terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Noite infeliz

FOLHA DE SÃO PAULO

Solidão, angústia e fragilidade, em vez de esperança, dão o tom dos contos de Natal escritos por quatro autores a pedido da Folha
A ÚLTIMA CEIA
JULIÁN FUKS
Sobre a mesa o maior frango da venda, farofa de banana, arroz com frutas secas, cravos fincados no tênder: de fome ninguém vai morrer. Quatro cadeiras em volta, alinhadas com diligência. Acomodados, apenas três, e o silêncio montado no tempo, galgando a noite com indiferença.
Aquele moleque é um inconsequente, o pai disfarça a inquietação em impaciência, tomando de empréstimo a palavra do chefe, preto inconsequente, é o que o chefe lhe diz quando alguma coisa não sai bem. A filha está mais entretida com seus problemas, comprida demais sua saia de renda, a que horas será que a festa começa, por que não comer de uma vez se já é óbvio que ele não vem. A mãe crava a unha entre os dentes, crava os olhos na parede, roga à estatueta de gesso que também esperou seu filho numa noite como essa, indaga o rosto de madeira com suas lágrimas vermelhas, por que é que ele não chega, que foi que lhe fizeram, bom rapaz que ele é. Não é desses que se perderam, ele sabe cuidar de si, não é nenhum pixote, não é nenhum guri; só tem o estranho vício de habitar as ruas e frequentar vielas.
Um jovem o abismo de fardas guardou consigo. Deve dar meia-noite a qualquer momento. O governador não vai ligar para prestar suas condolências.
JULIÁN FUKS é autor de "Procura do Romance" e "Histórias de Literatura e Cegueira" (ambos editados pela Record).
HOJE É UM BOM DIA
Luisa Geisler
A família viajou. Na cozinha, Ana, a diarista, encara o telefone celular. 24/12/2012, terça-feira, 22:30, menu, contatos, 0 chamadas perdidas. Odeia o Natal sozinha.
Se ela poderia sair também? Não, passagens durante feriados são sempre caras. Não era a sua folga. E alguém vai cuidar de Lola, a poodle. Ana odeia o natal sozinha em Curitiba.
Se algo falhasse, seria a terceira família em seis meses. Ana se sentiria deslocada em qualquer família já completa, fosse no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Nos cursos de capacitação, sempre recomendavam: mudem pouco, eles conferem a carteira. Após catar suco na geladeira, Ana odeia o natal sozinha em Curitiba, Paraná.
Celular em mãos, Ana se senta. O papel de parede brilhante da ausência que todos os familiares são. Ana vê Lola e sente raiva. Fria e lógica, de um psicopata que sabe -num ensaio acadêmico de 137 folhas- o que e por que odeia. Não é só Lola. Ana odeia o natal sozinha em Curitiba, Paraná, no bairro do Juvevê.
O celular toca o hino do Atlético Mineiro. Ana deixa tocar por um instante. Quem sabe estejam todos bem. Quem sabe haja solução. Ana pega o celular e sorri ao atender a chamada. É um bom dia.
LUISA GEISLER é autora de "Quiçá" e "Contos de Mentira" (ambos editados pela Record).
GAROTA MEDALHA
PAULO SCOTT
A garota medalha é a garota das medalhas (e o anjo das vitórias), ganha a vida entregando medalhas nas competições de natação. É um trabalho como outro qualquer e pode ser bem divertido se as duas outras garotas forem do tipo de gente que sabe se divertir. Os atletas não se divertem porque estão concentrados e precisam vencer. Nem todo atleta sabe dar valor a uma garota medalha. Ser garota medalha é apenas um dos trabalhos da nossa garota medalha. Neste mês, ela também será a garota animadora na festa da madrugada do dia vinte e cinco. Ganhará quase dez vezes mais do que ganha sendo a garota medalha, mas não terá tempo para sentar e conversar. A garota medalha teve oito empregos diferentes durante este ano, mas este ano não acabou. A garota medalha ganhará um vestido vermelho para trabalhar na tal festa. Fazer parte de um momento de vitória é fazer parte de um momento de beleza. A garota da medalha é comprovação da beleza e da sorte. A beleza não é a sorte e não é a inteligência. Um atleta precisa ser inteligente. A garota da medalha tem família, mas eles não são daqui. A garota da medalha acordou. A beleza, o vestido para a festa. A garota medalha se esforça. Nossa garota medalha. A beleza é um presente.
PAULO SCOTT é autor de "Habitante Irreal" (Alfaguara) e "Ainda Orangotangos" (Bertrand).
MELANCOLIA
Paloma Vidal
Quando o dente de leite que a Fada tinha levado embora apareceu na caixinha colorida da sua mãe, foi mais um sinal de que as coisas não eram como pareciam. "Suspeito", anotou no caderno que ela tinha lhe dado "para desenhar". Ele só conseguia fazer uns pauzinhos que rematava com círculos de diferentes tamanhos e depois chamava de bonecos, esperando que sua mãe se conformasse. Quase sempre ela não se dava por satisfeita: "e isso aqui?". "É uma árvore", improvisava. "Mas não tem folhas". Sem paciência, acaba dizendo que suas árvores eram assim, para encerrar a discussão. Tudo aquilo era chato e o distraía das suas tarefas como agente secreto. A Fada do Dente, o Coelhinho da Páscoa e o Papai Noel passavam sempre de madrugada, quando ele estava dormindo. Quanto a isso não havia nada a fazer, pois se ficasse acordado eles desistiriam de vir, o que não só não resolveria seu problema como o deixaria sem as recompensas. Sua mãe voltava sempre a esse ponto. Era evidente que eles se comunicavam com ela ou o dente não teria ido parar na caixinha, mas se lhe perguntasse ela nunca admitiria o óbvio. Isso tornava a chegada do Natal um tanto melancólica: de que adiantaria pedir um DS se sua mãe acabaria por convencer o Papai Noel de que ele estava mesmo era precisando de uma mochila nova?
PALOMA VIDAL é autora de "Mar Azul" (Rocco) e "Algum Lugar" (7 Letras).

Maria Esther Maciel - Natal entre palavras‏

Não havia, entre nós, o hábito dos presentes sob a árvore. Eles eram colocados sobre os sapatos 

Maria Esther Maciel
Estado de Minas: 25/12/2012 
Já ouvi dizer que a crônica de Natal é, quase sempre, a pior que um cronista escreve durante o ano. O que falar sobre uma data sobre a qual tudo já se falou? Como fugir das frases prontas, dos clichês, das mensagens edificantes? Não é fácil. Mesmo quando se tenta criticar o consumismo que tomou conta desse dia, cai-se no previsível. Denunciar a falsa alegria que move muitas pessoas nessa época também já se tornou lugar-comum, assim como falar de redenção e bons sentimentos, ou até blasfemar contra tudo isso. Não à toa Luis Fernando Veríssimo já disse numa crônica natalina que “os cronistas já fizeram tudo que havia para fazer com o Natal”. 

Chegou minha vez de escrever uma crônica de Natal, ou seja, minha pior crônica do ano. Confesso que passei o dia todo pensando em possíveis motivos natalinos, com a ilusão de que poderia fugir à regra e fazer algo surpreendente. Em vão. Entre as várias ideias que tive, me veio a história de uma mulher solitária e infeliz, que, já tendo desistido de buscar um novo sentido para a vida, ouve a campainha de sua casa numa noite do dia 24 de dezembro e, ao atender, não encontra ninguém, até que vê um recém-nascido envolto em panos puídos ao pé da porta, chorando. Sobre o bebê, um bilhete com os seguintes dizeres: “Cuide bem dele, por favor, pois não dou conta nem de mim”. Um acontecimento (ou um presente) que muda radicalmente a vida da mulher, para sempre. 

Cogitei ainda falar da menininha incrédula, que todo ano se levantava de madrugada, na noite de Natal, para ver se era mesmo o Papai Noel quem deixava os presentes para ela. Mas sempre dormia antes que ele aparecesse. Até que, certa noite, quando já tinha por volta de 10 anos, viu um velhinho de roupa vermelha entrando na sala, sem saber que, na verdade, estava sonhando que o via. E a partir de então, não duvidou mais da existência dele.

