sábado, 17 de maio de 2014

Neojiba, categoria de Copa do Mundo - JC Teixeira Gomes

A Tarde/BA - 17/05/2014

JC Teixeira Gomes
Jornalista, membro da
Academia de Letras da Bahia
jcteixeiragomes@hotmail.com



Rendo-me com euforia à admirável categoria da nossa orquestra de jovens e conclamo os organizadores do Mundial que a incluam na programação

Não vou causar constrangimento aos melômanos, afirmando que a Bahia não tem tradição no cultivo da música clássica. É uma verdade inquestionável, mas lembremos que houve duas exceções: a fase áurea da Sociedade de Cultura Artística da Bahia (Scab), com o memorável patrocínio de Alexandrina Ramalho, e o rico mecenato de Edgard Santos à frente da Universidade Federal da Bahia.

Um dos mais relevantes momentos da Ufba dos anos 50 foi a criação dos Seminários Livres de Música, que ajudaram a universidade a aglutinar numerosas orquestras. Já o trabalho de Alexandrina Ramalho era um milagre: numa época em que Salvador não dispunha sequer de hotéis, ela trouxe para nossa capital os maiores músicos clássicos dos anos 40 e 50. É pena que esses dois mágicos momentos estejam hoje esquecidos, pois a Bahia não possui instrumentos de preservação do seu passado cultural, numa omissão que lança no mesmo vácuo governantes e imprensa.

Não sei se surpreenderei os leitores, ao dizer que agora Salvador atravessa uma fase elogiável no campo da música clássica e na execução de concertos, com o desempenho de duas orquestras que preenchem com grande dignidade musical os seus espaços: refiro-me à Orquestra Sinfônica da Bahia, sob a batuta do maestro Carlos Prazeres, e sobretudo a Orquestra Juvenil da Bahia, sob a regência do pianista Ricardo Castro, nascido em Vitória da Conquista. Sobre a primeira já me detive em artigo anterior. Quero hoje, pois, estender-me um pouco mais sobre o trabalho que Ricardo Castro vem desenvolvendo à frente do programa Neojiba, sigla que abriga os Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia.

Destaquemos, em primeiro lugar, que Ricardo Castro conseguiu extrair pepitas de ouro, onde antes parecia haver apenas um sáfaro deserto de vocações musicais (no campo, naturalmente, da música clássica na Bahia). Essas “pepitas” são os jovens que, em tão pouco tempo, ele formou e congregou em torno da Orquestra Juvenil da Bahia, fundada em 2007 e hoje uma realidade incomparável no panorama musical brasileiro.

Confesso que tendo acompanhado com intermitência esse trabalho desde o seu surgimento, pois morava no Rio de Janeiro, rendo-me hoje com euforia à admirável categoria da nossa orquestra de jovens. Estou convencido de que esse sentimento é partilhado pelo crescente público que comparece ao TCA para ouvir as apresentações do Neojiba, que começa a deitar fama no mundo com as execuções já realizadas, através do trabalho pertinaz de Ricardo Castro, em grandes salas de concerto na Europa e nos Estados Unidos. Desejo, com este artigo, cravar uma marca na atenção dos atuais e futuros governantes da Bahia, para que o legado já construído não seja prejudicado com as interrupções habituais em nossa terra, onde a cultura costuma sofrer imperdoáveis mutilações, sob o eterno e falso argumento da escassez das verbas que nunca faltam para coisas menores. O Neojiba precisa urgentemente pousar numa sede própria para crescer ainda mais.

Ricardo Castro, que poderia prosseguir apenas na sua carreira de aplaudido pianista e mestre em Lausanne, deu ênfase ao projeto Neojiba com uma determinação de verdadeiro paladino da cultura musical. Numa terra que se vinha destacando apenas pelos altos decibéis carnavalescos dos seus percussionistas, Ricardo descobriu talentos antes inimagináveis em plagas baianas, congregando na Orquestra Juvenil harmoniosos naipes de jovens virtuoses, que arrebatam o público com interpretações primorosas dos clássicos mundiais e arranjos do nosso cancioneiro. Convoco os leitores aos próximos concertos para que o comprovem.

Se o Brasil quer exibir a diversidade da sua vida cultural durante a próxima Copa, como país que não tem apenas carnaval para oferecer aos visitantes, conclamo os organizadores da programação do Mundial que incluam a orquestra Neojiba da Bahia como maravilhoso exemplo da integração racial brasileira, enriquecido pelo legado de variados extratos sociais, e da excelência da vocação musical da sua juventude.

Uma paixão difícil - José Castello

O Globo 17/05/2014

O FUTEBOL DEVASSA E ENGRANDECE O HUMANO PORQUE REPRODUZ UM ESPELHO DE SUAS LIMITAÇÕES

É densa e cheia de conflitos a relação
do brasileiro com o futebol.
Quando vencemos, a glória.
Quando perdemos, a vergonha.
Não existe meio termo e essa é a
crueldade. Agora que a Copa do
Mundo se aproxima, a ambivalência se evidencia,
mais uma vez, nos preparativos da festa. Paixão,
mas também ódio. Adesão, mas também repulsa.
Apesar disso, ou por isso, o futebol, esse
mito que nunca se completa, está, mais do que
nunca, arraigado ao espírito do brasileiro. Dessa
paixão difícil, quinze escritores arrancam agora
quinze relatos breves. Eles estão reunidos em
“Entre as quatro linhas — Contos sobre futebol”,
volume organizado para a editora DSOP por
Luiz Ruffato.

O futebol devassa e engrandece o humano
porque reproduz — na moldura implacável das
quatro linhas — um espelho de suas limitações.
Mas também de seus sonhos de vitória. É o que
acontece com Robertson, o craque decadente
de “Uma questão moral”, conto de Cristovão
Tezza narrado na perspectiva do juiz João Batista.
Atuando em um time da divisão inferior, ele
estanca na grande área adversária à espera da
sorte. No último minuto, consegue (quase sem
saber como) fazer um gol salvador. Robertson é
apenas um dos elementos da mente do juiz que,
enquanto apita o jogo, divide seus pensamentos
entre o que se passa em campo e os impasses de
sua vida afetiva.

O futebol invade o que temos de mais íntimo.
Transpõe os limites dos esportes para se instalar
em nosso mundo interior. Na mente do juiz, futebol
e vida amorosa se mesclam como que feitos
da mesma matéria. O brasileiro — e não só
ele — pratica o futebol com um espírito passional.
Ao ler o livro organizado por Ruffato, recordo
minhas experiências de jovem torcedor apaixonado,
carregando uma imensa bandeira tricolor,
perdido nas arquibancadas do Maracanã.
Perdido, mas irmanado — igualado — pela fúria
da torcida. Ali o lúdico e o pessoal se misturaram
de modo inseparável. Ali aprendi, ultrapassando
minhas próprias fronteiras, a me entregar ao rol
atordoante das paixões.

Durante longos anos, salvo honrosas exceções, a
literatura brasileira não soube dar conta do futebol.
Fugiu dele. “‘Entre as quatro linhas’ é a prova de que
o cenário de rejeição ao futebol como tema, principal
ou secundário de boas histórias
de ficção está mudando”, diz
Ruffato em sua introdução. E por
que essa rejeição? Talvez a palavra
mais correta seja medo. É
muito difícil dar conta de um esporte
que, ao se transformar em
mito, revolve os fundamentos do
indivíduo. Quando se trata do futebol,
não é só dele que se trata,
mas da difícil exaltação que ele
arrasta consigo.

Um exemplo aparece em “O
dono da bola”, conto de Eliane Brum, relato no qual
o amor pelo futebol se transforma em matéria de
manipulação e de morte. Sob a desculpa de organizar
uma partida na selva, um homem deseja, na verdade,
derrubar um imenso castanhal. Raimundo, o
protagonista, “se lembra de uma vez ter perguntado
ao pai se verde era a cor do mundo inteiro”. O pai foi
duro: “É melhor que a gente não conheça”. A descoberta
do futebol o conduz, porém, por caminhos
inesperados. Guardada em um velho baú, uma bola
se torna um veículo de paixão, mas também de estrago.
Raimunda, sua mulher, tem um vínculo ambíguo
com certo Regatão, Raimundo também. “Ela
gostava e não gostava do Regatão. Tinha medo dos
olhos que o Raimundo de fora
deitava nela e ao mesmo tempo
um alvoroço que era quase bom”.
Regatão é o mundo externo, desprovido
do verde, que é substituído
pelo sangue. É Regatão quem
traz para a mata certo Valdir, por
quem Raimunda se apaixona. A
própria mulher se torna instrumento
da invasão. Valdir promete
o futebol — mas em seu lugar traz
o aniquilamento.

O futebol é um esporte que
não aceita a indiferença — como se expressa em
“Reverso do jogo”, conto de Carola Saavedra. É um
jogo que confere identidade: “Por um instante, em
cada rosto, surgia o nosso próprio rosto”. A surpresa
dos desconhecidos que se encaram e se reconhecem
é só um dos efeitos que o futebol consegue
produzir. Uma festa que não aconteceu se passa
um tanto à margem do narrador distraído,
mas ainda assim envolvido. Só o futebol é capaz
de produzir essa sensação de compartilhamento.
“A realidade é sempre algo irreal. A realidade
é sempre algo desconhecido”. O reverso do jogo é
a dor que ele pode produzir. Dor de uma contínua
espera: “De nada adiantava esperar, que era
isso, que seria sempre assim, aquela expectativa,
aquele instante repetindo-se indefinidamente”.

Sentimentos árduos que observamos em “Magarefe”,
conto de Ronaldo Correa de Brito, que
conta a história de um time de futebol composto
por açougueiros. De um lado, os jogadores “barulhentos
pela calçada, (...), sem camisa e sem
banho, o suor escorrendo do peito, costas e axilas,
os açougueiros exalavam um odor forte como
o do amoníaco, (...), homens brutos, magarefes
acostumados ao manuseio de carnes”. De outro,
os rebanhos bovinos subindo tristes, mas resignados,
para o matadouro. “Urubus espreitavam
aparas de couro e vísceras jogadas nos arredores”.
Aqui o futebol expõe seu lado bruto e algo
sanguinolento, expõe-se como uma paixão radical.
Ao trocar o ofício de açougueiro pelo de jogador,
o personagem descobre, enfim, algo que os
iguala. Um grande vazio os sustenta. “Se perguntassem
o que fantasiava ao fechar os olhos, responderia:
nada”.

