sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Flechadas - Eduardo Almeida Reis

 Trouxeram os arcos, botaram bom pedaço de madeira a cerca de 15m e não acertaram uma só flechada. Explicação: fazia tempo que aderiram às espingardas


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 05/12/2014



Edgar Flexa Ribeiro, o Flexinha, educador e comunicador brilhante, é homem digno e tem dedicado toda as sua atenção, nos últimos anos, ao tratamento e à cura de sua mulher Lúcia Hippolito, historiadora e cientista política, recuperando-se da terrível síndrome de Guillain-Barré. O único defeito do Flexinha é complicar a vida dos que escrevemos para fora, porque a flecha, do arco e flecha, não é com xis.

Faz tempo que as flechadas viraram esporte e Minas tem uma Federação Mineira de Arco e Flecha há mais de 25 anos. Na Arqueria Hobby e Lazer da internet, você pode comprar arcos e flechas de todos os tipos e preços. Pensei dar aos netos, porque é esporte silencioso, mas desisti quando estudei as precauções que devem ser tomadas pelos atletas.

Na rubrica armamento do Houaiss, a explicação para o esporte do arco e flecha é uma delícia: arma perfurante e de arremesso constituída de arco, com uma corda flexível que liga e prende os seus dois extremos, e de haste, com flecha na ponta. O atirador encaixa a haste no ponto médio da corda, e esta, puxada para trás e retesada ao máximo, gera a força propulsora que arremessa a flecha em direção ao alvo.

Há muitos e muitos anos, trabalhando para um grupo europeu, que havia comprado terras horríveis disputadas pelos xavantes, tive oportunidade de visitar uma aldeia. Visita divertidíssima com os xavantes dispostos em semicírculo grunhindo algo na língua do ramo aquém, falada por eles, quando apertavam minha mão. Até que um deles, dos últimos do semicírculo, disse: “Muito prazer. Como tem passado o senhor?”. Fui apurar e descobri que o guerreiro estivera três vezes na Europa levado pelos antropólogos.

Encontrei os guerreiros jogando futebol em campo de terra, balizas sem redes. Jogavam o dia inteirinho, pouco importando o resultado porque só contavam os gols até 10. Pedi aos mais velhos que me mostrassem como funcionavam suas flechadas. Trouxeram os arcos, botaram bom pedaço de madeira a cerca de 15 metros e não acertaram uma só flechada. Explicação: fazia tempo que aderiram às espingardas.

Educadíssimos, quando vinham discutir com os europeus sobre as divisas daquelas terras inservíveis, quatro ou cinco metros antes do lugar em que os estrangeiros e o philosopho estávamos sentados, os guerreiros abriam suas espingardas e guardavam os cartuchos nos bolsos dos calções. E dizer que aquela foi uma das muitas aventuras em que andei metido no Mato Grosso.

Tentação

Posso imaginar, caro leitor consumista, sua tentação diante das ofertas que circularam na mídia numa destas manhãs primaveris. O frio de 2014 já acabou, mas o inverno de 2015 vem aí e você ainda não tem meias de lã de vicunha, mamífero artiodátilo, da família dos camelídeos (Vicugna vicugna), encontrado nos Andes do Peru, Bolívia, Argentina e Chile; tem lã macia e delicada, e é semelhante ao guanaco, de quem difere pelo menor porte, pela coloração mais clara e pelas faces esbranquiçadas.

Por isso, você aproveita para encomendar 10 pares a um amigo que vai a Londres. Dez pares são o mínimo que um consumista deve ter para se acostumar com as melhores meias de lã do mundo. Na Selfridges londrina seu amigo pode comprar os 10 pares por R$ 20 mil, considerando que cada par custa 495 libras.

É uma pechincha para meias fabricadas pela Falke na Alemanha. Cada vicunha leva um ano para produzir cerca de meio quilo de lã, é protegida por lei e só pode ser deslanada de três em três anos. Tem a mais fina de todas as fibras naturais com seus 12 micrômetros de diâmetro. Um micrômetro, como informa o Houaiss, é unidade de medida de comprimento que equivale à milionésima parte do metro.