Poderia também recordar minhas noites de Natal na infância, quando enfileirava todos os meus sapatos ao lado da cama, na expectativa de ganhar muitos presentes. Não havia, entre nós, o hábito dos presentes sob a árvore. Eles eram colocados sobre os sapatos, no quarto. E quem os trazia não era um velho gordo e barbudo, mas um anjo azul envolto numa luz dourada, visível somente aos olhos das crianças muito pequenas. Pelo que me lembre, nunca cheguei a vê-lo ao vivo, embora às vezes o sentisse por perto. 

Outra possível crônica poderia ser sobre as narrativas de Natal que os escritores inventaram, como a do velho avarento de Charles Dickens, a do peru de Natal, de Mário de Andrade, ou a da Missa do Galo, de Machado de Assis. Tem também o conto “Via crucis”, de Clarice Lispector, que trata de uma mulher chamada Maria das Dores e do nascimento de seu filho Emanuel num estábulo, ao som do mugido das vacas. Para não mencionar o belo “Natal na barca”, de Lygia Fagundes Telles, sobre uma barca de madeira carcomida, com quatro pessoas solitárias dentro, deslizando na escuridão de um rio, em plena noite natalina. 

Sim, o Natal, apesar de ser data festiva, tem um quê de solidão e melancolia. E talvez aí esteja a sua maior beleza. 

Já que falei o óbvio, resta-me terminar com a frase inevitável deste dia: feliz Natal para todos!

Tereza Cruvinel - Alguns pedidos‏

O anúncio do governador Eduardo Campos de que apoiará Dilma em 2014 fortalece a coalizão dilmista e a especulação sobre um acordo pelo qual o PT apoiaria Eduardo em 2018 

Tereza Cruvinel
Estado de Minas: 25/12/2012 
Chegamos ao Natal, com suas luzes e cores, a correria das compras, a profusão de mensagens calorosas, a contagem regressiva para o novo ano. Mesmo apropriada pelo capitalismo como uma grande oportunidade para a circulação de mercadorias, a data maior do cristianismo transbordou sobre todo o Ocidente como hora de confraternização e generosidade. A avareza cede espaço à generosidade, os rancores se abrandam, os olhos estão mais abertos ao outro.

O Brasil, como ser coletivo, teria muitos. Impossível traduzir os desejos de 200 milhões de pessoas, mas, no plano das instituições políticas, que a todos devem representar, algumas demandas são óbvias, estão na agenda. O Brasil precisa, primeiramente, conservar e fortalecer conquistas importantes: a democracia, a estabilidade da moeda, a gestão pública responsável, os avanços sociais que reduziram a pobreza extrema e a vergonhosa desigualdade e o novo papel que conquistou no mundo. Para preservar e consolidar a democracia, o momento pede uma reconciliação entre os poderes, que são independentes, mas não podem ser concorrentes. Já o que falta não pode ser pedido a Papai Noel. Terá que ser feito por todos, mas a data é propícia ao inventário de intenções. É preciso controlar a corrupção, palavra tão falada em 2012.

O mal resiste como erva daninha no gramado, mas houve avanços importantes. Foram criadas ou fortalecidas instituições como a CGU, o Ministério Público, o TCU, a Polícia Federal, a Comissão de Ética Pública. Elas absorveram muito do papel fiscalizador do Congresso, que precisa se reposicionar quanto ao tema. É hora também de recosturar o tecido federativo, que resistiu a tantos solavancos nestes 190 anos de independência. Mas neste momento há conflitos entre os estados e entre estes e a União. Há uma guerra fiscal em torno do ICMS e segue a disputa por royalties de um petróleo que ainda está no fundo do mar. A União fez desonerações significativas que certamente ajudaram no enfrentamento da crise mas, com isso, achatou as receitas dos estados, que agora pedem compensação. Um primeiro aceno federal foi feito com a mudança no indexador das dívidas estaduais, uma velha demanda.

A reforma política seria um grande presente, mas não cairá do céu. Tem que ser feita. E vem aí o terceiro ano do mandato presidencial, o da primeira mulher presidente, uma conquista democrática. É no terceiro ano que os governos mais podem realizar. O primeiro foi de arrumar a casa, o segundo do pleito municipal e o quarto será de sucessão. Para isso, nossos partidos, todos eles, poderiam conter a visível ansiedade eleitoral para que os poderes trabalhassem com mais foco. O Executivo na gestão, buscando o crescimento que não houve nos dois últimos anos.

O Legislativo em suas tarefas, reduzindo seus déficits. E o Judiciário, aproveitando seu momento de prestígio para democratizar o acesso à Justiça em todas as instâncias, para além da condenação de gente poderosa pelo Supremo.


Campos não é candidato

Um fato importante para a conjuntura de 2013: em entrevista à revista Época, o governador de Pernambuco e presidente do PSB, Eduardo Campos, afirmou taxativamente que apoiará a reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014. Ou seja, não será candidato. Resumidamente, ele diz que o mais importante agora é garantir as conquistas dos últimos 20 anos (legados de FHC e Lula), enfrentar as ameaças que vêm de fora e ajudar a presidente em 2013, na busca por novos avanços econômicos e sociais. Perguntado se estará com Dilma, foi claro: “Não há dúvida. Estamos na base de sustentação. Não tenho duas posições. Quem defende a presidenta Dilma neste momento deseja cuidar em 2013 do Brasil. Quem pode cuidar do Brasil é Dilma. Nós temos de ajudá-la a ganhar 2013. Ganhando 2013, Dilma ganhará em 2014. Então a forma de ajudar Dilma é dizer: em 2014 todos nós vamos estar com Dilma”. Perguntei ontem ao governador, por telefone, se estava retirando sua candidatura. “E eu algum dia a coloquei?”. Ele acrescenta que lá adiante, no pós-Dilma, se as circunstâncias pedirem, poderá examinar uma candidatura.

Naturalmente este anúncio fortalece a coalizão dilmista e a especulação sobre um acordo pelo qual o PT apoiaria Eduardo em 2018. Mas, na política, acordos de tão longo prazo são temerários. 


Brasil e Brics

Jim O’Neil, presidente do banco Goldman Sachs, criou em 2002 o termo Bric, que mais tarde foi instituído como grupo, reunindo os emergentes Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Surgiram os Brics. Eles estiveram na crista da onda entre 2008 e 2010, quando suas economias cresceram espetacularmente enquanto outras enfrentavam crises. A partir de 2011, eles também perderam gás e falou-se no fim dos Brics.

Em seu último artigo, O’Neill foi muito otimista em relação ao grupo e especialmente ao Brasil: “Acho que o Brasil reagirá mais do que muitos hoje projetam, principalmente porque o grau de decepção do terceiro trimestre foi exagerado por uma provável desaceleração temporária no setor financeiro. Acredito que o Brasil crescerá perto de 4% em 2013, e eu não descartaria um crescimento maior”. Tomara que acerte de novo.

Passado escravocrata ainda é pouco discutido no Brasil - Max Milliano Melo‏

Passado escravocrata ainda é pouco discutido no Brasil. Grande parte da população se mostra desinformada e faltam espaços e museus dedicados a esse período da história 

Max Milliano Melo
Estado de Minas: 25/12/2012 

Brasília – Durante cerca de quatro séculos, os negros no Brasil tinham que permanecer em silêncio. Ao expressarem sua dor e sofrimento, ou suas alegrias e tristezas, eram, muitas vezes, punidos com castigos físicos e psicológicos. Até hoje, o silêncio a que a população negra era submetida surge quando o assunto é escravidão. Discutir o tema é algo delicado, que mexe em feridas ainda abertas. A pobreza, a fome, as epidemias e uma série de mazelas que atingem com mais violência os afrodescendentes estão relacionadas aos séculos de exploração – quando negros não eram considerado humanos – e ao período de abandono que se seguiu à Lei Áurea, em 1888, quando os homens e as mulheres tornados livres foram deixados à própria sorte, sem políticas de promoção de cidadania.

