, que são componentes importantes de uma start-up.
    Também tem a parte de investimento. Hoje, aqui em São Paulo, boa parte dos VCs [investidores de capital de risco] do Vale do Silício já têm representação, então isso também já se resolveu. As próprias universidades também têm núcleos que incentivam o empreendedorismo. Eu acho que o ecossistema já está sendo formado.
    O que acha das discussões do Marco Civil da Internet?
    Acompanho por alto. Nós [do Google] apoiamos a liberdade de expressão não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Apoiamos fielmente a versão original do Marco Civil.
    E a versão alterada [que tramita no Congresso]?
    A alterada eu desconheço. Mas a filosofia do texto original do Marco Civil está completamente alinhada ao Google.
    Você participa do desenvolvimento do Android desde cedo. Onde o vê daqui a alguns anos?
    O Android foi desenvolvido como uma plataforma para quaisquer dispositivos móveis. Nós gostaríamos que continuasse caminhando na direção em que está, sendo o núcleo de celulares, tablets, relógios, televisores, aparelhos domésticos, sistemas de automação de residências e outros gadgets que serão inventados. Mas nós não temos nenhuma restrição.
    Muita gente tem falado sobre sistemas pró-ativos, que adivinham a vontade do usuário. Eles são o futuro?
    Eu acho que sim. Recentemente, houve uma série muito importante de quebras de paradigma, do ponto de vista computacional, com o desenvolvimento de técnicas maravilhosas de aprendizado artificial.
    O [assistente pessoal móvel] Google Now é o primeiro grande exemplo do que achamos que poderá ser possível com essas novas técnicas.
    A quantidade de informações que cada usuário individual pode achar útil cresce exponencialmente. Se nós não desenvolvermos ferramentas que permitam que as pessoas encontrem o que for interessante, não vai ser possível lidar com essa massa gigantesca de informações.
    E o Google Glass [óculos inteligentes do Google]?
    Eu uso direto, é fantástico. A oportunidade de colocar na frente de uma pessoa uma tela que está sempre disponível, quase que sem nenhum esforço por parte do usuário, é uma coisa completamente nova.
    E esse dispositivo, dentro desta haste, tem praticamente o poder computacional do [celular do Google] Nexus 4.
    Acho que o mundo ainda não entendeu o potencial de inovação que o Google Glass como plataforma tem a proporcionar.
      RAIO-X HUGO BARRA
      IDADE
      36 anos
      NASCIMENTO
      Belo Horizonte
      CARGO
      Vice-presidente de produtos do Android no Google
      FORMAÇÃO
      Graduação e mestrado em ciências da computação e engenharia elétrica pelo MIT
      TRAJETÓRIA
      Fundou em Boston uma empresa de reconhecimento de voz para celulares chamada Lobby 7. Foi diretor da Nuance Communications, gerente de produtos móveis do Google e hoje é vice-presidente de produtos do sistema operacional Android
      Tecnologia de empresa de Barra foi parar na Apple
      COLABORAÇÃO PARA A FOLHAMineiro de Belo Horizonte, Hugo Barra chegou ao Google em 2008 a convite do também brasileiro Mario Queiroz, hoje vice-presidente da Google TV, para gerenciar o desenvolvimento de aplicativos para celulares.
      Quase três anos depois, Barra se mudou para a Califórnia para assumir a diretoria de produtos do sistema operacional Android, na época "pequenininho".
      Bem antes do Google, Barra estudou no Colégio Pitágoras, na capital mineira.
      Entrou no curso de engenharia elétrica da UFMG, mas abandonou-o no ano seguinte para estudar no MIT, "sonho desde o segundo grau", diz.
      Ao se formar, fundou a Lobby 7, uma start-up que desenvolvia tecnologias de reconhecimento de voz.
      A ideia do nome, que deveria ser provisório, veio de um dos salões do MIT. "Nós estávamos tão ocupados que nem mudamos", conta.
      A Lobby 7 foi comprada pela ScanSoft, que depois se fundiria com a Nuance Communications e se tornaria uma das maiores empresas de reconhecimento de voz.
      Hoje, a Nuance presta serviços para um dos maiores concorrentes do Google. "Parte do que criamos, pelo que eu já ouvi falar, acabou fazendo parte do produto de reconhecimento de voz da Apple", afirma Barra.

