domingo, 3 de maio de 2015

Pais buscam parentalidade positiva para evitar palmada e permissidade em excesso


Anne-Aël Durand

"Os gizes estão no chão e precisam ser guardados. Venha, vamos fazer isso juntas." Fanny pega Loane, de 6 anos, pela mão, se agacha e começa a recolher os gizes coloridos espalhados pela sacada. Sua filha a imita, acompanhada de Kim, de 3 anos. Dois minutos depois, os dois loirinhos colocam seu balde cheio sobre a mesa e voltam para o jardim. É uma cena banal, mas significativa para Fanny Voirol. "Antes eu teria dito: 'Guarde esse giz agora!', eu teria ficado brava, gritado, mandado Loane para seu quarto. Agora eu consegui o que queria em um clima de paz."
"Quando minha filha tinha 2 anos, ela fazia escândalo por tudo: para tomar banho, escovar os dentes, sair... eu a forçava, castigava, certa de que ela precisava obedecer de qualquer jeito." Essa jovem dinâmica não é adepta da palmada – "Dei duas ou três vezes, mas não foi eficaz" - , mas diante dessa "queda de braço diária", ela buscou uma maneira de tratar a questão de outra forma, sem ter que ceder em seus princípios sobre educação.

"Técnicas de linguagem" e regulamento na geladeira

Então Fanny Voirol se inscreveu em oficinas de parentalidade positiva, baseadas no método de Faber-Mazlish, duas autoras que popularizaram nos Estados Unidos os trabalhos do psicólogo Haïm Ginott. Ali os pais aprendem a entender os sentimentos e as necessidades das crianças, e a formular suas exigências sem agressividade nem ameaças.
Um tanto cética, a jovem mãe se forçou a adotar essas novas "técnicas de linguagem" e alguns truques ensinados durante o curso, como a elaboração de regras de vida, uma série de orientações assinadas por pais e filhos e afixada na geladeira de sua casa em Pontault-Combault (Seine-et-Marne). "No começo pensei: 'Espero que não tenha jogado 150 euros no lixo'. Mas não me arrependi! Isso mudou tudo. Minha filha está menos tensa, e eu também. Isso resolveu três quartos dos problemas."
Hoje Fanny Voirol frequenta um novo grupo, a Oficina dos Pais. Alternando palestras, dramatizações e demonstrações visuais, a treinadora, Séverine Cavaillès, aborda os mesmos conceitos: empatia, necessidade de estabelecer limites sólidos e estáveis, alternativas ao castigo.
"A palmada é uma resposta quando você se sente impotente, e cuja nocividade ao cérebro da criança foi comprovada cientificamente. Mas gritar e humilhar não é melhor", explica essa mãe de quatro adolescentes. Seu conselho é que as pessoas parem de querer "punir" uma criança desobediente, e passem a lhes ensinar as consequências de seus atos, como corrigir seus erros, pedir desculpas etc.

"Apostamos tudo no nosso filho"

Há dois anos Séverine Cavaillès realiza em sua sala de estar em Saint-Maur-des-Fossés (Seine-et-Marne) sessões para pequenos grupos de pais perdidos, cansados ou ansiosos. "Vejo com frequência pessoas permissivas demais, esgotadas ou que resvalam para o autoritarismo... Hoje a criança está no centro. Como impor autoridade? Como ser legítimo?" Sentados lado a lado no sofá de couro, Ambre Le Tiec e seu marido Patrick, pais de Gabriel, de 4 anos, anotam seus conselhos em um caderninho. "Nosso primeiro filho veio tarde, quando eu tinha 45 anos. Apostamos tudo nele, queremos ser bons pais para que ele se desenvolva sem stress", explica Ambre com sua voz pausada.
Próxima a ela, Nada Zriken, mãe de uma menina de 7 anos e de um menino de 4, compartilha suas próprias experiências. Ela já fez esse curso e está se preparando para ministrá-lo. No início, mesmo seu marido a "olhava meio estranho", mas ele ficou impressionado com os resultados. "Na França estamos atrasados nessas questões, pois os pais contam com a escola, que é gratuita. Parece absurdo investir um centavo sequer na educação."