Muita gente que caminha frente ao Conic, no Setor de Diversões Sul,em Brasília, passa alheia ao busto de bronze localizado no meio da praça em frente ao prédio. O homem negro homenageado ali é Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, um dos maiores focos de resistência contra a escravidão. O descaso e o desconhecimento sobre o monumento, localizado no Centro da capital do país, são exemplo do que ocorre no Brasil e em várias outras nações: pouco se estudam e se discutem os reflexos da escravidão.

“Nossa maior tragédia é silenciada”, lamenta Eloi Mendes, presidente da Fundação Cultural Palmares, órgão ligado ao Ministério da Cultura que trabalha para a preservação e a promoção da cultura negra no país. 

Cabeça erguida O lamento de Mendes explicita a falta de conhecimento do povo brasileiro sobre um dos mais obscuros momentos da história do país, o último a abolir a escravidão. Não há, por exemplo, museus dedicados à preservação da memória da história dos negros no mundo e no Brasil. E apenas em 2007 a região da Serra da Barriga (AL), que abrigava o Quilombo dos Palmares, ganhou um memorial e um centro de visitação abertos ao público.

Para Eloi Mendes, a compreensão do real significado do período e de suas consequências é importante tanto para as pessoas com ascendência africana – “não devemos ter vergonha do sofrimento, mas olhar para o passado com a cabeça erguida, sem nos vitimar” – como para a sociedade brasileira. A desinformação, acredita, é um dos pontos que levam à grande resistência de alguns segmentos contra leis que buscam corrigir as desigualdades resultantes do passado de exploração. 

Opinião semelhante tem Nelson Inocêncio, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab), da Universidade de Brasília. “Quando se fala em reparação dos danos da escravidão e em promoção da igualdade racial, é preciso pensar em cinco séculos de abandono que as comunidades negras vêm sofrendo”, defende o pesquisador. “Existe um grupo de conservadores que não quer tratar do tema. Olhar a história dos escravos é tratar de uma dor. Precisamos reconhecer que a escravidão não foi um parque de diversões”, completa Eloi Mendes.

Reconciliação Uma das tentativas de mudar esse ponto de vista, em todo o mundo, é desenvolvida desde 1994 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O Projeto Rota dos Escravos tenta resgatar a memória de locais de singular importância para a história do povo negro (veja mapa). “A escravidão foi uma tragédia de impacto global, não apenas para a África, a Europa e a América, mas também para a Ásia e o Oriente Médio. Por isso, é importante que o maior número possível de pessoas conheça essa história”, afirma Ali Mussa, diretor da iniciativa. “É necessário que os cidadãos entendam as influências mundiais e as consequências dessa tragédia em todo o mundo contemporâneo. O processo de resgate dessa memória é doloroso, mas contribui para a reconciliação mundial”, acrescenta.

Pouca gente sabe, mas a região portuária do Rio de Janeiro é uma peça fundamental no processo de redescoberta do passado brasileiro. A região foi o principal local de desembarque de escravos trazidos da África. Até 1776, a Praça XV, no Centro da capital fluminense, era o ponto onde negros eram comercializados como mercadoria. Depois, o comércio foi transferido para o Cais do Valongo, hoje parte do Bairro da Gamboa e recentemente revitalizado. Cerca de 1,2 milhão de pessoas desembarcaram e foram vendidas no local. Há ainda outras regiões do país que tiveram o desenvolvimento profundamente ligado ao período escravocrata, como a região das minas de ouro, que abriga cidades como Ouro Preto e Mariana, em Minas, e a Cidade de Goiás (GO). 

A Unesco tenta agora chamar mais a atenção para lugares como esses em outras regiões do Brasil e do mundo. “Trabalhamos com apoio a gestores culturais para facilitar a instalação de turismo de memória em torno dos sítios, lugares, monumentos e museus ligados ao tráfico negreiro e à escravidão”, conta Ali Mussa. A Década para as Pessoas com Ascendência Africana, que começa no ano que vem, será um momento de reflexão e de resgate da história negra que cada um dos brasileiros carrega. “Espero que todos os países se engajem para valorizar a herança africana que carregam”, diz Irina Bokova, diretora-geral da Unesco
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Quando é hora de falar de sexo e drogas - Carolina Lenoir‏

Para jovens, abordar temas com os pais é quase proibitivo. Estes, por sua vez, muitas vezes se sentem constrangidos. Especialistas sugerem naturalidade e diálogo 

Carolina Lenoir
Estado de Minas: 25/12/2012 
As principais mudanças durante a adolescência ocorrem no cérebro, principalmente na área responsável pelo planejamento a longo prazo, pela linguagem, pelo controle das emoções e pelo relacionamento social. As transformações trazem tanto excitamento quanto angústia e as experiências de cada um variam de acordo com as características de cada geração, do ambiente, da cultura e das relações. Nesse processo, um tema que é essencial, mas permanece difícil de ser tratado com naturalidade em família, é a sexualidade. Para evitar informações equivocadas e experiências malsucedidas, uma conversa franca e sem neuras sobre sexo entre pais e filhos faz toda a diferença.

Cynthia Dias Pinto Coelho, psicóloga clínica com formação em sexologia, explica que existe uma demanda individual sobre quando e como falar sobre sexo, mas é possível perceber alguns sinais que indicam que o momento está próximo, sejam mudanças corporais características da entrada na puberdade ou comportamentos diferentes do usual. Porém, falta aos pais, por dificuldades pessoais ou mesmo a correria do dia a dia, entender o que os filhos estão vivendo. “É preciso construir uma intimidade que não é brusca, e sim conquistada na rotina, para que os filhos sintam liberdade para tirar dúvidas e ter experiências menos angustiantes e traumáticas.” 

De acordo com a psicóloga, o objetivo de ter conversas naturais sobre a sexualidade é o de formar pessoas que tenham mais respeito com o próprio corpo e se relacionem de forma mais segura e amorosa. Uma boa opção pode ser introduzir o assunto com delicadeza, para que os jovens se sintam mais à vontade para fazer perguntas. “É preciso, porém, responder às dúvidas que forem aparecendo gradativamente, ou seja, dar informações que atendam às questões que surgiram naquele momento, dentro daquilo que foi perguntado”, afirma Cynthia.

Se, por outro lado, são os pais que se sentem desconfortáveis com a conversa, a especialista acredita que adquirir livros que falem sobre o tema, de acordo com a idade dos filhos, é uma estratégia interessante. Além disso, é fundamental procurar ajuda com profissionais da área. “Não só ginecologistas e urologistas, mas psicólogos mesmo. Na maior parte das consultas com especialistas, são abordadas questões médicas, mas é importar falar sobre a parte afetiva do sexo.”

Desde o fim da década de 1970, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) reconhece a adolescência como uma área específica da especialidade e tem proposto abordagens como a da pubericultura (termo que significa “cultivar o jovem”), em que os médicos se concentram no cuidado orientado e específico do adulto em formação. Além dos papéis do pediatra clínico e do hebiatra, focado no atendimento do adolescente, outros especialistas são imprescindíveis nessa fase. 

Karine Ferreira Santos, presidente do comitê de ginecologia e obstetrícia infanto-puberal da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), explica que é muito comum pais aparecerem com a filha no consultório desesperados, pedido que o ginecologista explique tudo sobre sexo e mudanças no corpo. “Na verdade, essa conversa tem que existir desde a infância, com esclarecimentos de perguntas que partem das crianças, sejam meninos ou meninas. Quando isso não foi feito, é importante pelo menos conversar com o pré-adolescente, por volta dos 10 anos, antes de aparecerem as primeiras modificações no corpo”, sugere.