        Marcos Augusto Gonçalves

        folha de são paulo
        Lisboa revisitada
        Reencontro a bela capital portuguesa em dias alegres e ensolarados, mas ainda sob o signo da crise econômica
        Estou aqui, na praça Luís de Camões, numa tarde luminosa de Lisboa, cidade bonita de pedras claras, fachadas de azulejos, boa mesa e noite agitada. É tempo de férias na Europa, e a ensolarada capital portuguesa atrai gente de todos os lugares. Brasileiros, ingleses, alemães, franceses, japoneses sobem e descem pelas ladeiras do centro histórico num burburinho que vai até a madrugada.
        Longe do formigueiro babélico dos visitantes estrangeiros, a vida transcorre em outro ritmo, bem diferente do nosso cotidiano afobado de São Paulo, onde cabe um Portugal de gente.
        "O Novo Mundo tem a energia própria dos adolescentes. As pessoas falam demasiado alto, caminham demasiado depressa. E têm pressa. Nós, europeus, temos uma relação distinta com o tempo. Não temos a noção permanente de que não temos tempo -e, nos bares da América ou nos botequins do Brasil, suspiramos pelos nossos cafés e pela nossa paisagem carregada de história e de passado", diz João Pereira Coutinho no "Diário de Notícias".
        E é em ritmo europeu que vou descendo a pé até o Cais do Sodré para pegar o comboio e visitar Belém. Ali próximo aos Jerônimos, ergue-se a nova sede do Museu Nacional dos Coches, obra, ainda a ser inaugurada, do nosso arquiteto Paulo Mendes da Rocha. O Brasil está sempre a passar por aqui, com sua face ora moderna, ora ameaçadora, ora enigmática.
        "Alguma coisa vai mal no Brasil, depois de um período de grande expansão e desenvolvimento, devido em grande parte aos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva", escreve Mário Soares num artigo de jornal. "Mas não creio que sejam da responsabilidade de Dilma Rousseff as dificuldades do Brasil atual", pondera a seguir. O que haverá então? "Os países têm dessas mudanças"
        Certo é que por aqui, sob a superfície alegre dos dias de verão, a crise econômica continua a assustar. Pequenas melhorias no horizonte parecem ainda longe de afugentar o fantasma dessa grande depressão que Soares compara aos dias terríveis da Alemanha de Bismark, "quando Hitler surgiu e ninguém esqueceu os horrores da Grande Guerra".
        O pacote de austeridade vai fulminando políticos sem apresentar os resultados prometidos. O desmanche do Estado de Bem-Estar segue seu curso e o desemprego assombra a juventude.
        Nos cafés do grande auditório do Centro Cultural Belém um só funcionário faz o caixa, tira o expresso e serve no balcão. A fila da paciência. E é noite de plateia lotada: Devendra Banhart apresenta seu novo CD acompanhado de Rodrigo Amarante. "Obrigado por esta língua linda e boa de cantar que vocês nos deram", agradece o carioca barbudo, ex-Los Hermanos, que abre o show e segue na guitarra acompanhando o popstar americano.
        Sim, a viagem é também pelo idioma, a nossa última flor do Lácio, inculta e bela, a um tempo esplendor e sepultura -como cantou Bilac. Minha pátria é minha língua, e aqui nossas fronteiras se expandem em palavras lembradas, esquecidas ou intuídas. Outras maneiras de falar, modos ao mesmo tempo estranhos e familiares de nomear as mesmas coisas. A casa de banho, a camisola do jogador de futebol, a bica na esplanada da Brasileira.
        Lisboa revisitada é sempre uma comoção, um redescobrir a si mesmo, um perder-se em espelhos.

