terça-feira, 20 de novembro de 2012

Para psicólogos, transexualismo não é doença


COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A visão do transexualismo como doença é controversa. Uma ação mundial tenta retirá-lo dos manuais de doenças da OMS e da Associação Americana de Psiquiatria.
A campanha "Stop Trans Patologization" ["Parem de patologizar os trans"] tem o apoio, aqui, do Conselho Federal de Psicologia. Segundo a psicóloga Ana Ferri de Barros, que coordena a comissão de sexualidade e gênero do conselho paulista, o acesso à cirurgia de mudança de sexo pelo SUS não deveria depender do diagnóstico.
"Defendemos a despatologização das identidades 'trans' e também o acesso universal à saúde", diz.
É também a posição da cientista social Berenice Bento, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. "Não há exame que ateste a transexualidade [termo usado por quem é contra a patologização]."
Para Bento, gênero é construção social e o diagnóstico do transtorno na infância, absurdo: "Quem precisa de tratamento são os pais".
Já na visão do psicanalista Roberto Graña, o transtorno deve ser tratado como uma perturbação no desenvolvimento. Ele considera o transexualismo uma recusa em aceitar o real, o sexo biológico e, portanto, uma doença. Diz ainda que tratamentos hormonais são inúteis e perigosos na juventude.
A psicanalista e colunista da Folha Anna Veronica Mautner afirma ser "muito difícil" estabelecer limites entre as origens do distúrbio, hormonais, comportamentais ou de outra ordem. "Cada caso é um caso."

'O pior é confundir transtorno de gênero e homossexualidade'


ENTREVISTA
'O pior é confundir transtorno de gênero e homossexualidade'
Steve Meddle/Rex Features
Jackie Green, primeira transexual finalista do concurso de Miss Inglaterra
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Na visão da psiquiatria, transexualidade não é escolha, como querem alguns setores. Como psiquiatra, é claro que Alexandre Saadeh defende o diagnóstico de transtorno de identidade sexual na infância -embora critique seu uso estigmatizante.
Professor da PUC-SP e coordenador do Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Hospital das Clínicas de São Paulo, ele conta como a medicina caracteriza o problema, à luz das últimas pesquisas.
Folha - Como saber se a criança sofre de transtorno de identidade de gênero?
Alexandre Saadeh - Pode ser que a criança esteja só brincando de assumir um papel, o que é comum entre os quatro e os seis anos, faz parte do desenvolvimento. Para constatar o transtorno é preciso que o comportamento ocorra por tempo prolongado.
Quais são os indícios?
Não é só o uso de roupas ou a criança se chamar por nome do outro gênero. Ela apresenta outros sinais: fica deprimida, irritada e agressiva se é obrigada a se comportar segundo o sexo anatômico. A necessidade de ser tratada como se fosse do outro gênero é constante. Muitas percebem que o comportamento incomoda os pais, aí o escondem.Os primeiros indícios surgem na infância, mas são raros os casos em que é claro desde o início se tratar de transexualismo.
Nem toda criança com o transtorno fará cirurgia de mudança de sexo quando adulta. Mas todo transexual teve o transtorno. A criança deve ser avaliada por profissionais para evitar diagnósticos equivocados.
Quais são as causas?
Há evidências de que a diferenciação cerebral intrauterina pode ser influenciada por níveis de andrógenos [hormônios que desenvolvem as características sexuais masculinas] circulantes na gestação, o que pode gerar um cérebro masculino ou feminino, independentemente da anatomia já definida. Apesar da importância do ambiente e da cultura, não há evidências de como esses fatores se acrescentam aos fenômenos biológicos.
Quais são as alternativas após o diagnóstico da criança?
Pais e profissionais devem ajudar a criança a vivenciar o transtorno e, se for o caso, superá-lo; se não, a vivenciá-lo de maneira integral, sem censura. Não é fácil para nenhum pai ou mãe se adaptar a essa transformação, mas quando se pensa em respeito e aceitação pela diferença e por quem é de verdade o filho ou filha, fica mais palatável.
No Brasil, a cirurgia só pode ser feita após os 21 anos, mas o uso dos hormônios pode começar a partir dos 18. Se tivermos certeza de que o adolescente já é um transexual, é possível tentar autorização junto ao Conselho Federal de Medicina para começar o tratamento hormonal antes.
Os efeitos do tratamento hormonal para impedir a puberdade são reversíveis?
Há a possibilidade de se bloquear o desenvolvimento das características masculinas ou femininas do adolescente, ou já fazer o tratamento hormonal específico para o gênero desejado. Alguns efeitos são reversíveis, outros não, por isso a controvérsia e a responsabilidade da indicação desse tipo de intervenção, o que aumenta mais a importância do diagnóstico.
Sou a favor do bloqueio e do tratamento hormonal, já que impedem que a pessoa passe pelo sofrimento de desenvolver caracteres sexuais de seu sexo anatômico e não de sua identidade de gênero.
A visão do transexualismo como transtorno é unânime?
Para os [profissionais] que se preocupam em se atualizar nas pesquisas, é, sim. O problema é confundir transexualismo e homossexualidade ou tratar como doença mental. É um transtorno do desenvolvimento cerebral. As explicações psicológicas clássicas não conseguem mais caracterizar o fenômeno. As ciências humanas tendem a ser contra o diagnóstico e o consideram estigmatizante, do que discordo. Pode haver esse uso do diagnóstico, mas não é essa a finalidade.
Qual sua opinião sobre os movimentos pela "despatologização" do transexualismo?
Acredito no diagnóstico como delineador, não como estigmatizante. Como psiquiatra, não posso achar que o transexualismo seja questão de escolha. É questão de desenvolvimento embrionário, relacionada ao desenvolvimento cerebral na fase de diferenciação entre cérebro masculino e feminino.
Como vê o "gender-neutral parenting", essas tentativas de criar uma educação sem estereótipos sexuais, a exemplo de uma escola na Suécia que não usa "ele" ou "ela" para se referir às crianças?
A sociedade funciona com diferenciação de gêneros. A criança terá contato com os gêneros cedo ou tarde e isso pode gerar confusão.