É o que se vê em “O filho negro de deus”, conto
de Rogério Pereira. Relato de um pai que acompanha
o filho pequeno em uma visita a um velho
ídolo esportivo. A lembrança remota não combina
com a história do jogador. “Quando o vi, imaginei
que não daria muito certo. Era apenas um
esboço de jogador”. Agora que visita o velho W.,
entende como o futebol é capaz de tirar vantagem
da imperfeição. O reencontro traz o passado
de volta. “O mesmo corpo magricelo, agora encurvado,
incômodo na cadeira de rodas”. O pai
obriga o filho a sorrir. “O menino tem pouco
mais de 5 anos e parece assustado. W. não se mexe”.
Ele tem seu primeiro contato, precoce e dolorido,
com a fragilidade da paixão. Que, nem por
isso, menos paixão é.

João Paulo - A vez da igualdade‏

 Estado de Minas: 17/05/2014

Thomas Piketty: o capital no século 21 vai ficar cada vez mais concentrado (Charles Platiau/Reuters)

Thomas Piketty: o capital no século 21 vai ficar cada vez mais concentrado (Charles Platiau/Reuters) Thomas Piketty: o capital no século 21 vai ficar cada vez mais concentrado

Há muitas formas de classificar as atitudes políticas. A mais conhecida delas é a que divide o universo de ações e ideias entre direita e esquerda. Mesmo estando em baixa, o par clássico ajuda a compreender posturas divergentes em matéria de leitura e atitude frente ao mundo. Uma boa maneira de tornar a distinção mais compreensível é associar a ela outras noções mais operacionais. Assim, a esquerda passou a ser associada à igualdade e a direita à liberdade. Como tanto liberdade quanto igualdade são necessárias para que a humanidade se realize, o debate se deslocou para o campo da urgência: quem deveria vir em primeiro lugar?

Para os partidários da liberdade, há algo de virtuoso em garantir seu domínio, seja nos negócios econômicos ou políticos, que se espalharia para todos os campos da vida social. Em outras palavras, dadas as condições de liberdade, tanto o mundo material quanto simbólico só teriam a ganhar. O melhor do homem é sempre resultado do mais livre dos cenários. A tradução mais conhecida desse teorema social é o liberalismo econômico, que dá ao mercado, com sua força interna de competição conspícua, a potência de se desenvolver quanto maior for a disputa entre as pessoas.

Para os seguidores do igualitarismo, é preciso colocar os valores à frente da ambição, a ética na proa das atitudes que envolvem os homens. Quem acredita que as pessoas nasceram para ser iguais, defende que sejam dadas a todos as mesmas condições básicas. Não se trata de frear a diferença, mas de garantir e equidade de condições de partida. Podemos ser mais inteligentes, capazes, fortes e competentes, mas nunca seremos mais gente que os outros homens e mulheres. Se entre os liberais o território mais exemplar é a economia, entre os igualitários é a política.

Essas observações talvez ajudem a clarear um pouco o panorama no qual estamos metidos até o pescoço e, por isso, nem sempre percebido com muita clareza. É preciso dar ao liberalismo o que é dele, e resgatar dos partidários da igualdade a disposição para lutar por suas ideias. A falência do Estado de bem-estar social na Europa (não chegamos a experimentá-lo no Brasil) é uma prova de que o mercado não tem sensibilidade social a não ser de forma limitada (para poucos, o que explica a xenofobia) e em momentos de crescimento (que permite o vazamento da riqueza para políticas compensatórias fora do mercado).

Como vivemos uma crise internacional, a tendência é exatamente regressiva, de retirar ganhos sociais e cortar benefícios. O que parece que não funciona mais é o receituário que empurrava para o futuro a divisão da riqueza, seja na forma de distribuição de renda, seja na de serviços de qualidade, ou ainda na política protecionista do trabalho e da previdência. Sem o horizonte do Estado de bem-estar social, o que nos sobra é retomar as lutas pela expansão de direitos.

Essa situação mostra que, depois do ciclo do liberalismo, é chegado o momento universal da busca da igualdade social. Dois livros lançados recentemente comprovam essa urgência. Em O capital no século 21, o francês Thomas Piketty alerta para a necessidade de desconcentrar a renda. A partir da análise dos impostos pagos pelo cidadão, ele provou que a renda, ao contrário do que sempre defenderam os liberais, está em franca concentração, depois de uma fase áurea que não mais se repetirá. Os ricos estão cada vez mais ricos e a sociedade cada vez pior. Para quase todos. A saída é a distribuição de renda e a taxação da herança, associada a políticas de fundo social. Os ricos estão quebrando o mundo, trocando a produção pela financeirização. Não se trata de ameaças, mas de números, preto no branco.

Em outra seara, aparentemente distante da economia, o neurocientista americano Carol Hart, no excelente Um preço muito alto, revoluciona a visão tradicional sobre as drogas e suas políticas de combate. Ele mostra, com dados sociais e experimentos científicos (sem falar da própria experiência de vida), como a droga é uma questão de pobreza e de falta de oportunidades. O grande problema do mundo não é o tráfico de drogas, mas a miséria, a discriminação e o preconceito. Professor da Universidade de Columbia, o neurocientista cobra políticas públicas, e não a repressão. Para os que criticam as ações afirmativas, ele se apresenta como exemplo: sem as cotas, Hart seria mais uma vítima das drogas, como muitos de seus amigos. Com as oportunidades que lhe foram dadas, se tornou um cidadão.

O debate entre igualdade e liberdade, na verdade, deveria ser equilibrado pela terceira das bandeiras dos revolucionários do século 18: a fraternidade. Podemos ser livres em alguns momentos, e até mais iguais em outros. Mas só seremos gente de verdade no horizonte da fraternidade.

Orelha

Orelha
Estado de Minas: 17/05/2014
O pensador húngaro István Mészáros defende uma Nova Internacional sustentável (Túlio Santos/EM/D.A Press)
O pensador húngaro István Mészáros defende uma Nova Internacional sustentável


Sempre à esquerda
A Editora Boitempo está lançando o número 22 da revista Margem esquerda – Ensaios marxistas . O dossiê da nova edição é dedicado aos 50 anos do golpe militar, com artigos de Milton Temer, Antonio Carlos Mazzeo, Beto Almeida e Angélica Lovato. O número traz ainda ensaio do filósofo húngaro István Mészáros sobre a necessidade de uma Nova Internacional em que a ordem reprodutiva da sociedade e da economia seja de fato sustentável. Michael Löwy publica artigo sobre a arte revolucionária do casal Diego Rivera e Frida Kahlo, classificadas por Löwy como “autenticamente subversiva”. A revista traz ainda homenagem ao cineasta Eduardo Coutinho e entrevista com o historiador e cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira, que revela momentos de sua trajetória intelectual e política.


Feira

Com a presença de nomes conhecidos da literatura, do cinema, da música e do teatro, começou ontem a 14ª Feira do Livro de Ribeirão Preto. Os homenageados dessa edição do evento são os escritores Mário Quintana e Darci Ribeiro. Estarão em pauta debates sobre a condição da criança, da mulher, do idoso, do índio, do negro e dos homossexuais. Informações: www.feiradolivroribeirao.com.br.


Fantasia


Para quem tem um livro de fantasia pronto na gaveta, a hora é agora. A Casa da Palavra está com concurso aberto para escolher um novo autor para o selo Fantasy, voltado para a literatura fantástica. O ganhador do concurso, além de ter sua história publicada, será lançado na Bienal de São Paulo deste ano, que acontecerá de 22 a 31
de agosto. As inscrições terminam segunda-feira. Informações e regulamento: http://ww.fantasycasadapalara.
com.br/regulamento/index.html.


Bíblias
A Sociedade Bíblica do Brasil está com dois novos lançamentos de edições especiais da Bíblia sagrada. Na Bíblia do semeador, são destacados, ao lado do texto original, a passagens que fazem referência ao tema, como a parábola do semeador, entre outras. Já em Entre meninas e Deus, a mensagem bíblica é trabalhada para o público jovem, com introduções para cada parte do texto histórico.


Sátira

A Editora Unesp lança, no mês que vem, o livro Os ferrões, que reproduz todas as 10 edições, publicadas em 1875, de Os Ferrões, jornal quinzenal situado entre os precursores no Brasil da chamada “imprensa satírica”, que havia se desenvolvido anteriormente na França e em Portugal. Os editores do periódico, José do Patrocínio, que se tornaria o expoente dos abolicionistas, e Dermeval Fonseca, cravavam suas “ferroadas” nas personalidades da época de forma indiscriminada, atingindo escritores como Machado de Assis e a família real, como o próprio D. Pedro II.


Paraná

   (TV Brasil/Divulgação)

A Biblioteca Pública do Paraná acaba de editar quatro novos títulos: Fábulas, poemas de Adriane Garcia; Ensaio sobre o entendimento humano, contos de Caetano W. Galindo; e Um escritor na biblioteca – 2001, com depoimentos de Cristovão Tezza (foto), Ana Paula Maia e Antonio, entre outros escritores paranaenses; e o romance Meu primeiro morto, de Jaci Palma.


Quintana

Dando sequência ao lançamento das obras completas do poeta Mário Quintana, a Editora Alfaguara acaba de lançar Porta giratória. Trata-se de uma seleção de crônicas, anedotas, vinhetas, máximas e aforismos, lançada originalmente em 1988, a partir de textos publicados no jornal Correio do Povo.


Lançamentos
Médico psiquiatra e psicanalista ligado à Escola Brasileira de Psicanálise, Musso Greco faz sua estreia na ficção e lança o livro Orates (Contos clínicos), com o qual venceu o Prêmio de Literatura da Universidade de Fortaleza, em 2013. Lançamento hoje, a partir das 11h, na Livraria Scriptum, Rua Fernandes Tourinho, 99, na Savassi.