A legislação não será suficiente

De fato, essas oficinas, que custam de 20 a 30 euros a sessão, "ainda são para um público restrito na França, comparado com os Estados Unidos", acredita um outro treinador, Arnaud Doillon, que afirma que seu público é "bem variado, com cerca de 20% de homens". Alguns psicólogos também oferecem um coaching parental individual.
Foi assim que Alexandra Fryda, 33, foi parar na consultoria de Laura Bianquis, em Paris. "Eu a procurei porque minha filha de 2 anos chorava sempre que eu a deixava na creche, era muito difícil, não aguentava mais. As sessões romperam o bloqueio, e também têm trazido resulatados realmente concretos. Montamos junto com minha filha uma 'caixinha de raiva', com uma almofada para bater, revistas para amassar ou jogar para exprimir sua frustração..."
Os promotores da parentalidade positiva ou da educação benevolente têm percebido uma maior procura nos últimos anos, que também ocorre com os profissionais da primeira infância. Com sua obra "J'ai tout essayé" ("Já tentei de tudo", Ed. JCLattès), publicada em 2011 e com mais de 60 mil exemplares vendidos, Isabelle Filliozat contribuiu para popularizar a parentalidade positiva e a educação gentil. "Sempre ouvimos que os pais eram permissivos demais, mas o problema não é esse. As crianças não são mais como as de antigamente. Tem os eletrônicos, a incerteza financeira, o stress dos pais, a junk food... É preciso entender como acalmá-las", explica a psicoterapeuta.
Para ela, o debate que se abriu na França sobre a palmada pode permitir que se abordem essas questões. "É missão do poder público criar uma lei que proteja nossas crianças. É como o cinto de segurança: causou polêmica, mas hoje ninguém o questiona. Mas a legislação não será suficiente, os pais precisam de recursos", explica Isabelle Filliozat. "Hoje os cursos e as palestras são particulares, portanto reservadas àqueles que podem pagar ou que têm a ideia de frequentá-los. Se a parentalidade fosse uma prioridade nacional, haveria mais recursos para todos."

Cinco conselhos para tentar:

Entender: conhecer as necessidades da criança e adotar um ponto de vista empático, procurar entender a raiva, a tristeza ou a frustração de seu filho para resolver as crises.
Estabelecer regras:definir (a dois) regras de educação adequadas à idade da criança, e formulá-las de forma clara. Lembrar que a criança "testa" essas regras, e não a figura de seus pais.
Ser positivo:formular as regras de maneira afirmativa em vez de proibi-los ("Ande" em vez de "Não corra"). Elogiar as boas ações em vez de apontar os erros. Falar com respeito.
Substituir os castigoshumilhantes ou agressivos por "consequências" ligadas à ação, como reparar seu erros, se desculpar...
Desculpabilizar:aceitar que você não será um pai perfeito, e parar de exigir um filho ideal. E ser paciente...
Tradutor: UOL

MARTHA MEDEIROS - Um novo arranjo

Zero Hora 03/05/2015

Afora o jogo explícito da sedução, mulheres podem sim surpreender um homem com flores, desde que seja oportuno
Semanas atrás, li na coluna da Celia Ribeiro, aqui mesmo na revista Donna, que uma leitora tinha dúvida sobre se era aceitável mandar flores a um homem. Celia respondeu com a sensatez de sempre: dependendo da situação e não sendo um buquê de rosas vermelhas, ok. Está certa. Rosas vermelhas são declarações de amor em estado vegetal. Melhor não bagunçar as regras do jogo: deixemos que eles mandem rosas. Já conquistamos tanto poder nas relações, vamos querer seduzir os rapazes com flores também? Desse jeito, vai sobrar o que para eles fazerem?
Mas afora o jogo explícito da sedução, creio que mulheres podem sim surpreender um homem com flores, desde que seja oportuno.
Exemplo de momento oportuno?
Se ele estiver no hospital... não. Leve algumas revistas, jornais. Leve frutas, chocolates. Isso considerando que ele não esteja na UTI – neste caso, leve apenas suas orações.
Se ele está festejando aniversário... acho que não. Dê a série completa de House of Cards. Um disco. Um livro.
Se ele está se formando... também não. Eu sei que presentes como caneta e agenda estão com a validade vencida, mas duvido que um garoto que acabou de sair da universidade vá querer receber astromélias, margaridas ou girassóis.
Se ele chamou para alguma comemoração, leve bebida. Não tem erro.
Se ele está autografando sua primeira obra, arraste para a livraria uma turma disposta a comprar vários exemplares. É isso o que ele quer: uma longa fila.
Se irá visitá-lo na cadeia (ué, gente), leve sabonete líquido, biscoito recheado, palavras cruzadas, ansiolíticos.
Então, quando seria oportuno? Vou dar um exemplo que vivenciei.
Um conhecido que mora sozinho resolveu fazer um jantar em sua casa para me apresentar seus amigos. Eu não conhecia sua casa e, sendo sincera, nem a ele muito bem, mas sendo um jantar com uma motivação relacionada a mim, não podia aparecer de mãos abanando. Sem me preocupar em ser original, pensei em levar uma garrafa de vinho. O problema é que ele era um grande conhecedor de vinhos e já havia decidido o que servir à mesa, ou seja, eu só atrapalharia seus planos. Foi então que, às três da tarde, horas antes do jantar, entrei numa floricultura, escolhi uma bela orquídea e mandei entregar na casa dele. Não tinha ideia sobre que efeito isso teria.
Teve um bom efeito. Outro momento oportuno, vivenciado por uma moça bem menos sutil, foi quando o noivo rompeu com ela, sem dar explicação, duas semanas antes do casamento. O rapaz recebeu em casa uma coroa de flores com uma faixa roxa onde estava escrito: “Descanse em paz”.