PRIMEIRA CONSULTA Enquanto as meninas têm, além do pediatra, o ginecologista como uma referência médica, os meninos podem contar com o urologista ou, pelo menos, com um clínico médico, apesar de isso ainda não fazer parte da cultura brasileira de modo ampliado. No caso masculino, as principais dúvidas giram em torno da ejaculação precoce, do tamanho do pênis e das doenças sexualmente transmissíveis. De acordo com Karine, a primeira consulta com o especialista não tem uma idade definida, mas quanto antes melhor – e com uma frequência anual. “Apesar de existir na literatura uma recomendação por volta dos 14 anos, é preciso particularizar muito os casos. Pensando em prevenção, o ideal é que a consulta ocorra antes da primeira menstruação, no caso das meninas, e do início da atividade sexual, em ambos os casos. Se o adolescente tem um pediatra com o qual faz acompanhamento, como crescimento de pelos pubianos e desenvolvimento dos órgãos genitais, essa primeira abordagem pode ser feita com ele.”

A ginecologista ressalta que geralmente há receio sobre os exames a serem feitos nas consultas especializadas. “O que fazemos é tirar dúvidas, discutir métodos anticoncepcionais, refletir sobre a atividade sexual e acompanhar o desenvolvimento, ou seja, um cuidado global.

Experiência começa com álcool e cigarro 

Além da sexualidade, a maior autonomia e a urgência por experimentações típicas da adolescência, um assunto que geralmente é cercado de medo tanto por parte dos jovens como dos pais é o uso do álcool e das drogas. O psiquiatra Arthur Guerra, coordenador do Programa do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), explica que a curiosidade é um dos principais motivos que levam o jovem a experimentar drogas.

De acordo com ele, a cada 10 adolescentes que experimentam entorpecentes, um se torna dependente. “O uso de álcool e drogas atinge mais precocemente as pessoas. A maioria vai passar pela primeira experiência, chamada de batismo, e provavelmente não vai se tornar dependente, mas não se sabe quais os fatores tornam uma pessoa mais vulnerável que a outra. Portanto, em termos médicos, o melhor a ser feito é não arriscar.”

Guerra explica que as drogas consideradas de entrada são as lícitas – inicialmente o tabaco e, em seguida, o álcool. Os que abusam dessas têm mais chance de acessar as drogas ilícitas, com maior poder de dependência, como maconha, cocaína e crack. “Na adolescência, o cérebro ainda está em formação. Esse crescimento permite que o indivíduo tenha padrões de comportamento distintos, juízos de valor, ética, moral. O uso de drogas nesse momento de expansão de forma alguma vai ajudar nisso, pelo contrário. Vai inibir o crescimento e, com o avançar da idade, a pessoa vai ter um comportamento mais infantil, pronto para realizar atos inconsequentes e adotar posturas inadequadas.”

A conversa sobre as consequências do uso de drogas entre pais e filhos deve ser feita antes dos primeiros sinais de mudança de comportamento. “É a hora de os pais estarem atentos, se instrumentalizarem com informações e ter tempo para conversar, sem que isso seja temperado pelo álcool ou pela droga, ou seja, as duas partes têm que estar sóbrias. O papel dos pais é cuidar da saúde e da educação dos filhos. Acho complicado pais que têm comportamento liberal, aceitam que os filhos bebam, ou até mesmo bebam junto, fumem maconha com eles. Sob o ponto de vista médico, isso passa informações muito equivocadas.”

O QUE O ADOLESCENTE PRECISA SABER SOBRE 
Publicação: 25/12/2012 04:00
MUDANÇAS NO CORPO 
» O corpo “espicha”, começando pelas mãos e os pés. Depois vem o aumento da altura. Tudo isso faz parte do que chamamos de puberdade, fase inicial da adolescência. 
» Meninas – Estímulo hormonal faz surgir o broto mamário e pelos na genitália e nas axilas. Além disso, ocorre a primeira menstruação e o aumento da transpiração e odores, principalmente nas axilas e nos pés.
» Meninos – Têm a primeira ejaculação, que é a eliminação de sêmen pelo pênis. Pode haver aumento das mamas, que regridem em um ou dois anos. 

ESPINHAS 
» Elas surgem pelo amadurecimento hormonal do corpo e pela oleosidade da pele. Nunca devem ser espremidas para não deixar cicatrizes. Se elas incomodarem muito, deve-se procurar 
um dermatologista. 

SEXUALIDADE 
» Sexualidade vai além do sexo em si: envolve desejos e práticas relacionados à satisfação, à afetividade e ao prazer. É nessa fase que se inicia o interesse pelas relações afetivas e sexuais. Por isso, é normal que os jovens manipulem o próprio corpo (masturbação) em busca de sensações prazerosas. 
» Informar-se sobre como se proteger de doenças sexualmente transmissíveis e da gravidez é fundamental, especialmente sobre a dupla proteção: uso da camisinha masculina ou feminina associado à adoção de um método contraceptivo, como pílulas, injeções e DIU.

DROGAS 
» Faz parte da natureza do adolescente querer testar limites, confrontar, experimentar. Porém, estudos recentes mostram que, quanto mais precoce for o contato com as drogas, mais vulnerável à dependência estará. Isso ocorre porque a substância provoca alterações neuroquímicas que interferem no processo de formação do cérebro do adolescente. 

TV PAGA


Estado de Minas: 25/12/2012

Uma noite em Copacabana
O canal Multishow vai transmitir com exclusividade esta noite a apresentação que Stevie Wonder (foto) fará na Praia de Copacabana, no embalo de sucessos como You and I, Isn’t she lovely, Master blaster e All in love is fair. E não é só: vai mostrar também a abertura da noite, com o baiano Gilberto Gil, com a participação já anunciada da filha, Preta Gil. A festa começa às 21h.

Série do SescTV mostra 
o trabalho do Armatrux
No SescTV, o centenário de Luiz Gonzaga será lembrado mais uma vez com a reprise do documentário O homem que engarrafava nuvens, às 19h. No mesmo canal, às 22h, a série Teatro e circunstância vai falar da fusão de linguagens nos palcos, e aí um dos destaques é o Grupo Armatrux, de Belo Horizonte. Já no Futura, às 21h, vai ao ar o especial Palavra (en)cantada, documentário de Helena Solberg que analisa a relação entre poesia e música no Brasil.

Cidadão com quase 600 
quilos quer perder peso
Outro documentário de interesse geral, porque toda família costuma ter um gordinho, é Obsessões, às 22h30, no NatGeo. O episódio de hoje é justamente sobre obesidade mórbida, e uma revelação curiosa é que o México já ocupa o primeiro lugar em sobrepeso e o segundo lugar em obesidade em todo o mundo. E pega como exemplo Manuel Uribe, um cidadão que pesa perto de 600 quilos! Que posição será que o Brasil ocupa no ranking da epidemia do século 21?

Mas não é moleza com 
tantas gostosuras por aí
Engordar é fácil, quando a gente vê programas como Brasil no prato, que o canal Bem Simples exibe toda terça-feira, às 22h. 
No episódio de hoje, Carla Pernambuco ensina a preparar fios de pupunha, gravlax de salmão, lentilha, costeletas de cordeiro. No Canal Brasil, Paulo Tiefenthaler comanda o Larica total, às 21h30, e hoje a receita 
é de torta de limão.

The lying game ganha 
reprise no Boomerang
Reviravoltas, mentiras e jogos, sumiços e assassinatos. É o que promete a série The lying game, uma das apostas do canal Boomerang. Para segurar o interesse dos assinantes, a emissora promove hoje uma maratona com todos os capítulos da primeira temporada, de hoje, às 11h, até as 3h desta quarta-feira.

Esqueceram de mim, 
de novo e mais uma vez
No pacote de filmes, o Telecine Fun montou uma sessão especial com os três longas da franquia Esqueceram de mim em sequência, começando às 15h45. No Megapix, a maratona é de desenhos animados, com Nem que a vaca tussa (12h55), Irmão urso (14h25), Toy story (16h05), Os Incríveis (17h40), Madagascar (20h15) e Procurando Nemo (22h). Na faixa das 22h, o assinante tem mais oito opções: Polaroides urbanas, no Canal Brasil; Amizade colorida, na HBO; Gente grande, no Max Prime; A garota da capa vermelha, no Max HD; Como treinar o seu dragão, na Fox; À procura da felicidade, no FX; Na batida do coração, no Telecine Pipoca; e O destemido senhor da guerra, no TCM. E ainda: Olha quem está falando também, 
às 21h, no Comedy Central; e Spartacus, às 21h30, na Cultura.