          Painel - Vera Magalhães

          folha de são paulo
          Ao resgate
          Conselheiros de Dilma Rousseff identificaram uma demanda por "socorro" do governo federal às grandes cidades após as manifestações. A pesquisa CNI/Ibope de julho revelou que 62% dos eleitores acreditam que os prefeitos não têm dinheiro suficiente para prover serviços de qualidade e que 70% dos brasileiros acham que a União dá aos municípios menos recursos do que deveria. Ao acelerar o repasse de verbas, o Planalto poderia impulsionar a recuperação da popularidade de Dilma.
          Projeto... Origem da onda de protestos, São Paulo deve receber atenção especial. A Presidência planeja uma nova visita de Dilma à cidade no dia 20 para anunciar a transferência de recursos do Pronatec. O prefeito Fernando Haddad (PT) prometeu verba federal para o setor durante sua campanha.
          ...piloto A prefeitura paulistana espera receber outros pacotes de investimentos do governo federal nos próximos meses. Haddad pediu repasses volumosos para a área de saúde e para a construção de CEUs e creches no município.
          Padrinho Especialistas em pesquisas lembram que a visita do presidente americano Barack Obama ao Brasil elevou os índices de popularidade de Dilma em 2011. Eles acreditam que a passagem do papa Francisco pelo país pode ter efeito semelhante.
          Viral 1 Auxiliares de Sérgio Cabral (PMDB) calculam que a má imagem do governador do Rio já contaminou os programas de sua gestão, como as UPPs, criando um cenário difícil para a eleição de seu sucessor, Luiz Fernando Pezão (PMDB).
          Viral 2 Para tentar resgatar a bandeira da segurança, o governo se empenhará em punir os responsáveis pelo desaparecimento do pedreiro Amarildo, na Rocinha, e garantir a segurança do coordenador do AfroReggae, José Júnior, ameaçado de morte no Complexo do Alemão.
          De olho A direção do PPS faz um levantamento para identificar os políticos que tentam aproveitar o fracasso da fusão com o PMN para migrar para outros partidos. A legenda vai tentar recuperar os mandatos na Justiça. A maioria, segundo dirigentes, é de deputados estaduais e vereadores.
          No ar... A velha Vasp lidera a lista das empresas que mais devem na Justiça do Trabalho. A relação atualizada de devedores será divulgada amanhã.
          ...e na terra Na lista de pessoas físicas, Wagner Canhedo e familiares, donos da finada companhia, ocupam cinco dos dez primeiros lugares. São tantos os processos que a Justiça do Trabalho de São Paulo criou uma vara exclusiva para o caso, conhecida como "Vara Vasp".
          Favorito O senador Gim Argello (PTB-DF) trabalha para emplacar Paulo Roxo no comando da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), mas o governo quer barrar a indicação.
          Onde pega Roxo é apontado como um dos captadores de recursos para José Roberto Arruda, ex-governador do DF que caiu na esteira no mensalão do DEM.
          Fim de férias A despeito da operação do governo para liberar bilhões em emendas para acalmar a base aliada, o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), vai tentar colocar em pauta o Orçamento impositivo, que tem a contrariedade do Planalto.
          Pescaria O governo busca até as bancadas mais modestas de sua coalizão no esforço para recuperar a fidelidade de sua base no Congresso. Ideli Salvatti (Relações Institucionais) se reúne quarta-feira com o PRB, que tem dez deputados e um senador.
          TIROTEIO
          Ao manter sigilo e recusar informações ao governo paulista, o Cade só estimula o uso político dos dados que o órgão decidiu vazar.
          DO SECRETÁRIO DE ENERGIA DE SÃO PAULO, JOSÉ ANÍBAL (PSDB), sobre a falta de acesso do governo às denúncias de corrupção em licitações de trem e metrô.
          CONTRAPONTO
          Cidade sangue quente
          Prestes a completar dois meses, a onda de manifestações no Rio já virou parte do cotidiano dos cariocas. No sábado à noite, em um show de Angela Ro Ro no Teatro Rival, na Cinelândia, um espectador descuidado derrubou um copo de vidro, que se espatifou no chão.
          Do palco, a cantora ouviu o barulho e brincou:
          -Viram só? É manifestação!
          E aproveitou para fazer piada com os protestos em frente ao apartamento do governador Sérgio Cabral.
          -Calma, gente. Eu não moro no Leblon e meu primeiro nome não é Sérgio!