    O blog da Muriel - Laerte


    O BLOG DA MURIEL
    Laerte

    Casamentos proibidos - Mirian Goldenberg


    OUTRAS IDEIAS
    MIRIAN GOLDENBERG miriangoldenberg@uol.com.br
    Casamentos proibidos
    O casal formado por mulher bem mais velha que o homem sofre mais preconceito das próprias mulheres
    Tenho pesquisado casamentos em que as mulheres são bem mais velhas do que os maridos. Muitas vezes, os filhos delas, de relações anteriores, têm a mesma idade dos maridos atuais.
    Se a juventude é um valor e o corpo é um capital na cultura brasileira, por que está crescendo o número de homens que preferem mulheres mais velhas?
    Os homens pesquisados revelam admiração, respeito, amor, desejo e reconhecimento pelas esposas.
    Dizem que elas são superiores a qualquer outra mulher justamente por serem mais velhas, experientes, maduras. Essas qualidades, para eles, são mais atraentes do que um corpo jovem.
    Para as pesquisadas, o olhar dos outros sobre o casal é motivo de constrangimento e de vergonha. Elas têm medo que pensem que o marido está interessado apenas no dinheiro, no poder ou no status delas.
    Já os maridos afirmam que não se incomodam com a opinião dos outros.
    Elas são mais vulneráveis e atentas à desaprovação social. Dizem que os maiores obstáculos ao casamento vieram das próprias mães e sogras. As filhas delas também provocaram conflitos no início.
    Esse tipo de casamento parece sofrer mais preconceito justamente por parte das mulheres. Elas se preocupam mais com a opinião dos outros e criam mais obstáculos ao relacionamento.
    Os casais que estudei, ao inverterem a regra segundo a qual os homens devem ser mais velhos, revelam uma lógica compensatória.
    Elas têm mais idade, mas são consideradas menos infantis, menos ciumentas, menos dependentes do que as mulheres mais jovens.
    Eles têm menos idade, mas são mais atenciosos, mais românticos, mais respeitosos do que os homens mais velhos.
    Existe um equilíbrio interessante. Aparentemente, elas dão muito mais do que recebem em termos de posição social, maturidade, experiência, cuidado.
    No entanto, eles dão aquilo que muitas mulheres desejam: a prova de que elas são especiais e de que a juventude não é a principal riqueza feminina.
    Ao constatar a felicidade desses casais, descobri que, em vez de perguntar por que determinados homens casam com mulheres mais velhas, eu deveria questionar os motivos que levam a maioria deles a continuar preferindo casar com mulheres mais jovens.
    E, também, questionar as razões que levam as mulheres brasileiras a aceitar e fortalecer, com suas inseguranças e seus preconceitos, o tabu da idade.
    MIRIAN GOLDENBERG, antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "Coroas; corpo, envelhecimento, casamento e infidelidade" (ed. Record)

      Separação de corpos - Juliana Cunha


      Separação de corpos
      Dividir a cama com parceiro, criança ou bicho aumenta a quantidade de microdespertares durante a noite, atrapalhando o sono REM
      Eduardo Knapp/Folhapress
      O casal de empresários Edmur Bastoni e Aurea Teodoro, cada um à porta de seu quarto
      O casal de empresários Edmur Bastoni e Aurea Teodoro, cada um à porta de seu quarto

      JULIANA CUNHACOLABORAÇÃO PARA A FOLHAA bancária Maria Ângela Azevedo, 42, tem um segredo: ela e o marido dormem em quartos diferentes. O hábito começou há cinco anos, quando ele interrompeu um tratamento de apneia (suspensão da respiração durante o sono) pela quarta vez.
      "O apartamento tem dois quartos. Dizemos que um deles é de visita, mas a verdade é que funciona como quarto do meu marido."
      Nem a faxineira que limpa a casa sabe do arranjo. "Contamos para alguns amigos e todos acharam esquisito, então preferimos nos resguardar", diz Maria.
      A decisão do casal não é incomum, nem seu constrangimento. "Cerca de 40% dos meus pacientes dormem em camas ou quartos separados. Quase nenhum admite isso para a família", diz a otorrinolaringologista e médica do sono Ângela Beatriz Lana.
      Um adulto médio tem entre 20 e 30 microdespertares por noite, momentos em que o sono REM, mais profundo e restaurador, é interrompido e a pessoa volta a uma etapa superficial. Ao trocar de posição na cama ou ranger os dentes a pessoa chega a um estado de semiconsciência. Quase acorda, mas não percebe. Quanto mais microdespertares tiver, mais cansada vai levantar no dia seguinte.
      "Dividir a cama chega a dobrar a quantidade de microdespertares. É muito romântico, mas um fracasso do ponto de vista da saúde", diz Maurício Bagnato, médico do laboratório do sono do Hospital Sírio-Libanês.
      Insônia, ronco, apneia, discordâncias sobre a temperatura do ar-condicionado, horários diferentes para dormir e acordar, presença de TV e aparelhos eletrônicos no quarto são os problemas mais citados pelos casais que resolveram dormir separados.
      A secretária Lia da Costa e o eletricista João Carlos da Costa dormem em quartos diferentes desde o primeiro mês de casados, há 28 anos. "Pensam que é falta de amor, mas não é. A gente faz tudo que um casal normal faz", afirma Lia.
      João, 53 não ronca, mas gosta de fumar e assistir à TV durante a noite. Já Lia, 50, acorda assim que ouve o barulho. "Nas primeiras noites eu ficava esperando ele dormir para desligar a TV. Quando desligava, ele acordava. Agora, até na casinha de praia, que só tem um quarto, ele prefere ficar na sala", diz.
      Os filhos do casal acham o hábito estranho. "Eles sempre tiveram um pouco de vergonha disso, de pensarem que os pais não se gostavam."
      HÁBITO RECENTE
      Cultivar o próprio espaço também é razão frequente para a separação de corpos.
      Juntos há 32 anos, os empresários Aurea Teodoro, 47, e Edmur Bastoni, 49, só não dividem a cama.
      "A decisão foi tão natural que nem lembro de quem partiu. Somos pessoas independentes. Além disso, trabalhamos juntos. Ficar no mesmo quarto seria uma overdose", afirma Aurea.
      Dormir junto é um hábito recente motivado antes por necessidade do que por romantismo, explica Neil Stanley, médico do sono e ex-presidente da Sociedade Britânica do Sono.
      "Quando a Revolução Industrial apinhou as pessoas em pequenos espaços foi inevitável que os casais passassem a dividir o quarto. Antes, os pobres dormiam todos no mesmo cômodo e os ricos tinham um quarto para cada um", disse ele à Folha.
      "Hoje as pessoas dormem com cachorro, filho, parceiro. Pode anotar: a qualidade do seu sono cai 20% para cada ser vivo que você inclui debaixo do lençol", diz Stanley.
      Segundo o pesquisador, se você divide uma cama de casal padrão, dorme com nove centímetros a menos de espaço do que uma criança sozinha num colchão infantil.
      Luciana Palombini, do Instituto do Sono da Unifesp, acha exagerado incentivar casais a dormirem separados. "A companhia traz prejuízos ao sono, mas pode trazer benefícios emocionais. Dormir junto passa segurança e aconchego, o que é bom para tudo, inclusive para o sono."
      "O casal perde momentos preciosos ao dormir separado", opina Cristiana Pereira, presidente do Instituto de Terapia Familiar de São Paulo. "A rotina é tão perversa, cada um tem seu horário. Aquela conversinha gostosa antes de dormir é o contato mais significativo para muitos."
      Segundo a terapeuta, compartilhar a cama também aumenta a frequência do sexo.
      PIOR TRANSA
      Já a psicanalista e sexóloga Regina Navarro Lins discorda: "Relação íntima não depende de dormir junto. Por que o sexo funciona entre os amantes? Porque é agendado. Espontaneidade não funciona nesse assunto. Aquela transa que acontece quando um pé esbarra no outro é a pior de todas", diz.
      Uma pesquisa da Universidade de Surrey, na Inglaterra, feita com 40 casais, chegou a resultados interessantes. No estudo, os casais dormiram juntos por dez dias e separados por outros dez.
      O sono era monitorado por aparelhos e a cada manhã os voluntários eram convidados a classificar sua noite entre "boa", "razoável" ou "ruim". No fim da pesquisa, os aparelhos mostraram que as noites solitárias eram 50% melhores, em termos de qualidade de sono, mas os entrevistados diziam exatamente o contrário.
      "Tudo que envolve o sono é muito individual", comenta Bagnato. "Do ponto de vista médico nós deveríamos dormir sozinhos. Mas quem são os médicos para escolher como uma pessoa dorme ou deixa de dormir?", conclui.