Alcir Pécora

FOLHA DE SÃO PAULO

CRÍTICA FICÇÃO
Novela de Sant'Anna brilha mais do que contos em novo livro
"Páginas sem Glória" traz três novos textos em que autor passeia entre diferentes estilos com domínio de técnica
Luciana Whitaker - 25.mai.11/Folhapress
O escritor Sérgio Sant'Anna, que lança "Páginas sem Glória", em seu apartamento, no Rio
O escritor Sérgio Sant'Anna, que lança "Páginas sem Glória", em seu apartamento, no Rio
ALCIR PÉCORAESPECIAL PARA A FOLHA
"Páginas sem Glória", novo livro de Sérgio Sant'Anna (1941), reúne dois contos e uma novela.
O primeiro conto, "Entre as Linhas", é melhor ideia do que realização: o narrador-escritor, que havia produzido um conto e o submetido ao juízo crítico de uma amiga, fica tão fascinado pelos comentários feitos por ela entre as linhas do seu texto que resolve publicá-los no lugar do conto.
O procedimento é interessante. Já foi explorado por J.D. Salinger, para dar um exemplo máximo, em "Seymour, uma Introdução".
Contudo, diferentemente de "Seymour", o interesse aqui não está na qualidade da crítica -uma falsa crítica, aliás, cujo fim genérico é apenas acentuar as "ousadias" e "riscos" assumidos pelo autor-, mas na imaginação do que se perdeu com a não publicação do conto original.
Este parecia potencialmente mais rico de nuances e analogias do que a tietagem mal disfarçada dos comentários deixa entrever.
O segundo conto poderia ser o roteiro para um filme de Abel Ferrara ("Vício Frenético"), com a mistura de bizarria, violência e catolicismo que costuma haver nele.
Aqui, uma aleijada, ex-amante de um anão, estuprada por três playboys, engravida e pede conselho a um mendigo, que confunde com Cristo: deve ou não abortar?
O galope do mau gosto tem a sua graça própria, e Sant'Anna conhece bem os seus descaminhos.
Mas não desta vez. O final previsível com o mendigo a crer em seu papel divinamente inspirado, e ainda a trocar beijinhos com uma cineasta amadora cheia de boa vontade com o próximo, simplesmente afunda os excessos.
Ou porque abdica da baixeza e entrega os pontos para um neohippismo juvenil ou porque a rebaixa ao ponto zero -aquele em que o bizarro se conforma à banalidade sentimental. Não se passa de Abel Ferrara a Bruno Barreto impunemente.
NOVELA
A novela dá título ao livro e merece o destaque que tem. Fosse o livro todo dela e seria melhor do que é.
O seu protagonista é um craque de futebol, que nunca triunfou nos clubes profissionais. Porém, os lances de gênio minuciosamente descritos e analisados pelo narrador, testemunha e fã, deixam claro que nem sempre os melhores vão para os livros de história. Para corrigir a injustiça, existe a crônica.
E no frio exercício estilístico de imitar em regime "noir" as crônicas de futebol dos jornais cariocas dos anos 1950, Sant'Anna dá tal mostra de domínio técnico, que, pensando bem, a qualidade abafada pelos comentários do primeiro conto e o grotesco mal parado do segundo parecem estar ao lado da novela apenas para que conheçamos a perfeita medida dela.
BOSSA NOVA
Ao evocar a cansada mitologia do Rio de Janeiro bossa nova, cujo circuito mundano praia-subúrbio exige a elegância como senha única, a nostalgia de Sant'Anna também está a serviço da técnica.
É dela que extrai a essência paralisante que fixa, sobre o rosto vago da novela, a máscara de época da crônica.
Então a estilização é rainha. Tudo concorre a ajustá-la.
Memória infantil, nomes das ruas dos campos de futebol, manchetes escandalosas, amores ilícitos, bastidores da política e das redações existem apenas como sintonia fina das ondas da forma. Nesta reside a utopia (e mais o supérfluo e passageiro) que o narrador, êmulo de cronista, salta para alcançar.

Empresas criam premiações para incluir a sustentabilidade em suas agendas e incentivar práticas de inovação

FOLHA DE SÃO PAULO

SOCIAIS & CIA
Prêmios induzem cotidiano sustentável
Estratégia pode agregar valor e melhorar a cultura da companhia, mas não pode ser algo pontual, diz especialista
MAÍRA TEIXEIRACOLABORAÇÃO PARA A FOLHAO tema sustentabilidade precisa de um tempo de maturação para colher frutos em grandes empresas. Parte desse processo para incluí-lo na agenda das corporações é promover premiações para incentivar o público interno a inovar com práticas e ideias.
Para especialistas no tema, essa é uma estratégia que pode agregar valor ao negócio e, diante dos desafios ambientais, econômicos e sociais do Brasil, deve ser encarada como uma porta para oportunidades de negócios.
A premissa para que o prêmio melhore a cultura empresarial é não ser apenas uma estratégia pontual, como diz o professor da Fundação Dom Cabral Heiko Spitzeck.
"Tem de estar vinculado à estratégia de inovação da empresa. As premiações só atingem seu objetivo se extrapolam os ganhos para a sociedade e promovem melhoras nos processos e avanços na sustentabilidade", afirma.
Spitzeck crê que a forma como o prêmio se apresenta e sua abordagem indicam a maturidade da empresa. O futuro ideal seria criar um modelo de negócios permeado pela sustentabilidade.
"O caminho é gradual. Os valores dos projetos premiados devem ser incluídos no modelo de negócios e devem promover mudanças estruturais, senão caem no vazio."
"Prêmios e ações no Brasil já fazem empresas e colaboradores entenderem que o consumo de recursos pode ser reduzido e a lógica sustentável é viável. É preciso incluir isso no DNA das empresas", diz Spitzeck.
BUSCA POR SOLUÇÕES
Desde 2008, o grupo Camargo Corrêa promove, a cada dois anos, o Prêmio Inovação Sustentável para mobilizar seus 63 mil funcionários.
"Como o grupo causa grande impacto ambiental, pensamos no prêmio como forma de educação", afirma Carla Duprat, diretora de sustentabilidade do grupo. "Queremos mostrar que a sustentabilidade tem de ser transversal aos negócios", diz.
Com dois focos diferentes -prática e ideias-, a edição deste ano contou com 459 inscrições e o envolvimento de cerca de 1.200 pessoas. Duprat também crê na necessidade de estratégia integrada quando fala do modo como o prêmio tem de interagir com a cultura empresarial.
"O trajeto que nossas premiações, simbólicas [dão troféu ao vencedor], percorrem mostra que há interação e que gera grande interesse em propor novas soluções", diz.
"Pelos 'cases' apresentados, percebemos que a união de econômico, social e ambiental está ao alcance de todos. É a nossa perspectiva de evolução", afirma Duprat.
Em 2010, a prática vencedora sistematizou a aquisição de madeira de manejo sustentável para a construção da hidrelétrica de Jirau (RO).
"É um exemplo de mudança de cultura. É viável, entrou em nossos processos e quebrou o paradigma de preço mais caro para esse tipo de material. Os vencedores provaram que a madeira de manejo pode ter preços competitivos numa rede local de fornecedores", diz Duprat.
O prêmio, realizado desde 2008, tem jurados externos e várias categorias. A primeira triagem é interna, feita pela diretoria de sustentabilidade do grupo Camargo Corrêa, que pensa em abri-lo à participação de fornecedores.
LAÇO SOCIAL
O grupo Odebrecht, outro que aposta nessas ações, realiza dois prêmios: um interno, que existe há 20 anos, e um externo, que em 2012 teve sua quinta edição.
No Prêmio Destaque Odebrecht, para o público interno, os focos principais são o uso de matéria-prima e o fortalecimento social das áreas em que a organização atua.
"O processo é totalmente interno, inclusive a votação do vencedor. É uma maneira de aproximar nossos funcionários do tema e promover um amadurecimento do conhecimento sustentável", diz Sérgio Leão, diretor de sustentabilidade da Odebrecht.
O Prêmio Odebrecht de Desenvolvimento Sustentável, para o público externo, tem como objetivo estimular estudantes de graduação de todas as áreas de engenharia.
"Por ser a nossa base de formação de negócios, os acadêmicos dessa área podem contribuir muito em nossos processos e podemos, de alguma maneira, fomentar boas ideias", afirma Leão.
"Consideramos incluir projetos vencedores em nossos processos. É interessante que as soluções são compartilhadas e acessíveis a todos."