***

Hoje, a partir das 9h, a jornalista e escritora Clara Arreguy, lança na Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa (Praça da Liberdade) seu mais recente trabalho, a coletânea de crônicas Catraca Inoperante. Além da versão impressa, Clara produziu versão em CD, com acessibilidade para cegos, deficientes visuais e idosos.

TeVê

TV PAGA » Adrenalina pura



Estado de Minas: 17/05/2014
 (Grindstone Entertainment Group/Divulgação )


Muita ação hoje na programação de cinema. Se a opção for a HBO, às 22h estreia JFK, a história não contada, que cruza diferentes perspectivas de cidadãos comuns que testemunharam o atentado contra o presidente John Kennedy em Dallas, em 22 de Novembro de 1963, além de mostrar os esforços da equipe médica que tentou salvar sua vida. No mesmo horário, o Telecine Premium exibe o inédito Sangue no gelo (foto), com John Cusack no papel de um assassino perseguido por Nicolas Cage no frio do Alaska.

Muitas alternativas
na programação


O Megapix sempre prepara uma sessão especial para o sábado, hoje com filmes protagonizados por princesas: Para sempre Cinderela (16h05), A pequena sereia (18h25), Enrolados (20h05) e O diário da princesa (22h). Na concorrida faixa das 22h, o assinante tem mais oito boas opções: De pernas pro ar, no Canal Brasil; Meu nome é Dindi, no Sony Spin; O homem do ano, na Warner; O exterminador do futuro: a salvação, no Universal Channel; Miami Vice, na MGM; Desventuras em série, no Comedy Central; O grande Lebowski, no TCM; e Apenas Deus perdoa, no Max. Outros destaques da programação: Era uma vez…, às 21h, no AXN; O discurso do rei, também às 21h, no Cinemax; e Tico-tico no fubá, às 23h, na Cultura.

Quem foi o melhor,
Pelé ou Maradona?


O canal History estreia hoje, às 22h, a série Gladiadores do futebol, que a cada semana vai promover o confronto entre dois grandes nomes do esporte, começando com o duelo entre Pelé e Maradona. No Canal Brasil, o futebol entra em campo com os documentários João Saldanha, às 19h, e Mané Garrrincha, às 20h35.

Canal Sony aposta
em série brasileira

No canal Sony, estreia hoje, às 19h30, a série (Des)encontros, com um curta e mais quatro episódios que narram as aventuras de quem busca sua alma gêmea. O primeiro programa conta com o ex-casal Paulo Vilhena e Thaila Ayala.

Veterinário faz de
tudo pelos animais

Outra atração entre os documentários é a estreia de Veterinário biônico, às 22h, no Animal Planet. A produção acompanha o trabalho do médico Noel Fitzpatrick, diretor de uma clínica na Inglaterra que conta com equipamentos modernos e realiza procedimentos de reconstrução de membros nos quais são empregadas próteses de última geração.

Pacote musical vai
do rap ao pop rock


Na parte musical, o grupo Sintonia Lado Sul é a atração do Manos e minas, às 17h, na Cultura. No mesmo canal, às 18h, o cantor e compositor Fernando Temporão participa do Cultura livre. No Arte 1, às 19h30, será apresentado o documentário Antonio Meneses – A câmera e o violoncelo. No Film&Arts, às 21h, vai ao ar o show If on a winter’s night..., que Sting fez na catedral de Durham, na Inglaterra. E no Multishow, mais duas atrações: Marisa Monte – Verdade, uma ilusão, às 21h45; e The Killers ao vivo, diretamente do Hang Out Festival, nos Estados Unidos, às 23h. Por fim, o Canal Brasil homenageia Jair Rodrigues com uma edição especial de O som do vinil às 23h40.



CARAS & BOCAS » Realidade aumentada

Simone Castro

Maria Joaquina (Larissa Manoela) usa óculos especiais no episódio de hoje da série Patrulha salvadora   (Lourival Ribeiro/SBT)
Maria Joaquina (Larissa Manoela) usa óculos especiais no episódio de hoje da série Patrulha salvadora


Uma novidade tecnológica entra em cena no episódio de hoje da série Patrulha salvadora, que vai ao ar às 20h30, no SBT/Alterosa. A personagem Maria Joaquina, de Larissa Manoela, usará o Google glass, óculos de realidade aumentada do Google. As imagens capturadas através dos óculos mostram a cena com a visão da personagem. Elas já estão disponíveis exclusivamente no site do SBT, na página da Patrulha salvadora (http://www.sbt.com.br/patrulhasalvadora) e nos canais da emissora nas redes sociais.

“Todas as cenas de uma novela ou série são captadas sob a ótica do diretor, que conta a história através de marcações de atores, posicionamento de câmeras e cortes. Desta vez, o telespectador vai assistir a uma cena sob a ótica de uma atriz que participa dela. É um plano sequência sem cortes com a câmera posicionada na altura dos olhos da Maria Joaquina. É como se ela fosse a diretora naquele momento”, explica o diretor-geral da série, Ricardo Mantoanelli. Para Phillipe Carrasco, responsável de Conteúdo Multiplataforma da emissora, “a preocupação do SBT com as novas tecnologias digitais não é apenas entendê-las, mas utilizá-las para trazer uma nova experiência ao espectador. Tecnologia com criatividade faz um mundo melhor e, com certeza, uma TV melhor”. O Google glass será usado apenas nesta semana, em uma das cenas do episódio, por se tratar de uma ação promocional de Patrulha salvadora, série que sempre traz conteúdos ligados ao universo tecnológico.

RISCO DE PERDER O BEBÊ
DEIXA JULIANA ASSUSTADA

Nos próximos capítulos de Em família (Globo), Juliana (Vanessa Gerbelli) entrará em desespero. Feliz da vida com a nova família, ela correrá risco de perder o bebê que espera de Jairo (Marcello Melo Jr.), ao perceber um sangramento. Ela sabe bem o que isso significa, já que passou por essa situação em três gestações que não foram adiante quando ainda era casada com Nando (Leonardo Medeiros).

LÔ BORGES MOSTRA FAIXAS
DE SEU DISCO MAIS RECENTE

No Alto-falante de hoje, às 17h, na Rede Minas, o cantor e compositor Lô Borges é o convidado de Terence Machado no estúdio Ultra. Um dos nomes mais importantes da música brasileira, Lô, que foi um dos fundadores do Clube da Esquina, fala de seu mais recente álbum, Horizonte vertical, do qual mostra, em primeira mão, algumas faixas. Vale conferir.

EX-UNIVERSITÁRIA, GEISY
FAZ FEIO NO MEGA SENHA


No programa Mega senha deste sábado, às 23h, na RedeTV!, os convidados são a ex-universitária Geisy Arruda e os sertanejos Jads & Jadson. No palco, eles testam seus conhecimentos em um jogo de raciocínio rápido. Quem acertar o maior número de senhas deixa o participante do game show mais próximo de conquistar o prêmio máximo, de R$ 1 milhão. Em uma de suas participações, Geisy, que ficou conhecida há alguns anos depois da polêmica de um vestido curto que usou em uma faculdade de São Paulo, ficou devendo: não sabia o que era cágado. Ela confundiu com a palavra sem acento, disparou a dar dicas nojentas para o participante que teria que auxiliar e levou um baita pito do apresentador Marcelo de Carvalho. “Esse é um programa de família!”, disparou.

NA MIRA DA MULHERADA


       (Rodrigo Belentani/SBT)


No quadro “Elas querem saber”, do Programa Raul Gil deste sábado, às 14h15, no SBT/Alterosa, Thammy Miranda, Val Marchiori, Dani Bolina e Penélope Nova põem na berlinda os sertanejos Rionegro & Solimões. A dupla fala sobre a vida pessoal e profissional. Solimões não poupou detalhes de sua atuação no campo amoroso e divertiu a todos. Ao final do quadro, os cantores soltaram a voz nas músicas O cowboy vai te pegar, O que você não faz e Na sola da bota. Ainda na atração, Raul Gil faz homenagem para a cantora Lauriete. Vários artistas e amigos revelaram histórias emocionantes sobre a trajetória da cantora gospel. Entre eles, Jotta A e Thalles. Lauriete cantou No limite.


viva


Segunda dama (Globo). Heloísa Périssé manda muito bem em dose dupla.


vaia

Pouca renovação do elenco nas novelas e minisséries da Globo. Mudança já!

Vento traz, vento leva [Mary Poppins] - João Paulo

Vento traz, vento leva
 
Clássico da literatura infantil, Mary Poppins mostra o que o filme não alcança em nova tradução integral de Joca Reiners Terron e ilustrações do estilista mineiro Ronaldo Fraga

João Paulo
Estado de Minas: 17/05/2014

Ilustração do estilista Ronaldo Fraga feita especialmente para a nova edição de Mary Poppins     (Ronaldo Fraga/Reprodução)
Ilustração do estilista Ronaldo Fraga feita especialmente para a nova edição de Mary Poppins


Mary Poppins, da jornalista australiana P.L. Travers, foi publicado há 80 anos, em 1934, e há 50 chegou às telas em filme produzido pela Disney, com Julie Andrews no papel da babá. Este ano, o filme Walt nos bastidores de Mary Poppins, com Tom Hanks e Emma Thompson, mostrou que a relação entre Travers e Disney foi mais tensa do que fazia supor a versão adocicada do romance para o cinema. Para completar o ano Poppins, a Cosac Naify está lançando uma nova edição do livro, com tradução do texto integral feita pelo romancista Joca Reiners Terron, e ilustrações do estilista Ronaldo Fraga.

Mais que a história de uma idiossincrática babá inglesa que chega à casa de uma família burguesa sem muito tempo para os filhos, com um humor insular típico e doses de nonsense, Mary Poppins é uma espécie de mito. A personagem, depois do romance de estreia, ganhou sequência em livro no ano seguinte, com A volta de Mary Poppins, e completou a série com seis romances, sendo o último deles Mary Poppins e a casa do lado, de 1989.