Com suas peúgas de vicunha, é justo que você tenha televisor de boa qualidade. Portanto, deve aproveitar para comprar um Samsung de 105 polegadas com tela curva, resolução de 5120x2160 e 11 milhões de pixels, preço sugerido de R$ 499 mil. Aí, você assina uma destas tevês a cabo e não consegue assistir aos programas pelo frequente sinal fraco.

E tem mais uma coisa: cada par de meias vem numa caixa de madeira finíssima, trem danado de chique. O diabo é a cor de caramelo, pois a lã é tão fina que não aceita tinturas.

O mundo é uma bola

5 de dezembro de 1496: o rei Manuel I assina o decreto de expulsão dos hereges de Portugal. Herege, na Wikipédia, ocuparia todo este caderno Gerais. Vejamos sua sinonímia no Houaiss: ateísta, ateu, céptico, descrente, gentio, heresiarca, herético, heterodoxo, idólatra, ímpio, incrédulo, incréu, infiel, mouro, pagão. Deu para entender?

Em 1812, Napoleão Bonaparte regressa a Paris depois de abandonar seus exércitos em difíceis condições na Rússia. Em 1889, a família imperial brasileira chega a Lisboa expulsa do Brasil pela proclamação da República, feriadão comemorado em novembro. Hoje é o Dia da Pátria na Tailândia, onde tenho bom amigo.


Ruminanças
“Ao inteirar 60, todo homem sério deve trocar a namorada pela cuidadora de idosos” (R. Manso Neto). 

O silêncio está no ar - Carlos Herculano Lopes

Estado de Minas: 05/12/2014



A não ser a natural descontração comum aos botecos da vida depois de o álcool começar a fazer efeito, ou atingir poderes supremos, conforme consta em As mil e uma noites (o grande clássico da literatura árabe), o brasileiro está ficando mais calado e perdendo a verve falante, que sempre foi uma de nossas marcas registradas. Pelo menos essa é uma observação que, de alguns tempos para cá, o homem tem feito em suas andanças por aí.

 Contumaz usuário dos transportes públicos, pois nunca teve carro nem aprendeu a dirigir, ele sabia: há algum tempo, era comum uma pessoa, ao se sentar ao lado da outra no ônibus ou metrô, logo entabular conversa, fosse para falar do tempo, do alto preço das coisas, de política ou futebol. Mas de repente as coisas mudaram, e o homem, para sua própria surpresa, só começou a perceber isso recentemente, quando tomou o Move em direção ao Bairro Ipiranga, em Belo Horizonte.

Ele passou a observar que grande parte das pessoas a não ser uma ou outra exceção, viajavam em completo silêncio, entregues aos próprios pensamentos. Algumas estavam com os olhos fechados, fingindo tirar um cochilo; outras seguiam com a cabeça baixa; umas mais, com expressão triste, iam agarradas aos telefones celulares. Conversa que é bom, nada.

“Será que esse silêncio é meu? Estarei mais desencantado com a vida, sem aquele impulso comum da juventude de se aproximar do semelhante?”, o homem se perguntou ali dentro do coletivo, sem conseguir chegar a uma conclusão, mas também sem deixar de refletir a respeito.

Certeza mesmo de que o silêncio está no ar ele teve na semana passada, quando voltava de avião de Salvador, onde não ia há anos. Entre dois passageiros como ele espremidos numa daquelas poltronas cada vez mais estreitas da classe econômica, de repente, sabe-se lá por que, ele se lembrou da viagem no Move e olhou para a mulher à esquerda. Morena, de cabelos encaracolados, ela olhava para a frente como se mirasse o nada. Um senhor de terno azul-claro, que estava à sua direita, lia a revista da empresa aérea. Ninguém dizia palavra.