        Quando começa o envelhecimento? - Suzana Herculano-Houzel


        NEURO
        SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@gmail.com
        Quando começa o envelhecimento?
        Nossas respostas ficam mais lentas, a memória sofre, o raciocínio se arrasta um pouco: por quê?
        Diz a sabedoria popular que, para morrer, basta estar vivo. Parece óbvio, mas é verdade também do ponto de vista bioquímico: morrer é a consequência de estar vivo -e o processo entre as duas coisas é o envelhecimento.
        Envelhecer é sofrer as consequências da respiração celular, o processo que transfere para as células a energia trazida pelos alimentos.
        Essa definição, no entanto, soa bastante diferente da ideia mais tradicional que a gente faz do envelhecimento: aquele encarquilhar da pele, o embaçar dos olhos, o viço dos cabelos que se vai, a vontade cada vez menor.
        Ou não: há quem envelheça bem, estendendo as características da juventude bem mais adiante.
        Entender o envelhecimento do cérebro é uma das grandes preocupações da neurociência. Nossas respostas vão ficando mais lentas, a memória sofre, o raciocínio se arrasta um pouquinho: por quê? Morrem neurônios? Desaparecem sinapses? O metabolismo deixa de ser suficiente? O que causa o declínio funcional do cérebro com a idade, e quando ele começa?
        Uma resposta nada animadora foi oferecida por uma pesquisa de nosso laboratório, que analisou o número de células no cérebro de ratos de diferentes idades.
        Nos animais de dois anos de idade -bem velhinhos, para ratos-, encontramos cerca de 30% menos neurônios do que nos jovens adultos, de dois ou três meses de idade, numa perda generalizada por todo o cérebro.
        E o que é pior: a perda, progressiva, se nota já a partir dos três meses de idade.
        Ou seja: mal o bicho chega ao seu ápice, no final da adolescência, e já é ladeira abaixo -pelo menos em termos de números de neurônios.
        Falta determinar se essa perda de neurônios de fato causa perda cognitiva, mas é de se esperar que perder neurônios ao longo da vida não seja boa coisa.
        Mas vamos às boas notícias. A primeira é que embora a perda média seja de 30% dos neurônios, a variação é grande entre indivíduos.
        Ratos, portanto, também nisso são como pessoas: alguns envelhecem bem, outros nem tanto. De onde vem essa diferença?
        Ainda não se sabe, mas alguns suspeitos são conhecidos. E aqui está a segunda boa notícia. Sabendo que o declínio neuronal começa assim que se atinge a idade adulta podemos, desde cedo, investir em educação continuada, atividades físicas, exercícios mentais, bom sono, boa alimentação -e, assim, fazer o possível para envelhecer bem.
        SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora da UFRJ e autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blogwww.suzanaherculanohouzel.com

        Menina em pele de menino


        Conheça as características do transtorno de identidade sexual na infância, que desafia a ciência e divide especialistas
        CAROLINA DE ANDRADECOLABORAÇÃO PARA A FOLHAAos quatro anos, um menininho inglês que se chamava Jack disse para a mãe: "Deus cometeu um erro, eu deveria ser uma menina".
        Aos oito, ele mandou um e-mail para as pessoas da escola onde estudava (e sofria bullying) avisando ser "uma menina presa em um corpo de menino". E passou a se vestir como garota. Aos dez, disse à mãe que se mataria se começasse a "virar homem".
        Aos 11, Jack teve uma overdose e fez outras seis tentativas de suicídio antes de completar 16 anos.
        Como a lei inglesa não permite cirurgia de mudança de sexo antes dos 18, Jack foi operado na Tailândia, aos 16.
        A história de Jack, que a rede de TV britânica BBC exibe hoje, mostra os contornos e as dores do transtorno de identidade sexual na infância. Jackie Green tem agora 19 anos, é modelo e foi a primeira finalista transexual do concurso de Miss Inglaterra.
        A OMS define o fenômeno como o desejo, manifesto antes da puberdade, de ser (ou de insistir que é) do outro sexo. O termo "transexualismo" só é usado para adultos.
        Não há estatísticas de incidência do fenômeno. Entre pessoas acima de 15 anos, estima-se que um a cada 625 mil seja transexual, segundo o psiquiatra Alexandre Saadeh.
        De acordo com Carmita Abdo, do programa de estudos em sexualidade da USP, a experiência clínica mostra que só um terço das crianças com o transtorno serão transexuais.