            Gustavo Fruet e Sergio Fausto no Tendências/Debates

            folha de são paulo
            GUSTAVO FRUET
            Universalização do vale-transporte
            Se empresas e governo repassarem ao operador do sistema de transporte coletivo o valor do VT, o trabalhador não pagaria mais a tarifa
            Apostamos em uma proposta ousada na busca por qualidade e tarifa justa do transporte público.
            Em Curitiba, que até hoje é reconhecida internacionalmente como cidade de vanguarda nesse tema e tem o modelo de canaletas exclusivas copiado por outras metrópoles, o sistema está à beira do colapso.
            A falta de investimentos em inovações e uma licitação recente (2010) que gera descontentamentos em operadores e usuários são neste momento os principais entraves para atrair mais passageiros.
            Entre 2008 e 2011, houve uma redução de 14 milhões de usuários pagantes transportados --o número de passageiros passou de 323,50 milhões para 309,50 milhões.
            Em outras grandes cidades do país, a tendência é a mesma.
            Diante desse quadro, a nós, administradores, restam duas alternativas. Ou aproveitamos a provocação que vem das ruas para gerar efeitos práticos ou desperdiçamos a oportunidade de ousarmos com um respaldo popular nunca antes experimentado.
            A Prefeitura de Curitiba encaminhou ao governo federal uma proposta que pode ser o ponto de partida para o debate.
            O ponto principal da nossa proposta é a universalização do vale-transporte (VT). A ideia é que todas as empresas e órgãos públicos repassem diretamente ao operador do sistema de transporte coletivo da sua cidade ou região o valor correspondente ao VT dos empregados, arcando integralmente com esse custo. No caso das empresas, poderia ser abatido do Imposto de Renda.
            Dessa forma, o trabalhador não pagaria mais a tarifa. Estudantes também poderiam ter isenção, de acordo com a renda. Somente pagariam a tarifa cheia os usuários eventuais e o turista.
            Em algumas cidades --dependendo do número de linhas e usuários--, a tarifa poderia ser até mesmo gratuita para todos.
            Para muitos empregadores, o aumento de custo seria pequeno. Atualmente, a lei autoriza empregadores a aplicarem descontos de até 6% no salário base de empregados para bancar o vale. Porém, muitas empresas já não praticam esse desconto, optando por bancar a maior parte ou até a totalidade do vale-transporte.
            A ideia não é nova e é usada com sucesso em cidades da Europa. No material encaminhado ao governo federal, citamos como exemplo a francesa Lyon, que tem um dos melhores sistemas de transporte do continente, incluindo integração multimodal e tarifa única.
            Lá, as empresas bancam 36% do custo do sistema, que gira em torno de 800 milhões de euros/ano. No Brasil, onde já temos o vale-transporte, a implantação seria muito mais simples do que foi na França.
            Em Curitiba, por exemplo, 47% da receita já vem do vale-transporte. O novo VT ampliaria o financiamento do sistema. Para isso, é necessária a mudança da legislação do vale-transporte, por iniciativa do governo federal e do Congresso Nacional.
            O grupo técnico da Prefeitura de Curitiba também indicou uma segunda alternativa, por meio da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), que com acréscimo de centavos teria a condição de suportar a redução tarifária proposta e incentivar a população a usar transporte público.
              SERGIO FAUSTO
              Palpite infeliz
              Dividir o mundo entre um "Norte decadente" e um "Sul emergente" foi um erro de diagnóstico da política externa brasileira recente
              Um dos bons analistas de política externa da nova geração, Matias Spektor estava em um mau dia quando escreveu o artigo "O futuro em São Bernardo", publicado em sua coluna em 24 de julho.
              No texto, ele diz ter ouvido vozes de renovação da política externa brasileira. Elas teriam vindo de uma conferência realizada pela Universidade Federal do ABC no contexto das comemorações dos dez anos do PT no poder.
              Não estive na conferência nem tive acesso ao que ali foi discutido. Mas nada do que autor apresenta no artigo sustenta seu entusiasmo com o conclave petista.
              Spektor começa com uma caricatura do debate atual sobre a política externa no Brasil. A discussão teria se transformado em um Fla-Flu entre os adoradores da política externa de Lula e os seus detratores tucanos (um retrato que não corresponde à realidade de um debate plural e mais qualificado de que ele próprio participa). E conclui com uma falácia: este é um confronto inútil, porque preso ao passado. Teria chegado a hora do pós-tudo. O futuro, porém, viria do campo hegemonizado pelo PT.
              O argumento do articulista revela uma estranha concepção do que seja o passado: como é possível considerar página virada da história uma política externa em execução há dez anos, por um grupo político que ainda está no poder e se propõe, legitimamente, a nele permanecer? Já a sua noção do futuro é puramente enganosa: como construí-lo sem rever criticamente o passado, que aliás é presente?
              A política externa dos dez últimos anos tem, a meu ver, dois grandes defeitos: um deles de diagnóstico, outro de execução. O primeiro foi dividir o mundo entre um "Norte decadente" e um "Sul emergente" e colocar nossos melhores ovos na cesta deste não raro em detrimento das nossas relações com aquele.
              Apressadamente, associou-se a decadência do Norte ao suposto naufrágio do capitalismo liberal e a emergência do Sul à afirmação irreversível de modelos mais afinados com o capitalismo de Estado.
              Mal comparando, uma espécie de "fim da história" às avessas, para lembrar o livro famoso de Francis Fukuyama. Nesse quadro mental, exagerou-se a perda relativa de poder dos Estados Unidos e superestimou-se, ingenuamente, a convergência de interesses entre o Brasil e o "Sul", China à frente.
              Esse erro de diagnóstico esteve desde logo influenciado pelas preferências ideológicas dos formuladores e executores da política externa brasileira. As mesmas que os levaram a ter postura dúbia com regimes populistas autoritários, embora eleitos, na América Latina, para não mencionar governos brutais na África.
              As falhas de execução derivaram da busca frequente pela projeção instantânea das imagens positivas do país e do presidente Lula, como se ambas se confundissem. Isso em prejuízo de uma avaliação mais realista dos meios e modos ao alcance do Brasil para intervir na cena internacional, a exemplo do malogrado acordo em torno do programa nuclear iraniano.
              Outro equívoco consistiu em o presidente da República tomar partido em eleições em países vizinhos.
              A construção do futuro da política externa brasileira passa necessariamente por uma revisão crítica profunda dos últimos dez anos. Não se trata de arremessá-los na lata de lixo da história, como se fossem pura herança maldita, pois não apenas eles fazem parte do acervo diplomático do Brasil como também produziram alguns resultados virtuosos.
              Trata-se, isto sim, de tirar lições desse período da política externa e, para tanto, é preciso rever diagnósticos, questionar premissas ideológicas e reconhecer erros de execução. Não creio que o PT esteja em condições de fazê-lo, por mais que Spektor se esforce em ouvir as vozes de São Bernardo e pretenda interpretá-las como presságios de uma boa nova.