Incomodado com aquilo, o homem, que sempre gostou de um bom dedo de prosa, costume adquirido nos perdidos dias da infância no interior de Minas, mas que de uns meses pra cá, vá saber por que, também andava meio macambúzio, voltou a atenção para as poltronas ao lado e à frente. Pensou novamente que aquele silêncio pairando à sua volta poderia ser apenas uma coincidência.
Mas a situação era a mesma. Quase todos viajavam calados; estavam lendo alguma coisa ou entregues a smartphones, iPods, tablets ou notebooks da vida, como se nada mais interessasse. Resolveu ir ao banheiro para estender um pouco a investigação. A mudez imperava.

Minutos depois, quando começou o serviço de bordo, a morena à esquerda agradeceu o lanche com um balançar de cabeça, enquanto o senhor de terno acenou para a água mineral, gesto seguido pelo homem. O silêncio só seria quebrado de forma bem engraçada, provocando alguns sorrisos, quando, quase chegando a Confins, uma criança perguntou, aos gritos: “Mãe, o avião já está com os pés no chão?”. 

A liberdade cantou - Ângela Faria

A liberdade cantou Assinada por detentos em Itaúna, revista A Estrela mostra que há poesia por trás das grades


Ângela Faria
Estado de Minas: 05/12/2014


 (Fotos feitas por detentos da Apac de Itaúna )
“Obrigado pela visita!” estampa a foto na página dupla que fecha a revista A Estrela. Não tenha medo, deixe o preconceito de lado, cruze as grades, mergulhe nessas 32 páginas e conheça o mundo dos 19 detentos da Associação de Proteção ao Condenado (Apac), em Itaúna, na Região Centro-Oeste do estado. Por incrível que pareça, os textos e as fotos produzidos ali revelam o imenso – e sagrado – poder da liberdade.

“Nem me lembro mais das grades” diz um trecho de Da rotina se fez o verso, rap de Mano Marcelo. Na foto ao lado, um rapaz toca violão e canta, emocionado. Rogério Augusto de Morais era dono de carreta, foi preso e um incêndio destruiu o outro caminhão, ganha-pão da família. Artesão, ele inventa as imensas carretas de madeira que encantam a garotada. Everton Delilano da Silva chegou a desenhar Nossa Senhora, imagem que foi parar no Vaticano. Afundou no mundo das drogas, acabou preso e voltou ao lápis na Apac, ilustrando cartas enviadas pelos colegas. Foi ele quem criou o logotipo de A Estrela.

Tem até “propaganda eleitoral gratuita”. Um cartaz bem-humorado, parecido com esses que jovens artistas costumam espalhar por BH, diz: vote 71. “Presidente: Wescley – Pela legalização da maconha”, prega. Mas ele fala sério: “Temos 600 mil pessoas presas no Brasil, 55% por causa do tráfico de drogas. Essa é a causa de cerca de 80% dos homicídios no país. A solução é legalizar!”.
 (Fotos feitas por detentos da Apac de Itaúna )

BORDADO “Rabiscos de uma vida” exibe corpos como suporte para as artes visuais. Deus está no pescoço, tatuado, ao lado de um revólver. Tribais, palhaços, Volverine e figuras demoníacas surgiram do paciente trançar de agulhas sobre a pele. A tinta veio de chinelo colorido e prestobarba derretidos. Máquina de tatuar é proibida, assim como as próprias tatoos. Relatos vieram de outras prisões, assim como o incrível escorpião-colar no torso de um dos rapazes. A galeria de cores é ambulante.

Fotos do dia a dia ilustram o dicionário, celebração do quanto a língua portuguesa é livre, apesar das grades e do “bom tom”. No “Houaiss” da Apac, sinônimo de linguiça é sonho de noiva. Tem mais – lâmpada: sol; isqueiro: dragão; cinzeiro: boca suja; carta: chorona; Bíblia: palavra; rádio: papagaio; chinelo: táxi; dia de visita: Natal; ovo frito: disco voador; câmera fotográfica: rouba cena; portão de saída: blindado. Mas nem tão blindado assim...

Todo o conteúdo da publicação – textos e fotos – foi produzido pelos detentos durante curso realizado em outubro e novembro, a cargo da jornalista Natália Martino, do fotógrafo Leo Drumond e do designer Gabriel Reis, ambos da Nitro Imagens. O plano é levar o projeto a outras unidades prisionais. A revista homenageia o periódico homônimo que circulou na década de 1940, editado na Penitenciária Central do Distrito Federal, no Rio de Janeiro.