          Salva-vidas de adolescente - Rosely Sayão


          ROSELY SAYÃO
          Salva-vidas de adolescente
          A passagem para a vida adulta é um momento de crise; por que não ajudamos os jovens nessa transição?
          Um jovem que prestará vestibular neste ano me enviou uma mensagem quase desesperada. Ele diz que sempre foi bom aluno e que sua vida escolar jamais foi motivo de preocupação para ele ou para seus pais.
          Nunca precisou estudar muito para ter boas notas, fazia lições e trabalhos sem muita vontade, mas sabendo que precisava fazê-los para ter boa avaliação -ele tinha tomado para si essa responsabilidade como estudante.
          As provas, contou ele, nunca foram motivo de ansiedade. Aliás, várias vezes ele simplesmente se esqueceu de olhar o calendário e, mesmo de surpresa, enfrentou as avaliações e saiu-se bem.
          A questão é que, desde o início deste semestre, passou a ficar muito ansioso tanto com as provas na escola quanto com a ideia dos exames que tem de prestar para entrar na faculdade que deseja. Não consegue dormir bem na véspera do dia da prova, tem pesadelos, fica gelado e sempre com a sensação de que vai desmaiar.
          Aliás, um pesadelo tem sido recorrente: o de que, quando faz a prova do vestibular, é flagrado portando um dispositivo tecnológico proibido e, dessa maneira, sua inscrição é anulada.
          Nem é preciso dizer que, depois desse sonho atormentado, ele acorda passando mal e fica o dia inteiro sem conseguir se livrar da imagem de seu sonho.
          Desejoso de um apoio, puxou conversa com o pai e tentou contar a ele o que estava acontecendo. O pai, certamente com a intenção de acalmar o filho, disse uma frase que piorou a situação de nosso jovem leitor.
          "Você nunca teve problemas com provas, filho, não vai ser justamente na prova mais importante da sua vida que você vai falhar." Depois de ouvir essa frase, nosso jovem ficou mais pressionado ainda. Ele entendeu -nem sei se foi intenção do pai passar tal mensagem- que ele não pode falhar.
          Ele também tentou pedir ajuda a um professor, mas recebeu de volta o que ele chamou de "um discurso motivacional" que fez efeito zero.
          Esse jovem, como tantos outros nesse momento, pediu ajuda e não teve acolhimento. Ele ainda foi direto ao ponto, mas há jovens que pedem ajuda de maneiras desajeitadas porque não têm clareza de que querem pedir ajuda. Seja o pedido feito de forma direta ou indireta, poucos são acolhidos.
          Temos tido dificuldades em reconhecer a importância do nosso papel na jornada final de filhos e alunos. Não podemos deixar de perceber que muitos estão quase se afogando e precisam de uma boia que os ajudem a se salvar.
          Não temos ouvido os pedidos de ajuda que nos são lançados ou ouvimos, mas acreditamos que, mesmo em dificuldade, eles conseguirão se virar sozinhos e superar o obstáculo que enfrentam.
          Alguns irão mesmo, não duvido disso. Mas poderiam sofrer bem menos e chegar ao mesmo resultado se sentissem que não estão sozinhos no final de sua jornada.
          Outros, entretanto, poderão ficar rodando em círculos justamente por não encontrarem um incentivo, uma ajuda, uma companhia no momento difícil pelo qual passam. E, depois de um tempo, até podem acha um caminho, mas não precisariam passar por esse sofrimento inútil.
          A passagem da infância para a adolescência costuma ser um período de crise, difícil para filhos e pais. Pois a passagem da adolescência para a vida adulta também. Por que não assistimos nossos filhos e alunos nessa transição?
          É bom lembrar que nosso papel educativo só termina quando os mais novos conquistam a maturidade. Até o último momento antes disso, precisamos estar a postos em nosso papel.
          Quando não fazemos isso, retardamos a maturidade em vez de precipitá-la. Talvez por isso tenhamos tantos jovens adultos imaturos na atualidade.
          ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

          Quadrinhos


          CHICLETE COM BANANA      ANGELI

          ANGELI
          PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

          LAERTE
          DAIQUIRI      CACO GALHARDO

          CACO GALHARDO
          NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
          FERNANDO GONSALES
          MUNDO MONSTRO      ADÃO
          ADÃO
          BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER

          ALLAN SIEBER
          MALVADOS      ANDRÉ DAHMER

          ANDRÉ DAHMER
          GARFIELD      JIM DAVIS

          Charge


          Charge


          Novas luzes em "Tendências/Debates" - Suzana Singer


          OMBUDSMAN
          Novas luzes em "Tendências/Debates"
          Seção nobre de artigos da Folha passa por renovação, mas deve evitar polêmicas fáceis e assuntos banais
          Na segunda-feira passada, "Tendências/Debates" trouxe, no alto, artigo de um jornalista americano comentando a desenvoltura com que brasileiros se beijam em público. O segundo texto da página era uma defesa da indústria do tabaco, assinada por um executivo da área.
          Os dois artigos exemplificam bem a chacoalhada que a seção recebeu. A aposta parece ser alavancar novos nomes e vitaminar polêmicas.
          Colaboradores jovens estão mais frequentes. Na última quinta-feira, um editor de 35 anos comentava a legalização da maconha em Washington e no Colorado e imaginava uma possível reação em cadeia, a favor das drogas, atingindo até a América Latina.
          Neste ano, a seção abrigou textos de uma americana de apenas 20 anos comentando a baixa autoestima do brasileiro, de dois formandos em medicina (de 23 e 24 anos) criticando o exame do Cremesp e de um rapaz de 28 anos explicando por que desistiu da concorridíssima Escola Politécnica da USP.
          A renovação dos colaboradores não descartou, felizmente, os mais experientes. O físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, 81, foi o autor que mais publicou na página 3 neste ano. Foi ele também que inaugurou a seção, no longínquo 22 de junho de 1976, com um texto em que fazia um alerta: "A tecnologia, talvez mais que a arte ou a ciência, não é apenas um componente passivo de nossa cultura, sobre a qual temos controle, mas é principalmente um condicionamento temível de nosso próprio comportamento".
          Desde o primeiro dia, a seção trazia o aviso de que "os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal". E também que a "sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo".
          O pluralismo da seção, que hoje parece banal, foi inovador à época. Não havia o costume de publicar opiniões divergentes entre si ou opostas às defendidas pelo jornal.
          Estávamos no governo Geisel, o da "lenta, gradual e segura" abertura política, e a Folhaprecisava ganhar peso político para enfrentar o todo-poderoso "Estado de S. Paulo". "Tendências/Debates", idealizada pelo publisher Octavio Frias de Oliveira e pelo diretor de Redação Cláudio Abramo, atraiu para o jornal intelectuais perseguidos pela ditadura -Fernando Henrique Cardoso, Plínio de Arruda Sampaio, Almino Affonso-, sem virar as costas aos apoiadores do regime, como Jarbas Passarinho, Plínio Corrêa de Oliveira e Jorge Boaventura.
          A seção concretizava o "balaio de gatos", expressão usada para criticar a Folha. No aniversário de 60 anos do jornal (1981), a filósofa Marilena Chaui elogiava o fato de, naquele almoço para colaboradores, "encontrar pessoas com as quais trocaria socos na rua", mas ali ser "possível uma convivência tranquila". Chaui não escreve nem dá mais entrevistas para a Folha.
          De lá para cá, vários jornais adotaram o "balaio de gatos", visto agora como virtude, sinal de pluralismo. Para diferenciar-se, é preciso buscar novos colaboradores e temas instigantes, mas que tenham relevância -o que não é o caso das considerações sobre o jeito brasileiro de namorar, tema do artigo principal de segunda-feira.
          "Tendências/Debates" tem acertado mais do que errado, embora sucumba, vez por outra, à polêmica fácil. Publicou, neste ano, artigos críticos ao feminismo, ao movimento negro, aos muçulmanos na Europa, que eram mais provocações do que defesas de teses consistentes.
          Entre os acertos, há vários depoimentos que deram uma perspectiva real, não de especialista, a temas delicados, como o texto de uma mãe sobre as dificuldades que crianças autistas têm de serem aceitas por colegas nas escolas regulares.
          É bom que a seção seja agitada por espíritos juvenis, mas sem se esquecer de que se trata de um espaço nobre, palco para um confronto de ideias que podem ser incômodas, mas que devem ser representativas do que há de melhor no pensamento brasileiro.