                Tv Paga

                Na cozinha 


                Estado de Minas: 05/08/2013 



                O canal Bem Simples vai prestar um serviço ao assinante que gosta de anotar todos os pratos mostrados em programas de culinária na TV. Estreia hoje, às 18h, o especial Baú de receitas, rerpisando alguns dos mais interessantes episódios das temporadas anteriores de atrações como Brasil no prato, Cozinha caseira, A confeitaria e Homens gourmet (foto). Já a Fox Life estreia, às 22h, a nova temporada de Cozinheiros no limite, com 14 candidatos disputando o título de melhor chef de cozinha.

                Série ficcional do Nat Geo  narra a saga dos vikings
                Novidade também no Nat Geo, com a estreia, às 22h15, da série Vikings, e logo com episódio triplo. Não se trata de documentário, mas uma produção ficcional em nove episódios de uma hora narrando a trajetória de Ragnar Lothbrok, um jovem que se considera descendente de Odin. Ragnar é um fazendeiro e chefe de família, visionário e aventureiro, que acredita que as riquezas sonhadas por seu povo encontram-se além do Mar Báltico. Ele convence um grupo de guerreiros a tentar conquistá-las e parte em sua jornada.

                GNT escolhe o vencedor
                de seu Desafio da beleza

                Chega ao fim hoje, às 22h, a terceira temporada de Os reis dos patos, série do canal A&E que mostra o cotidiano dos caipiras Robertson, uma família que vive nos pântanos da Luisiana. Outra atração que termina esta noite é o Desafio da beleza 2, às 20h, no canal GNT, premiando o melhor maquiador com R$ 100 mil, contrato de um ano com uma fábrica de cosméticos e viagens para conhecer as tendências em maquiagem, moda e beleza ao redor do mundo.

                Estreia hoje a produção  britânica Broadchurch
                Por falar em GNT, estreia hoje, às 22h30, a série Broadchurch, que desenvolve sua trama em volta do assassinato de um menino de 11 anos. O corpo dele é encontrado na praia de uma pequena cidade no interior da Inglaterra e o caso chama a atenção da imprensa nacional e se mostra cada vez mais difícil de ser solucionado ao longo de seus oito episódios.

