sábado, 5 de abril de 2014

João Paulo - Acontece que são baianos‏

Acontece que são baianos
Gilberto Gil lança disco com canções que foram eternizadas por João Gilberto. Álbum é uma antologia de sambas que ganham camadas de sentido, sem deixar de reverenciar a tradição
João Paulo
Estado de Minas: 05/04/2014



Gilberto Gil torna suas as canções que foram recriadas pela arte de João Gilberto: não pode haver respeito maior

Gilberto é o primeiro nome de Gil e o segundo de João. Por isso o plural: Gilbertos. O disco tem ainda sobrenome, Samba. Ficou assim: Gilbertos Samba. O álbum é uma homenagem de baiano para baiano, de Gilberto Gil para João Gilberto. Ao somar seu nome ao do artista que o inspira desde o começo da carreira, Gil foi sagaz. É disco de seguidor, mas que, em honra ao mestre, inventou seu próprio caminho. Gil canta ao seu jeito canções que são de João.

A ideia de homenagear João Gilberto parece fazer parte do projeto de todo cantor brasileiro a partir da bossa nova. O canto joão-gilbertiano é um padrão: voz límpida, divisão perfeita, balanço, acompanhamento sofisticado ao violão. Não sobra nada. Tudo que João toca se torna ele mesmo. Um estilo. Caetano às vezes canta como João Gilberto, outras compõe pensando nele. Mas todas as homenagens podem se tornar pequenas, afinal de contas, a perfeição não tem parâmetros.

Por isso, Gilberto Gil fez um disco tão original. Ele não quis imitar ou emular João. Seu alvo era outro: o Gilberto que é comum aos dois. Compositor plural, cantor criativo e excelente violonista (dos poucos da música popular capazes de se comparar com João), Gilberto Gil decidiu gravar um disco de sambas, com repertório de temas de João Gilberto e duas composições inéditas, a instrumental Um abraço no João e a programática canção Gilbertos.

Para levar adiante o projeto, Gil escolheu como produtores o filho Bem e o filho de Caetano, Moreno. Tudo parecia indicar o caminho natural do banquinho e violão, que Gil já havia trilhado (de forma sublime, é bom relembrar, em Gil luminoso). Mas Gil nunca foi de ir pelo caminho mais fácil. Convidou Domenico para tocar em todas as faixas – percussão e eletrônicos, além de palmas e ruídos –, ao lado de instrumentistas de diferentes escolas e inclinações musicais: Mestrinho (acordeão), Nicolas Krassik (violino), Pedro Sá (guitarra), Danilo Caymmi (flauta), Dori Caymmi (violão) e Rodrigo Amarante, que assina um arranjo, além do naipe de sopros em algumas faixas.

O resultado é um disco de sonoridade rica, mas profundamente fincado no jogo de voz e violão. Os instrumentos entram para acentuar intenções e até para destacar o silêncio, que em João Gilberto é sempre funcional. Assim, as palmas, sons de lixa e faca raspando no prato atuam no contratempo, marcando ritmo apenas sugerido pelo violão em João Gilberto, como na faixa de abertura, Aos pés da cruz (Marino Pinto e Zé da Zilda).

Em Desafinado (Tom Jobim e Newton Mendonça), o silêncio do violão de  João ecoa no bumbo longínquo de Domenico. Canção que, com Chega de saudade (que não está no disco), ajudou a definir a ética da bossa nova, Desafinado chega cheia de histórias e provocações, inclusive com guitarras. De manifesto de uma nova sensibilidade, já suficientemente incorporada, ela ganha outro sentido. O que permite inclusive uma feição mais amorável, flexível, como se convocasse todas as formas de distorção, tolerante, relaxada.
A voz e o canto de Gilberto Gil são outros aspectos que dão ainda mais força a Gilbertos Samba. Tudo que em João mira para o minimalismo, como a ausência de vibratos, notas pouco elásticas e a flecha que atinge o alvo da concisão em seu risco calculado, em Gilberto Gil permite expansão, ensaio e, inclusive, erro. Gil é cantor de rock e baião, o que enriquece sua voz de possibilidades expressivas. No novo disco, ele arrisca nos agudos e exibe graves no limite da musicalidade, como Em desde que o samba é samba (Caetano Veloso). Em vários momentos, ele é totalmente antiJoão, ao amaciar a voz e cantarolar melodias suaves para desfazer a tensão.

Em Eu sambo mesmo (Janet de Almeida), a percussão rascante, quase um ruído, parece comentar a letra que extravasa da melodia, dando um jeito recitado e anguloso ao canto, que é suavizado pelas passagens melódicas marcadas pela flauta. Uma afirmação do samba como singularidade, que ganha comentário na própria forma como é apresentado, mais uma herança metalinguística de João. Já a indefectível O pato (Jaime Silva e Neza Teixeira), tem introdução com escala dissonante que logo é capturada pelo ritmo da canção, com síncopas características.

Orquestra Em outros momentos, como em Você e eu (Lyra e Vinicius), a sonoridade, ainda que inusitada, funciona como nas orquestras de Claus Orgeman, criando climas que acentuam a condução da canção pela voz e o violão. O arranjo de Rodrigo Amarante é o mais trabalhado de todo o disco e faz uma ponte entre gerações, com Gil representando ao mesmo tempo a tradição e a modernidade. Mais JG, impossível.

As canções de Dorival são lembradas com dupla reverência, ao compositor e ao intérprete. Em Milagre, Gil conduz a canção como um canto de trabalho; Doralice parece brincar com a versão jazzística de Stan Getz (no álbum Getz/Gilberto), com o acordeão fazendo o sax, trazendo uma sombra de baião soprado do pé das serras da memória. Uma orquestra fantasma.

Eu vim da Bahia, do próprio Gil, traz Bem Gil na guitarra e tem arranjo com baixo, bateria, acordeão e violino. A música, que havia sido recriada por João, ganha sonoridade tropicalista, classificada por Caetano no encarte como uma composição reduzida a um “modalismo primitivista”. Gil só pode se assenhorar da própria canção porque ela passou pelas mãos de João Gilberto. O outro, o mesmo.

No capítulo das inéditas de Gil, boas surpresas. Na instrumental Abraço no João (que evoca Abraço no Bonfá, de JG), a percussão é quase um metrônomo, que faz uma moldura rítmica para o violão que alterna blocos de acordes com trechos melódicos, que vão sendo sutilmente variados. Em Gilbertos, que fecha o disco, o destaque é o violão em ponteados, como nos sambas de roda – sem esquecer a percussão no prato, mais uma herança do Recôncavo.

Com tudo isso, Gilbertos Samba é um disco para se ouvir muitas vezes, atento a detalhes da interpretação, à inteligência dos arranjos, ao virtuosístico violão de Gilberto Gil, tão inspirado e tão diferente do de João Gilberto. A cada faixa, a primeira tentação é a de buscar as semelhanças e diferenças em relação ao original, até que Gil se impõe e mostra porque o plural é a concordância mais acertada para cada canção.

Humilde, no fim do programa, em Gilbertos, Gil aceita o julgamento de Caymmi, que vaticinou que nasce um Gil a cada 25 anos. Mas reforça que, noutro patamar, surgem gênios de 100 em 100. Como o próprio Dorival e João, absolutos no panteão dos baianos. É ótimo que os gênios existam, mas é fundamental que os grandes aprendizes continuem de onde eles pararam.

Gil, consciente e luminoso, segue “ampliando-lhe a voz e o violão”.


Gilbertos

Gilberto Gil

Aparece a cada cem anos um
E a cada vinte e cinco um aprendiz
Aparece a cada cem anos um mestre da canção no país

Foi Dorival Caymmi quem nos deu
A noção da canção como um liceu
A cada cem anos um verdadeiro mestre aparece entre nós
E entre nós alguns que o seguirão ampliando-lhe a voz e o violão

É assim que aparece mestre João e aprendizes professando-lhe a fé
Um Francisco, um Caetano algum Roberto e a canção foi mais feliz

Aparece a cada cem anos um
E a cada vinte e cinco um aprendiz
Aparece a cada cem anos um.