Hoje à noite, A Estrela será lançada em BH, com leilão de parte das fotos e venda de exemplares. A renda será destinada à Apac de Itaúna e ao pagamento das edições. Dentro daquelas celas, a liberdade cantou. E, como diz Gonzaguinha, é bonita, é bonita e é bonita!
 (Fotos feitas por detentos da Apac de Itaúna )

OS AUTORES

Antônio Tadeu Azevedo, Braulio Wesley da Silva Prado, Éverton Deliano da Silva Fraga, Felipe Márcio Leite, Flávio Pereira Vilela, Jadir Lázaro Cândido da Silva, João Paulo Siqueira de Souza, John Caetano Silva Maia, Júnio Claudinei da Silva, Marco Túlio Teixeira Lourenço, Michael Marlon Dias de Jesus, Paulo Eduardo Neves, Rafael Matos Percope, Raimundo Eustáquio Júnior, Ronaldo Martins dos Santos, Rubens Marcelo Izaías, Thairone Lucas Alves Duarte, Tiago Ismael Silva e Valdemir de Jesus Wescley Mariano Lopes.
A ESTRELA
Lançamento de revista com textos e imagens produzidos por homens privados de liberdade. Hoje, às 19h. Nitro Imagens, Rua Joaquim Linhares, 207, Bairro Anchieta. Preço da revista: R$ 26. Haverá leilão de fotos. 

VOLTA AOS HOLOFOTES » Kátia

VOLTA AOS HOLOFOTES » Rica trajetória Afilhada de Roberto Carlos, Kátia põe fim a um hiato de oito anos e grava disco que deve ser lançado em março de 2015. Depois da fama nos anos 1980, cantora sempre se manteve na ativa


Ana Clara Brant
Estado de Minas : 05/12/2014



Minha história ia ajudar e inspirar muitas pessoas, sobretudo os deficientes visuais -  Kátia, cantora (Marcelo Tabach/Divulgação)
Minha história ia ajudar e inspirar muitas pessoas, sobretudo os deficientes visuais - Kátia, cantora

Lá se vão 36 anos desde que a cantora e compositora Kátia lançou o seu primeiro disco, um compacto que levava apenas seu nome e trazia as canções Tão só e Sensações. De volta aos estúdios depois de oito anos sem gravar, a artista carioca, que ficou famosa nos anos 1980 com o hit Qualquer jeito (“Não está sendo fácil/ Não está sendo fácil viver assim/ Você está grudado em mim”), está preparando álbum que deve chegar ao mercado em março de 2015. “Está no comecinho e é uma experiência bem legal. Tenho duas músicas minhas prontas e uma com Biafra, amigo de longa data, que fará participação especial. O disco deve ter regravações, mas tudo ainda está indefinido”, conta. A cantora está negociando como será a veiculação do produto, se em formato digital ou físico. “Hoje, o mercado mudou bastante e a gente tem que se adequar. Vamos deixar a coisa fluir”, diz Kátia, que não sabe precisar quantos CDs gravou ao longo da carreira.

Quem pensa que a artista, deficiente visual desde que nasceu, parou de cantar, está muito enganado. Os shows podem até ter se reduzido ao longo dos anos, mas não cessaram. “É claro que quando você está fora da mídia, o movimento cai. Mas isso não significa que você está afastada de tudo. Nunca deixei de subir no palco e me apresentar. Rodo o país todo. E é interessante como tem gente de todas as gerações que vai me ver. Continuei com várias atividades, e tocando a minha vida pra frente”, assegura.

Mas, de um tempo pra cá, Kátia Garcia Oliveira está de volta aos holofotes, principalmente depois das reprises de programas como O cassino do Chacrinha e Globo de Ouro, no Viva. Aliás, o canal de TV paga está apresentando 10 novas edições do Globo de Ouro comandadas por Juliana Paes e Márcio Garcia. Kátia está entre os convidados da atração, além de Adriana, Angélica, Dalto, Benito di Paula, João Penca e seus Miquinhos Amestrados e muitos outros. “Foi bem bacana participar. Depois dessa exposição toda tenho recebido muitos convites. Entretanto, a gente tem que fazer uma triagem”, pontua.