A franquia, além da superprodução da Disney, ganharia ainda adaptações para a Broadway. Reza a lenda que a autora pretendia escrever um derradeiro romance sobre a personagem, Mary Poppins goodbye, em que a babá partiria desta para melhor, sendo convencida do contrário por pequenos admiradores que pediram que deixasse Mary Poppins viva em suas imaginações. Travers, mesmo sem ser sentimental, preferiu atender o desejo dos leitores.

Quem não leu o livro e tomou contato com Mary Poppins pelo filme vai reconhecer alguns traços exteriores da personagem: a discrição, o jeito meio surrealista, a capacidade de operar pequenos milagres no cotidiano, a empatia paradoxal com as crianças, o gosto por aventuras, as roupas exóticas. Romance de formação, Mary Poppins é a narrativa da apresentação de outro modo de ver o mundo, distante do prosaísmo e das convenções.

Quando tudo parece convencional demais, Mary Poppins instila o grão do fantástico; no momento em que se espera dela a seriedade, ela derrama seu humor singular; se tudo que a família Banks quer é a paz burguesa, ela apresenta o desejo de romper com os bons costumes em nome da felicidade. A babá chega com o vento Leste e vai embora com vento Oeste. Entre os dois momentos, tudo muda na vida das crianças Banks.

Como explica Sandra Guardini T. Vasconcelos no posfácio, o romance de certa forma dá continuidade e relê a tradição das novelas inglesas de formação, que têm como personagens centrais professoras, preceptoras e educadoras. Vivendo num momento de passagem da sociedade inglesa, as governantas e babás ocupavam o limbo entre a ala social da casa e o quarto de empregada. Solução de trabalho para as mulheres pobres, elas transitavam entre dois mundos, “participando de ambos e não pertencendo de modo exclusivo a nenhum”.
O comportamento de Mary Poppins, de certa maneira, reproduz essa ambiguidade. Ela não é mãe, mas manda como se fosse; é criada da casa, mas as crianças devem a ela obediências sem questionamentos; deveria ser submissa aos patrões, mas consegue dobrá-los com as armas de sua própria condição social (ela os convence, por exemplo, que é mais distinto aceitar uma governanta sem referências). Mesmo ditando regras de bom comportamento, Mary sempre exibe modos pouco ortodoxos. Recurso típico do humor inglês, ela sugere mais do que diz e aparenta ser menos do que é na verdade.

Para quem pensa que Mary Poppins é o exemplo de certo racionalismo, ainda que atravessado pelo humor e pela fantasia, a leitura do romance vai permitir observar outra faceta. A autora gostava de mitos e misticismo, tendo se aprofundado em pesquisas e escrito bastante sobre o tema. Em seu romance mais conhecido, Pamela Travers não perde oportunidade de apresentar certos temas e símbolos que denotam seu gosto pelo assunto. De danças rituais a teorias teosóficas, passando por arquétipos e outras manifestações ocultistas, está tudo lá em Mary Poppins.

Capricho editorial

A nova edição tem muitos atrativos. A começar pela tradução de Joça Reiners Terron, que capta o clima tradicional da linguagem dos personagens, acha soluções elegantes para o humor discreto e reconstrói uma dicção distante no tempo e cheia de convenções sociais, sem perder a comunicação com o leitor, mesmo o mais jovem. O posfácio de Sandra Guardini T. Vasconcelos contextualiza bem a obra, inserindo-a numa tradição da qual fazem parte romances de aventuras e narrativas realistas.

As ilustrações de Ronaldo Fraga são outro belo achado. O estilista, que sempre soube ler a tradição cultural com forte inteligência visual, seja de personagens da música ou da poesia, destaca desta vez o estilo fashion de Mary Poppins. Sempre a trocar de roupa, mesmo sendo portadora de uma canastra tão pequena, com roupas e adereços ela desenha sua personalidade criativa e heterodoxa. Fraga fez seus desenhos finais a partir de bordados que Stella Guimarães e suas bordadeiras da região de Itabira propuseram a partir de seus esboços. São criações singelas, com fios soltos que remetem a traços leves, ao inacabado da vida, ao intangível da memória e ao vento que traz e leva Mary Poppins da vida de seus leitores.

Escrito para ajudar as crianças na dura tarefa de amadurecer, Mary Poppins, hoje, para os adultos, talvez seja um caminho viável para ir contra o tempo e despertar o senso de mistério que vamos deixando para trás. Como fios soltos, satisfeitos em não encontrar uma tesoura pelo caminho. Nunca estamos totalmente prontos para o arremate final.

MARY POPPINS
De P. L. Travers, tradução de Joça Reiners Terron e ilustrações de Ronaldo Fraga
Editora Cosac Naify, 192 páginas, R$ 39,90

Livro de aprendizagens [João Anzanello Carrascoza] - André di Bernardi Batista Mendes

O premiado contista João Anzanello Carrascoza mostra lirismo e talento no seu segundo romance, Caderno de um ausente, uma busca desesperada pelo diálogo


André di Bernardi Batista Mendes
Estado de Minas: 17/05/2014 0


O narrador de João Anzanello Carrascoza dialoga com a filha por meio de sua ficção desassossegada   (Renata Massetti/Divulgação)
O narrador de João Anzanello Carrascoza dialoga com a filha por meio de sua ficção desassossegada

A Editora Cosac Naify acaba de lançar Caderno de um ausente, de João Anzanello Carrascoza, segundo romance do escritor paulista. Em sua nova aventura literária, Carrascoza trabalha priorizando a estrutura formal, que continua a ser a sua principal pesquisa literária. O narrador da história, um homem de 50 e tantos anos, escreve em um caderno anotações de vida para sua filha recém-nascida. “Nome do bebê: Beatriz; sexo: feminino; tamanho: 50 centímetros; cor da pele: branca; cor dos olhos: cinza; cor dos cabelos: preto; dia de chegada: 31 de abril; ano: 2012; horário: 14h21; lugar: Maternidade Santa Catarina; cidade: São Paulo; país: Brasil; nome da mãe: Juliana; nome do pai: João.”

Tão poucas, tão frias palavras servem para incendiar uma vida. Temeroso de que não acompanhará a maturidade da filha, uma vez que a diferença de idade é muito grande, o homem se põe a narrar a história da família entremeando impressões filosóficas e poéticas. A intenção do pai, porém, não é mostrar uma verdade, mas sim a delicadeza: “Eu só sei, Bia, que, em breve, não estaremos mais aqui, e, enquanto estivermos, eu quero, humildemente, te ensinar umas artes que aprendi, colher a miudeza de cada instante, como se colhe o arroz nos campos, cozinhá-la em fogo brando, e, depois, fazer com ela um banquete”.

Mas mesmo essas palavras, que compõem pequenos trechos escritos ao longo do primeiro ano de vida da criança, não são suficientes para satisfazer o pai: “Eu ia te contar o segredo do universo como quem sussurra uma canção de ninar, mas eu não posso, filha, eu só posso te garantir, agora que chegastes a certeza da despedida”.

Caderno de um ausente é um livro de ensinamentos. Ali, o leitor acompanha também as inquietações do pai, ao longo de um ano, pela saúde da mãe de Bia, que vive doente e requer cuidados tanto quanto a criança. O texto de Carrascoza deixa brechas, margens inteiras para o sonho, ao ser diagramado com espaços em branco.

Assassino, louco, carrasco de si mesmo; lúcido de vários sóis, Carrascoza se coloca diante de um abismo, diante de nossa verdade mais absurda. Ele chega perto, muito perto da vida e encara sua própria falência futura e, através desse tanto, busca transcender. E é justamente Beatriz quem lhe empresta ferramentas de ternura para o surgimento de permanências. Beatriz empresta ao pai uma corda luminosa que, a todo momento, a qualquer hora, o recoloca, ampliando liames e limites, “no espanto de te descobrir finita, no aprendizado do amor”.

Carrascoza inventa um laço de desdar nós, inventa um jeito, inventa um rio para pai e filha, mesmo que existam náufragos e naufrágios. Sophia de Mello Breyner: “Mar, metade de minha alma é feita de maresia”. Na outra metade, diria João, brincam para sempre os filhos.

Caminho da cria Dentro de um livro persistem, existem doses de sede e tempo capazes de acender um tanto. Por exemplo, o tempo que bebe o homem, o homem que bebe o tempo, num desassossego de dar dó. Toda relação profunda, todo amor cresce no inverso da sorte, para dentro, para os lados, para o mais alto, que são os filhos. Diante disso, Carrascoza, diante dessa forma peculiar de desespero, procura iluminar, pela lente do amor, o caminho de sua cria.

O autor fala sobre um tema espinhoso. Sobre vulnerabilidades que ampliam fragilidades. Mas, passa longe de ser pesado este enredo feito de ternura. Não existe nas palavras de Carrascoza, no livro, qualquer resquício de tristeza, mágoa ou ressentimento.

Porque os filhos são a nossa mais alta patente. Vencer a guerra (vencer a morte), para Carrascoza, é o mesmo que escrever. O pai, ao imaginar (e aceitar?) a sua ausência, ao deixar escrito, planta sementes peculiares. Aquele que escreve sobre perdas, de certa forma descredencia tamanho absurdo. As palavras, a poesia torna tudo mais leve, torna mais comprida essa sina que vem da família, que vem dos pássaros.

Já sei, me veio agora, um indício para aquelas brechas, para aqueles espaços em branco, pouco decifráveis, deixados no texto do livro de Carrascoza. Juntando tudo, o branco ao branco, surge, enorme, o desejo. Uma esperança de permanência, mas não uma estada expressa em números, valores, troféus e prêmios. Mas uma verdade erguida diante das simplicidades do cotidiano partilhado, uma verdade feita de amor que cresce a partir de um filho, ou uma filha, que nasce, naquela “hora primeira”, e o pai ali, “nas águas daquele momento inicial”.

A gente se despede aos poucos, entre beijos e brigas, e partilhamos esperanças diante do medo e do desamparo. A invenção do provisório deve ser uma das sutilezas, uma das maldades de Deus. Logo Ele, que tem fé e filhos.

Carrascoza inventou um jeito, uma coreografia literária para este seu caderno. Trata-se de um livro-terra, trata-se de um livro-cova, onde cabem as melhores sementes. Todo livro é uma fonte inesgotável de lembranças.