ORELHA

Orelha 
 
Estado de Minas: 05/04/2014


Mary Shelley foi do terror às histórias românticas com final feliz (Wikipedia/Reprodução)
Mary Shelley foi do terror às histórias românticas com final feliz

Aventura humana

Mary Shelley (1797-1851) foi uma mulher extraordinária. Filha do filósofo William Godwin e da escritora Mary Wollstonecraft, defensora da igualdade feminina, ela foi ainda mulher do poeta romântico Percy Shelley e autora de uma das mais conhecidas histórias de terror de todos os tempos, Frankenstein ou o moderno Prometeu, de 1818. Dois anos depois de seu livro mais famoso, Mary Shelley lançaria uma breve história juvenil, Maurício ou a cabana do pescador, que acaba de ser lançada no Brasil pela Editora Graphia, em tradução de Luciana Viégas. A narrativa, bem ao molde romântico, tem como personagens um menino que foge da violência do pai e chega a um pequeno povoado do litoral inglês, um velho pescador viúvo e um homem em busca de seu filho, desaparecido ainda criança. A edição é muito caprichada, com ilustrações de época e interessante posfácio da tradutora.


Ditadura

Memória, justiça e verdade – A parte visível, organizado por Virgílio de Mattos, foi lançado esta semana em Belo Horizonte. O livro é resultado dos encontros do grupo de pesquisas que se reúne semanalmente, há cerca de um ano, na Faculdade Estácio de Sá, em Belo Horizonte. Entre os temas debatidos estão os processos ditatoriais no Cone Sul. O volume traz a última entrevista de Universindo Diaz Rodriguez, militante uruguaio sequestrado em Porto Alegre, um dos raros casos de documentação da Operação Condor, que morreu em consequência das torturas sofridas no Brasil.

 (Adalberto Roque/AFP)

Padura

O romancista cubano Leonardo Padura (foto) estará no Brasil entre os dias 12 e 16 para lançar o celebrado O homem que amava os cachorros (Boitempo). Leon Trótski e Ramón Mercader são personagens centrais do thriller histórico, que tem como contraponto o fictício Ivan Cárdenas Maturell, um aspirante a escritor. Sucesso de público e crítica em todo o mundo, o livro parece ter surpreendido a própria editora brasileira: está difícil encontrar o romance nas livrarias. Padura participa de agenda em Brasília, na 2ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura, e de lançamentos em São Paulo e no Rio de Janeiro.


Flusser

O pensamento do filósofo tcheco Vilém Flusser, que viveu 30 anos no Brasil e é autor de importantes reflexões sobre a questão da imagem no mundo contemporâneo, é tema de livro organizado a partir de seminário internacional realizado na UFMG. Imagem, imaginação, fantasia – 20 anos sem Vilém Flusser é organizado pelos professores Rodrigo Duarte, Alice Serra e Romero Freitas. O livro será lançado no dia 12, às 11h, na Livraria Quixote, Rua Fernandes Tourinho, 274. A edição é da Relicário.


Cultura


Corpos pagãos – Usos e figurações na cultura brasileira (1960-1980), de Mario Cámara, é o novo título da Editora UFMG. O livro coloca em relação as artes plásticas, a literatura e a música de um período inovador e polêmico da cultura brasileira, marcado por obras de Glauco Mattoso, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Jorge Mautner, Roberto Piva, Torquato Neto, Waly Salomão e Paulo Leminski.


Torquato

E por falar na geração que mudou a cara da cultura brasileira, quem ganha biografia é o poeta e compositor Torquato Neto. O autor da aventura é o jornalista curitibano Toninho Vaz, que já escreveu a biografia de Paulo Leminski (que está fora de circulação por interferência da família do poeta). A biografia de Torquato Neto oferece não só um retrato de corpo inteiro do artista quando jovem, mas também uma visão do espírito libertário que animou toda uma geração. O livro sai pela Nossa Cultura.


Quadrinhos

Pode parecer fácil, mas fazer HQ no padrão profissional não é para qualquer um. Pensando nisso, a Editora Martins Fontes lança o livro Como desenhar quadrinhos no estilo Marvel, de Stan Lee e John Buscerna. Lee é cocriador de Homem-Aranha e X-Men, entre outros; e Buscerna é o artista por trás do Surfista Prateado e Conan, o bárbaro. Com muitos diagramas e dicas, o livro revela segredos e ferramentas para quem deseja criar seu próprio gibi.


Lançamento

A obra de ficção medieval A fabulosa terra de Lúmens, do jovem escritor mineiro Tiago Leão Barbosa, será lançada segunda-feira, às 19h, na Biblioteca Estadual Luiz de Bessa – Praça da Liberdade, 21, Funcionários, em Belo Horizonte. É o primeiro de quatro livros que será publicado pela portuguesa Chiado Editora. O autor tem apenas 22 anos, é natural de Belo Horizonte e cursa comunicação social na PUC Minas.

Faz sentido sentir - André di Bernardi Batista Mendes

Faz sentido sentir 
 
Professor de literatura na USP, Alcides Villaça lança Ondas curtas, seu quarto livro de poemas. Autor diz que trabalho criativo não compete com a crítica 
 
André di Bernardi Batista Mendes
Estado de Minas: 05/04/2014


Rain room (2012), mostra apresentada no Museu de Arte Moderna de Nova York (Timothy Clary/AFP)
Rain room (2012), mostra apresentada no Museu de Arte Moderna de Nova York

Depois de O tempo e outros remorsos, de 1975, Viagem de trem, de 1988, e do infantil O invisível, de 2011, o poeta e crítico literário Alcides Villaça lança Ondas curtas, pela Editora Cosac Naify. Alcides capta a poesia que sugere um resumo de silêncios, fala de palavras que servem para remendar, fala dos nossos sustos diários. Alcides, que não compõe livros, mas simplesmente escreve poemas, transita com desenvoltura nas ambiguidades do mundo. Os poemas de Ondas curtas estão dispostos em seções temáticas: “Câmara de eco”, “Suas sombras”, “Playback”, “Notícias” e “Surdina”. Os vínculos e o ofício do professor, o amor pela música e pela literatura, lembranças da infância, tudo serve para a poesia deste bom poeta.

Em sua nova aventura literária, Alcides não atormenta o verso, não interfere no voo dos pássaros. O poeta aprendeu, com o tempo, com a experiência, a vivenciar a poesia no que ela traz de mais amplo. O poeta, assim, encontra similaridades, por exemplo, entre um cão e um menino, dentro do tempo, da memória, do sentimento: “o olhar do menino/ o olhar pensativo do menino/ sentado no cachorro.// (o menino sentado no cachorro/ esperou cinquenta anos/ para se olhar pensativo/sentado no cachorro)”.

Alcides não faz distinção entre alto e baixo, tudo são alturas, no plural, cão e menino, pedra e pau, fauna e floras. Mais é mais, faz de conta, pois faz sentido sentir, até aprendermos a navegar por aí. Alcides capta ondas de altas voltagens. Dos hinos todos, ficam somente as lembranças, uma sensação de pertencimento; mas isso é pouco, “nada nos explica”, já disse Drummond. Mais, ficarão os versos, quando fortes. Os poemas de Alcides não levantam bandeiras, mas sugerem ventos.

Intercalando grandes momento com alguns deslizes (bem poucos), os poemas de Ondas curtas mostram a força de um poeta pronto para o bom combate. Dizer que todo poeta sente é o mesmo que aceitar que a pedra dura. O poeta descaça rumos, finge de égua, ele fala de águas, conclama “os passarinhos do mundo/ que só quando cantam sabem de alimentar”.

O poeta faz brilhar quando renasce em nós nossas coisas esquecidas. Ele vai atrás do rumo que tomou o vento. A poesia de Alcides guarda armadilhas, joga sementes dentro de uma suposta e natural simplicidade. “A missão da poesia/ é muito precisamente/ ser/ o que/ não há/ fora/ da poesia”. É difícil lançar luzes sobre algo que não morre. Cabe também a música nesse rol de encontros e sortilégios.

Isso porque Alcides percebeu que tudo tem uma certa função no mundo. O poeta não impõe hierarquias e não desmerece as coisas poucas, que não são nada poucas. Alcides ensina que as almas são necessariamente carregadas de sumos. O poeta bebe dessa fonte, e fala, dentro de um êxtase, sobre tudo que respira. Alcides inventa para seus poemas musicalidades, acordes que dançam pelos meandros de uma subjetividade nada complicada, mas profunda: “o coração da poesia/ são as metáforas// Para inventá-la/ há que evitá-las”. O poeta não precisa do objeto em si, e confunde o leitor numa trama de rosas: “O assunto da poesia/ é outra coisa// Quanto mais idêntica a si mesma/ Mais familiarmente estranha”.

Ondas são apenas ondas, curtas, médias, altas de sal, sol e maresia. Barcos não são apenas barcos. A poesia de Alcides é inclassificável. É orgânica, vem do instinto, da lucidez que só o discernimento poético pode alcançar. É preciso um bom tempo de espera e maturação para que as maldades do mundo se transformem em dádivas. O poeta de Ondas curtas sabe que existem águas turvas, ruídos e “mil imagens calorosas”.