Aos 4 anos, a artista já trilhava seus primeiros passos e a família percebeu seu interesse pela música. Tanto é que logo ganhou do avô um piano. “Toco de tudo um pouco. Violão, bateria”, enumera. Foi por intermédio do pai, Waldir Cunha, que ela conheceu seu padrinho musical, Roberto Carlos. “Eles eram amigos de juventude, dos tempos do rock. Logo que o Roberto veio para o Rio, papai ficou amigo da turma toda. Dele, do Erasmo e do Tim Maia. Eu e minha família temos uma ligação muito forte com o Roberto até hoje. Ele foi e é uma pessoa fundamental na minha vida e na minha trajetória artística”, frisa a cantora e compositora, que chegou a emplacar músicas em várias novelas, como O amor é nosso e Araponga, da Globo, e O todo-poderoso, na Bandeirantes.

Tanto é que o Rei a presenteou com aquele que seria um dos maiores sucessos de Kátia, Lembranças (“Eu já nem me lembro/ Quanto tempo faz/ Mas eu não me esqueço/ Que te amei demais”), feita em parceria com Erasmo Carlos. A composição ultrapassou a marca de 1 milhão de cópias vendidas, cifra difícil para a época, além de permanecer durante seis meses em primeiro lugar em todas as rádios do país.

Novas mídias Adepta das novas tecnologias, Kátia utiliza um programa que transforma em áudio tudo o que está no computador, o que facilita sua comunicação com amigos, familiares e sobretudo fãs. “A gente tem que se adequar às novas mídias. Se antes era apenas o rádio e a televisão, hoje tem Facebook, Twitter. Se tivesse mais tempo, até utilizava mais”, declara a artista, que também se dedica a projetos voltados para deficientes visuais.

Aliás, Kátia pensa um dia lançar sua biografia – só não sabe se escrita por ela própria ou por alguém próximo –, que poderia servir de exemplo para muita gente como ela. “Minha história ia ajudar e inspirar muitas pessoas, sobretudo os deficientes visuais. Mas é preciso ter tempo para isso. Por enquanto, minha rotina está bem atribulada”, explica.

Apesar de a música ter permeado sua vida desde garota, Kátia chegou a pensar em ser psicóloga na juventude. “O artista não deixa de ser um psicólogo também, porque a música é um alimento para a alma”, reflete.

Não está sendo fácil
O maior sucesso de Kátia, Qualquer jeito, é versão da música It should have been easy, do compositor norte-americano Bob McDill, feita pela dupla Roberto Carlos e Erasmo Carlos. O hit estourou nas rádios de todo o Brasil em 1987 e até hoje é associado à cantora. Foi a canção escolhida por ela para se apresentar no programa Globo de Ouro, que está sendo resgatado pelo Canal Viva, na TV paga.

Cientistas indicam que ritmo do aquecimento global já afeta ursos do Ártico

Caso nada seja feito, eles perderão o hábitat e poderão morrer de fome, mas ainda há tempo de reverter a situação


Vilhena Soares
Estado de Minas: 05/12/2014



O alimento e o hábitat são alguns dos requisitos essenciais para a sobrevivência de uma espécie. Os ursos-polares correm o risco de ter prejudicadas essas duas necessidades básicas por culpa do aquecimento global. De acordo com um estudo realizado por cientistas canadenses, as mudanças climáticas que têm diminuído a cobertura de gelo no ártico do país norte-americano já refletem negativamente na vida dos animais. Segundo os pesquisadores, a população dessa espécie mamífera sofrerá grandes perdas até 2100 caso medidas de prevenção não sejam tomadas.