    Copel homenageia funcionária que introduziu tema
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
    A Copel (Companhia Paranaense de Energia) criou o Prêmio Susie Pontarolli para homenagear funcionária pioneira na introdução de conceitos de sustentabilidade, morta em 2011.
    "Susie Pontarolli deixou um grande legado para a empresa e usamos o nome dela para reconhecer as práticas que incentivam e disseminam os conceitos", afirma Rosana Rezende, porta-voz da área de sustentabilidade da Copel.
    A primeira edição do prêmio foi em 2012. Com 24 projetos inscritos, envolveu 300 funcionários.
    "Avaliamos número de pessoas beneficiadas, viabilidade, criatividade, inovação e a capacidade do projeto de engajar a população", conta Rezende.
    A expectativa da companhia é que a edição de 2013 seja ampliada para a participação de fornecedores e parceiros. "Neste primeiro ano, nosso foco foi o público interno e seu desenvolvimento. Queremos dar um passo de cada vez."
    A cerimônia de entrega das medalhas aos três primeiros colocados foi no terceiro seminário de sustentabilidade da empresa.
    "Incluímos a premiação na agenda do nosso seminário anual. Com o prêmio, percebemos que as pessoas passaram da idealização à realização de projetos. É um incentivo a essa busca pela prática", afirma Alvacelia Serenato, da área de sustentabilidade da companhia.

    Blog da Muriel e Amely [quadrinhos]

    FOLHA DE SÃO PAULO

    QUADRINHOS
    O BLOG DA MURIEL
    Laerte
    AMELY
    Pryscila Vieira

      Retrato do pós-familismo

      FOLHA DE SÃO PAULO

      Relatório global prevê o fim da família e a escalada do individualismo; brasileiros discordam
      Lucas Lima/Folhapress
      As fotos desta reportagem foram manipuladas por Herman Tacasey e Edson Sales. A inspiração foi otrabalho desenvolvido pelos fotopintores brasileiros. Comum no início do século 20, a fotopintura erausada para tornar mais "reais" os retratos em preto e branco dos álbuns de família: imperfeições eram corrigidas e roupas, inventadas
      As fotos desta reportagem foram manipuladas por Herman Tacasey e Edson Sales. A inspiração foi otrabalho desenvolvido pelos fotopintores brasileiros. Comum no início do século 20, a fotopintura erausada para tornar mais "reais" os retratos em preto e branco dos álbuns de família: imperfeições eram corrigidas e roupas, inventadas
      JULIANA VINESDE SÃO PAULOO "Admirável Mundo Novo" imaginado por Aldous Huxley está perto de virar realidade para o demógrafo americano Joel Kotkin, autor do relatório internacional "A Ascenção do Pós-Familismo".
      Publicado em 1932, o livro de Huxley pintava uma era na qual laços de parentesco eram desencorajados e as palavras "pai" e "mãe", ditas com constrangimento.
      Para Kotkin, as mudanças demográficas das últimas décadas não deixam dúvidas: "Já vejo semelhanças com a ficção: a paternidade está desaparecendo e as pessoas se identificam mais com a classe a que pertencem do que com a família", disse o demógrafo à Folha. Ele define pós-familismo como uma sociedade centrada no indivíduo.
      Países ricos estão na dianteira desse fenômeno mundial de múltiplas causas: econômicas (o custo de ter filhos subiu), culturais (a mulher quer ter uma carreira antes de ser mãe) e políticas (falta de incentivos à maternidade). "O pós-familismo é crítico por resultar de muitas tendências. No Japão, o custo de vida é alto. No Irã, os filhos são um luxo", ilustra Kotkin.
      A maior parte do levantamento, que envolveu cinco pesquisadores, três centros de estudo e dados de todos os continentes, foi feita no leste asiático, região de culturas centradas na família. É bem lá que o pós-familismo cresce rápido. Segundo o relatório, um quarto das mulheres do leste asiático ficarão solteiras até os 50 anos e um terço delas não terão filhos.
      A queda na fecundidade é uma tendência sem volta inclusive no Brasil. Hoje, as brasileiras têm, em média, 1,9 filho; em 1980, a média era 4,4.
      Mas, para especialistas brasileiros, o termo "pós-familismo" é apocalíptico demais. Se a família margarina (aquela com apenas pai, mãe e filhos) já não é mais dominante, novos arranjos proliferam.
      "Aumentaram as famílias monoparentais, com apenas pai ou mãe, e os casais sem filhos", diz José Eustáquio Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE.
      A demógrafa Simone Wajnman, da UFMG, analisou dados do Censo 2010 recém-publicados e descobriu que a família estendida, a que inclui parentes além do núcleo principal, já corresponde a 26% dos domicílios.
      A família está longe de morrer, diz a socióloga Maria Coleta de Oliveira, da Unicamp. O que há é mais chance de escolha. "Não há um nome para esse momento. A diversidade será cada vez maior."
      VÍNCULO DE SANGUE
      A futuróloga Rosa Alegria, pesquisadora de tendências da PUC-SP, acredita que se está no meio do caminho. "Ainda não há retrato revelado. Mas é certo que a família tradicional é passado", diz, arriscando sua definição: "Família foi vínculo sanguíneo; hoje é um grupo com interesses comuns. No futuro, pode ser um grupo de amigos".
      Para o IBGE, família ainda designa pessoas sob o mesmo teto. A classificação não contabiliza casos de guarda compartilhada ou de casais que moram separados. "Já há uma recomendação da ONU para que os critérios de contagem mudem. Pensamos nisso, mas talvez para os próximos cinco anos", diz Gilson Matos, estatístico do IBGE.
      Se o pós-familismo não é consenso, o crescimento do individualismo é. "As pessoas preenchem suas vidas com bens de luxo e alta escolarização. Há uma pressão social pelo investimento pessoal", diz Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Ipea.
      Esse individualismo é resultado do próprio modelo de família tradicional, segundo o antropólogo Luiz Fernando Dias Duarte. "A família moderna tem a função de criar 'indivíduos' autônomos", diz. "Todos esses fenômenos atestam não a superação da família, mas a individualização. A família, no sentido amplo de rede de parentesco, está forte e ativa como sempre."
      Segundo a psicóloga Belinda Mandelbaum, professora da USP, as novas famílias são pressionadas a reproduzir práticas individualistas e ainda sofrem por não se encaixarem no modelo tradicional.
      "Há no imaginário social a ideia de que a família tradicional seria melhor. Não há melhor ou pior, o que importa é a qualidade dos laços."
      Para ela, muitas das novas famílias não têm nada de novo. "Diferem na composição, mas repetem o funcionamento tradicional. Em casais homossexuais pode haver violência como nos héteros. Nas famílias sem pai, um avô ou tio assume a função paterna."
      Não sem consequências, analisa Nilde Parada Franch, presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise-SP. "O pai ausente pode deixar o registro de uma falta importante." Ela diz que o desafio, nesse quadro de diferentes agrupamentos, é tolerar as novidades, mas sem banalizá-las e sem ignorar traumas e perdas resultantes da revolução.