Alcides não é um só. Ele trabalha dentro do mistério: ele, assim , solta e fecha, ele tem humor, é notívago, é faminto, sonâmbulo, é pintor, com seus “dedos de água”, é sutil e seco, é ambíguo, e puro. Eis a síntese dessas ondas de mares, de alcance indefinido. O poeta tem certeza, mas só quando descobre o mundo. Alcides viu: existem signos que nunca se movem. Se existe pedra sobre pedra, o poeta deixa pedra sobre pedra. Não parece óbvio acatar, dizer que existe uma parcela de dor, que empurra o ir das horas. Poesia nunca foi e nunca será adorno. A poesia revela: somos feios, sujos e malvados. A poesia amplia as cores, conserva as árvores, renova, recria o que ainda não existe. A poesia regula, atualiza a máquina de produzir agoras, nada mais do que “a mecânica do livre respirar”. Alcides Villaça nasceu em Atibaia, em 1946. Cursou letras na USP, onde é professor de literatura brasileira desde 1973. É dele também o livro de ensaios Passos de Drummond, lançado em 2006.

ONDAS CURTAS
• De Alcides Villaça
• Editora Cosac Naify


Quatro perguntas para...

Alcides Villaça
Poeta e professor

Você, além de poeta, é crítico e professor de literatura. De que forma essas outras funções interferem na sua poesia?

Sou sobretudo professor de literatura, interessado tanto em compreender objetivamente a poesia como em fazê-la cantar com a beleza que lhe é própria. Às vezes o poeta que dorme em mim interfere um tanto sentimentalmente no trabalho do professor, e às vezes o professor e crítico tira um pouco do impulso mais natural do poeta. Mas não brigam muito, não.

De que forma você lida com as demandas do dia a dia e da inspiração? Você escreve diariamente, tem alguma rotina fixa voltada para a literatura, para a poesia?
Fiquei muito tempo sem escrever quase nada de poesia. Meu livro Ondas curtas compreende poemas que foram escritos espaçadamente ao longo dos últimos 20 anos. Agora estou escrevendo mais regularmente, interessado em compor algo mais orgânico e regular.

Você costuma reler ou, ainda, refazer os seus poemas?
Não como seria necessário. Não sigo o conselho de Drummond: conviver com os poemas, até lhes dar a forma definitiva.

Você tem trabalhos sobre Carlos Drummond e Ferreira Gullar. Quem são os grandes poetas brasileiros de hoje?
Depois da geração do Gullar, poeta que ainda está em franca atividade, surgiu muita gente boa, mas ainda é cedo pra falar em “grandes poetas brasileiros”, poetas “federais” (como já os chamou Drummond). Entre as dezenas de poetas que poderia citar como realizadores já provados destaco o nome de Orides Fontela, que nos deixou há alguns anos e nos legou uma poesia de rara concisão, beleza e profundidade.

Infância sem lar - Adalgisa Arantes Campos

Infância sem lar 
 
O historiador Renato Franco estuda o abandono de recém-nascidos na Vila Rica do século 18. Livro analisa o destino dos enjeitados na sociedade 
 
Adalgisa Arantes Campos
Estado de Minas: 05/04/2014


Jantar no Brasil, de Debret, aquarela que integra a série Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (Fundação Biblioteca Nacional/Reprodução)
Jantar no Brasil, de Debret, aquarela que integra a série Viagem pitoresca e histórica ao Brasil

Renato Franco principia A piedade dos outros - o abandono de recém-nascidos em uma vila colonial, século XVIII, obra recentemente editada pela FGV, a partir de relato inusitado, o de Cipriana, criança branca criada pela escrava Joana de Videira, preta mina que deliberadamente matara seu recém-nascido porque ele era muito escuro, e como ela queria “conservar a amizade com o dito seu senhor”, tratou de dar um fim àquele rebento, matando-o afogado, e colocando em seu lugar uma enjeitada branca. Assim, a Cipriana, “filha de mulher branca e honrada que a enjeitou por não padecer infâmia na sua honra”, viveu como escrava por duas décadas. A partir desse exemplo dramático, Renato Franco introduz o tema do abandono de recém-nascidos na época moderna (1500-1800), que, embora fosse condenado moralmente, constituía uma alternativa menos cruel em relação ao infanticídio.

Nessa introdução, o autor retoma os estudos bibliográficos sobre a história da criança, bem como das Misericórdias, instituição responsável pela “roda de expostos”, móvel específico que girava entre o exterior e o interior, garantindo a privacidade de quem depositava a criança e, ao mesmo tempo, sua segurança. De imediato, fica anunciado que, em Vila Rica, sede da Capitania das Minas Gerais, não foi instalada uma roda de expostos tal como existiu em Salvador e no Rio de Janeiro, e que a Irmandade da Misericórdia foi tardia (quarta década do século 18) e ineficaz, por não haver criado a dita roda. Ademais, o abandono não se restringiu às crianças brancas, que poderiam ser motivos de “infâmia” para os genitores. Mais ainda, havia um segredo, uma verdadeira cumplicidade dos conhecidos e vizinhos em torno da origem das crianças expostas, conluio que permitiu, inclusive, que Cipriana, nascida livre, fosse reduzida ao cativeiro. Esse silêncio em relação à fraqueza alheia pode ser interpretado também como o zelo em não pecar com a língua, pois o que nós criticamos no alheio pode nos atingir também (Epístola de Tiago).

Como chegar a relatos tão personalizados e circunstanciados historicamente e, ao mesmo tempo, trabalhar com exaustivas cifras sobre o abandono de crianças, taxas de ilegitimidade, quantias gastas com os criadores com o sustento dos abandonados? A bibliografia utilizada – bastante exaustiva – foi lida diligentemente. As fontes históricas usadas nessa obra são variadas – legislação sinodal, ordenações filipinas, editais do Senado da Câmara e, sobretudo, uma série contínua, sistemática, de atas de batismo da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de Vila Rica. Tão logo a criança era encontrada, necessitava ser batizada, e nesse documento consta a sua “condição de exposta”, que poderia ser resgatada se seus genitores chegassem a se casar, o que acontecia, mas era ínfimo diante das grandes quantias de exposição.

Por sua vez, os registros de óbito, com surpreendente continuidade, atestam o quão difícil era superar o período da lactação e, por fim, as atas de casamento nos mostram expostos que finalmente conseguiram chegar à idade adulta e até realizar um matrimônio auspicioso, com ascensão social. Essas três séries paroquiais, que constituem um raro patrimônio da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar, de Ouro Preto, foram cotejadas, os dados foram cruzados e devidamente circunstanciados com uma documentação variada.

Vejamos como o autor continua expondo sua admirável pesquisa nessa obra que nos dói na alma por tratar de recém-nascidos abandonados em horas desertas nas soleiras de domicílios de Vila Rica, sede da Capitania das Minas Gerais, na expectativa de que fossem encontrados por pessoa disposta ao imediato acolhimento ou a providenciar um acolhimento nas vizinhanças e, nessa impossibilidade, que fosse a entrega definitiva dos pequenos desvalidos ao Senado da Câmara para o encaminhamento legal. Daí o título A piedade dos outros..., que nos entretém com sofreguidão na leitura, numa esperança de que haja um pouco de sanidade e felicidade na história humana, mas que nos desilude com dados e informações objetivas a indicar que boa parte daqueles inocentes falecia já no período de lactação, virando anjinho no céu, crença vigente para nos confortar das perdas. Em muitos casos, a capa de compaixão é desnudada com o concomitante interesse financeiro do criador ou criadora, que não deixava de comparecer ao Senado para o recebimento daquela bolsa, digo, daquela espórtula.

Sobrecarregada com o aumento das despesas, a Câmara não consegue manter seus compromissos com aqueles que detinham a criação dos enjeitados. Em princípio, o ressarcimento pela criação dizia respeito à criança branca, mas em um contexto escravista, com altas cifras de ilegitimidade e miscigenação, a Câmara foi instada a atender também as crianças negras e mestiças. A decepção aumenta ao constatarmos que essa abertura das autoridades régias, com a ampliação do tributo, conduziu paradoxalmente ao aumento das cifras de exposição, embora não tenha atingido uma formalização da função de criador. Passamos a ter um pouco de clemência ao considerar que aquelas mães escravas queriam uma sorte melhor, uma vida fora do cativeiro, ainda que sob o risco de morte.