Se o clima for de velório, considere. Mas não espere encontrar essa dica numa coluna de etiqueta.

O segundo encontro - Martha Medeiros

O Globo 03/05/2015

“Afinal, um encontro não é uma boa notícia? O segundo, ela me respondeu. O segundo encontro me faz soltar rojão. O primeiro é ir para o sacrifício’’


Ela estava sentada bem na minha frente, abalada, desanimada, com péssimos presságios em relação ao que aconteceria dali a duas horas: ela teria o primeiro encontro com um homem de quem estava muito a fim. Me explica, pedi. Me explica por que você não está soltando foguete. Me explica o motivo para não estar no cabeleireiro. Me explica a parte que eu perdi: afinal, um encontro não é uma boa notícia?


O segundo, ela me respondeu. O segundo encontro me faz soltar rojão. O primeiro é ir para o sacrifício.


Diante do meu espanto, ela resolveu reavivar minha memória.

Primeiro encontro, disse ela, é que nem entrevista de emprego. O nível de stress é o mesmo. Você não pode ir produzida demais, para que ele não pense que você está desesperada, nem ir vestida de qualquer jeito, para ele não pensar que você está pouco se lixando. Você não pode ser muito engraçada, para não passar a impressão de frivolidade, nem séria demais, para ele não te considerar uma chata. Você não pode falar dos seus ex-amores, para ele não ficar inseguro, mas se não mencionar nenhum ele vai pensar que você é uma laranja podre que ninguém quis catar do chão. Você não deve beber demais, pois seria deselegante, mas pedir um suco vai fazê-lo pensar que você tem 14 anos. Você passa a noite falando sobre tudo o que gosta — filmes, cidades, programas de TV, esportes, música — e precisa se controlar para não pedi-lo em casamento quando ele concordar com suas preferências, ou se controlar para não cair em prantos quando ele disser que os Rolling Stones são detestáveis, que não suporta rock, mas que morreria por um show ao vivo do Lionel Richie.


Ela continua: “Aí você lembra que o Lionel Richie bem que se esforçou, compôs “We are the world’’ com o Michael Jackson e você quase gostou daquela música que ele fez para o filme “O sol da meianoite’’, e percebe que já está fazendo concessões antes mesmo de seu pretendente pedir a conta, e ia esquecendo esta parte, a conta : se você se oferece para dividir, ele pode te achar bacana, mas também pode desconfiar de que você seja uma feminista que nem ao menos se depila. E se você não se oferece para pagar, ele pode te achar uma folgada ou, ao contrário, te considerar uma fêmea que reconhece seu papel no jogo, uma mulher acostumada a sair com cavalheiros — como saber?’’

Apavorada com o quadro esquizoide que ela me apresentava, arrisquei: nenhuma possibilidade de ser você mesma, criatura?

“Claro que existe a possibilidade de ser eu mesma. No segun...’’
Não, não: nenhuma possibilidade de ser você mesma no primeiro encontro? “Zero’’. E assim, convicta, preparou-se para a ida ao sacrifício. Retirou seu Crocs e pediu minha sandália emprestada.      