        FRASE
        "A paternidade está desaparecendo e as pessoas se identificam mais com a classe social a que pertencem do que com a família"

          ANÁLISE
          Da família do futuro ao futuro da família
          DARIO CALDASESPECIAL PARA A FOLHANovos estudos colocam uma interrogação sobre o futuro da família. As tendências demográficas são inegáveis. Não é a primeira vez que ocorre nem será a última.
          No cerne das mudanças está a mulher e a evolução de seus papeis. Ficou difícil equilibrar tantos pratos, ainda mais diante das dificuldades econômicas. Do lado masculino, o discurso nos últimos anos foi o de que ser homem não é mais prover e procriar. Ao homem moderno cabem os cuidados de si, as experiências na urbe sensorial etc. Some-se o individualismo galopante de vertente hedonista-narcisista e o juvenismo, que nos vendeu a ideia de que é possível e desejável viver em sempiterna adolescência.
          Embora o retrato atual seja esse, há um excesso de pessimismo nas previsões sobre o fim da família.
          Multiplicam-se sinais de sua renovação. Os jovens seguem expressando o desejo de união (não necessariamente de casamento, mas que importa?) e a maioria das mulheres, se a condição permite, quer filhos.
          O anseio por família e casamento dos casais homoafetivos é especialmente relevante, já que essa é uma fatia da população cujo comportamento é tido como precursor.
          E se a preservação da espécie continua sendo a pedra de toque do comportamento evolutivo, resta-nos perguntar: o futuro será pós-familiar, como pretendem alguns, ou moderno mesmo será conjugar a família em novos tempos e modos?

            Vida real - Denise Fraga

            FOLHA DE SÃO PAULO

            A mesa amarela
            Fosse domingo, Natal ou qualquer ocasião de comemoração, lá estava ela, centopeia de nossas pernas
            A casa da minha infância tinha uma mesa amarela. Era a casa de minha bisavó, uma casa antiga com abacateiro no quintal e uma penca de tios, primos e agregados.
            A importância dessa casa na minha vida é fundamental. A importância dessa mesa na vida dessa casa também. Era uma mesa comum, forrada de fórmica amarela e que aumentava de tamanho nos almoços de domingo, quando eram usadas as duas tábuas extras camufladas debaixo do tampo. Fosse domingo, Páscoa, Natal ou qualquer ocasião que justificasse comemoração, lá estava ela, firme e forte, centopeia de nossas muitas pernas.
            No dia a dia, a mesa servia de bancada às costuras de minha bisa, que eram devidamente retiradas para as refeições, incluindo o lanche da tarde. O curioso é que, apesar do tamanho da casa, de haver uma sala de estar, ninguém saía de lá. Chegava-se e já se ia puxando uma cadeira da mesa amarela para se sentar, com refeição ou não. A mesa tinha poder. Depois dos almoços de domingo, víamos a noite chegar ainda sentados à sua volta.
            Quando pequena, passei muito tempo ali embaixo, escutando conversa de adulto e desamarrando cadarços. Era nessa mesa que tia Sofia batia a pesada massa do pão da Páscoa e rolava as laranjas depois de cada almoço. Sobre sua fórmica amarela, meu tio fechava o caixa da loja, minha prima corrigia as provas de seus alunos, eu fazia as minhas lições, minha bisa cortava os vestidos, contava-se o dinheiro da igreja e tio Fausto dividia comigo melancias inteiras.
            Ali me compreendi pessoa deste mundo, percebi que fazia parte de um todo, ouvi muitas histórias e vi lágrimas sendo enxugadas. Se não tenho berço, tenho mesa. O tempo passou e a casa da minha infância precisou ser vendida. Sabendo do meu amor pela mesa amarela, minha querida tia Ivone telefonou: "Denise, a casa nova é pequena. Você quer a mesa?". Chorei.
            Uma caminhonete veio do Rio para São Paulo transportando uma única e banal mesa de fórmica amarela. O almoço de Natal é feito em nossa casa. Começou há alguns anos com oito pessoas. Depois que chegou a mesa, esse número cresce ano após ano.
            Hoje vamos usar as duas tábuas e ainda juntá-la à mesa da cozinha para acomodar 22 pessoas. É o poder mágico da mesa amarela e de todos que se sentaram nela. Me ensinaram que mesa é um traço de união. Une nossos pés, liga com seu tampo nossos corações e põe nossos olhos frente a frente para que não esqueçamos da força que temos juntos. Feliz Natal!

              A festa das 'novas' famílias - Juliana Cunha

              FOLHA DE SÃO PAULO

              JULIANA CUNHA
              COLABORAÇÃO PARA A FOLHAEmbora quase toda publicidade desta época seja estrelada pela família margarina, a real é que 50,6% das famílias brasileiras comemoram o Natal de um jeito mais bagunçado. Para quem vive em novos arranjos como a família mosaico, a estendida e a monoparental, papai, mamãe e filho só existem no presépio.
              A socióloga Adriana Franco, 45, mora com o marido e os dois filhos. A família parece tradicional, mas não é. Os filhos dela são de outro casamento -está no quinto. O atual marido, Celso Calheiros, 50, também tem um filho de um relacionamento anterior que fica com o pai ao menos dois dias por semana.
              Juntos, Adriana e Celso formam a chamada família mosaico, que mistura frutos de diferentes uniões e corresponde a 16,2% dos casais com filhos no Brasil. No Natal, a casa fica cheia. Já o Ano-Novo é solitário: as "crianças" ficam com seus "outros" pais.
              Quando entrou na vida do viúvo Sérgio Rico, 46, a professora de educação física Marines Azzi Rico, 46, comprou um pacote completo que incluía dois garotos de nove e 12 anos. "Eu morava só, namorava para caramba. Nunca pensei que ia me meter em algo assim", conta.
              Eles estão juntos há dez anos e tiveram Beatriz, 5. No Natal, vão todos para a casa de dona Rita, mãe da primeira mulher de Sérgio. "Os garotos adoram passar com a avó, não vi razão para quebrar a tradição", diz Marines.
              Já a advogada Jacqueline, 42, e o funcionário público Carlos Hochberg, 54, não querem saber de tradição. Estão casados há 19 anos e não tiveram filhos. São o típico DINK ("Double Income No Kids"), sigla para casais com renda dupla e sem dependentes -representam 2,9% da população no Brasil.
              Os Hochberg passam o Natal na casa da mãe de Jacqueline, onde moram também sua irmã, o cunhado e o sobrinho de seis anos. Lares assim, compartilhados por casal com filhos e outros parentes, são 5,45% das famílias do país, segundo o IBGE, e são chamados de família estendida.
              "Minha irmã faz Natal com pacote completo: Papai Noel, peru, agora tem até um tal 'calendário do advento'. Damos uma passada para eles não ficarem com pena da nossa falta de ceia, mas não é minha praia", diz Jacqueline.
              DIVÓRCIO PERFEITO
              A publicitária Paula Araújo, 45, e o empresário Luis Antônio Speda, 50, estão separados há cinco anos e têm os trigêmeos Maria Eduarda, Ana Luiza e João Pedro, de dez anos. São um caso raro de ex-casal que passa o Natal unido. "Temos guarda compartilhada e somos melhores amigos. Não deu para ter o casamento perfeito, mas temos o divórcio ideal", diz ela.
              Divorciados que optam pela guarda compartilhada são minoria: foram 5,4% em 2011. Mas o percentual dobrou na última década. "Acho o ideal para quem é mais maduro", diz a publicitária. Eles se definem como uma família unida, só que de pais separados.
              O bancário Fernando Soares, 37, mora sozinho com o filho Marcelo, 6. O arranjo conhecido como família monoparental é quando o pai ou a mãe vive só com os filhos. Mulheres sozinhas com crianças representam 15,3% dos lares brasileiros. E pais sozinhos com filhos são apenas 2,2%, segundo o IBGE.
              "A vinda do Marcelo não foi planejada. Nunca fui casado com a mãe dele. Há dois anos, propus que ele ficasse comigo e ela viesse visitar.".
              No Natal, Fernando leva Marcelo para a casa dos avós, onde moram ainda sua irmã e o sobrinho de 12 anos.
              "Ninguém sonha em ter uma família como a minha, mas a vida caminhou desse jeito e não lamento. Meu filho e eu somos uma família pequena e perfeita ao seu modo", diz Fernando.