É de uma beleza ímpar este tipo único de discernimento. De um pai, para uma filha: “Acabas de nascer e eu tenho de te explicar, como se já pudesse entender”. Para logo adiante: “Eu farei parte, pra sempre, só do início de tua história”. Tais palavras são lume e estilete: “Mas tu, não. Vens com esta marca, de minha ausência, a envolver inteiramente a tua vida, e este é um dos primeiros sustos que temos nesta existência, como o que somos, não há como alterar a nossa história, sobretudo se ela já começa no meio, ou mais próxima do fim”. São altas estas palavras: “não há como esconder a morte ante a estreia de uma vida”.

João Anzanello Carrascoza nasceu em Cravinhos, interior de São Paulo. Escritor e professor universitário, estreou com o livro Hotel solidão (1994). Publicou várias coletâneas de contos, entre elas, O volume do silêncio (2006, Prêmio Jabuti) e Aquela água toda (2012, Prêmio APCA). Aos 7 e aos 40 foi o seu primeiro romance.

CADERNO DE UM AUSENTE
• De João Anzanello Carrascoza
• Editora Cosac Naify
• 128 páginas, R$ 34,90

Longe da sala de visitas [Carolina Maria de Jesus] - Eduardo Assis Duarte

Especialista na obra de Carolina Maria de Jesus, José Carlos Sebe Bom Meihy analisa o sucesso inicial e o silenciamento atual em torno da literatura da escritora mineira, que estaria completando 100 anos



Eduardo Assis Duarte
Estado de Minas: 17/05/2014


A escritora Carolina Maria de Jesus no ano seguinte ao lançamento de O quarto de despejo: diário de uma favelada       (Arquivo O Cruzeiro - 29/5/61)
A escritora Carolina Maria de Jesus no ano seguinte ao lançamento de O quarto de despejo: diário de uma favelada


O centenário de nascimento de Carolina Maria de Jesus (1914-1977), mineira de Sacramento, no Triângulo Mineiro, autora de Quarto de despejo: diário de uma favelada, tem despertado interesse sobre a obra da escritora, injustamente relegada no cânone da literatura brasileira. Descendente de escravos, Carolina frequentou a escola apenas até o segundo ano primário. Trabalhou na lavoura com a mãe e, como ela, foi empregada doméstica por muitos anos.

Em São Paulo, vivendo na favela Canindé, às margens do Rio Tietê, Carolina foi catadora de papel e escrevia suas histórias em folhas soltas, enquanto criava seus três filhos. Por intermédio do jornalista Audálio Dantas, publicou seu livro em 1960, com grande sucesso de público e repercussão junto à crítica, à imprensa e outros escritores, entre eles Clarice Lispector e Alberto Moravia, que prefaciou a edição italiana. Quarto de despejo foi publicado em 13 línguas, em 40 países e rendeu à autora perfis nas principais publicações internacionais. Carolina, no entanto, nunca se adequou ao papel de escritora famosa. Morreu em dificuldades financeiras, em 1977, aos 62 anos. Seus outros livros não alcançaram a mesma repercussão.

Em sua visita à Faculdade de Letras da UFMG, por ocasião do 6º Colóquio Mulheres em Letras, o professor José Carlos Sebe Bom Meihy (Usp e Unigranrio), autor de Cinderela negra – A saga de Carolina Maria de Jesus, em parceria com Robert M. Levine (Editora da Uerj, 1994), proferiu a conferência de abertura, na noite de 9 de abril, quando fez afirmações polêmicas. Além disso, participou ativamente das discussões nas diversas mesas voltadas para a escritora Carolina Maria de Jesus. Em entrevista aos pesquisadores do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade (Neia), Bom Meihy retoma suas afirmações, analisa a importância da obra da escritora, a relação com Audálio Dantas, o sentido político de sua literatura frente à realidade brasileira do período, o sucesso de seu principal livro e o silenciamento sobre as demais obras, o ostracismo que encerrou os dias da escritora.

Eduardo de Assis Duarte – Poderia detalhar sua afirmação de que “Audálio [Dantas] matou a Carolina escritora”?

José Carlos S. B. Meihy – Fora do contexto esta questão se mostra quase panfletária. Diria, contudo, afirmativamente que sim: “Audálio Dantas matou a Carolina (Maria de Jesus) escritora”. Mas isso demanda dizer antes que foi ele quem criou Carolina Maria de Jesus, autora dos fragmentos famosos contidos no Quarto de despejo: diário de uma favelada, publicado em primeira edição na abertura da década de 1960. Este foi um feito grandioso, pois, não fora ele, seria bastante difícil supor que estaríamos agora falando dessa mulher singular. Profissionalmente preocupado com a informação, o então jovem jornalista revelou um achado: as páginas do diário, escrito em cadernos recolhidos nas ruas, com anotações frequentes revelando os interiores de uma favela e nela as agruras de segmentos de pobres na cidade de São Paulo. Desde 1954, com os eventos da celebração do “quarto centenário da cidade que mais cresce no mundo”, a pobreza urbana deixava de ser tema periférico na reflexão sociológica. A centralidade do assunto ganhava força no ambiente da contracultura, que tinha a modernização urbana como ameaça que colocava a vida do campo com a produção agrícola nacional numa berlinda desafiadora. O testemunho de vítimas diretas desse processo, a leva imensa de migrantes que buscava os grandes centros, por sua vez, atestava a existência de um grupo até então invisível, mas ameaçador. Esse quadro significava “notícia” e, assim, Audálio dimensionou um fato caracterizado como “realidade”. Acontece que Carolina não era apenas autora do surpreendente diário, não. Em sua concepção de “poeta” – como Carolina se julgava –, ela produziu muito mais. Poemas, peças de teatro, provérbios, contos e romances foram gêneros que, contudo, infelizmente, foram eclipsados pela aceitação do Quarto de despejo. O brilho do livro eclipsou os demais escritos da profícua escritora que ficou relegada a autora do Quarto de despejo.

Gustavo Tanus e Pedro Henrique Souza – O jornalista Audálio Dantas afirmou em entrevista ter tido a pretensão de não deixar que a Cinderela Negra, que saíra da favela e fora para o palácio, se perdesse. Haveria nessa tentativa de tutela algum resquício do paternalismo de outros tempos? E qual foi o resultado dessa “proteção” dada a Carolina?

Não creio que o esforço de proteção empreendido por Audálio fosse algo próximo de algum paternalismo. Objetivamente falando, temos que separar o produto artístico de Carolina de sua vida prática. Ao jornalista interessava o recorte da notícia e isto ele tinha conseguido com enorme sucesso. Em termos de atenção ao resto da obra de Carolina, a ele pouco – ou nada – interessava. Em termos humanos, como “descobridor”, profissional de um mundo articulado e integrado, conhecedor do sistema, ele procurou ajudar Carolina com instruções comportamentais. A pobre mulher saída da favela, revelada da noite para o dia, transformada na pessoa mais noticiada do país e vista pelo mundo, era alguém que sequer possuía documentos de identidade. Como manejar o dinheiro? O que decidir sobre convites que se amiudavam? Como lidar com a imprensa? E com os antigos companheiros de infortúnio, que fazer? Juntando as duas pontas, pergunta-se: até onde iriam as responsabilidades de Audálio? Por certo há outros elementos que fermentam a questão: os direitos autorais, por exemplo, mas neste território temos que ser prudentes e pensar tanto nas questões éticas – afinal, quem é quem nessa relação? Dela ou dele seria a autoria do livro? Quais os arranjos dos direitos autorais? Não seria justo esquecer que Carolina era pessoa de temperamento difícil e isso com certeza dificultou as relações de comando do jornalista. Não vejo resquício e paternalismo, não.

Rafaela Pereira – No artigo “Carolina Maria de Jesus: emblema do silêncio”, o senhor fala de um silenciamento das obras da autora. Em sua opinião, qual foi o principal elemento motivador desse silenciamento?

Primeiro veio o surpreendente sucesso. O país nunca tinha visto nada igual. A opinião pública estava tomada de assalto pelo fato novo: uma favelada tida como o nome mais comentado do país, mexendo na ordem crítica da literatura e produção cultural nacionais. Sua condição de alguém que com seus escritos afrontava a norma culta e mesmo assim era acolhida como escritora seria algo a ser conferido pela crítica literária. Diria que, naturalmente, nos círculos conservadores, grassavam antipatias e dúvidas. E nenhuma veio mais feroz e ácida do que a de Wilson Martins, que, aliás, deixou seguidores como Marilene Felinto. O submundo da crítica seria naturalmente um fator de silêncio. A força solar do Quarto…, foi também uma espécie de “autoveneno”, pois mesmo os poucos e ralos livros publicados da autora que se seguiram foram de pouco vigor, apagados pelo primeiro. Pesou também, muito, o momento político que se seguiu ao lançamento do Quarto de despejo. O advento da ditadura militar intimidou qualquer divulgação que pudesse ser vista como "subversiva", e a obra de Carolina o era. Não ousaria dizer que houve um (único) maior motivo para tal silenciamento, creio que, mais que tudo, a combinação desses aspectos com o desgaste natural da autora selaram o sucesso.


* Eduardo Assis Duarte é professor da UFMG. A entrevista foi feita com a participação dos pesquisadores Gustavo Tanus, Pedro Henrique Souza, Rafaela Pereira, Margarete Aparecida de Oliveira, Marcos Antônio Alexandre, Aline Alves Arruda, que integram o Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade (Neia).


ENTREVISTA/JOSé CARLOS SEBE BOM MEIHY » Corpo que padece


Depois do sucesso de seu livro de estreia, Carolina de Jesus escreveu outras obras, mas sem a mesma repercussão (Fotos: Arquivo O Cruzeiro)
Depois do sucesso de seu livro de estreia, Carolina de Jesus escreveu outras obras, mas sem a mesma repercussão


O professor de Literatura José Carlos S. B. Meihy, autor de Cinderela negra – A saga de Carolina Maria de Jesus,  prossegue no diálogo com os pesquisadores do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade (Neia). Entre os temas tratados estão a questão das biografias de notáveis, o método da história oral, a recepção da obra de escritora e a polêmica em torno da estética “rica” e “pobre”. Para Bom Meihy, há espaço para se pensar nos saberes alheios, “na consistência dos conhecimentos griôs e no direito de expressão de diversos segmentos”.