            Mundo pode esquentar 4º C, diz relatório


            Estudo encomendado pelo Banco Mundial afirma que, sem ação dos países, aumento ocorreria por volta de 2060
            Mudança teria efeitos sérios sobre chuvas e vida marinha; para cética, previsão é apenas "um cenário"
            FERNANDO MORAESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHASe o mundo ficar de braços cruzados, um aumento de até 4º C na temperatura média do planeta pode ocorrer até o ano de 2060, afirma um novo relatório encomendado pelo Banco Mundial.
            Segundo o estudo, mesmo que as reduções de gases do efeito estufa definidas nas recentes cúpulas do clima sejam implementadas, há cerca de 20% de chance de que esse aumento de temperatura ocorra até o fim do século.
            O levantamento, divulgado ontem, foi coordenado por uma equipe do Instituto de Pesquisa sobre Impactos Climáticos de Potsdam (Alemanha), um dos grupos mais importantes da área no mundo.
            Admitindo as incertezas desse tipo de previsão, o estudo procura mostrar os possíveis efeitos de tal aumento de temperatura para o planeta e, principalmente, para os países em desenvolvimento, os mais vulneráveis às mudanças climáticas.
            PROBABILIDADE
            O risco dos possíveis impactos é definido como o "impacto multiplicado pela probabilidade", ou seja, um evento com pouca probabilidade pode ter alto risco se ele trouxer consequências sérias.
            A concentração de dióxido de carbono, um dos principais gases do efeito estufa, vem aumentando substancialmente a acidez dos oceanos. Segundo relatório, o aumento previsto de 4º C na temperatura implicaria um aumento de 150% na acidez dos mares.
            Isso poderia levar a sérios danos aos recifes de corais, muito sensíveis a mudanças do tipo, e teria fortes consequências para as várias espécies dependentes deles e para as populações que exploram o turismo nessas áreas.
            A temperatura prevista em 2100 pode acarretar o aumento de até um metro no nível do oceano. Além dos riscos mais óbvios, como a inundação de áreas costeiras, isso traria mudanças nas correntes marítimas e nos padrões dos ventos, com um aumento de ciclones tropicais e outros eventos climáticos.
            Haveria também uma tendência maior ao clima extremo, com mais seca no sul da Europa e em partes das Américas do Sul e do Norte, entre outras áreas, bem como grande umidade nas altas latitudes do hemisfério Norte.
            Na Amazônia, um aumento de cerca de 2º C até 2050 poderia dobrar o número de incêndios na floresta. "De fato, num planeta 4º C mais quente, a mudança climática pode se tornar a força motriz das mudanças nos ecossistemas, ultrapassando a destruição de habitats como grande ameaça à biodiversidade", afirma o relatório.
            "A mudança climática e o aumento da concentração de de CO2 pode levar os ecossistemas da Terra a um estado desconhecido na experiência humana", completa.
            'AMEDRONTADA'
            "O objetivo desse e de muitos relatórios semelhantes é manter a população amedrontada por uma ameaça irreal, manter os cientistas na sua posição de destaque na sociedade, manter os governos elaborando leis e arrecadando impostos envolvendo o clima, manter ONGs ambientalistas arrebanhando adeptos", critica Daniela Onça, da Universidade do Estado de Santa Catarina.
            Daniela foi uma das signatárias de uma carta aberta à presidente Dilma negando o aquecimento global.
            Ela diz que a projeção catastrofista do aumento da temperatura "não é uma previsão, é um cenário, uma possibilidade que tem tanto valor quanto qualquer outra".
            "É fato que o homem afeta o clima em escala local, mas não tem a capacidade de alterar os fluxos de matéria e energia em escala planetária", completa.

              Europa recomenda aprovação de vacina contra meningite B


              Doença de origem bacteriana pode causar morte de cerca de 8% das pessoas infectadas
              DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIASUma vacina contra a meningite meningocócica B recebeu parecer favorável da agência europeia de medicamentos (EMA). As recomendações da agência costumam ser acatadas pela Comissão Europeia, que deve conceder a autorização para a venda do produto em três meses.
              A imunização, fabricada pela Novartis, é a primeira a oferecer proteção ampla contra o sorotipo B da bactéria Neisseria meningitidis. Ainda não há informações sobre pedido de registro no Brasil.
              Em um estudo publicado neste ano na revista médica "Lancet", a vacina mostrou bons resultados quando aplicada em adolescentes. Dos cerca de 1.600 que receberam duas doses da fórmula, quase 100% apresentaram resposta imunológica, o que sinaliza que eles ganharam defesas contra a doença.
              Na Europa, a meningite B é mais comum do que o tipo C e causa cerca de 5.000 infecções por ano.
              No Brasil, o tipo C ainda é mais comum e já tem vacina disponível no sistema público de saúde. Em 2010, somando todos os sorotipos da doença, o Brasil teve quase 3.000 casos e 605 mortes.
              Segundo dados da agência europeia de medicamentos, cerca de 8% das pessoas que contraem meningite B morrem e até 20% ficam com sequelas permanentes, como problemas de aprendizagem e perda auditiva.
              DIAGNÓSTICO
              A doença é caracterizada pela inflamação das meninges, membranas que revestem o sistema nervoso central. Alguns sintomas são dor de cabeça, náusea e rigidez na nuca (que não aparece em todos os casos). Podem aparecer também manchas vermelhas na pele.
              O tratamento é feito com antibióticos e é importante que o diagnóstico seja rápido para evitar complicações como a sepse (reação inflamatória), que pode causar a morte. Crianças com menos de cinco anos são as mais atingidas pela doença.
              A nova vacina pode ser administrada em crianças a partir dos dois meses de idade.