Criar temporária ou definitivamente uma criança abandonada consistia prática costumeira, compartilhada pelas gentes coloniais. E, assim, muitas crianças iam passando de casa em casa, algumas com a possibilidade de alcançar a afeição, um acolhimento de fato cristão; outras vezes, não passando de agregados a contribuir no serviço e nas receitas do lar respectivo. A partir dessa leitura, podemos ver nos agregados listados pelo Recenseamento de Vila Rica (1804) como um potencial exposto. Renato Franco documenta exaustivamente a flutuação das cifras de abandono vila-riquenhas, aumentadas vertiginosamente a partir de 1740, quando de fato a Câmara passa a assumir o sustento dos inocentes negros e mestiços, legalização do tributo que acaba suscitando o aumento substantivo do abandono. A Câmara passou a assumir, isso não que dizer que ela passou a pagar de fato ao conjunto de criadores.

Compaixão O professor Renato Pinto Venâncio, estudioso da criança, mas não da exposição em si, muito traquejado em fontes arquivísticas, é autor do texto da orelha do livro, construído a partir da explicitação do sentido do termo compaixão, passando pelas motivações que levavam ao abandono e ao temor coetâneo de que a criança não fosse batizada, em uma sociedade que era escravista, bastante miscigenada e católica.

Como professora de história da arte, destaco que Jean-Baptiste Debret, professor de pintura histórica, que esteve no Brasil entre 1816 e 1830, embora fosse considerado excelente professor e tenha formado gerações de artistas por meio de suas aulas na Escola Imperial de Belas Artes, teve uma pintura medíocre, como também era a produção de seus contemporâneos, marcados pelo neoclassicismo e concomitante sistema de mecenato (dom Pedro II financiava a escola).

Por sua vez, suas aquarelas continuam reveladoras da vida cotidiana, sendo difícil encontrar naquele período quem a ele se iguale. De maneira que a primeira parte da apresentação feita pelo colega Luciano Figueiredo não se aplica ao conteúdo da aquarela e muito menos ao artista que nos deixou a utilíssima Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, empregada inevitavelmente para ilustrar os livros didáticos e acadêmicos. Na segunda parte da apresentação, o tom é literário, assim, o colega deixou uma oportunidade ímpar para analisar o que entende tão bem, a história de Minas colonial.

Adalgisa Arantes Campos é professora do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)


A piedade dos outros - o abandono de recém-nascidos em uma vila colonial, século XVIII
• De Renato Franco
• Editora FGV
• 256 páginas, R$ 38

Escrever o destino - João Paulo‏

Escrever o destino
 
Livro que será lançado este mês, A palavra afiada reúne escritos e correspondência inédita de Gilda de Mello e Souza, inclusive carta a Mário de Andrade, que o Pensar antecipa nesta edição


João Paulo
Estado de Minas: 05/04/2014


Gilda Mello e Souza e Mário de Andrade em família, na Fazenda Santa Isabel, do pai de Gilda, em Araraquara, em 1940 (Álbum de família  )
Gilda Mello e Souza e Mário de Andrade em família, na Fazenda Santa Isabel, do pai de Gilda, em Araraquara, em 1940

Uma mulher culta, bela, elegante, extremamente inteligente, que esteve próxima aos mais importantes movimentos intelectuais do século 20. Gilda de Mello e Souza (1919-2005) deixou marcas em todos setores da vida cultural brasileira de seu tempo. Uma das primeiras mulheres a cursar ciências sociais na Universidade de São Paulo – onde depois seria professora cultuada por várias gerações de alunos –, Gilda doutorou-se com tese sobre a moda no século 19.

O trabalho, que seria publicado em 1952 pela Revista do Museu Paulista e depois republicado, em 1987, pela Companhia das Letras, tem seu pioneirismo reconhecido até mesmo internacionalmente. Nenhum pensador havia, até então, dado importância à moda como elemento de compreensão da sociedade e de seus símbolos. O sistema da moda, de Roland Barthes, por exemplo, só seria publicado na França em 1976.

Gilda foi aluna da primeira geração de professores que fizeram parte da missão francesa que ajudou a criar a universidade paulista, entre eles, Roger Bastide, Jean Maugüé e Claude Lévi-Strauss, mestres que seriam modelos de sua trajetória intelectual.

Ainda na faculdade, participaria do grupo que fundou a revista Clima, em 1941, ao lado de Antonio Candido (com quem se casaria), Decio de Almeida Prado, Lourival Gomes Machado, Paulo Emílio Salles Gomes e Ruy Coelho, entre outros. Havia uma espécie de divisão de tarefas: Antonio Candido com literatura, Decio de Almeida Prado com teatro, Lourival Gomes Machado com artes plásticas, e Paulo Emílio Salles Gomes com cinema. Uma turma da pesada

A carreira de Gilda na área da estética, onde aportaria vindo das ciências humanas, seria enriquecida com ensaios sobre literatura, pintura, cinema, teatro, fotografia, dança, publicados em várias revistas e depois reunidos em livros que se tornaram clássicos do pensamento crítico brasileiro: Exercícios de leitura (1980) e A ideia e o figurado (2005). Para a reflexão e sensibilidade de Gilda, valia tanto a estética dos professores franceses como a dança de Fred Astaire. Seu O tupi e o alaúde (1979), sobre Macunaíma, de Mário de Andrade, é considerado um dos mais importantes trabalhos sobre o livro do autor modernista. Mas sua relação com o criador de Pauliceia desvairada vinha de longe.

Gilda de Mello e Souza teve a ventura de ser parente de Mário de Andrade (seu pai era primo-irmão do poeta), com quem teve convivência decisiva em sua vida. Entre os 12 e os 24 anos, ela viveu na casa da madrinha e tia-avó Maria Luiza de Moraes Andrade, mãe de Mário de Andrade, que também morava ali e exerceu sobre Gilda influência determinante na vida pessoal e intelectual da jovem, que gostava de escrever contos. Ela frequentava assiduamente o que chamava de “território” de Mário.

A Editora Ouro sobre Azul lança, no dia 20, o livro A palavra afiada, que reúne textos inéditos, entrevistas e cartas de Gilda de Mello e Souza. A maior parte do material, escrito entre 1938 e 1942, é inédito. A organização e o prefácio são de Walnice Nogueira Galvão.

Um dos destaques do conjunto são as cartas dirigidas a Mário de Andrade, um homem sempre disposto a dialogar com os jovens, como comprova sua gigantesca correspondência já conhecida com nomes como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Fernando Sabino, Henriqueta Lisboa e vários outros jovens em busca de uma palavra amiga e sincera.

O caso de Gilda é singular: além de jovem intelectual em busca de orientação, era parente próxima e morou na mesma casa do escritor, que certamente era sensível tanto aos apelos da moça como às expectativas dos familiares. Gilda, como se lerá na carta a seguir, tinha em Mário de Andrade a máxima confiança. É um destes documentos que o Pensar antecipa a seguir, carta escrita por Gilda, em Araraquara, em 1942. O documento humano digno dos correspondentes, de um tempo em que jovens de 20 anos escreviam longas cartas. E tinham o que dizer.



Araraquara, 1º de agosto de 1942

Mário,

Foi preciso que eu deixasse passar uns dias desde a chegada de sua carta, pois ela havia me transformado numa espécie de monstro de contradição, comovido e acabrunhado, ao mesmo tempo cheio de confiança e de arrependimento. Custei a descobrir e separar as razões de sentimentos tão diversos e, só depois de inúmeras leituras de sua carta admirável e de impiedosos mergulhos dentro de mim mesma, comecei a ver tudo com maior clareza. Me sentia comovida pela sua bondade em descer espontaneamente até os meus pobres e desprezíveis problemas, tentando me auxiliar e me adivinhando com tamanha sensibilidade; e se o abatimento me invadia era por não ter economizado você desse esforço, me abandonando de uma maneira mais sincera. Não pude impedir, também, que uma nova e mais violenta confiança, na vida e nos homens que como você sabem o que é a solidariedade humana, me inundasse. E agora, vencido o tumulto que você provocou dentro de mim, venho arrependida pedir perdão pela minha atitude, não deixando, porém, de trazer um punhado de objeções e desculpas, quem sabe elas irão me absolver? Me ouça um pouco.

Você não tem o direito, Mário, nem de imaginar que eu seja dos que menos se aproximam de sua experiência. Possuindo entre todo o mundo o privilégio de viver ao seu lado, fui aprendendo, isso sim, a me utilizar de você sem que você percebesse. Posso dizer que cresci ouvindo as conversas que você tinha com os outros (era preciso que eu esperasse algum tempo para que você as tivesse comigo...) e quantas vezes não agarrei uma ideia sua no voo, levando-a com avareza pra minha solidão. E meu gesto era puro, porque eu não queria a ideia pra dizer aos outros que era minha, mas para, revirando-a de todos os lados, perceber-lhe o mecanismo.