A romancista se tornou uma personagem de destaque na imprensa
A romancista se tornou uma personagem de destaque na imprensa


Margarete Aparecida de Oliveira – Na sua opinião, quais as razões para a escolha do diário Quarto de despejo para a publicação, dado que, naquele momento, ela já havia produzido em outros gêneros? E qual o impacto dessa decisão na recepção de Carolina Maria de Jesus como escritora?

José Carlos S. B. Meihy – Sem dúvida a oportunidade jornalística foi o motor principal para acionar a publicação e o sucesso do Quarto de despejo. Mas não foi só isto. O conjunto de “entradas” foi arranjado de maneira a revelar progressivamente as tensões dominantes. Sabe-se que as páginas do diário seriam multiplicadas se não houvesse a tesoura editorial de Audálio Dantas. Ainda que não fosse acrescentado nada, a articulação dos fatos narrados revelava uma unidade que dava palco a uma mulher admirável que, mesmo na pobreza, não declinou sua visão de mundo dividida entre o drama e a poesia. Além do fato noticioso promovido por Audálio, apesar das frações selecionadas, os fragmentos deixam transparecer aspectos literários originais que faziam sentido, pelo jornalismo social. Há ainda mais um aspecto a ser revelado em favor da aceitação dos diários. Afora grande figuras do universo da política e da cultura, tipos sempre masculinos, a produção literária brasileira virava as costas às biografias e diários. No âmbito da contracultura, porém, tivemos alguns diários – puxados pelo de Carolina – que vieram à luz. Um deles foi O inferno é Deus, de Maura Lopes Cançado; outro, de Walmir Ayala (em dois volumes) sob os títulos Difícil é o reino (1962) e O visível amor (1963). Cabia nesse cenário a vida de loucos, pobres, homossexuais. Com isso, garante-se que também o fato de ser um “gênero novo” ajudou.

Gustavo Tanus e Pedro Henrique Souza – Em Cinderela negra, podemos ler que o sucesso de Quarto de despejo teria a ver com a rotina que se enfastiava em “biografias [...] de notáveis, de heróis fantásticos e mágicos viajantes alienados de uma realidade brotada da guerra fria e da aflição pelo progresso”. Que outras razões haveria para o sucesso do livro? E o que motiva o ostracismo posterior?

A situação que abrigou o Quarto de despejo era de renovação de tipos sociais. O movimento negro, por exemplo, projetava nomes que se notabilizaram como atores, cantores e, entre tantos, podemos citar: Grande Otelo, Elza Soares, Elizete Cardoso, Noite Ilustrada, Lupcínio Rodrigues, Zé Keti e Cartola; jogadores de futebol, como o estreante Pelé ou os veteranos Didi e Garrincha; mães de santo, como Menininha do Gantois e Mãe Stela, além do sociólogo Alberto Guerreiro Ramos e do artista plástico Abdias do Nascimento, fundador do Teatro Experimental do Negro (TEN). Não bastasse o movimento negro, figuras femininas também alçavam voos importantes, como é o caso de Cecília Meirelles, Lygia Fagundes Telles e estreantes como Clarice Lispector, Nélida Piñon. Aliás, o “apagamento” imediatamente posterior pode também ser explicado pela acomodação dos movimentos progressistas que insistiam nos modos conservadores de permissão social.

Gustavo Tanus e Pedro Henrique Souza – Poderia discorrer sobre o uso da história oral como metodologia para a construção da biografia da autora, em contraposição às outras formas de abordagem?

A história oral é um recurso novo, filha do casamento das possibilidades de gravações com as modernas formas de divulgação eletrônicas. Há quatro gêneros em história oral: temática, testemunhal, tradição oral e história oral de vida. Esta última é ligada à experiência existencial de pessoas e grupos e, neste sentido, se aproxima da biografia. Outras formas de expressão dos “eus” narrativos se distinguem pelas maneiras de composição dos relatos. No caso da história oral de vida, vale-se mais do uso da memória de expressão oral do que dos apoios documentais preexistentes ou que diretamente decorrem da escrita. No caso da Cinderela negra, vali-me da história oral para recriar o ambiente posterior à revelação do Quarto. Juntamente com um conjunto de alunos, fomos atrás dos companheiros da aventura de Carolina. Por meio de entrevistas, buscamos discutir aspectos capazes de ajudar o debate em torno da autora e de sua obra mais conhecida.

Marcos Antônio Alexandre – O corpo, enquanto instância de manutenção, transmissão e inscrição de memórias pessoal e coletiva, se presentifica e é personificado na obra de Carolina Maria de Jesus. Nesse sentido, observamos que os textos da autora são travestidos por uma tessitura corporal que ultrapassa as páginas de suas publicações. O senhor poderia discorrer sobre a importância do corpo/palavra – visto aqui como movimento, instituição e espaço de gestualidade e performatividade – na construção literária da autora?

Impossível abordar a obra de Carolina sem uma remissão direta ao uso do corpo. Tomemos como ponto de partida duas manifestações do corpo. O corpo como obra que se expressa nos escritos e o corpo matéria viva da escritora que perambulava pela cidade. No primeiro caso, a forma da escrita – o tipo de letra e as combinações de sílabas mostram um corpo consoante à sua obra, tem originalidade distintiva: é um corpo, diferente, que escreve de seu jeito pessoal e revela uma maneira de ser coerente com a obra deixada naquele então. Em termos biológicos, temos a manifestação de um gênero, mulher, mãe, que tinha desejos e se expressava por eles na escolha de parceiros (sempre brancos, de preferência estrangeiros, pais de seus filhos). Mas foi também um corpo que dançava, que padecia cansaço, que dormia e se movimentava fazendo a conexão entre o corpo que escreve e o que vive o motivo da escrita. No teatro de Carolina – e também em seus contos e romances – as descrições do corpo e de suas presenças é notável, mais facilmente reconhecido do que no diário que, afinal, era dimensionado na solitude da casa, no silêncio possível da favela.

Eduardo de Assis Duarte – Por que somente o volume Quarto de despejo é encontrado nas livrarias?

Seria fácil culpar apenas as editoras e distribuidoras pela carência de livros “da” e “sobre” Carolina. Mas vejo algo a mais: uma combinação de desprezo por uma obra de difícil análise e o comodismo em mexer na crítica literária nacional. Inscrever a obra de Carolina Maria de Jesus no plantel discursivo de nossa crítica demandaria mudar parâmetros, relativizar critérios de seleção, admitir novidades que por seu turno interferem em debates temáticos de demandas multidisciplinares – racismo, feminismo, migração, composição familiar. Há, por outro ângulo, uma cruel observação cabível como resposta para justificar o porquê do exclusivismo do Quarto de despejo: a sensação de suficiência dada pela recepção do livro. É como se disséssemos a nós mesmos: “Olha, já levantamos problemas bastantes e o que temos como respostas ao Quarto já nos basta”. Diria mais: se houvesse público, os livros estariam à venda.

Margarete Aparecida de Oliveira – São conhecidos seus esforços junto às editoras em favor da publicação de textos de Carolina Maria de Jesus que não circulam, sobretudo os inéditos, mas parece que tem encontrado dificuldades. Neste 2014 de homenagens pelo centenário, alguma coisa mudou em relação à disposição do mercado editorial?

Seria injusto dizer que nada mudou no agitado movimento de celebração dos 100 anos da Cinderela Negra. Pelo número de congressos e de eventos em torno do nome de Carolina, diria que o processo de mudança da recepção da obra dela já começou. E tomara que progrida, pois chega a ser ofensivo pensar que um conjunto de escritos tão original e único permaneça escondido do alcance geral. Cabe exaltar as editoras universitárias para que prestem atenção em séries como esta e se empenhem em cumprir o papel de valorizar autores que não têm merecido a resposta comercial desejável. Intriga muito admitir que há mercado para o consumo desses produtos. Não consigo entender, por exemplo, como o movimento negro (com fundações de apoio), as feministas, os grupos de estudos sobre migração e, com ênfase no caso específico do governo do estado de Minas Gerais, não se assumem como patrocinadores de tão valioso patrimônio. É verdade que há um alento: graças ao empenho de alguns pesquisadores e do próprio Audálio Dantas, que recolheu e guardou boa parte dos cadernos inéditos, hoje se pode dizer que a Fundação Biblioteca Nacional coloca ao dispor boa parte do acervo geral da Cinderela Negra. Mas há muito a ser feito. Nossa!...

Eduardo de Assis Duarte – Afinal, o que se pode fazer para retirar Carolina Maria de Jesus do “quarto de despejo” da literatura brasileira?

Tirar Carolina do “quarto de despejo” da literatura brasileira implica em primeiro lugar em mostrar que ela é muito mais do que simplesmente o que se lê nas frações publicadas do diário. Na sequência caberia ver sua obra completa publicada a preço e alcance acessíveis. Uma conveniente campanha de esclarecimento sobre os critérios de leitura desse acervo seria oportuna para abrir debates sobre temas como a pobreza, contrastes sociais, papeis de gênero. Os estudos sobre a diversidade, por exemplo, poderiam se beneficiar de leitores que teriam neste tipo de exercício uma exemplificação boa. Mas eu diria que não seria suficiente tirar Carolina do “quarto de despejo da literatura brasileira”. A sociologia, a história, a antropologia e os demais estudos sobre urbanização, por exemplo, poderiam ganhar bastante. E todos sairíamos mais ricos se os pactos interdisciplinares ocorressem.

Aline Alves Arruda – Qual importância o senhor vê na publicação dos romances inéditos de Carolina, já que muitos consideram sua ficção “ingênua” ou “pobre” em relação à estética?