                Francisco Daudt

                FOLHA DE SÃO PAULO

                Domínio/submissão
                O cão late. Levanto-me e cravo-lhe os olhos. Ele para imediatamente. Mas, afinal, quem dominou quem?
                EM TRINTA e seis anos de clínica psicanalítica, encontrei dois casos curiosos de homens com "inveja de vagina". O conceito freudiano de "inveja do pênis" despertou a fúria de gerações de feministas, mas é mal compreendido. Ele foi formulado no século 19, quando os homens podiam muito mais do que as mulheres, e urinar em pé era o ícone desse poder. Domínio era o nome da questão: eles eram preparados para dominar, e as mulheres, para serem submissas. A primeira leva de feministas deu a maior bandeira ao tentar emular os homens. A sra. Betty Friedam chegou a afirmar que, enquanto 50% dos cargos existentes não fossem ocupados por mulheres, não haveria "igualdade". Nunca se deu ao trabalho de perguntar se alguma mulher ansiava por ser soldadora em canos de esgoto submarinos.
                A tal "inveja de vagina" mostrou-se um equivalente àquela do pênis: também era uma questão de poder. Esses clientes invejavam o poder de domínio que as mulheres tinham sobre os homens em geral, e sobre eles em particular, por contarem com tal aparato. Mas essa compreensão se deu quando descobri que os conceitos freudianos não podiam ser levados ao pé da letra, só por terem sido concebidos em circunstâncias comportamentais diferentes. Tomados como metáforas, eles continuam ótimos, capazes de retratar a alma humana tão bem quanto uma peça de Shakespeare. Para nós foi uma glória quando os antropólogos incluíram o complexo de Édipo entre as características universais de todas as culturas.
                Outro desses conceitos que atrapalharam em muito a vida das mulheres foi o da "maturidade do orgasmo". Freud considerava que o orgasmo feminino obtido por meio do clitóris era "imaturo", pois demonstrava que a mulher ainda estava competindo com o homem, desejando ter um pênis, querendo o domínio e o controle, em vez de desfrutar de sua "feminilidade" pela entrega e submissão a seu macho. Freud desconsiderou que todo orgasmo provém, em termos fisiológicos, do clitóris, já que o pênis é um clitóris que se tornou grande por influência da testosterona que os fetos produzem durante a gestação, e que eles não têm nenhum problema em ter orgasmos por meio da masturbação.
                As sutilezas dessa característica, tão inseparável que sempre a escrevo, como no título, como duas palavras "separadas-ligadas" por uma barra, me encantam. Pense no cão da minha filha. Ele deu para latir a cada vez que chega um cliente, e, no consultório, não quero essa perturbação. Levanto-me, vou à sacada que dá para o pátio onde ele fica, e, em silêncio, cravo-lhe os olhos, de cara fechada. Ele para imediatamente. Mas, afinal, quem dominou quem? Não fui obrigado a interromper a sessão (coisa que nunca faço, muito menos para atender celular, objeto que não possuo)? Então ele me dominou também.
                Quem disse que as multidões comandadas pelos líderes populistas, como Hitler o foi, e outros que tantos há, são revoltadas? Elas adoram ter um grande pai, desde que ele lhes providencie uma mesada que arrancam dos pagadores de impostos, que lhes façam benesses com o "Tesouro". Nem sabem que o dinheiro é deles, em parte, pois a taxação sobre a cesta básica sai de seus parcos bolsos.
                Em particular, a modalidade de domínio pela culpa me fascina. Nem estou falando das chantagens sentimentais, que são excessivamente claras. Mas pense na diretiva cristã de, se estapeado, oferecer a outra face. Que primor de construção sutil: quando o agredido oferece, como mártir, a outra face, ele torna o agressor em um crápula instantâneo. Deixa de ser um assunto a motivação do primeiro tapa (ainda que merecida). O agredido torna-se dominador, o "passive-aggressive", em inglês. Fascinante.

                O mundo do tato

                FOLHA DE SÃO PAULO

                Livro conta a história da cearense Heldy, 21, que nasceu surda e cega e aprendeu a se comunicar pelo toque das mãos
                Fotos Jarbas Oliveira/Folhapress
                Heldyeine, 21, exibe seu guarda-roupa, que mantém com muito orgulho
                Heldyeine, 21, exibe seu guarda-roupa, que mantém com muito orgulho
                MARIANA VERSOLATODE SÃO PAULOQuando tinha pouco mais de um ano de idade, tudo que Heldyeine sabia fazer era chorar e se arrastar de costas no chão, o que lhe deixava com falhas no couro cabeludo. Surdocega congênita por causa da rubéola contraída pela mãe na gravidez, a criança parecia isolada.
                Pouco a pouco, Heldy foi aprendendo a pegar objetos, andar, alimentar-se, tomar banho, reconhecer pessoas e emoções, expressar desejos e interagir com o mundo, tudo por meio do toque.
                Hoje, aos 21, Heldyeine Soares se comunica por Libras (Língua Brasileira de Sinais) tátil -os sinais são feitos nas mãos, que ficam em forma de concha, para que ela os sinta e os interprete.
                Seu mundo, feito de gestos que identificavam coisas e pessoas, foi sendo traduzido para a Libras tátil, o que ampliou suas possibilidades de interação e abstração.
                A história da menina acaba de ser publicada no livro "Heldy Meu Nome - Rompendo as barreiras da surdocegueira", escrito pela pedagoga Ana Maria de Barros Silva, impressionada com o desempenho de Heldyeine.
                "Essa é uma história de sucesso que não poderia ficar apagada. Surdocegos congênitos como ela tendem a ficar isolados, não têm esse desenvolvimento", diz a autora, que trabalha há 40 anos com a educação de surdocegos.
                Grande parte desse sucesso é mérito da professora aposentada Marly Cavalcanti Soares, do Instituto dos Cegos de Fortaleza, que encarou o desafio de ensinar a menina, apesar de ter poucos recursos e de seu desconhecimento sobre a surdocegueira.
                O livro só pôde ser escrito graças aos seus detalhados relatórios do progresso de Heldy. Anotava cada conquista, tirava fotos e fazia vídeos, batizados de "Renascer".
                Os textos dão uma ideia de como o progresso foi alcançado e comemorado e mostram como Heldy aprendia rápido e dava sinais de que queria mais. Depois de aprender a andar, já recusava a ajuda da professora para subir escadas, como se pedisse mais autonomia.
                Ela logo conseguiu identificar as pessoas -reconhecia a professora pelas blusas com botões e tinha um gesto para cada membro da família.
                PARCERIA
                Junto com Marly, a mãe e as irmãs de Heldy lutaram para que a menina se desenvolvesse dessa forma.
                De origem simples, a família de Maracanaú (a 15 km de Fortaleza, CE) levava quase duas horas para chegar ao Instituto dos Cegos de Fortaleza de ônibus.
                A mãe, Jane, abandonada pelo ex-marido, cuidava sozinha de Heldy e das duas filhas mais velhas. Apesar das dificuldades, insistia na atenção especial à caçula.
                "A Heldy é quem ela é hoje graças a Deus, à minha mãe e à tia Marly, que provou que, por amor, é possível tornar uma pessoa capaz como ela fez", conta Heldijane Cidrao, 26, irmã de Heldy.
                Heldijane cuida da irmã desde os cinco anos -era chamada pela professora de "pequena grande mãe". Envolveu-se tanto que se casou com o professor de Libras de Heldy, que é surdo, e se tornou intérprete de surdos e surdocegos.
                "Esse livro me emociona porque ler é como viver tudo de novo. Quando eu tinha seis anos, a tia Marly me colocou no colo e me disse que, quando eu tivesse sede, Heldy também teria e que eu deveria dar água a ela. Quando estivesse com fome, deveria dar algo de comer a Heldy. Hoje tenho uma filha de seis anos e me imagino fazendo tudo que fiz na idade dela."
                Agora, Heldy tem bastante autonomia -a família só não deixa que saia na rua sozinha ou cozinhe. Frequenta o Instituto de Surdos de Fortaleza para aprimorar seu conhecimento de Libras e faz bijuterias no tempo livre.
                Algumas das anotações da professora Marly que estão no livro são dirigidas diretamente a Heldy. Seu sonho era que um dia a menina pudesse ler sua própria história.
                Os primeiros capítulos foram enviados à jovem em braile -ela lê, mas não fluentemente -e o livro todo deve ser lançado nesse formato.