 Para caçar e criar os filhotes, os ursos-polares precisam de gelo. Com o derretimento cada vez mais acelerado das camadas congeladas, as atividades ficam prejudicadas  (Andrew Derocher/Divulgação)
Para caçar e criar os filhotes, os ursos-polares precisam de gelo. Com o derretimento cada vez mais acelerado das camadas congeladas, as atividades ficam prejudicadas

O trabalho, publicado na revista americana Plos One, se concentrou em avaliar quais os danos sofridos pelos ursos desde 2006. Com essas informações, os cientistas estimaram a situação que os animais terão que lidar futuramente, sob um clima já diferente. Os pesquisadores utilizaram dados de cobertura de gelo e observaram o comportamento dos ursos-polares na região ártica, usando também outras análises realizadas por pesquisas anteriores feitas no local.

 Na investigação, eles constataram que o gelo do mar em todo o Ártico tem diminuído e alterado as características físicas dos ecossistemas marinhos, o que prejudica os ursos-polares, animais vulneráveis à diminuição do gelo. “ O aquecimento global é a principal ameaça para os animais. Eles exigem gelo para a caça e para criar seus filhotes. O gelo do Mar Ártico tem diminuído mais rápido do que os cientistas previram, e perda de gelo é uma perda de hábitat para os ursos. Quando esses animais estão em terra – na época em que não há gelo suficiente para apoiá-los sobre o mar –, eles entram em um estado de jejum e chegam a perder cerca de um quilo por dia”, destaca Stephen Hamilton, um dos autores do estudo e professor da Universidade de Alberta.

Fome O pesquisador explica que a redução de gelo já tem prejudicado os animais, que sofrem dificuldades para encontrar alimento. “Eles não vão começar a caça de novo até que o gelo retorne e eles possam deixar a costa. Se o tempo necessário para que retornem ao gelo aumentar com o aquecimento, nós acreditamos que eles ficarão mais estressados, o que pode levar à fome e a taxas de reprodução baixas. Na Baía de Hudson, já estamos observando alguns desses efeitos”, diz Hamilton.

 Os cientistas acreditam que os ursos podem sofrer períodos longos sem coberturas de gelo, de dois a cinco meses, e isso deve ocorrer até 2100. Para a equipe de investigadores, há esperanças de se mudar esse cenário, caso se coloquem em prática medidas de combate ao aquecimento global. “Nossa pesquisa sugere que, se não fizermos nada para reduzir nossas emissões globais de gases de efeito estufa, o gelo vai ser tão limitado que pode haver muito pouco hábitat do urso-polar no mundo. No entanto, eu sinto que é importante reconhecer que há esperança, se reduzirmos as emissões globais de gases que provocam o efeito estufa em pouco tempo”, destaca Hamilton.


Previsão  Para Clive Tesar, pesquisador do Global Arctic Programme, da World Wildlife Fund (WWF) do Canadá, o estudo da revista Plos One mostra um cenário que já era previsto. “A pesquisa mostra claramente os resultados assustadores das mudanças climáticas. Por muitos anos, assumiu-se que a perda do gelo do Mar Ártico seria catastrófica para os ursos-polares, e esse relatório confirma a suposição. E isso é apenas o começo, há muitos outros animais, como minúsculos plânctons e até baleias de 100t, que contam com o mesmo sistema ecológico do gelo do mar. Se esse for o impacto previsto sobre os ursos-polares, podemos supor que outras partes do ecossistema que dependem do gelo, provavelmente, também serão afetadas”, destaca o especialista, que não participou do estudo.

 Tesar acredita, ainda, que somente com medidas que combatam o aumento das temperaturas será possível mudar as previsões climáticas. “Essas condições envolvem uma rápida redução das emissões de gases que provocam o efeito estufa. Outros relatórios da WWF mostraram que a obtenção de uma redução quase total em tais emissões é viável até 2050. Sob esse cenário, o gelo do mar Ártico poderia regredir, e mais hábitat estaria disponível para ursos e outras formas de vida que dependem do gelo”, acredita o especialista. “ Esse cenário não é apenas algo sobre o hábitat de ursos — o mar de gelo do Ártico é uma parte muito importante no sistema climático global”, acrescenta.