                Jairo Marques


                Entre mortos e feridos
                Na guerra urbana, tanto policiais como bandidos feridos vão provocar reflexos na sociedade
                A CONTA macabra da violência em São Paulo ganha o requinte da soma de "mais alguns" mortos todos os dias. O assunto empapuça, reconheço. É muito mais agradável ler e saber a respeito daquilo que agrega à vida do que sobre a tal "guerra urbana" que passa a impressão errônea de estar acontecendo láááá longe.
                Mas, olhando com um pouco mais de atenção, é possível sentir perigosamente o cheiro da pólvora e o vento das balas de polícia e de bandidos passarem de raspão na fuça de qualquer um, mesmo que de uma maneira indireta.
                Talvez poucos irão aos velórios das vítimas, mas as marcas da agressão dessa batalha vão estar espalhadas por toda a cidade, seja na ampliação dos estigmas das áreas onde os confrontos se avolumam -até agora, bolsões de pobreza e de degradação social-, seja no enfrentamento da realidade daqueles que pouco aparecem nas estatísticas dos confrontos: os feridos.
                Ainda não li em canto nenhum quanto será o "resto a pagar" dessa tragédia. O impacto das mortes de 300 pessoas, até agora, em São Paulo -e abriu-se também, recentemente, uma frente de guerra em Santa Catarina-, é assustador, vexatório e digno de cobertura exaustiva, mas pouco ou nada se relata daqueles que sobraram baleados, acidentados, esfaqueados, quebrados, despedaçados.
                Do policial, cobra-se o rigor de agir para garantir o bem-estar, a tranquilidade do passeio no parque, mas nunca vi organizarem por aqui a "parada do orgulho do soldado ferido". Não é à toa que repor essa "peça" fundamental da engrenagem de segurança pública esteja se tornando uma missão delicada e complexa.
                Ao passo que nos EUA e na Europa um agente público que tenha se tornado deficiente durante o trabalho ou em campo de guerra é reverenciado, indenizado e amparado por sua bravura, a tradição brasileira é esquecer essa gente e dar a elas a própria sorte: "Faz parte do ofício".
                Quando a vítima da violência é o criminoso, nos casos em que não se perpetua uma das transgressões máximas aos direitos humanos que diz que "bandido bom é bandido morto", e sobra algo de vida a ele, a pintura que resta à sociedade é invariavelmente gótica.
                O próprio "seu ministro" falou que preferia morrer a ficar em prisão brasileira. Imagino que se colocasse a ele um elemento a mais, a prisão a bordo de uma cadeira de rodas, talvez o homem não desejasse nem ter nascido.
                Drauzio Varella, em "Estação Carandiru", retratou em um capítulo o purgatório que detentos com deficiência passam na prisão. Por vezes são destruídos por perebas que consomem a pele sem sensibilidade, por outras apodrecem sozinhos devido à imobilidade impeditiva para tomar qualquer ação vital.
                Na guerra urbana, tanto policiais como bandidos feridos que tornaram-se "prejudicados do esqueleto", em suas mais diversas maneiras de manifestação, vão se transformar em pessoas que provocarão reflexos diversos dentro da sociedade.
                A conta pode chegar por meio do incremento de gastos com saúde, com assistência básica de sobrevivência às vítimas e também de uma maneira mais cruel, o vergonhoso abandono à própria sorte. Torço por saída mais honrosa.

                Combate ao racismo deve minar a ideia de raça, e não reforçá-la - Yvonne Maggie


                CONTRA - YVONNE MAGGIE
                VOCÊ CONCORDA COM EDITAIS SÓ PARA PRODUTORES E CRIADORES NEGROS?
                Combate ao racismo deve minar a ideia de raça, e não reforçá-la
                YVONNE MAGGIEESPECIAL PARA A FOLHAEssa medida [de criar editais exclusivos para criadores e produtores culturais negros] faz parte de um processo que vem se intensificando no país e que visa a separar os cidadãos brasileiros em raças distintas.
                No campo da arte, como no mercado de trabalho, na saúde e na educação, os cidadãos não serão mais vistos como brasileiros, mas como brancos e negros. Essa política que visa, em princípio, a 'beneficiar os assim chamados negros excluídos pelo racismo, usa a perigosa estratégia de entronizar a raça.
                Quando o Estado divide os cidadãos em raças com o objetivo de distribuir direitos, as consequências podem ser graves. Há inúmeros exemplos históricos que sinalizam isso.
                Do meu ponto de vista, já expresso em fóruns, livros e artigos, o caminho para combater o racismo é destruir a ideia de raça, e não reforçá-la.
                Bom, mas os dados já foram lançados desde que o Supremo Tribunal Federal decidiu [em abril deste ano] pela constitucionalidade das cotas raciais -a decisão vale para todo o ensino público.
                Teremos agora uma arte produzida por negros e outra por brancos? Ou a arte busca a universalidade?
                YVONNE MAGGIE, 68, doutora em antropologia social pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é professora titular da mesma instituição

                  Maria Esther Maciel - Mais uma vez, Hildegarda‏

                  "Teve ainda uma atuação incisiva a favor das mulheres" 

                  Maria Esther Maciel
                  Estado de Minas: 20/11/2012 
                  Já escrevi, nesta coluna, sobre a santa alemã Hildegarda de Bingen, uma das mulheres mais impressionantes da Idade Média. Para quem não ainda não a conhece, explico que viveu no século 12 e que, além de monja e teóloga, foi também escritora, compositora, pintora, médica e profetisa respeitada. Suas visões a tornaram célebre não apenas no século em que viveu, mas também nos seguintes. Suas 77 sinfonias, de estilo semelhante ao gregoriano, são magníficas. E seus vários livros ganham, cada vez mais, traduções em diferentes países. Teve ainda uma atuação incisiva a favor das mulheres, e com suas ideias firmes e inovadoras, abalou as estruturas do poder clerical de seu tempo. 

                  O que a traz de volta aqui não é apenas o meu vivo fascínio por sua figura, mas um fato ocorrido em outubro deste ano: oito séculos após sua morte, ela foi, finalmente, canonizada e reconhecida como Doutora da Igreja, título antes atribuído a apenas três mulheres: santas Teresa de Ávila, Catarina de Siena e Teresa de Lisieux. Confesso que quando li essa notícia fiquei bastante surpresa, pois não sabia que ela ainda não tinha sido oficialmente reconhecida como santa e doutora, apesar do culto a ela que já existe há muito tempo, sobretudo na Europa. 

                  Quem me falou pela primeira vez em santa Hildegarda foi uma amiga portuguesa, Ana Marques Gastão, que me indicou alguns livros dela e sobre ela. Comecei pela leitura de uma ótima biografia escrita por Régine Pernoud, já traduzida no Brasil. Depois, li um romance baseado em sua vida, intitulado Música escarlate, de autoria da americana Joan Ohanneson. É uma obra interessante e envolvente, embora sem grande apuro literário. Foi publicado no Brasil em 1999, pela Editora Mandarim, e vale como iniciação à vida e ao trabalho da monja beneditina. Soube que saiu, por agora, um outro romance, Illuminations (Iluminações), também de uma escritora americana, Mary Sharratt. Para não falar nas dezenas de livros acadêmicos e teológicos sobre a santa, editados em diferentes países nos últimos anos. Como se vê, Hildegarda vem se tornando cada vez mais conhecida e amada, o que certamente contribuiu para seu reconhecimento oficial em 2012.

                  No mundo da literatura, os santos sempre despertaram o interesse dos escritores. As histórias de suas vidas são, em geral, um estímulo à imaginação e aos voos criativos de autores de diferentes linhagens. Gustave Flaubert, por exemplo, escreveu As tentações de Santo Antão e o conto “São Julião hospitaleiro”, além de incursionar na história de São João Batista. Já Eça de Queirós dedicou-se, no fim da vida, ao Dicionário de milagres e lendas de santos, editado postumamente. E Maria Gabriela Llansol, escritora portuguesa contemporânea, incluiu diversos santos e santas em seus escritos poético-ficcionais. 

                  Creio que Hildegarda de Bingen ainda será personagem de muitos outros romances. Sua vida excepcional merece ser recontada e reinventada; e seus livros de medicina, teologia e literatura merecem ser traduzidos no Brasil. Que essa canonização tardia possa, pelo menos, torná-la mais conhecida por aqui.