"É de você que me sinto mais perto" Sequência da carta de Gilda de Mello e Souza a Mário de Andrade, datada de 1º de agosto de 1942


Gilda em sua casa, em São Paulo, em 1989: uma carreira marcada pela abrangência dos interesses intelectuais e elegância humana (Madalena Schwartz/Acervo Instituto Moreira Salles  )
Gilda em sua casa, em São Paulo, em 1989: uma carreira marcada pela abrangência dos interesses intelectuais e elegância humana
Mário,

O certo é que me habituei assim a ir me enriquecendo em silêncio, a colecionar tudo que você, distraído, ia deixando cair. Doutras vezes a sua simples presença me ensinava. Você está se esquecendo, que há mais de dez anos vivo aí em sua casa e que o convívio é cheio de ações e de pensamentos que, por serem cotidianos, não deixam de ser também um reflexo da experiência inteirinha de cada um de nós? Como poderia eu estar mais próxima da sua experiência? Pra quem você jamais foi de uma maior utilidade? Aliás é curioso que você não tenha notado em mim aquilo que já apelidaram um tanto maldosamente da minha “rapacidade” e é o meu hábito egoístico de sugar os outros, me valendo sempre das experiências e lições alheias. É possível que eu esteja me restringindo um pouco ao lado humano, vital, da experiência dos outros e não propriamente ao lado artístico. Pois bem, ainda aqui eu tenho sempre recorrido a você. Acontece, porém, que eu guardo um certo pudor, um como que complexo de inferioridade artístico, sei lá, que me torna bastante difícil falar dos meus escritos a pessoas já de celebridade como você. Talvez esse sentimento esteja ligado a, não propriamente descrença, mas a oposição que meus pais fizeram de início à minha “mania de escrever” e que, repudiada por mim, não deixou no entanto de me marcar. Sempre temo estar fazendo um papel ridículo, me dando uma importância exagerada. (Isto é verdade não só pros meus trabalhos intelectuais como pros meus pequenos problemas vitais...) E prefiro calar sobre os escritos ainda em andamento, ainda não totalmente imaginados e definitivamente fixos. Porque, além do mais, sou duma assustadora mobilidade ou inconstância! Quantas vezes, escolhido o assunto pra um conto, vou no decorrer do mesmo mudando o rumo das coisas, a própria essência da história? Como contar a você, portanto, o que estou fazendo? Nem eu sei... Outras vezes, fixado o assunto e a linha geral, vou aperfeiçoando a ideia, enriquecendo-a de detalhes, aprofundando a psicologia dos personagens no princípio muito superficial, fazendo duas, três, quatro versões da mesma história – me horrorizo com a lembrança de tio Pio... – de tal forma que quando chego à versão definitiva a história é quase outra... Você poderia me retrucar que esse processo de trabalho não impede o seu auxílio e que estava nas suas mãos evitar tamanho desperdício das minhas forças. Mas eu aprendo tanto perdendo tempo, Mário! Não pense que é soberba, Deus me livre! mas sou um tanto... empírica no meu aprendizado e do mesmo modo que, quando estudava geografia, precisava não só ler mas repetir alto e escrever o nome da cidade, do rio, da montanha para gravar, agora preciso também realizar a experiência para lucrar com ela.

Mas voltando atrás, você vê que é fácil pra mim contar a Maria Eugênia, a Antonio Candido ou a Decio, uma ideia que tive e como pretendo realizá-la. Eles estão mais ou menos no mesmo plano que eu e seus juízos e opiniões não influirão muito em mim, mesmo que sejam desfavoráveis. Com você o caso é outro. Prezando como prezo a sua sensibilidade artística e conhecendo a confiança instável que deposito em mim, temo que em seu juízo dubitativo me desanime e eu chegue a deixar de lado um assunto, ou que, ao contrário, em seu juízo otimista me entusiasme exageradamente e eu me abandone a facilidades superficiais. Ora, eu me encontro numa fase de treino e aprendizado em que não só tenho de me servir de tudo, mesmo de assuntos medíocres, sem grandes indecisões – você me dizia mais ou menos isso, uma vez, se lembra? – como também preciso me utilizar au bout des forces. Por isso prefiro entregar a você as coisas já prontas que considero dignas da sua censura. Doutro modo iria me desperdiçando em conversinhas preparatórias e possivelmente nem chegasse a ter a conversa definitiva... por desnecessária! Ou talvez a razão mais verdadeira de minha... fuga, se bem que um tanto cômica, tenha sido e continue sendo apenas pudor de aparecer aos outros de anáguas, uma vaidade muito feminina de só me mostrar at my best. Depois disso, pelo amor de Deus, não torne a me repetir que o que me afugenta é uma vaidade desprezível, um medo qualquer por passar por discípula. Influências de você terei sofrido, como centenas de outras pessoas que, como você, têm força para influenciar. Basta decidir se eu, como é o caso, futuramente lucrarei com a influência sofrida, assimilando a lição que me deram, sem prosseguir macaqueando. E acho que lucrarei.

Outra coisa que quero esclarecer para que você possa me desculpar é o fato de eu não me confiar mais a você. Esse é um ponto que tem me agoniado bastante nesses últimos tempos e que agora, ante sua carta tão amiga, está me maltratando de uma maneira insuportável. Comecemos pelos meus aborrecimentos lá na escola. Aí é fácil compreender por que eu não os dividi com você. Temia essa explicação detestabilíssima que você vem me dando... Aliás esse pedaço todo de sua carta me deixou tão... deprimida, que prefiro nem tocar nela... me é doloroso ver você se justificando junto de mim. Depois, como você diz e eu mesma acho, (Maria Eugênia deve ter deformado qualquer rasgo de mau humor sem consequências que eu tive), o meu caso não é caso e nem eu nunca o julguei assim. Sempre tive a consciência de que, passado o momento de choque, eu me equilibraria e de fato quando me inscrevi pro doutoramento já estava equilibrada. O mais grave não era portanto esse movimento passageiro de desânimo e sim a luta que se travava dentro de mim entre o meu egoísmo e o egoísmo dos outros, a indecisão sobre qual deveria ser o meu destino. E é isso Mário, que eu não me perdoo não ter posto você ao par. Foi preciso que você me adivinhasse e eu me sinto cheia de remorsos. No entanto, creia, não foi por falta de confiança ou medo de ser incompreendida. E na verdade essa prodigiosa clarividência que você tem sempre demonstrado a meu respeito com certeza já o fez descobrir que dentre os meus parentes mais próximos, pai, mãe, irmãos, é de você que me sinto mais perto. Não exagerarei se disser que mesmo entre a maioria dos amigos da minha idade não sinto o calor de compreensão que me vem silenciosamente de você. Alguns chegam a ter um desejo inconfessado de me destruir e o fazem me ridicularizando amavelmente, me apontando com um primarismo que não pode ser de convicção, as mesmas soluções válidas para a maioria das mulheres da minha idade. Mas se eu sentia que era de você que devia me chegar a palavra de esclarecimento, por que não me aproximei! Chi! Mário, a coisa é bem mais complicada do que parece, mas creio que a razão principal foi por você ser primo de meu pai e grandemente querido. E na verdade me parecia uma certa safadeza de minha parte confiar-lhe as minhas indecisões, os meu propósitos, aceitando o seu auxílio na sabotagem dos valores e noções de conveniência de minha família. Eu acabaria arrastando você a uma situação cacete, os que admiram você fazendo possíveis recriminações: “Então Mário sabia?”, “Então Mário era seu aliado?”, coisas assim que me deixariam bem miserável. E por isso talvez pareci dissimulada, esquiva, insincera mas eu estava acreditando que era mais digno resolver tudo sozinha sem meter você no embrulho.