                Lázaro Ramos bate papo  com Hermano Vianna

                O antropólogo Hermano Vianna fala da TV como instrumento de militância política, de sua participação no documentário African pop e de assuntos como racismo e mestiçagem, em entrevista a Lázaro Ramos no programa Espelho, às 21h30, no Canal Brasil. Na mesma emissora, à meia-noite, Rogério Skylab conversa com o músico Edu K., em mais uma edição de Matador de passarinho.

                Telecine Premium traz  de volta Os Três Patetas
                No pacote de filmes, a única novidade é a comédia Os Três Patetas, que estreia no Telecine Premium, às 22h. No mesmo horário, o assinante tem mais oito opções: Uma carta de amor, no Glitz; Bilhete premiado, no Studio Universal; A trilha, no ID; 88 minutos, na MGM; Viagem ao centro da Terra – O filme, no Space; Missão impossível – Protocolo fantasma, no Telecine Pipoca; Querido companheiro, na HBO 2; e Os imperdoáveis, no TCM. Outros destaques da programação: Entrando numa fria maior ainda com a família, às 20h, no Universal, e Um crime perfeito, às 22h30, no Max Prime.

                Bárbara Heliodora chega aos 90 anos.‏

                Ela é Bárbara 

                Autoridade em Shakespeare, a crítica de teatro mais temida do Brasil chega aos 90 anos. "Terror" de atores e diretores, ela conquistou respeito por sua dedicação ao ofício
                 



                Carolina Braga

                Estado de Minas:
                05/08/2013 

                Uma frase escrita por ela tem poder de fogo – para o bem ou para o mal. Quem foi foco de tais palavras que o diga. “Lá do palco, a gente vê de longe aquela cabeleira branca. E treme”, confessa a atriz Drica Moraes. Afinal, quem não tem medo de Bárbara Heliodora? Prestes a completar 90 anos, ela é a crítica de teatro mais temida do Brasil.

                Curiosamente, há controvérsias sobre a famosa dona Bárbara. Quando o assunto é William Shakespeare, dificilmente se encontrará alguém no Brasil com tamanha autoridade para falar sobre o Bardo. Nesta hora, a mestra nada tem de durona. Embora o rigor seja quase marca registrada, ouvi-la discorrer sobre as dinastias inglesas ou sobre a genialidade do dramaturgo ofusca totalmente a persona mal-humorada.

                Defensores de um novo olhar crítico para o teatro contemporâneo acusam Bárbara Heliodora de manter postura personalista, sem aprofundar a reflexão sobre novidades que companhias, diretores e autores encenam atualmente. Mesmo assim, concordam: o interesse dela por seu objeto de análise é inquestionável. É daí que vem o respeito.

                Quando pensa na figura de Bárbara Heliodora, a mineira Inês Peixoto imediatamente abre um sorriso. “Tenho um caso tão engraçado com ela...”, deixa escapar a atriz do Grupo Galpão. Rir também é a reação do ator mineiro Alexandre Cioletti ao se lembrar da experiência de ter sido criticado por ela: “Nunca na minha vida vou esquecer aquela frase. Hoje, já superei. Mas foi duro”.

                Ao lado de Débora Falabella, Alexandre Cioletti interpretava Paulo, personagem de A serpente, de Nelson Rodrigues, sob a direção de Yara de Novaes. O ator ainda se lembra do burburinho nos bastidores quando veio a notícia de que Bárbara Heliodora estava na plateia. “Foi aquele frisson. A gente finge que não está nem aí, mas dá medo. Não tem jeito de não sentir assim”, conta. Dias depois, o baque. “Ela acabou comigo. E eu pensava: não é possível. Bárbara Heliodora tem que ser respeitada por sua história, mas ouso dizer: ela não estava certa.”

                Uma das criadoras da peça Hysteria, a paulista Sara Antunes, ex-integrante do Grupo XIX de Teatro, também experimentou episódio de superação envolvendo Bárbara. “Ela sempre elogiou as peças que fiz. Então, quando foi ver Sonhos para vestir, eu não tinha pavor de suas críticas ou algo assim. Era alguém que, a princípio, gostava do meu trabalho. E abusei. Tive a ousadia de querer interagir com ela”, revela a atriz.