Sob todos os pontos de vista, as publicações dos romances de Carolina seriam convenientes. Entre todos os argumentos, creio, o mais sensível seria pela própria originalidade dos romances. Temos exemplos magníficos de literatos que escrevem “sobre” os pobres e a pobreza. Mas onde estão os livros escritos pelos pobres? Onde? Chega de ver as parcas manifestações sobre a literatura do “diferente” como marginal. E também é preciso atualizar os conceitos de “ingênuos” ou “pobres”. É lógico que se deve prezar a norma culta, mas vê-la em sua unicidade hegemônica é simplificar a noção de cultura como um todo. E isto tem desdobramentos políticos e no limite mexe com o papel das escolas públicas e com o acesso de todos aos bancos escolares. É lógico que há espaço também para se pensar nos saberes alheios, na consistência dos conhecimentos griôs e no direito de expressão de diversos segmentos. Tudo isto poderia ser discutido melhor, por exemplo, se tivéssemos como filtro a obra de Carolina Maria de Jesus. Ademais, os estudos sobre os romances poderiam abrir avenidas para pensar a emissão e recepção, bem como as variações dos meios de produção de obras.

Mensagens criativas atenuam a dor de crianças‏

Mensagens criativas atenuam a dor de crianças Tecnologia criada por empresa mineira usa brinquedo para levar aos pacientes mirins em tratamento contra o câncer saudações, por voz, de irmãos, amigos, pais e professores 
 
Bertha Maakaroun
Estado de Minas: 17/05/2014


O analista de sistemas Ricardo Wagner de Farias, da 3 bits Estúdio Criativo, apostou no novo uso de tecnologias já assimiladas pelas pessoas  (Marcos Michelin/EM/D. A Press)
O analista de sistemas Ricardo Wagner de Farias, da 3 bits Estúdio Criativo, apostou no novo uso de tecnologias já assimiladas pelas pessoas

“Do que você mais sente falta”, indaga o oncologista pediatra às crianças internadas em isolamento no Hospital Amaral Carvalho, em Jaú, São Paulo, entidade filantrópica privada referência no tratamento de câncer infantil na América Latina. “Do meu irmão”, diz um em quimioterapia. “Da minha professora”, afirma outro que também luta contra o câncer. “Da minha avó”, sustenta outro pequeno. Foi pensando em trazer a voz de irmãos, pais, professores e avós a essas crianças, que com o sistema imunológico afetado pela quimioterapia são afastadas entre seis meses e dois anos da rotina diária, que o hospital, em parceria com a agência de publicidade DM-9, do Rio de Janeiro, e a empresa mineira digital 3bits Estúdio Criativo, pensou numa ação voluntária e sem fins lucrativos, o projeto piloto do Ursinho Elo. Esse bichinho de pelúcia, que sempre fez “companhia” à criançada, agora, adaptado pela Fom, transmite mensagens on-line dos familiares aos pequenos em tratamento contra o câncer.

Para ouvir a voz amiga, basta um toque na mão do brinquedo. Pouco mais de dois meses depois de implantado, o projeto já é um sucesso. “Usamos a tecnologia para reduzir o isolamento das crianças, aproximá-las da família e dos amigos. Imaginamos que isso dê conforto emocional e que esse conforto ajude a melhorar sua imunidade, ao mesmo tempo em que a mantém mais calma e tranquila para o tratamento”, afirma Cláudia Teresa de Oliveira, oncologista pediátrica e hematologista. Por enquanto, 10 ursinhos transmitem as mensagens on-line dos familiares dos pequenos tratados no Hospital Amaral Carvalho. “A ideia é expandir o projeto”, afirma a oncologista, pensando em cerca de 100 crianças internadas em quimioterapia no hospital “fundação”, que atende 95% dos pacientes por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).

A solução tecnológica para essa linha de ursinhos que recebe e armazena notas de áudio do aplicativo WhatsApp foi dada pela empresa mineira de comunicação digital 3 bits Estúdio Criativo. “Tínhamos um prazo curto para trabalhar uma tecnologia tão elaborada e garantir que funcionasse sem erros”, afirma o analista de sistemas e empresário Ricardo Wagner de Farias. “Não podíamos criar expectativa na criança de que ouviria a mensagem do familiar e o brinquedo falhar”, acrescenta ele, considerando que por isso foi feito um trabalho de inteligência para juntar soluções já existentes no mercado, consolidando a estrutura de funcionamento do equipamento. “Esse é o grande diferencial do projeto: usamos tecnologia que as pessoas têm o hábito de conviver, e demos novo uso para elas, mudando o significado de todos os elementos empregados, inclusive o urso”, explica o analista de sistemas.

A inteligência envolvida no brinquedo requer um celular do tipo smartphone com o aplicativo WhatsApp, que possibilita o envio de mensagens gratuitamente em qualquer ambiente wireless. Tudo ocorre em poucos segundos. Familiares e amigos que têm acesso ao número do telefone celular do ursinho da criança podem enviar as mensagens de qualquer lugar do mundo. Para isso, cada ursinho carrega dentro de si um celular, conectado à rede sem fio do hospital. “Criamos um aplicativo para esse celular que intercepta essas mensagens”, descreve Ricardo Wagner de Farias. Essas mensagens interceptadas são encaminhadas para uma central do hospital, onde os médicos avaliam se o seu conteúdo está adequado ao momento emocional da criança. “Aquelas que são positivas são liberadas”, explica.


ACIONAMENTO Uma adaptação solicitada à Fom foi transformar o bichinho de pelúcia convencional no ursinho Elo: foi instalado um botão de acionamento em sua mãozinha, de tal forma que quando a criança o aperta ouve o áudio de uma das mensagens. “O que toca é o nosso aplicativo, que faz o controle da mensagem selecionada aleatoriamente”, acrescenta Ricardo de Farias. A cada vez que a criança aperta o botão na “mãozinha” do ursinho, uma nova mensagem do banco de dados é acionada. Esse áudio só será repetido depois que todas as demais mensagens armazenadas tiverem sido ouvidas pela criança, que carrega o seu “companheiro” durante todo o dia. “Com o tempo, cada ursinho vai armazenando um histórico de mensagens, que se torna um recurso interessante para ser usado pelos médicos, que podem avaliar o efeito das mensagens no humor e no comportamento das crianças”, considera o empresário mineiro.

Uma visão marxista da tecnociência - Ari de Oliveira Zenha

Estado de Minas: 17/05/2014 



O desenvolvimento das forças produtivas representa para o capital não só sua afirmação como sistema de produção dominante, mas também uma necessidade imperativa da sua dinâmica reprodutiva, no sentido do desenvolvimento e apropriação contínua e ambígua da tecnociência. Isso não implica que o desenvolvimento técnico-científico que se realizou e se realiza esteja desvinculado das relações sociais, produtivas e históricas da humanidade.

No atual momento do capital, a tecnociência pode parecer ter uma autonomia, independência da estrutura produtiva dominante. Mas é uma constatação aparente, pois, na realidade, existe um imbricamento entre tecnociência e estrutura produtiva, em que ambas se interligam formando um todo que proporciona ao capitalismo uma alavanca para que suas estruturas continuem em desenvolvimento, mesmo que nos leve a uma situação de impasse ou de barbárie autofágica. O potencial destrutivo que o desenvolvimento da ciência e da tecnologia coloca para o mundo globalizado é uma realidade. Mas essa constatação sempre existiu em estado latente, seja qual for a forma que assuma o desenvolvimento tecnológico. Situar a análise desse desenvolvimento numa perspectiva a-histórica e moralista é extremamente questionável e polêmico.

O imperativo estrutural do dinamismo do capital sempre esteve alicerçado no desenvolvimento histórico/real das forças produtivas e das potencialidades da ciência a serviço dessa dinâmica reprodutiva do capitalismo. A engenharia genética, a evolução da informática, da eletrônica, da robótica, da inteligência artificial, da biotecnologia, da nanotecnologia e outros avanços científico-tecnológicos no mundo nos colocam frente a importantes questões: a quem serve essa tecnologia? O que representa para a sociedade o desenvolvimento e execução dessas novas tecnologias? Qual o papel da ciência no mundo do capital? Qual o sentido e significado para a humanidade do desenvolvimento tecnocienti[ifico? Que controle tem a sociedade sobre esses processos?

Diante da hegemonia do capital globalizado, da predominância da sua autorreprodução ampliada, da busca pelo aumento da produtividade, da afirmação e expansão da ideologia dominante, da divisão social do trabalho, da subordinação do desenvolvimento tecnocientífico às necessidades e interesses do complexo militar-industrial, entre tantas, tem levado a tecnociência a dar legitimidade ideológica, produtiva e social ao desenvolvimento das forças produtivo-destrutivas do capitalismo.

Ao mesmo tempo que o capital estruturalmente necessita para continuar sua reprodução, acumulação e ampliação global do desenvolvimento, contínuo e desmesurável, da tecnociência, ele introduz em seu esquema de produção novos e avançados ramos de atividades produtivas, que, dentro de sua lógica, alavanca sua estrutura de produção e reprodução, elevando suas formas de produção, exploração e apropriação, reproduzindo, em um novo patamar, suas agudas contradições estruturais.

Falar em desaparecimento da espécie humana, do surgimento de nova espécie superior, uma mutação do ser humano, enfim, o aparecimento dos cyborgs, que seriam a corporificação dessas modificações bioquímicas, fisiológicas e eletrônicas que a tecnociência pode e vem arquitetando, é uma possibilidade real. O desenvolvimento da tecnociência, de fato, mantida dentro da lógica estrutural do capital, acarreta, devido a sua perversidade e destrutividade, que, não sendo contidas e colocadas sob a hegemonia das forças sociais historicamente dominadas, exploradas e antagônicas do capital, uma perspectiva extremamente perturbadora e também desintegradora para a humanidade.

Outra questão que podemos levantar é em relação aos aspectos jurídico-institucionais. Como todo avanço tecnocientífico, essas que nos apresentam no momento têm mostrado que as instituições jurídicas, criadas como parte da superestrutura do capital, estão completamente confusas e impotentes frente a esses embaralhamentos de fronteiras e representações que a tecnociência coloca para toda a sociedade civil em nível global. Podemos constatar que as questões, dúvidas e certezas aqui apresentadas são extremamente complexas e que merecem de todos nós profundas reflexões.