Pois quando sua carta chegou já tinha decidido “ir viver em São Paulo, sem reservas, me rindo sem reservas”, das dificuldades de toda a espécie... Não quero esconder que andei aí uns tempos “amofinada” mastigando difíceis probleminhas de consciência, de dever filial a cumprir, entendendo demais o egoísmo paterno. Nem que havia tentado me iludir, imaginando uma solução meio romântica, eu solitária num ginásio qualquer do interior, São Carlos, por exemplo. Mas que santo remédio foi eu poder conviver de novo com essa fauna que povoa o interior do Estado... Ter ido até Bebedouro, não me furtado aos contatos humanos, fazendo visitas, dançando no clube, deixando que as meninas que cursavam filosofia no Des Oiseaux me desfiassem a sua série infindável de desajustamentos! Me vi no lugar delas, um ser revoltado, inútil, sem forças de criar fora desse ambiente o seu pequeno mundo. (Mesmo porque acho isso medonhamente falso, não é possível esquecer o outro lado da existência, “tudo aquilo que na vida é porosidade e comunicação”!). Me imaginei vivendo de lembranças ou numa vida tão artificial e tão desumana no meio dos meus livros, que quando percebi que ainda podia me salvar, Mário, puxa! me senti que nem Carlito pisando o telhado firme depois de ter se equilibrado na ponta duma prancha. Devo ir para aí até 10 ou 12 de agosto. Mamãe com papai que não conhecem bem ao certo os meus terríveis planos, não deixam de alimentar esperança a respeito da provável abertura dum colégio universitário em Araraquara. Eu ouço o boato, esfrego as unhas e... ainda como Carlito, digo: most musing.

Quanto às impertinências de vovó e titia, são bem insignificantes e facilmente destruídas pela enorme afeição por elas e meu sense of humour. Me é penoso, isso sim, não poder ser totalmente sincera com as velhinhas, ter que repetir para elas a mesma comédia misteriosa e vaga que às vezes represento pros meus pais. Quantas coisas que a mim me parecem justas, inevitáveis, elas jamais poderão aceitar! Ainda tenho bem nítida na minha memória o resultado duma explicação sincera que tentei ter com mamãe depois de um sério atrito. Mamãe passou três noites em claro e na quarta se apresentou na minha frente, pálida e esbugalhada, foi sentando na minha cama, pôs a mão na cabeça e disse: “Não aguento mais... Não posso dormir, não tenho mais sossego... Acho que devo avisar seu pai... Não sei se você ainda é séria...” É claro que não preciso contar a você como me senti desgraçada na hora, e como chorei a injustiça, odiei o mundo, as coisas, tudo. Foi tão autêntico o espetáculo do meu desespero que mamãe mesma se comoveu, foi lá dentro ver água com açúcar, e voltou dizendo que depois daquilo eu não podia mais gostar dela... Continuei gostando, é claro, mas não caí outra vez na asneira de, por exemplo, lhe explicar a relatividade das leis morais. A gente da geração dela não aceita relativos em coisa alguma, em moral muito menos, as mulheres ou são heroínas ou perdidas. E foi assim que depois do desastroso incidente eu adotei a técnica mais acomodatícia de “por aqui não passou”, nunca falo a verdade inteira. O mundo da gente e o de nossos pais ou avós são dois mundos irreconciliáveis e é preciso viver meio às escuras para não viver eternamente em luta. Será que eu estou parecendo excessivamente cínica? Mas eu quero bem a meus pais, Mário e de outra forma não seria possível eu viver e eles viverem. Remorso mesmo só terei quando não tiver seguido a minha lei moral e a minha noção de dignidade.

Mas me diga se esta carta não está se transformando numa monstruosidade? Foi isso: você veio despertar em mim problemas de consciência... Fica pois para outra vez a minha opinião sobre o seu opúsculo e quanto a Maria Eugênia, conversaremos em São Paulo. Me deu muita alegria saber que ela procurou você duas vezes. Estou acabando um conto e quero ver se ainda o mando daqui. Como sempre acontece, tenho me animado e desanimado, posto de lado e insistido. A ideia não me parece má, mas dei um tratamento difícil ao assunto, talvez um pouco sem interesse, monótono. Enfim conto muito de análise, sem paisagem. Andei lendo um pouco, só contistas e de língua inglesa (americanos inclusive) e já não tenho dúvida de que é nesse ambiente que me sinto melhor. Fiz também uma experiência curiosa relendo K. Mansfield em tradução brasileira. Ah! Mário os outros têm razão, ela me marcou muito.

Até breve e Deus lhe pague por tudo.

Gilda

Foi inevitável: todas as vírgulas ficaram exatamente onde não deviam ficar.
G

TeVê

TV paga


Estado de Minas: 05/04/2014



 (Alfredo Estrella/AFP)

Lollapalooza no ar


Dois dias de muita música, quatro palcos e mais de 40 atrações. Os canais Multishow e Bis transmitem ao vivo o festival Lollapalooza, hoje e amanhã, direto do Autódromo de Interlagos, em São Paulo. No Multishow, a partir das 14h, o assinante vai conferir as atrações dos dois palcos principais. Já no Bis, no mesmo horário, serão transmitidos os palcos Interlagos e Perry. Na web (www.multishow.com.br), o público poderá acompanhar os quatro palcos. Arcade Fire (foto), New Order, Soundgarden, Muse, Phoenix, Lorde e Nine Inch Nails são as principais atrações do festival.

Melissa McCarthy em comédia inédita na TV

Estreia às 22h, no Telecine Premium, Uma ladra sem limites, com Melissa McCarthy e Jason Bateman. Sandy Patterson é um paizão, trabalhador e anda louco por uma promoção para melhorar a situação financeira da família, já que sua mulher está grávida. Quando ele estava prestes a dar um salto profissional, descobre que seu nome está sendo usado indevidamente por alguém em outro estado. Com a polícia de mãos atadas para resolver o seu caso, ele resolve viajar para convencer a pilantra a se entregar. Só que a missão fica ainda mais complicada à medida que outras pessoas, entre eles um caçador de recompensas, também querem a cabeça dela.

Dedicação total aos animais

A partir de hoje, às 22h, a nova série do Animal Planet, Amor selvagem, registra casos impressionantes de pessoas que desenvolveram vínculos emocionais duradouros com animais que nada têm de domésticos. Contadas a partir de imagens de arquivo e com a ajuda dos depoimentos dos protagonistas e de suas famílias, as histórias são relatos de lealdade, provas de que empatia e devoção podem surgir entre as diferentes espécies que povoam anosso planeta. No primeiro dos quatro episódios, uma mulher que dedica sua vida a reabilitar elefantes feridos ou que sofreram maus-tratos.

Maratona da série Grimm

O Universal exibe hoje, a partir das 16h20, uma maratona com os quatro episódios da terceira temporada de Grimm. Serão eles: The good soldier, The wild hunt, Revelation e Mommy dearest (11º a 14º). Grimm conta a história de um detetive de homicídios que tem sua vida transformada ao descobrir que é o único descendente vivo de um centenário grupo de caçadores chamados Grimm. Agora, sua missão é proteger o mundo real de personagens sombrios originários de fábulas infantis.

Crianças de todo o  mundo em desafio


O Discovery Kids estreia hoje, às 19h30, novos episódios de Veloz mente, um programa que desafia a memória e a concentração das crianças, com jogos e histórias animadas especialmente criadas para divertir e estimular as habilidades audiovisuais dos participantes e do público. Nos episódios, a série vai contar com a participação de crianças argentinas, mexicanas, brasileiras e colombianas, selecionadas por meio de testes realizados em seus países. O programa também contará com novas modalidades de alguns de seus jogos mais conhecidos, como A lavadora de ideias e Pensa com os pés, assim como a participação dos pais em alguns desafios.



CARAS & BOCAS » Banca de policial 

Simone Castro

Luana Piovani é escalada para interpretar investigadora em nova série de TV (Alex Carvalho/TV Globo)
Luana Piovani é escalada para interpretar investigadora em nova série de TV


Dupla identidade (Globo) é o nome da série de Glória Perez, com estreia no segundo semestre deste ano. Para o papel principal foi escalada a atriz Luana Piovani, que viverá uma investigadora. Sua tarefa será investigar uma série de assassinatos misteriosos. Para a primeira temporada estão previstos 13 episódios. O elenco ainda não está fechado e o nome de Luana é o primeiro a ser anunciado.O último trabalho da atriz em novelas foi no remake de Guerra dos sexos. Depois, ela participou do quadro “Dança dos famosos”, do Domingão do Faustão (Globo), da série Amor Veríssimo, do canal GNT (TV paga), onde também apresentou o programa Superbonita. Atualmente, ela se dedica aos ensaios da peça infantil Mania de explicação. A temática policial já fez parte do currículo de programas dos quais a atriz participou. Em 2010, ela fez a série Na forma da lei (Globo), em que interpretou a delegada Gabriela Guerreiro.


EX-BBB GANHA PROGRAMA DE CULINÁRIA E NUTRIÇÃO

A mineira Fernanda Keulla, vencedora da edição do ano passado do Big brother Brasil (Globo), ganhou um programa na TV Globo Minas. Ela vai comandar o Pratos & panelas, em que dará dicas de culinária e nutrição. A atração será exibida aos sábados, às 11h30. A estreia está prevista para dia 26.