                Em determinado momento do espetáculo, dirigido por Vera Holtz, Sara perguntava aos espectadores que lugar escolheriam para ter um dia radiante. “Escolhi a dona Bárbara, e ela respondeu: ‘Inglaterra’. Outras pessoas criaram mil histórias com o nosso autor inglês, e a improvisação virou outra coisa. Ela saiu com a cara muito fechada, escreveu crítica terrível”, relembra a atriz.

                Para alento de Sara, depois de receber comentários nada entusiasmados de Bárbara, Fernanda Montenegro foi conferir Sonho para vestir. “Quando acabou a sessão, ela ficou uma hora comigo falando sobre os árduos caminhos do ator, dizendo que devemos sempre seguir em frente. A crítica negativa veio com esse presente inesquecível”, revela a ex-integrante do Grupo XIX de Teatro.

                Foi notório o quanto a versão mineira de Romeu e Julieta, do Grupo Galpão, caiu nas graças de Bárbara Heliodora, autoridade em Shakespeare. Talvez por isso, a relação de profundo respeito e admiração foi cultivada por ambas as partes ao longo dos anos.

                Quando a montagem estreou em Londres, a crítica carioca estava na cidade. Por coincidência, acompanhou o Galpão na excursão à terra natal de Shakespeare, Strattford-Upon-Avon. “Alugamos um ônibus. Foi lindo, porque ela sentou na cadeira da frente e deu uma aula para a gente sobre a relação de Shakespeare com as dinastias, falou sobre a totalidade da obra”, conta Inês Peixoto.

                Além dessa lembrança, a atriz guarda a foto de Bárbara Heliodora com a trupe mineira na frente da casa onde Shakespeare teria nascido.

                Quando fazem turnê no Rio de Janeiro, os atores do Galpão, sempre que possível, são carinhosamente convidados para jantar na casa de Bárbara Heliodora. “Ela nos conta casos maravilhosos sobre o teatro brasileiro. É uma enciclopédia ambulante”, comenta Inês.

                O tal caso engraçado entre as duas ocorreu num desses encontros, na época da estreia carioca de O inspetor geral, de Gogol. O bebê de Inez simplesmente golfou na blusa de seda da anfitriã. “Claro que ela achou graça, mas foi uma situação inusitada. Estamos sempre acostumados a ver a dona Bárbara pelo lado da crítica, muito temida. Mas vi-me naquela situação de mulher para mulher”, diz.

                “A presença dela na plateia toca o ator, porque é uma pessoa que conhece teatro profundamente. Dona Bárbara pode ser muito dura com alguns espetáculos, mas, no geral, as críticas são consistentes. Ao mesmo tempo em que é temida, as pessoas desejam ouvir uma crítica dela”, conclui Inês.

                O Estado de Minas procurou Bárbara Heliodora para falar de sua trajetória como crítica de teatro e especialista em Shakespeare. De acordo com a família, ela se recupera de problemas de saúde e não pode dar entrevistas. Depois de passar 20 dias internada num hospital carioca, Bárbara voltou para casa na semana passada.

                Na rede

                A fama de durona de Bárbara Heliodora mereceu até perfil falso na internet. Aliás, vários. O responsável por isso é o dramaturgo carioca Felipe Barenco, que criou as contas dona Heliodora e dona Shakespeare. O primeiro perfil foi desativado, enquanto o outro, apenas no Twitter, superou 20 mil seguidores.

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                55 anos de ofício

                Na certidão, ela se chama Heliodora Carneiro de Mendonça. Nasceu no Rio de Janeiro em 29 de agosto de 1923, filha do mineiro Marcos Carneiro de Mendonça – historiador e goleiro da Seleção Brasileira (de quem a filha herdou o amor pelo Fluminense) – e da poetisa Anna Amélia, fundadora da Casa do Estudante do Brasil.

                A carreira da crítica de teatro Bárbara Heliodora começou em 1958, no jornal carioca Tribuna da Imprensa. Até 1964, assinou coluna no Jornal do Brasil. De 1964 a 1967, coordenou o Serviço Nacional de Teatro. Dedicou-se ao ensino e ao estudo de Shakespeare, tornando-se respeitada especialista na obra do Bardo. Professora da Uni-Rio, deu aula em cursos de pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP) e, em 1975, defendeu a tese de doutorado A expressão dramática do homem político em Shakespeare.

                Bárbara Heliodora traduziu para o português clássicos da dramaturgia mundial, especialmente peças de Shakespeare. Desde 1986, escreve sobre teatro no jornal O Globo.