Sequestradas na Nigéria‏

Nenhuma pessoa pode agredir ou subjugar outra. Isso é crime e deve ser punido com rigor em todo o mundo



Vivina do C. Rios Balbino
Psicóloga, mestre em educação, professora da Universidade Federal do Ceará e autora do livro Psicologia e psicologia escolar no Brasil
Estado de Minas: 17/05/2014

Absurdamente, em pleno século 21, e com tantas leis e tratados internacionais sobre direitos humanos com penalidades para homens agressores, as violências contra mulheres chocam o mundo. No Brasil e em muitos países como Egito, Indonésia, Irã, México, Filipinas, Japão e Índia existem vagões exclusivos para as mulheres nos trens e metrôs por causa dos abusos. Em Brasília, coletivos param fora das paradas oficiais para as mulheres após as 22 horas pelo alto risco. Os perversos estupros coletivos na Índia e Paquistão estarrecem o mundo. Infelizmente, barbáries que acontecem em todo o mundo, mas na África e parte da Ásia os índices são alarmantes. Prostituição e turismo sexual com meninas, estupros, agressões e o não direito de frequentar escolas. No Paquistão, violências brutais como a da menina Malala, agredida perversamente por defender a educação de meninas e, recentemente, a morte de uma adolescente que ateou fogo no próprio corpo após ser estuprada por quatro homens e o tribunal retirar as acusações comovem. Como conceber tamanha selvageria e impunidade? Terrível ter a morte como indignação diante de tribunais desumanos.

A mais recente barbárie na Nigéria estarrece o mundo. Quase trezentas adolescentes foram brutalmente sequestradas de escolas para local até agora ignorado e com a ameaça cruel do líder extremista Boko Haram de vendê-las. Tráfico de meninas e mulheres em pleno século 21? Que os organismos internacionais e os grandes líderes mundiais resgatem rapidamente essas sofridas meninas e as mantenham sob segurança. Violências históricas contra mulheres por fanáticos religiosos, preconceitos sociais e guerras pelo poder. Meninas e mulheres usadas como escravas sexuais em redes mundiais de prostituição deportadas para outros países, ou no próprio país em redes domésticas de prostituição e pedofilia. Sofrem mais as vítimas de países e regiões pobres. Segundo dados da ONU, 1 em cada 4 mulheres do mundo foi ou será estuprada ao longo de sua vida. Infelizmente, ainda há um longo caminho de lutas a percorrer, e são fundamentais todas as medidas preventivas e punitivas exigidas para preservar a integridade física e psicológica de meninas e mulheres contra essas atrocidades no mundo.

 O Brasil é a 7ª potência econômica mundial, mas ocupa também o 7º lugar no ranking de assassinatos de mulheres (feminicídio). A Lei Maria da Penha, criada em 2006, infelizmente não conseguiu conter as violências. A taxa de mortalidade foram de 5,28 por 100 mil mulheres no período de 2001 a 2006, e de 5,22, de 2007 a 2011 (depois da lei). Conforme o Ipea 2012 houve apenas um “sutil decréscimo da taxa no ano de 2007, imediatamente após a vigência da lei”, mas depois ela voltou a crescer."Em média ocorrem 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma a cada hora e meia”, diz o estudo. O Nordeste tem a maior taxa de mortes, e o Sul, a menor. A maior parte das vítimas é negra e tem baixa escolaridade. Por Estado, as maiores taxas ocorrem no ES, BA, AL, RO e PE, e as mais baixas estão no PI, SC e SP. Segundo dados de 2013 da Secretaria de Políticas para as Mulheres, estima-se que, absurdamente, a cada 12 segundos uma mulher é estuprada no Brasil. Levantamento do Ministério da Saúde aponta que entre 2009 e 2012 o registro em hospitais e redes de atendimentos para casos notificados como estupro aumentou 157%. Altíssimas taxas de horrores nem sempre denunciadas por medo ou vergonha.

Lutamos por uma sociedade democrática, com igualdade de direitos para todos. Nenhuma pessoa pode agredir ou subjugar outra. Isso é crime e deve ser punido com rigor em todo o mundo. A “Campanha Acabar com a Violência contra as Mulheres” foi a primeira campanha global temática de longo prazo da Anistia Internacional e ocorreu de 2004 a 2010. Ambiciosa nos seus objetivos, impulsionou grandes mudanças na forma de atuação da Anistia Internacional nessa temática. A Anistia Internacional é um movimento global com mais de 3 milhões de apoiadores, membros e ativistas que atuam para proteger os direitos humanos. No caso da Nigéria, a AI se destaca na defesa dos direitos das meninas. É fundamental que todos os países cumpram os tratados nacionais e internacionais de direitos humanos, e que conteúdos de educação em direitos humanos sejam obrigatórios em todos os currículos escolares de todo o mundo, para formar novas gerações de homens respeitadores dos direitos das mulheres.

BENEFICIÁRIOS - Eduardo Almeida Reis‏

Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 17/05/2014 

O apresentador e âncora Ricardo Eugênio Boechat (Buenos Aires, 13 de julho de 1952), no Jornal da Band, de 16 de abril, estranhou o fato de o PCC, Primeiro Comando da Capital, uma das maiores organizações criminosas das Américas, contar com um grupo de advogados assalariados, perfeitamente identificados, e a OAB achar muito normal. Com todo o respeito, é o que venho escrevendo neste espaço a cavaleiro de velho e bom diploma de bacharel: advogado de ladrão é beneficiário do roubo, talqualmente a esposa do ladrão, os filhos do ladrão e os demais funcionários da quadrilha.

Bandido não tem mulher, não tem companheira: tem esposa. Não por acaso, esposas, substantivo feminino plural, diacronismo antigo, era sinônimo das algemas que os bandidos merecem, bem como os seus advogados. Implico solenemente com o substantivo feminino esposa, do latim sponsa,ae, “mulher casada, em relação ao seu marido”. Em linguagem civilizada, marido tem mulher e mulher tem marido, sem essa de “meu esposo” ou “minha esposa”. Pior que esposo (a), só “benhê”.

Paulo e Mauro – Paulo Roberto Costa, o ex-todo-poderoso diretor de Refino e Abastecimento da Petrobras, amigo do peito do ex-presidente José Sérgio Gabrielle, está preso. Aquele que a engenheira Graça Foster chama carinhosamente de “o Paulo”, mandou filhas e genros ao seu escritório da Barra da Tijuca. A mídia faz questão de explicar que a Barra fica na “zona oeste do Rio”, como se isso tivesse importância e alguém soubesse onde fica a zona oeste daquela cidade. Filhas e genros foram filmados retirando pacotes de documentos do escritório, o que os transforma, salvo melhor juízo, em cúmplices dos roubos do pai e sogro.

José Sérgio Gabrielli deve ser candidato a governador da Bahia. Nomes incríveis têm sido falados como candidatos aos governos de vários estados. Gleise Helena Hoffmann, que pronuncia “repuguina” , é candidata ao governo do Paraná.

O senador Édison Lobão Filho, autor da frase: “o que é ética para você pode não ser para mim”, deve governar o Maranhão, dando continuidade às admiráveis administrações que fizeram daquele estado motivo de inveja internacional. O Rio de Janeiro, que é useiro e vezeiro em Brizolas, Cabrais, Rosinhas e Garotinhos, o Rio Grande do Sul, o Ceará, o Pará – o Brasil inteiro: só fechando e reabrindo com outro nome.

O negócio é de tal ordem que o dr. Mauro Arce, secretário de Recursos Hídricos de São Paulo, novo “general da água” do estado líder da federação, em entrevista à Rádio CBN, afirmou que 75% dos moradores da capital do estado atenderam ao seu pedido de economia de água, enquanto 35% aumentaram o consumo. Até ontem, 75% + 35% significavam 110%, maneira inteligente de falar sobre o excesso de gente naquela região metropolitana, pois do dr. Arce é engenheiro, atividade que antigamente ensinava seus profissionais a somar, enquanto “o Paulo” só aprendeu a subtrair.


Difícil – A não ser que o cronista se limite ao seu mundinho – quantas horas dormiu, quantos chopes bebeu – está ficando difícil acompanhar o noticiário para escrever sobre o que está acontecendo. Leitores sérios não aguentam cronistas que se limitam aos seus mundinhos; cronistas sérios acham difícil acompanhar o noticiário. É um avião que desaparece com 229 passageiros e tripulantes, é um barco que afunda matando 300 pessoas, em sua maioria estudantes. Sem falar dos esquartejamentos, dos filhos que matam pais, de pais que matam filhos. A cereja do bolo pode ser um ônibus que tomba e mata seis crianças no Afeganistão, como se o telespectador soubesse onde fica o Afeganistão.

Quando se tem, ao vivo e em cores, um programa de televisão divertido para os que detestamos sair de casa – os engarrafamentos monstruosos da tarde/noite de uma quinta-feira, véspera de feriadão, que no Rio incluiu a quarta-feira, 22 de abril –, Gabriel García Márquez nos faz o desfavor de morrer na Cidade do México, às 4 da tarde, hora de Brasília. O Prêmio Nobel bem que podia esperar o fim do feriadão para passar desta para a pior. Perdi a curtição dos 258 quilômetros de retenção do tráfego em São Paulo, até então o recorde do ano.

O mundo é uma bola – 17 de maio de 1383: casamento da princesa Beatriz de Portugal com João I, rei de Castela e Leão entre 1379 e 1390, o segundo da Dinastia de Trastâmara.

Em 1375, João casou-se com Leonor de Aragão e teve os filhos Henrique e Fernando. Viúvo, casou-se com Beatriz de Portugal, única filha legítima e presumível herdeira do rei dom Fernando. Portuguesas, sendo ou não princesas, têm aquele suspiro em que dizem “estou-me a vir”. Reis não resistem à confissão orgástica, e dom João I, coitado, bateu o pacau no dia 9 de outubro de 1390 com 32 aninhos.

Em 1814, foi instituído o Dia Nacional da Noruega, país em que muitos começaram o feriadão God Páske, sexta-feira, 11 de abril, para voltar ao trabalho no dia 22. Desculpem-me, mas tenho leitora na Noruega.

Ruminanças – “Um escritor chega à velhice quando suspeita que o artigo que está escrevendo já o escreveu uma vez” (Ramón Gómez de La Serna, 1888-1963).