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Corrupção e outros atos criminosos

Morte e vida, bem e mal coexistem em nós


Estado de Minas: 03/05/2015




Todos os dias, em quase todos os jornais, o destaque vem sendo a Operação Lava-Jato, a Petrobras, as prisões de diretores, tesoureiros, empreiteiros. Suspeita-se de políticos envolvidos, do ex-presidente e até mesmo da atual. Prisões e condenações são quase diárias. Por um lado, é bom, porque, pelo menos em parte, não sejamos ingênuos, há alguma transparência na apuração de fatos que chegam a público. Como disse Ricardo Semler em artigo em setembro último, nos anos 1970 já existia corrupção e propinagem, mas nada era apurado, embora já se soubesse dessa prática.

Por outro lado, quando a corrupção ganha tanto terreno numa sociedade devemos nos preocupar. E, principalmente, jamais ignorar que somos forjados divididos, entre pulsão de morte e de vida. E a primeira, a pulsão de morte, costuma gozar sempre do pior. Ela se compraz com a corrupção.

Diante desse quadro, às vezes penso, ou simplesmente fantasio, sobre a história brasileira: fomos condenados pela maldição genética desde as capitanias hereditárias, quando de Portugal nos enviaram bandidos e malfeitores para governá-las. Enfim, queremos saber a origem do mal. Saber um pouco mais sobre os motivos subjetivos e estruturais para que um sujeito escolha o pior. Trata-se de uma escolha para alguns, que poderiam desfrutar da pulsão de vida e assim não fazem, embora em estado puro as pulsões não se apresentem nunca. Morte e vida, bem e mal, coexistem em nós. Há negadores que discordam. Para outros, no entanto, não existe escolha. Explico-me.

Há escolha no caso das neuroses, isto é, das pessoas consideradas normais. Quando o sujeito se trata e cuida do mal que existe nele, pode escapar das garras do pior. Saibam que somos neuróticos em diferentes graus. Fugindo disso, de acordo com a psicanálise, existe a perversão ou a psicose e, com certeza, leitores, nesses casos não há quase nenhuma escolha para o sujeito.

A primeira estrutura, a neurose, uma das respostas ao complexo de Édipo, pode conduzir o sujeito à criminalidade, delinquência e corrupção. Ele pode fazer atuações e passagens ao ato em situações de angústia, sentimento de culpa e demanda de amor que o leva a cometer atos contra a lei. Nesses casos, o sujeito é impulsionado por situações-limite e se sente acuado, rejeitado, ressentido e com extremo ódio. Um sujeito neurótico comete crimes passionais. Ele mata por amor. Por ódio. Vingança.

Ele manipula, trama, rouba para se valorizar, pois ao se tornar rico e poderoso, não importa de onde veio seu dinheiro ou poder, ele é bajulado, disputado e ganha poder fálico já que nossa sociedade aprecia e cobiça esses valores. Isso não é ser amado, mas parece. Mais uma inequívoca manifestação da pulsão de morte em nível social.

Nesses casos, o sujeito, quando descoberto, se envergonha diante da família e da sociedade, pois tudo que fazia só o fazia porque ninguém via. Jamais assumiria a responsabilidade de seus delitos ocultos e em geral mostrava-se e agia como um homem de bem, educando seus filhos dentro da moral vigente. A prisão marca dolorosamente e pode, quem sabe, corrigir esse deplorável narcisista mau-caráter quebrando-lhe a crista. Merecida a punição.

No caso da perversão e da psicose, a coisa é mais complicada. A primeira porque, incurável, o faz escravo da vontade de gozo sobre o outro. Uma compulsão semelhante à do pedófilo diante da qual o sujeito não conta com barreiras morais capazes de contê-lo. Só contido, preso, se detém. No caso das psicoses, o sujeito delira, alucina – sua realidade é como um inconsciente a céu aberto. Na paranoia, acredita em conspirações contra ele e se sente perseguido de verdade. Isso ou outro delírio de qualquer natureza oculta justificaria um crime ou ato corrupto, além do que o torna inimputável. Isto é, não pode ser julgado e condenado se considerado louco, como narra o filósofo Louis Althusser no livro O futuro dura muito tempo. Belo livro, vale a pena.