                  >>>

                  Dedico esta crônica a Lúcia Helena Monteiro Machado, que é admiradora de santa Hildegarda e me emprestou um belo filme da BBC sobre ela.

                  Oportunidades para negros ampliam democracia no país - Joel Rufino dos Santos


                  A FAVOR - JOEL RUFINO DOS SANTOS
                  VOCÊ CONCORDA COM EDITAIS SÓ PARA PRODUTORES E CRIADORES NEGROS?
                  Oportunidades para negros ampliam democracia no país
                  DE SÃO PAULO"Em geral, eu sou a favor de ações afirmativas por uma única razão: elas ampliam a democracia brasileira. É muito bonito falar em democracia, mas quando propõem medidas como esses editais, falam em racismo às avessas.
                  Com todo o respeito, isso é uma bobagem. O racismo é uma forma de dominação histórica no país, com negros por baixo e brancos por cima.
                  O Brasil tem 500 anos de vida, sendo que a escravidão perdurou por mais de 400.
                  O que há no Brasil é uma sociedade racista. Não é o branco comum que é racista, é a estrutura social que é racista. Vou apontar um dado que mostra isso: a diferença do mercado de trabalho. Os negros, pelo fato de serem negros, ganham 30% menos do que os brancos. Já foi mais.
                  Outro dado: no Brasil, o branco sempre representa o negro. E o negro nunca representa o branco.
                  Se a pesquisa acadêmica e a produção cultural tivessem mais negros, seria de valor maior para a democracia.
                  Sou um escritor, intelectual, historiador com doutorado. Agora, quando me convidam para debater alguma coisa, é sempre sobre o negro, e não para tratar de questões mais gerais do país. Parece que só discuto esse assunto."
                  JOEL RUFINO DOS SANTOS, historiador e escritor, é professor aposentado da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Em depoimento a Matheus Magenta

                    Tereza Cruvinel - Relógio do PAC‏

                    Este é, agora, para Dilma, o ponto crucial: obter em 2013 - último ano "útil" de seu mandato - resultados econômicos e sociais que lhe garantam os melhores resultados políticos em 2014 

                    Estado de Minas: 20/11/2012 
                    Enquanto a presidente Dilma Rousseff propagava, na Espanha, a robustez da economia brasileira – e nem se esperava que fizesse o contrário –, aqui os analistas econômicos consultados pelo Banco Central reduziam as previsões de crescimento do PIB, este ano, de 1,54% para 1,52%. E as de 2013, de 4% para 3,96%. A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, por sua vez, apresentou mais um balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que incluiu uma previsão para 2013 de elevação do PIB para 4,7%. Este é, agora, para Dilma, o ponto crucial: obter em 2013 – último ano “útil” de seu mandato – resultados econômicos e sociais que lhe garantam os melhores resultados políticos em 2014. 


                    No ano eleitoral, os governos já podem fazer muito pouco para marcar positivamente uma gestão. Até aqui, apesar do “ativismo” anticíclico do governo, conseguiu passar ao largo da crise, mas com resultados deprimidos diante do ritmo anterior.

                    O balanço informou que o PAC executou, até setembro passado, 38,5% das ações previstas para o período 2011-2014, gastando R$ 272,7 bilhões, um resultado orçamentário 82% superior ao do ano passado, quando o gasto ficou em R$ 80,2 bilhões. Isso significa que a execução orçamentária melhorou (chegando a 40% do previsto até 2014), mas que, no ano que vem, o governo vai ter que correr para realizar tudo o que está previsto no programa. As realizações em infraestrutura avançaram, comparativamente ao ano passado, especialmente em transportes (estradas, hidrovias, ferrovias, aeroportos e portos), geração de energia, urbanização, saúde, saneamento e habitação, como se pode conferir, em números, na cobertura econômica. Obras pelo Brasil afora foram mostradas na apresentação da ministra. A execução, de fato, melhorou mas, agora, por outro lado, o tempo encurtou. Conhecendo-se o temperamento da presidente, sua justa impaciência com a burocracia e a lentidão do setor público, esperem seus ministros pelo aumento das cobranças e exasperações com o andamento dos projetos.

                    Agora vai?
                    Na Espanha, Dilma tentou atrair investidores para um projeto que lhe é caro, mas continua empacado, o do trem-bala Rio-São Paulo-Campinas. Embutida no balanço do PAC, veio a informação de que o edital será lançado pela recém-criada Empresa de Planejamento e Logística (EPL) no dia 26. A licitação deverá ocorrer em maio do ano que vem, em duas etapas.

                    Perillo na CPI
                    Muito confusão foi criada ontem em torno da liminar concedida pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello, assegurando ao governador de Goiás, Marconi Perillo, o direito de não comparecer, se convocado pela CPI do Cachoeira. Vale dizer, estabelecendo que uma CPI do Congresso Nacional não tem poderes para convocar governadores de estado, subordinados à fiscalização das assembleias estaduais. O advogado do governador, Marcos Mundim, entedeu que, segundo a liminar, seu cliente “não pode ser convocado nem indiciado”. Ouvi o esclarecimento do próprio ministro: “Como ainda vivemos numa federação, a autonomia dos estados deve ser observada. A liminar ateve-se à convocação, que seria indevida. Quanto à inclusão no relatório final ou eventual pedido de indiciamento, o relator poderá fazê-lo se tiver elementos suficientes para tal”, disse Marco Aurélio. O relator Odair Cunha apresentará seu relatório amanhã.

                    Supremo agitado
                    O ambiente no STF está borbulhante, como diziam as antigas colunas sociais. Os preparativos para a festa de posse de Joaquim Barbosa na presidência mobilizam a casa. A preocupação com o estilo que ele adotará continua preocupando. Uma amostra será dada nas próximas sessões do julgamento em curso, em que ele atuará como relator e presidente. Na sessão de amanhã, ele atuará como vice-presidente. Os ministros mais otimistas dizem que, como presidente, Joaquim se conterá, evitando asperezas com os colegas, a exemplo das broncas que deu no revisor Ricardo Lewandowski. O problema é a natureza humana, que não costuma ser moldada pelos cargos.

                    E há também, no Supremo, expectativas com a posse do novo ministro Teori Zavascki e com a indicação, pela presidente Dilma, do substituto do ex-ministro Carlos Ayres Britto. Na bolsa de cotações, corria forte ontem o nome de Luiz Roberto Barroso, advogado, jurista e professor da Uerj. Há outros nomes no páreo e, principalmente, muita gente preocupada com a escolha de Dilma. Os dois ministros que ela indicou, Rosa Weber e Luiz Fux, foram dos mais “heterodoxos” no julgamento do mensalão. Na seara petista, a queixa maior é de Rosa que, sendo a primeira a votar, deu o tom do julgamento ao desposar integralmente as teses e proposições do relator, como a dispensa de atos de oficio na condenação por corrupção passiva e a cada vez mais discutida teoria do domínio do fato.