DUPLA MINEIRA CANTA EM ATRAÇÃO SERTANEJA

Johny Marcos e Maurinho, dupla mineira que agita a música sertaneja, estará no programa Frank Aguiar e amigos, amanhã, às 14h30, na RedeTV!. Além de mostrar seus maiores hits, os cantores também vão relembrar os melhores momentos da carreira e a trajetória até o sucesso.

AQUECIMENTO PARA MAIS UMA TEMPORADA

A esperada estreia da quarta temporada da badalada série Game of thrones, amanhã, às 22h, na HBO (TV paga), ganhou umaquecimento e tanto: uma maratona com as primeiras temporadas. Hoje, os fãs poderão acompanhar, a partir das 15h, a segunda temporada. Amanhã, a partir das 12h, será a vez da terceira. A primeira foi exibida ontem. Baseada na popular série de livros A crônica de gelo e fogo, de George R. R. Martin, a atração épica traz um enredo de traição e nobreza, família e honra, ambição e amor, morte e sobrevivência.

  (SBT/Divulgação  )


CLIMA DE MEDO

Depois do forte terremoto que abalou o Norte do Chile na noite de terça-feira, a correspondente do SBT em Buenos Aires, Patrícia Vasconcellos (foto), foi a Iquique, cidade mais atingida pelo tremor. Ela chegou ao local na tarde de quarta-feira e realizou matéria para o SBT Brasil. Já no fim do trabalho, porém, houve outro terremoto, de magnitude 7.8. Patrícia teve que deixar o hotel junto com todos os demais hóspedes e seguir para um estádio, onde a população ficou até passar o perigo. Mesmo com vários empecilhos, a jornalista conseguiu mandar reportagem ao SBT manhã de ontem e conversou, ao vivo, por telefone, com César Filho. Em relato enviado por e-mail ao Departamento de Jornalismo da emissora, Patrícia descreveu o que sentiu durante o ocorrido: “Escrevo para avisar que está tudo bem, comigo e com o cinegrafista. Ontem não consegui mandar o material do Jornal do SBT porque veio o terceiro tremor”. E desabafou: “Eu, sinceramente, nunca senti tanto medo na minha vida”. Segundo ela, que ficou muito tempo sem telefone, luz e internet, encontrar comida e dormir foi um grande desafio. Ela enfrentou grandes filas nos poucos estabelecimentos abertos e preferiu dormir no lobby do hotel, já que está hospedada no 21º andar. “Se aparece outro alerta, acho que não aguento descer correndo as escadas”, ponderou.

VIVA
Joia rara (Globo) pelo conjunto da obra: trama convincente e boas interpretações, com destaque absoluto para Mel Maia (Pérola) e Carmo Dalla Vecchia (Manfred). Além de figurino, cenários, reconstituição de época e trilha sonora. Tudo no capricho.

VAIA
Enfadonho até dizer que chega o Vem aí – mais para Vaivém – com o lançamento da programação da Globo, exibido anteontem, recheado de esquetes chatas e dispensáveis. Sem falar no look cafona de estrelas, como Patrícia Poeta, Fátima Bernardes e Angélica. 

Peixes atingidos pelo cenário climático‏

Peixes atingidos pelo cenário climático
 
Estudos desenvolvidos no Inpa com tambaquis e matrinxãs mostram que alterações na temperatura e qualidade do ar afetam diretamente metabolismo dos pescados


Junia Oliveira
Estado de Minas: 05/04/2014



Quatrocentos indivíduos foram divididos em tanques com microcosmos diferentes (Fotos: Daniel Jordano/Inpa)
Quatrocentos indivíduos foram divididos em tanques com microcosmos diferentes

Trabalho da pesquisadora Alzira Miranda, do Inpa, mostra que mudanças climáticas alteram desenvolvimento dos tambaquis (Fotos: Daniel Jordano/Inpa)
Trabalho da pesquisadora Alzira Miranda, do Inpa, mostra que mudanças climáticas alteram desenvolvimento dos tambaquis



As mudanças no cenário climático poderão afetar uma das principais fontes de alimentação do brasileiro – o peixe. Estudos feitos no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) com o tambaqui, uma das espécies de maior potencial econômico da região, mostram que o aumento da temperatura retarda o crescimento do animal. Além de alterações na biologia e na adaptação ao ambiente, há reflexos significativos para o homem. A relação do desenvolvimento dos peixes com a mudança do grau de calor também é objeto de avaliação de outro projeto, focado na tolerância térmica deles nas águas doces de regiões tropicais.

Na primeira pesquisa, 400 tambaquis foram divididos em quatro ambientes: as salas do microcosmos, um espaço de 25 metros quadrados. Elas fazem parte da estrutura do Laboratório de Ecofisiologia e Evolução Molecular (Leem) do Inpa e simulam as mudanças do clima previstas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para o ano de 2100. Para isso, as salas foram equipadas com sistema automatizado. Um sensor captava a quantidade de CO2 que, por sua vez, era decodificada por um programa de computador, apto a aumentar ou diminuir os níveis.

Na primeira sala, a de controle, foram reproduzidos a temperatura, o nível de CO2 e a umidade iguais dos atuais – cerca de 30 graus e 380 partes por milhão (ppm) de de dióxido de carbono na atmosfera. As variações seguiram as condições naturais externas aos microcosmos, coletadas em tempo real por sensores especialmente instalados na floresta. A segunda refletiu um cenário brando, com temperatura elevada em 1,5 grau e 600ppm de CO2. Na terceira sala, foi adotado um parâmetro intermediário, com aumento de 2,5 graus e 800ppm. No último ambiente, de nível extremo, foram simulados 4,5 graus e 1.250ppm a mais.

Em cada sala, foram montados seis aquários para avaliar o crescimento e o metabolismo resultante das enzimas ômega 3 e 6, capazes de transformar gorduras saturadas em insaturadas (as mais saudáveis). Engenheira de pesca e doutoranda no Inpa, Alzira Miranda de Oliveira, responsável pelo trabalho, explica que, com o aquecimento global, a temperatura aumenta por causa dos crescentes níveis de dióxido de carbono na atmosfera, elevando o potencial do efeito estufa.

A avaliação, que durou 150 dias, detectou menor crescimento das espécies quando submetidas a temperaturas mais altas, nos níveis intermediário e extremo, principalmente neste último. O resultado surpreendeu. “Quando a temperatura aumenta, sobe também o metabolismo e, como os peixes comem mais, eu esperava que eles crescessem mais. Mas ocorreu o inverso”, diz. “Eles começaram a comer menos, e o crescimento a diminuir. É uma situação tão desfavorável fisiologicamente que faz com que não reproduzam essa elevação do metabolismo no crescimento”, explica.

GORDURA Nessas condições, a mudança climática afeta uma das principais enzimas que elevam a quantidade de ômega 3 no organismo do peixe. Embora haja um pico dessa enzima num primeiro momento, ela cai bruscamente depois. Por isso, pode-se ter peixes com mais gordura saturada. Quando submetidos ao cenário brando, as alterações se acomodam depois dos 30 primeiros dias, revertendo a tendência de não crescimento.

A doutoranda, que defenderá sua tese no início do mês que vem, lembra que o tambaqui é o principal peixe consumido na região amazônica e, embora não esteja esgotado, já foi bastante explorado. Hoje, para pescar peixes maiores, é preciso navegar quilômetros a fio. Por isso, para adequar a oferta à demanda, o tambaqui começou a ser cultivado em cativeiro a partir da década de 1980. Nesse contexto, Alzira quis mostrar quais impactos podem ocorrer no ambiente aquático e o que isso representa para as espécies que são economicamente viáveis, se persistirem os altos níveis de emissão de CO2.

O próximo passo é avaliar os hormônios de crescimento. “Provei que a modificação no ambiente interfere no crescimento, mas e sobre outros fatores? Será que o peixe conseguirá se manter vivo? Ele e outras espécies não sumiriam do ecossistema? O que podemos fazer para reduzir a quantidade de CO2?”, questiona. Embora se trate de uma pesquisa pontual para o Amazonas, prevendo um cenário para daqui a 100 anos, a engenheira ressalta que as emissões atuais permitem a elaboração de modelos com simulação de casos extremos. “Falo de futuras gerações, que nascerão num mundo completamente modificado e com recursos naturais diferentes. Pode causar impacto na economia e na sociedade”, ressalta.


Comparação entre espécies de água doce e zona temperada

Uma parceria do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) com a Universidade de Carleton, em Ottawa (Canadá), vai permitir o estudo dos impactos das mudanças climáticas no universo aquático. O projeto Hot fish vai avaliar se os peixes de água doce de regiões tropicais podem sofrer consequências mais danosas com o aumento das temperaturas globais em relação às espécies típicas das zonas temperadas. Isso porque, nas regiões mais quentes do planeta, os organismos não estão adaptados a diferenças bruscas dos termômetros.