                    Dono da voz (Paulo Szot) - Mariana Peixoto‏

                    Paulo Szot faz única apresentação hoje em BH, com a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Com consagrada carreira internacional, o barítono não canta no Brasil há sete anos 

                    Estado de Minas - 20/11/2012 

                    Mariana Peixoto
                    Uma sinusite pegou de surpresa o barítono Paulo Szot. Nem por isso ele diminuiu o ritmo dos últimos dias. Desde sexta-feira em Belo Horizonte, já fez dois ensaios com a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Ainda hoje, antes de sua apresentação na série Vivace, no Palácio das Artes, encontra-se de novo para ensaiar com a formação regida pelo maestro Fabio Mechetti. “A voz é um instrumento vivo, então há vezes que temos dificuldades. Mas nem por isso deixamos de cantar. Nem sempre os resultados são satisfatórios, mas o público não sente isso, só os próprios cantores”, admite ele, que aos 43 anos é dono da voz brasileira mais importante do canto lírico. 

                    Para sua estreia nesta terça ao lado da Filarmônica, Szot admite certo nervosismo. A razão é uma só, como ele próprio explica: “Desde que saí daqui, em 2005, esta será a primeira vez que me apresento no Brasil. Mesmo que esteja muito nervoso em voltar a cantar no meu país, ao mesmo tempo estou muito feliz. Quero fazer meu melhor.” No repertório desta noite, ele vai se dividir entre Gustav Mahler e Richard Wagner. Será um ciclo de canções de Mahler (as chamadas lieder), a obra Blumine, também do autor austríaco, além da cena final de A valquíria e excertos de Os mestres cantores, de Wagner. O programa escolhido por Mechetti destaca a importância da orquestra em diálogo com o canto.

                    “Gosto muito de cantar as canções de Mahler, pois mesmo que a orquestração tenha momentos mais wagnerianos, ele respeita a cor do instrumento. Me identifico com a maneira como ele escreve, é um compositor muito sensível. Já Wagner é mais dramático e um compositor que não tenho muita pretensão de cantar, já que minha voz não é wagnariana. Mas como é um pedaço de um concerto, ele se encaixou muito bem no repertório”, continua Szot, que se impressionou com a variedade de nacionalidades dos integrantes da orquestra mineira. “Ter um grupo misturado é importantíssimo.”

                    Depois de Belo Horizonte, Szot só tem um outro concerto marcado no Brasil. Será na próxima terça, em evento beneficente da Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer, na Série Tucca de Concertos Internacionais, na Sala São Paulo. A carência de apresentações no país é acarretada, de acordo com Szot, por uma dificuldade de agendamento das próprias orquestras. “A Filarmônica é uma exceção. No Brasil, os grupos não organizam suas agendas com antecedência.” 

                    Da Broadway ao Scala
                    E sem um agendamento prévio é complicado, já que Szot tem compromissos firmados até 2015. A demanda só fez crescer a partir de 2008. Foi naquele ano que o barítono paulista, filho de imigrantes poloneses que vieram para o país logo após a Segunda Guerra Mundial, deu a cartada que acabou definindo sua carreira. “Meu sonho sempre foi o de cantar canções, independentemente do gênero.” Isso porque até então ele era reconhecido como cantor lírico. Ao decidir fazer audições para o musical South Pacific (teve a seu lado 200 outros candidatos) ele seguiu sua intuição. Deu certo. 

                    Szot levou o Tony, o Oscar da Broadway (troféu recebido das mãos de Liza Minelli), pela interpretação do protagonista Emile de Becque, fazendeiro francês que se apaixona por enfermeira da Marinha americana numa ilha do Pacífico, durante a Segunda Guerra. De Becque, que ele interpretou por dois anos e meio, tanto em Nova York quanto no Barbican, de Londres, deu-lhe ainda os prêmios Drama Desk e Outer Critics. E mais: abriu o leque de possibilidades.

                    “Nos Estados Unidos não sinto preconceito (sobre cantores líricos que se aventuram na canção popular), pois eles são muito abertos. A New York Philharmonic, por exemplo, promove concertos em que metade do repertório é de óperas e metade de musicais. Minha imagem hoje é entendida como de um cantor que faz os dois gêneros. Já na Europa e também no Brasil as pessoas são mais tradicionais, fazem a distinção.” 

                    Szot tem realmente se equilibrado muito bem entre universos tão distintos. No próximo ano ele participará da terceira temporada de um show de jazz no tradicional Hotel Carlyle, em Nova York. “Quando me convidaram foi um grande presente, pois tudo é feito pelo artista. Tiver que escolher músicos (canta com um trio de jazz), arranjos.” No repertório, standards de musicais como Gigi e My fair lady, bem como canções brasileiras, Tom Jobim e Chico Buarque. 

                    Por outro lado, encara, a partir de abril, aquele que ele considera o maior desafio da carreira. Estreia, no Scala de Milão, a casa de ópera mais prestigiosa do mundo, a montagem de A dog’s heart (O coração de um cão), do russo Alexander Raskatov, sob a regência do maestro V. Gergiev. Desde agosto ele está estudando a ópera. “A dificuldade de aprendizado é grande, pois a música contemporânea não traz as referências tradicionais da música tonal. A forma do compasso muda a toda hora, os saltos de intervalos são absurdos. É um trabalho muito demorado”, finaliza Szot.
                    Programa

                    » Blumine e Rückert Lieder, de Gustav Mahler

                    » Os mestres cantores (Introdução, Dança dos aprendizes e Procissão), Adeus de Wotan e Música do fogo mágico e A cavalgada das valquírias, de Richard Wagner

                    ORQUESTRA FILARMÔNICA DE MINAS GERAIS – SÉRIE VIVACE
                    Concerto hoje, às 20h30, no Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Ingressos: plateia 1: R$ 54 e R$ 27 (meia); plateia 2: R$ 37 e R$ 18,50 (meia); superior: R$ 25 e R$ 12,50 (meia). 

                    Da dança ao canto
                    A música aconteceu de forma acidental na vida de Paulo Szot. Literalmente. Nascido em São Paulo e criado em Ribeirão Pires, onde mantém sua residência hoje (apesar de nunca estar lá), Szot deixou o país ainda adolescente rumo à Polônia. Tinha 18 anos quando, por meio de uma bolsa dada a filhos de poloneses que viviam no exterior, entrou para a Universidade Jaguelônica, em Cracóvia. De cara integrou o grupo de dança da instituição, decidido a se tornar bailarino profissional. Uma queda o tirou de circulação aos 20 anos. Ou ele parava de dançar ou tinha grandes chances de parar de andar. Dois meses depois de ouvir esse diagnóstico, ele entrou para o Slask, grupo folclórico polonês. Já sua estreia profissional em ópera foi com O barbeiro de Sevilha, em São Paulo, em 1997. Foi ainda com a obra de Rossini que Szot se apresentou em BH, no Palácio das Artes, em 2003. Foi sua primeira e até agora única apresentação na cidade.