O trabalho se baseia numa teoria de 1967, a “hipótese de Jansen”, segundo a qual haveria uma diferença na tolerância térmica entre organismos de regiões temperadas e tropicais, devido, principalmente, à menor variação na temperatura do ambiente nos trópicos. O estudo tem à frente a pós-doutoranda Dominique Lapointe, da universidade canadense. Especialista em ecofisiologia de peixes, ela esteve em Manaus (AM), sede do Inpa, em fevereiro, para os primeiros experimentos, que serão feitos também em Uganda e no Camboja, países da África e da Ásia, respectivamente.

A pesquisadora acredita que as espécies de regiões tropicais podem não sofrer esta tolerância térmica, uma vez que o ambiente aquático tem poucas variações sazonais de temperatura. Em entrevista ao Inpa, ela explicou que, nas regiões temperadas, os organismos ectotérmicos, entre eles os peixes, cuja temperatura interna é determinada pelo equilíbrio com as condições térmicas do meio externo desenvolveram uma ampla tolerância. Assim, durante o inverno e o verão, há grande variação na temperatura do corpo desses animais, seguindo a diferença dos termômetros nessas estações do ano.

Diante desse cenário, Dominique relatou que as mudanças climáticas podem ser potencialmente prejudiciais à manutenção do equilíbrio dos ambientes de água doce de regiões tropicais, como no Rio Negro, na Amazônia, dono de uma importante diversidade biológica.

Para tirar a prova e descobrir como os peixes vão responder ao aumento da temperatura, a cientista vai usar a técnica de respirometria. Por meio dela, será medido o consumo do oxigênio pelos peixes para determinar as faixas de temperatura específicas à manutenção da atividade metabólica nesses animais. Serão examinados ainda os mecanismos fisiológicos e moleculares envolvidos com o estabelecimento das faixas de tolerância térmica nas espécies.

Para os experimentos no Brasil, foi construído no Laboratório de Ecofisiologia e Evolução Molecular (Leem) do Inpa um sistema com tanques para analisar 60 peixes das espécies matrinxã e tambaqui. Para cada uma delas, foram feitos três tratamentos diferentes com filtros mecânicos, químicos e biológicos. No primeiro, os peixes foram submetidos à temperatura ambiente; no segundo, a uma elevação dessa temperatura em dois graus; e, no terceiro, a quatro graus. Tudo com base no que essas espécies terão de suportar a partir das mudanças climáticas. Em cada um deles serão avaliados parâmetros como sangue, peso, crescimento e taxa metabólica. A canadense também aponta questões de risco à segurança alimentar, uma vez que os peixes estão presentes no cardápio da população, além de representarem importante fonte de renda. 

Eduardo Almeida Reis - Celebridades‏

Celebridades 
 
Sem água do Jordão e padre popstar, os batizados católicos talvez não apaguem o pecado original. Preciso consultar especialistas no assunto 
 
Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 05/04/2014





Pela Copa das Copas, a seleção da Itália ficará hospedada no Portobello Resort & Safári, em Mangaratiba, RJ, Rodovia Rio-Santos, a 100 quilômetros do Rio de Janeiro. Chegassem dois meses antes, os craques italianos teriam oportunidade de assistir à cerimônia de batismo do menino Roque, filho caçulo de Regina Casé, de 60 anos, e de Estevão Ciavatta Pantoia Franco, diretor, produtor, roteirista e fotógrafo, de 48 anos.

Regina tem a Benedita, filha de 24 anos, fruto de sua relação com o artista plástico Luiz Zerbini, com quem foi casada por 14 anos. Além da casa em Portobello, Regina Maria Barreto Casé, atriz, comediante, apresentadora de TV e publicitária predileta da Caixa, do Bolsa Família, do Minha casa, minha vida, tem residência no Rio.

Na pequena capela da casa de Mangaratiba, o batizado de Roque começou pelo padre Omar Raposo, que usou água do Rio Jordão, é o reitor do Cristo Redentor do Corcovado e vem sendo considerado o mais novo padre popstar brasileiro. Sem água do Jordão e padre popstar , os batizados católicos talvez não apaguem o pecado original. Preciso consultar especialistas no assunto.

Fernanda Montenegro e Carolina Dickmann leram trechos do Antigo Testamento. Em seguida, Maria Bethânia, num dos momentos mais emocionantes da celebração perdida pelos craques da Itália, cantou o hino de Nossa Senhora da Purificação.

Ao som de cantigas e orações seguiu o cortejo ecumênico pelos jardins, a família do batizando usando roupas de motivos africanos com os rostos de Regina e Roque estampados, criação do artista plástico Alberto Pitta, que já desembarcou numa SPFW dizendo: “É hora de assumir nossa brasilidade”. Caetano Velloso, irmão da idosa santo-amarense que cantou o hino de Nossa Senhora da Purificação, atesta que Alberto Pitta é dos artistas plásticos mais importantes do Brasil.

Virgínia Casé, irmã de Regina, comandou a confraternização budista. Antes de chamar para o “banho de pipoca” oferecido por Pai Celinho, Arlindo Cruz, interpretou duas músicas: “O que é o amor?” e “Sorriso negro”. Se a completude é qualidade, estado ou propriedade do que é completo, perfeito, acabado, o batizado de Roque foi perfeito exemplo de incompletude pela falta do bispo Romildo Ribeiro Soares, um dos fundadores, com seu cunhado Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, e hoje o dissidente que comanda a Igreja Internacional da Graça de Deus. Sem a bênção de Romildo a oferta de Pai Celinho muito provavelmente perderá os efeitos dos banhos de pipoca.

Narração esportiva

De vez em quando assisto na tevê a um joguinho de futebol, preferencialmente europeu, que o nosso não vai lá das pernas. São raríssimos os bons jogadores brasileiros atuando por aqui. Quando voltam da Europa estão idosos, naquela faixa em que o sujeito é muito melhor mentindo sobre recordes sexuais do que praticando o esporte bretão.

Os jogos são narrados e comentados, às vezes por mais de um comentarista, cavalheiros que nem sempre se expressam em português fácil de entender, caso do ex-craque argentino Juan Pablo Sorín. No canal Esporte Interativo dois cavalheiros, um suposto narrador e um suposto comentarista, passam o jogo inteiro trocando ideias sobre os mais diversos assuntos, menos sobre a partida televisionada ao vivo e em cores.

Já o senhor Neto, que foi craque nos gramados, não é comentarista: é narrador-adjunto. Passa a partida inteira falando sobre o que os jogadores fizeram, deveriam ter feito, pensaram, deveriam ter pensado, enquanto o suposto narrador titular tenta acompanhar as jogadas.

Do que tenho visto por aí, o melhor narrador é o senhor Milton Leite. Os canais ESPN e SporTV têm alguns bons comentaristas, não todos, que a atividade é difícil e esbarra na opinião do telespectador, nem sempre coincidente com o comentário do profissional televisivo.

O mundo é uma bola

5 de abril de 1722: o explorador holandês Jakob Roggeveen descobre a Ilha de Páscoa, em espanhol Isla de Pascua, em rapanui Rapa Nui (Ilha Grande) e Mata Ki Te Rangi (Olhos Fixos no Céu), uma ilha da Polinésia Oriental a 3.700 quilômetros da costa oeste do Chile. Constitui a província chilena de Isla de Pascua. Há 12 anos tinha 3.791 habitantes, 3.304 deles vivendo na capital Hanga Noa. Ilha interessantíssima pelas imensas estátuas de pedra e por tudo que se conta de lá.

Em 1764, substituindo a Lei do Melaço, o parlamento inglês aprova a Lei do Açúcar, criando novos impostos sobre o açúcar norte-americano. Em 1871, criação da cidade de Mococa, SP, onde estive uma porção de vezes. Era a terra dos saudosos Humberto Benedetti, que começou a vida como açougueiro, e de seu filho, Francisco Benedetti, catedrático de tisiologia das melhores escolas de medicina do Rio.

Em 1588 nasceu o filósofo inglês Thomas Hobbes, morto em 1679. Em 1908 nasceu o regente austríaco Herbert von Karajan, que faleceu em 1990 e continuo sem saber se é von ou van que tem inicial maiúscula. Hoje é o Dia do Propagandista Farmacêutico.

Ruminanças

“A religião é a doença vergonhosa da humanidade. A política é o seu câncer” (Montherland, 1896-1973).